Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4859/19.0T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
SUA ADMISSIBILIDADE
SEGURADORA DE DANOS PRÓPRIOS
Data do Acordão: 09/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE VISEU – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 10º, Nº 5 DO NCPC.
Sumário: 1. Não será de rejeitar in limine a possibilidade de intervenção principal de terceiros, nos embargos de executado, se indispensável para conferir eficácia à oposição neles deduzida contra a execução.

2. Perante um incipiente enquadramento fáctico e numa fase adjetiva preliminar nada desaconselhará a intervenção em juízo de quem em primeira linha deva, pelo menos, esclarecer se e em que circunstâncias o seguro de “danos próprios”, já accionado, deverá pagar a quantia pedida na ação executiva, estando assim aberta a possibilidade de, na oposição mediante embargos, demandar ou fazer intervir a própria seguradora conjuntamente com o exequente e o tomador do seguro (executado).

3. A referida intervenção não irá servir à formação dum título executivo a favor ou contra a interveniente e não contenderá por isso nem com o fim nem com os limites da ação executiva (art.º 10º, n.º 5 do CPC).

Decisão Texto Integral:




            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:         

I. Em 23.01.2020, V... e A... deduziram oposição, por embargos, à execução para pagamento de quantia certa, no valor de €17 189,07, que lhes é movida por Banco S..., S. A., concluindo pela sua procedência e que deve ser “admitido o incidente de intervenção provocada, chamando-se a intervir nos presentes autos a F... - Companhia de Seguros, S. A., seguindo-se os ulteriores termos processuais”.

Alegaram, nomeadamente: são donos do veículo automóvel com a matrícula ... adquirido à sociedade C..., Lda., em 30.8.2016[1], pelo valor de €22.400; para tal aquisição celebraram o contrato de financiamento “ora dado à execução”; “concomitantemente e para obter o contrato de financiamento para aquisição a crédito”, os executados subscreveram um contrato de seguro que incluía, além das coberturas obrigatórias, “responsabilidade civil facultativa e danos próprios”, “transferido”, em 28.01.2017, para a Seguradora F... (pelo valor de €19.085 quanto ao risco de “danos próprios”) (apólice n.º ...); no dia 16.6.2019, o veículo ... foi furtado; em 19.6.2019, o executado apresentou queixa crime contra desconhecidos por furto do seu veículo automóvel (cf. doc. de fls. 11 verso e seguintes); no dia 10.9.2019, os executados participaram à Seguradora F... o furto do veículo seguro e comunicaram-lhe a existência de “despesas inerentes ao furto do veículo”, solicitando o pagamento previsto nos n.ºs 1 e 2 da cláusula 5ª das condições gerais e especiais da apólice de seguro[2];  o veículo não foi recuperado mas a referida  Seguradora não pagou o “valor pelo qual o veículo se encontrava seguro à data em que ocorreu o respectivo furto”[3]; a exequente ao dar à execução a livrança bem sabia que a mesma decorre do dito contrato de financiamento com um “contrato de seguro acoplado obrigatoriamente a este”; ao saber do aludido furto, a exequente devia aguardar o pagamento da Seguradora, sendo que o valor dado à execução é inferior ao “valor contratado pelos executados com a Seguradora”; o pagamento da quantia exequenda é da responsabilidade da Seguradora e não dos executados/embargantes, pelo que aquela tem legitimidade e interesse directo em intervir nos presentes autos para, querendo, tomar posição sobre os mesmos.

Observado o contraditório (art.º 3º, n.º 3 do Código de Processo Civil/CPC), por despacho 07.11.2020 a Mm.ª Juíza a quo, nos termos e para os efeitos do art.º 732º, n.º 1 do CPC, indeferiu liminarmente os Embargos de Executado, por manifesta improcedência, “tendo em consideração a natureza do título dado à execução, bem como o teor do requerimento inicial de embargos, no que concerne à existência do seguro e respectivo segurado, conjugado com as situações em que é admissível a requerida intervenção (art.º 316º, n.º 3, do Código de Processo Civil)”.

Inconformados, pugnando pela revogação daquele despacho, os embargantes apelaram formulando as seguintes conclusões:

...

            Notificada nos termos e para os efeitos dos art.ºs 638º, n.º 5 e 641º, n.º 7 do CPC, a exequente respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e/ou decidir se existe fundamento para o recebimento dos embargos (máxime, ante a possibilidade de intervenção de terceiros na acção executiva).


