Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2732/10.6PTAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 04/27/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - JUÍZO DE PEQUENA INSTÂNCIA CRIMINAL DE ÍLHAVO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 18º, DA C.R.P.
Sumário: A suscitação da questão de inconstitucionalidade tem de traduzir-se numa alegação na qual se indique a norma ou dimensão normativa que se tem por inconstitucional e se problematize a questão da validade constitucional da norma (dimensão normativa) através da invocação de um juízo de antítese entre a norma/dimensão normativa e o(s) parâmetro(s) constitucional(ais), indicando-se, pelo menos, as normas ou princípios constitucionais que a norma sindicanda viola ou afronta.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:

1. No Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo (Comarca do Baixo Vouga),  após julgamento em processo sumário, o arguido SP..., solteiro, residente na …, em ..., foi condenado, pela prática, como autor material, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 7 (sete) meses de prisão, a cumprir em regime de prisão por dias livres, durante 42 (quarenta e dois) períodos, de 36 (trinta e seis) horas cada um, entre as 8 horas de sábado e as 20 horas do domingo seguinte, sem prejuízo do disposto no art. 45.º, n.º 4, do Código Penal, quanto a feriados.


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2. Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença, formulando na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª - O julgado que agora se impugna, e com o qual o arguido não se pode conformar, condenou-o pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.°, n.°s l e 2 do DL 02/98, de 03/01, com referência aos arts. 105.°, 107.° e 122.° do Código da Estrada, na pena de 7 (sete) meses de prisão a cumprir em regime de prisão por dias livres, durante 42 (quarenta e dois) períodos de 36 (trinta e seis) horas cada um.

2.ª - Pelo que se demonstrou que existiu erro na apreciação da prova produzida e, consequentemente que há factos dados como provados e factos que deveriam ter sido provados e que impõem uma decisão diversa da recorrida face à prova produzida em sede de audiência de julgamento, nomeadamente que o recorrente trabalha em regime de turnos