*

II. 1. Para a decisão do recurso releva o que consta do relatório que antecede e o seguinte:

a) Consta do requerimento executivo (de 25.10.2019):

1 - O exequente é dono e legítimo portador da Livrança com o n.º ... com o valor aposto de € 17.813,31 (…)[4].

2 - O montante deste título diz respeito a valores em dívida concernentes ao Contrato de Financiamento para aquisição a Crédito n.º ... tendo o referido título sido subscrito de acordo com os termos do mesmo contrato[5] e o executado subscrito a mencionada Livrança a favor do exequente no âmbito do exercício comercial deste último.

3 - Apresentado a pagamento tempestivamente e no local próprio foi pago apenas o montante de € 710,46.

4 - Desta forma, ficou ainda por pagar a quantia de €17.102,85.

5 - Face ao incumprimento do (s) executado (s), sobre o capital em dívida correspondente ao valor da livrança, acrescem os juros vencidos e vincendos, calculados à taxa de 4 % ao ano.

6 - Aqueles juros desde já se liquidam em € 86,22 relativos à livrança e respeitante ao período compreendido entre 06-09-2019 a 22-10-2019, a que deverão acrescer os juros vincendos calculados à mesma taxa.

b) Na mencionada livrança, datada de 12.8.2016, foram apostas a data de vencimento de 06.9.2019 e a expressão «NÃO À ORDEM».

c) Dos “extratos” emitidos pela exequente relativos às prestações n.ºs 35 e 36, vencidas em 15.7.2019 e 15.8.2019, respetivamente, e não pagas, consta que o crédito do mencionado Contrato de Financiamento para aquisição a Crédito” envolvia “reserva de propriedade” (aí categorizado como “Crédito com reserva de propriedade: usados”).[6]

d) Em 10.9.2019, o alegado furto do veículo ... (cf. ponto I., supra) foi comunicado para o endereço “sinistros.automovel (…) seguradora…..pt”.[7]

e) Em 19.9.2019, foi enviada (para a mesmo endereço) a seguinte missiva: “(…) Conforme acordado anteriormente seguem despesas inerentes ao furto melhor identificado. / Aguardo o S... ser ressarcido das mesmas o mais breve possível. (…)”.

2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            A situação em análise não é isenta de dificuldades.

Porém, sem quebra do respeito sempre devido por entendimento contrário, afigura-se que uma leitura menos formal e ortodoxa das normas aplicáveis, aliada ao primordial desiderato de alcançar uma solução que responda com razoabilidade e justiça aos interesses em presença - respeitando-se, também, os subsídios e as orientações da doutrina e da jurisprudência ao longo das duas últimas décadas -, aponta para uma resposta diversa da encontrada em 1ª instância.

A realidade que desde já se antevê configurada reclama, pelo menos, uma mais larga discussão da problemática em apreço, que atenda a todas as particularidades do caso; só depois se poderá/deverá concluir pelo melhor enquadramento e a resposta razoável e adequada, sabendo-se que «nenhum direito (…) admite uma paralisação no tempo: mesmo que as normas não mudem, muda o entendimento das normas, mudam os conflitos de interesses que se têm de resolver, mudam as soluções de direito, que são o direito em acção. Nenhum direito é definitivamente ´factum`: é sempre uma coisa ´in fieri`.»[8]

            3. Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva (art.º 10º, n.º 5 do CPC[9]).

Quando não se verifiquem as circunstâncias impeditivas previstas no n.º 1 do art.º 709º, é permitido: a) A vários credores coligados demandar o mesmo devedor ou vários devedores litisconsortes; b) A um ou vários credores litisconsortes, ou a vários credores coligados, demandar vários devedores coligados desde que obrigados no mesmo título (art.º 56º, n.º 1).

Estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objeto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos art.ºs 32º, 33º e 34º (art.º 311º).

Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária (art.º 316º, n.º 1). Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39º (n.º 2). O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este: a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida; b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor (n.º 3).

O juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo (art.º 547º).

São subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da ação executiva (art.º 555º, n.º 1).

O executado pode opor-se à execução por embargos no prazo de 20 dias a contar da citação (art.º 728º, n.º 1).

 Não se baseando a execução em sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, além dos fundamentos de oposição especificados no art.º 729º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração (art.º 731º).

Os embargos são liminarmente indeferidos quando: a) Tiverem sido deduzidos fora do prazo; b) O fundamento não se ajustar ao disposto nos art.ºs 729º a 731º; c) Forem manifestamente improcedentes (art.º 732º, n.º 1). Se forem recebidos, o exequente é notificado para contestar, dentro do prazo de 20 dias, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo comum declarativo (n.º 2). A procedência dos embargos extingue a execução, no todo ou em parte (n.º 4).

4. Decorre do regime jurídico do contrato de seguro (aprovado pelo DL n.º 72/2008, de 16.4):

- Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente (art.º 1º).

- O sinistro corresponde à verificação, total ou parcial, do evento que desencadeia o accionamento da cobertura do risco prevista no contrato (art.º 99º).

5. Considerados os elementos disponíveis, nenhuma dúvida se suscita sobre a validade do título dado à execução, nem sobre o mencionado contrato de mútuo (conexo e pressuposto, ainda que inexista nos autos documento que o reproduza) e a existência de um contrato de seguro associado e que comporta, entre outras, a modalidade “danos próprios” (abarcando, designadamente, “a subtracção ilegítima do veículo seguro”/fls. 19), desde há muito presente na generalidade dos contratos de mútuo para aquisição de veículo automóvel.

Face aos elementos disponíveis (v. g., a fls. 9 a 11), o executado tem a qualidade de “tomador (e beneficiário); o objecto do seguro/risco seguro (que inclui a responsabilidade civil obrigatória e facultativa, os danos próprios – entre os quais, “Furto ou Roubo” – e outras coberturas acordadas) respeita ao aludido veículo de matrícula 57-MO-32, sendo que tais coberturas (parcialmente impostas pela exequente ao “tomador”/mutuário - adesão ao contrato de seguro que o banco mutuante exige ao seu devedor) também “interessam” à entidade financiadora/exequente; ademais, entendendo-se, porventura, que a dita, e atípica, “reserva de propriedade” a seu favor constitui uma outra “garantia” do crédito (não se tratando de reserva clássica[10] mas mera reserva garantia[11]), a exequente terá o inerente benefício.

6. A questão dos embargos (levada ao presente recurso) surge ou acaba desencadeada pelo (alegado) evento - “Furto ou Roubo” - que se pretende ligado àquela relação contratual que envolve e/ou se repercute na esfera jurídico-patrimonial das partes da acção executiva em apreço, desde logo, os executados, que o invocam como circunstância impeditiva, modificativa ou extintiva do dever de prestar, não sendo inatacável o direito que o título confere.[12]

O contrato de seguro encontra-se intrinsecamente ligado (conexo) ao referido contrato de mútuo, e se, este, não é (formalmente) título executivo no Processo Executivo de que os presentes autos constituem incidente declarativo, dúvidas não restam, também, de que a livrança dada à execução corporiza, sobretudo, uma das garantias do cumprimento daquele contrato [cf. II. 1. b), supra e o art.º 22º, n.º 1 do DL n.º 133/2009, de 02.6[13] - diploma que procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Diretiva n.º 2008/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23.4, relativa a contratos de crédito aos consumidores, na parte referente às alterações introduzidas pela Diretiva n.º 2011/90/UE da Comissão, de 14.11].

7. Por conseguinte, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não será de acolher o entendimento expresso no despacho recorrido, baseado numa estrita e ortodoxa compreensão do título[14] (formalmente) apresentado na presente execução.

E pese embora a existência do referido título executivo com função de garantia, relevam, sobremaneira, dois contratos típicos distintos (contrato de crédito e o contrato de seguro) ligados entre si por um nexo funcional[15]; daí, a interpretação negocial não pode deixar de ser sistémica, convocando os princípios, como o da justiça contratual, da boa fé, da segurança, do equilíbrio das prestações.[16]

Na verdade, toda a descrita amplitude do risco coberto pelo aludido contrato de seguro tem a sua razão de ser na existência daquele contrato de crédito e nas condições impostas para a sua celebração e execução (garantia exigida pelo credor bancário e garantia dos mutuários contra a ocorrência dos eventos aleatórios previstos no contrato), pelo que, nas (já) apuradas circunstâncias, desconsiderá-lo, em sede executiva, não se afigura conforme aos referidos princípios.

Verificado o evento que desencadeia o accionamento da cobertura do risco prevista no contrato, a vontade usual das partes será a de que o credor se pague primeiro à custa do segurador, sendo que a exigência de que o mutuante procure, primeiro, a satisfação do seu crédito junto do segurador, não deixa sem tutela aquele credor, pois sempre poderá demonstrar que não lhe é comprovadamente possível obter aquela satisfação junto do segurador, porque, por exemplo, o contrato de seguro é inválido ou não se verificam as condições convencionadas para que aquele se constitua no dever de prestar a que se vinculou pelo contrato - entendimento que tem encontrado adequado acolhimento na doutrina e jurisprudência, com especial destaque para os seguros de vida e de acidentes pessoais.[17]

8. Assim deverá suceder, ainda que (aparentemente) inexista a habitual sintonia e comunhão de interesses entre a Seguradora e a Instituição Bancária.

9. A oposição à execução por meio de embargos - verdadeira acção declarativa que corre por apenso ao processo de execução - visa a extinção da execução (impedir que a acção executiva tenha seguimento), mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da acção executiva (que pode ser o próprio título executivo); apresenta-se como uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e/ou da acção que nele se baseia; é o meio processual pelo qual o executado exerce o seu direito de defesa perante o pedido do exequente, idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de excepção (para além de servir fins de impugnação).[18]

10. Por norma, a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figura como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor (art.º 53º, n.º 1).

No entanto, a própria lei admite desvios à regra geral da determinação da legitimidade, permitindo, por exemplo, a exequibilidade da sentença contra terceiros, a coligação (v. g., coligação passiva de executados) em determinadas situações (art.ºs 54º a 56º) e a alteração subjectiva por via de habilitação.

A problemática da admissibilidade dos incidentes de terceiros na acção executiva tem sido objecto de indagação jurisprudencial e doutrinária, e, em princípio, não há razões para recusar, sem mais, a aplicação do incidente de intervenção principal provocada na execução, apelando-se às circunstâncias do caso.[19]

E desde há muito se propugna que, em princípio, não será de rejeitar ´in limine` a possibilidade de, nos ´embargos de executado`, dada a sua natureza e finalidade, ser pedida a intervenção principal de terceiros, desde que esta seja indispensável para conferir eficácia à oposição neles deduzida contra a execução.[20]

11. A possibilidade de coligação na acção executiva - considerada por alguma doutrina[21] -, respeitará, in casu, os princípios ditos em II. 2., supra e o comando interpretativo do n.º 1 do art.º 9º do Código Civil[22], porquanto obedece ao mesmo devir que é lei de todas as coisas, no sentido de encontrar a solução que melhor corresponda aos interesses da vida.[23]

12. Nesta fase inicial de alegação dos elementos de facto, e não importando analisar as circunstâncias descritas no documento de fls. 11 verso e seguintes (“auto de notícia” elaborado pela GNR, em 19.6.2019), dir-se-á que se vislumbram os pressupostos objectivos que condicionam o eventual funcionamento do seguro e que os embargantes/executados informaram, tempestivamente, os factos relevantes.

Ademais, perante um incipiente enquadramento fáctico e numa fase adjectiva preliminar, nada desaconselhará a intervenção em juízo de quem em primeira linha deve, pelo menos, esclarecer se e em que circunstâncias o seguro, já accionado, deverá pagar a quantia pedida na acção executiva. Está assim aberta a possibilidade de, na oposição mediante embargos, demandar ou fazer intervir a própria seguradora.[24]

De resto, a referida intervenção não irá servir à formação dum título executivo a favor ou contra a interveniente e não contenderá por isso nem com o fim nem com os limites da acção executiva (art.º 10º, n.º 5).[25]

            A tramitação deve prosseguir.

13. Procedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.

III. Pelo exposto, revoga-se a decisão recorrida, com o consequente prosseguimento dos autos.

Custas segundo o decaimento a final.

                                                                     07/09/2021


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[1] Porém, no documento junto a fls. 8 verso consta a data de 31.8.2016.

[2] Cláusula com o seguinte teor: «1. Ocorrendo roubo, furto ou furto de uso e querendo o segurado beneficiar dos direitos que o contrato de seguro lhe confere deverá apresentar imediatamente queixa às autoridades competentes e promover todas as diligências ao seu alcance conducentes à descoberta do veículo e dos autores do crime"; 2. Em caso de desaparecimento do veículo o Segurado adquire o direito ao pagamento da indemnização devida, decorridos que sejam 60 dias sobre a data da participação da ocorrência à autoridade competente se, no termo desse período, o veículo não tiver sido recuperado.» (cf. art.º 19º da petição e doc. de fls. 19).
[3] Consta dos documentos da apólice (reproduzidos a fls. 9 e seguintes) que ocorreram renovações, nomeadamente, a 28.01.2018 e 28.01.2019.
[4] Documento reproduzido a fls. 58.
[5] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto sem outra menção.
[6] Cf. os documentos de fls. 17 e 18, desconhecendo-se se a dita e atípica “reserva” foi levada ao registo.
   Sobre a problemática da sua existência e validade, cf., sobretudo, II. 5., in fine, e “nota 11”, infra.

[7] Reportando-se a apólice de seguro n.º 754663163, subscrita pelo executado (tomador de seguro), aludida nas “notas 2 e 3”, supra, a que respeitam os documentos de fls. 9 a 11 e 19.
[8] Vide Orlando de Carvalho, A Teoria Geral da Relação Jurídica (seu sentido e limites), 2ª edição, Centelha, Coimbra, 1981, págs. 50 e seguinte.
[9] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[10] Prevista no art.º 409º do Código Civil (sob a epígrafe “Reserva de propriedade”): “1. Nos contratos de alienação é lícito ao alienante reservar para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento. 2. Tratando-se de coisa imóvel, ou de coisa móvel sujeita a registo, só a cláusula constante do registo é oponível a terceiros."

[11] A reserva de propriedade encontrar-se-á registada a favor da exequente, não vendedora, mas apenas financiadora da aquisição feita pelos executados, associada, pois, a um contrato de mútuo que tão-só traduz a transferência para os mutuários do montante pecuniário a eles entregue, e desse modo, até certo ponto incompatível com a norma do art.º 409º, n.º 1, do CC, sede principal da reserva de propriedade, que prevê apenas a sua inserção, em benefício do alienante de qualquer contrato de alienação - neste sentido ou apontando para aquela incompatibilidade, vide, nomeadamente, Ana Maria Peralta, A Posição Jurídica do Comprador na Compra e Venda com Reserva de Propriedade, Almedina, 1990, pág. 2 e, de entre vários, os acórdãos do STJ de 10.7.2008-processo 08B1480 [sumariando-se: «1. Do teor literal do art.º 409º n.º 1 do Cód. Civil conclui-se que só nos contratos de alienação – maxime, nos contratos de compra e venda – é lícita a estipulação da cláusula de reserva de propriedade, a favor do alienante. (…) 4. No contrato de mútuo, celebrado para financiamento da aquisição, pelo mutuário, de um veículo automóvel, não pode o financiador reservar para si o direito de propriedade sobre o veículo, uma vez que, não sendo seu dono, nada vendeu: o contrato de mútuo não é um contrato de alienação, constituindo uma contradição nos próprios termos alguém reservar um direito de propriedade que não tem.»], de 09.10.2008-processo 07A3965 – Uniformização de Jurisprudência n.º 10/2008 (DR n.º 222/2008, Série I, de 14.11.2008) e 12.7.2011-processo-processo 403/07.0TVLSB.L1.S1 [concluindo-se: «IV - A disposição constante do art.º 409º, n.º 1, do CC, apenas permite ao alienante reservar para si a propriedade da coisa e já não ao (eventual) financiador do negócio, o qual, ao conceder ao comprador os meios económicos para realizar o negócio, não intervém no contrato de alienação. V - Suspendendo, a cláusula em questão, somente os efeitos translativos inerentes a um contrato de alienação, só nesse tipo de contrato pode ser estipulada, não sendo válida a cláusula de reserva de propriedade a favor do financiador/mutuante constante do contrato de mútuo, porque legalmente inadmissível, face ao disposto no art.º 409º, n.º 1, do CC.»], da RC de 18.01.2011-processo 2129/03.4TBVIS.C1 [constando do sumário: «V – Um contrato de financiamento de aquisição a crédito, não se confunde com um contrato de locação financeira e uma cláusula de reserva de propriedade não é válida se o financiador não era proprietário do bem.»] e 08.3.2016-processo 934/15.8T8LMG.C1 [com o sumário: «I – Da interpretação literal do art.º 409º C. Civil resulta de uma forma clara que a estipulação da reserva de propriedade sobre uma coisa só é válida nos contratos de alienação, traduzindo-se na sujeição do efeito translativo destes negócios a uma condição suspensiva ou termo inicial, sendo a propriedade sobre o bem alienado utilizada como garantia do cumprimento das prestações do adquirente. II - Suspendendo ela apenas os efeitos translativos inerentes a um contrato de alienação, só poderá ser estipulada nesse contrato. Apenas pode reservar para si o direito de propriedade sobre um bem, suspendendo a sua transmissão, quem outorga contrato de alienação do mesmo, na posição de alienante, pois só ele é o titular do direito reservado. III - No contrato de mútuo, tendo por finalidade o financiamento de aquisição de um determinado bem, apesar da conexão que possa existir entre os dois contra­tos, o mutuante não pode reservar para si o direito de propriedade sobre esse bem, pela simples razão que não é o seu titular, sendo juridicamente impossível que alguém reserve um direito de propriedade que não tem. IV - Assim, a cláusula de reserva de propriedade a favor da Requerente, por­que legalmente impossível, ter-se-á de considerar nula, nos termos do n.º 1 do art.º 280º do C. Civil, o que determina a improcedência dos pedidos de restituição do veículo e cancelamento da inscrição do registo de propriedade sobre o veículo a favor do Réu.»] e da RP de 08.10.2018-processo 4122/16.8T8OAZ-D.P1 e 14.5.2020-processo 1497/14.7TBSTS-F.P1, publicados no “site” da dgsi.

   Com uma perspectiva diversa, vide o acórdão do STJ 30.9.2014-processo 844/09.8TVLSB.L1.S1/maioria [sumariando-se: «1. A reserva de propriedade é uma figura atípica, de natureza mista, com elementos obrigacionais e reais, a qual, apesar da designação de “propriedade”, não confere ao titular o poder de uso, fruição ou disposição de um verdadeiro proprietário, visando antes assegurar ao vendedor o pagamento do preço. 2. É válida a transferência da propriedade reservada do vendedor para o terceiro mutuante, como garantia do crédito concedido por este ao comprador.»], no mesmo “site” e, por exemplo, o “voto de vencido” do aí 2º adjunto no citado acórdão de UJ n.º 10/2008.
   Acrescenta-se que nenhuma das partes juntou aos autos o “contrato de mútuo/financiamento”, desconhecendo-se, assim, se nele consta qualquer cláusula de reserva [cf., ainda, II. 1. c), supra].
[12] Cf. o acórdão do STJ de 07.11.2019-processo 4118/17.2T8GMR-A.G1.S2, publicado no “site” da dgsi.
[13] Normativo que estabelece o seguinte: Se, em relação a um contrato de crédito, o consumidor subscrever letras ou livranças com função de garantia, deve ser aposta naqueles títulos a expressão «Não à ordem», ou outra equivalente, nos termos e com os efeitos previstos na legislação especial aplicável.

[14] Veja-se o seguinte excerto: «(…) A natureza do título dado à execução, a saber livrança, decorre do contrato de financiamento para aquisição a crédito. Aquisição a crédito que tal como sobredito obrigava, como obrigou os executados, a subscrever um contrato de seguro, que imperativamente, continha a cobertura de furto ou roubo do veículo automóvel segurado. / Como é sabido, a livrança é um título comprovativo de dívida que consiste na promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada, regendo-se pelas normas que lhes são próprias, constantes dos art.ºs 75º e ss. da LULL, e, na parte em que não sejam contrárias à natureza desse escrito, pelas disposições relativas às letras indicadas no artigo 77º, da LULL. / Assim sendo, tendo sido dada à execução uma livrança, que se encontrava devidamente preenchida, apresentando todos os requisitos definidos pelos art.ºs 75º e 76º da LULL, e que, por isso, podem servir de base à execução nos termos definidos pelo art.º 703º, n.º 1, al. c), do CPC, não tinha a sociedade exequente de alegar a relação subjacente à emissão do título, pois que com a análise do próprio título os executados podem conhecer o direito que está a ser objecto de execução, porque nele participaram de alguma forma, estando assim assegurado o contraditório e a defesa dos mesmos. / De facto, tratando-se de obrigações cambiárias, o devedor cambiário e a sua obrigação derivam da mera assinatura do título e dos efeitos que à mesma são outorgados pela lei cambiária respectiva, daí que a sociedade exequente nada mais tinha que alegar relativamente a esta obrigação, a qual, como é sabido, caracteriza-se por ser literal e abstracta, sendo a causa de pedir o próprio título dado à execução. (…)»

[15] Vide F. M. Pereira Coelho, Coligação Negocial e Operações Negociais Complexas, Boletim da Faculdade de Direito, Volume Comemorativo, 2003, págs. 209 e seguintes.

[16] Cf., numa situação com similitude bastante, o acórdão da RC de 01.4.2014-processo 1386/12.0TBVNO.C1 (depois de enunciar as três orientações jurisprudenciais sobre a questão de saber se a existência de seguro de vida implica a exoneração da responsabilidade dos herdeiros do mutuário, veio a concluir: «I - Muito embora sendo dois contratos típicos distintos (contrato de crédito ao consumo e o contrato de seguro), em face da dependência recíproca ambos os contratos se completam na obtenção da finalidade económica comum, consubstanciando coligação de contratos, que deve ser perspectiva através de uma “concepção unitária”, com reflexos ao nível da interpretação negocial. II - A existência de seguro de vida implica, em princípio, a exoneração da responsabilidade dos herdeiros do mutuário.»), publicado no “site” da dgsi.

[17] Vide, nomeadamente, F. Gravato de Morais, União de Contratos de Crédito e de Venda para o Consumo, Teses, Coimbra 2004 e Fernando Baptista de Oliveira, Contratos Privados, Vol. III, pg. 587 e 588 e, de entre vários, o acórdão da RE de 15.11.2016-processo 802/05.1TBPSR-C.E1, publicado no “site” da dgsi.

[18] Vide, designadamente, J. Alberto dos Reis, Processo de Execução, Vol. 2º, reimpressão, Coimbra Editora, 1985, págs. 12 e seguintes; J. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 6ª edição, Coimbra Editora, 2014, págs. 193 e 212 e seguintes e Rui Pinto, A Acção Executiva, AAFDL Editora, Lisboa/2018, págs. 365 e seguintes.

[19] Cf., por exemplo, o acórdão da RC de 20.3.2018-processo 5837/16.6T8CBR-A.C1, publicado no site” da dgsi.
[20] Cf. o acórdão do STJ de 01.3.2001, in CJ-STJ, IX, 1, 136.
[21] Vide, designadamente, Eurico Lopes-Cardoso, Manual da acção executiva, edição da INCM, 1987, pág. 134, onde se defende que a expressão contida na lei “obrigados no mesmo título” se refere a “diversos devedores” e não ao “mesmo devedor”, sendo que «gramaticalmente não pode deixar de ser assim (…). Nem o intuito do legislador, ao acrescentar as referidas palavras, foi limitar o campo de aplicação do artigo 58º [a que corresponde o art.º 56º do CPC de 2013]. Pelo contrário, teve em vista alargar esse campo».
[22] Que assim reza: “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.”

[23] Vide Manuel de Andrade, Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis, Arménio Amado – Editor Sucessor, Coimbra, 1987, págs. 17 e 106 e, ainda, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 58 e J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12ª reimpressão, Almedina, Coimbra 2002, págs. 190 e seguintes.

[24] Relativamente a situações de intervenção principal provocada, cf., designadamente, o cit. acórdão da RE de 15.11.2016-processo 802/05.1TBPSR-C.E1 [que reitera o entendimento da jurisprudência no sentido de que «a admissibilidade dos incidentes de intervenção de terceiro no âmbito da acção executiva e respectiva oposição tem que ser analisada em face das circunstâncias do caso concreto, com vista a apurar se, nessas circunstâncias, estão ou não verificados os respectivos pressupostos legais e se a intervenção tem ou não a virtualidade de satisfazer um qualquer interesse legítimo e relevante e (…) implica ou não com a estrutura e a finalidade da acção executiva» ]; em situação similar, cf. o acórdão da RC de 02.6.2020-processo 2212/19.4T8CBR-A.C1 (mesmo colectivo), publicado no “site” da dgsi.

   Apresentando-se os executados como “terceiros garantes”, cf. o cit. acórdão da RC de 20.3.2018-processo 5837/16.6T8CBR-A.C1, no qual se conclui: «O art.º 54º, n.ºs 2 e 3, do CPC (chamamento do devedor) prevê uma situação de litisconsórcio voluntário, pelo que podendo a execução ser instaurada inicialmente contra a devedora, em litisconsórcio voluntário passivo, e alegando os executados (terceiros garantes) interesse atendível no chamamento, em face da compensação de créditos, deve admitir-se o incidente de intervenção principal provocada da devedora na acção executiva.»    
[25] Cf. o cit. acórdão do STJ de 01.3.2001.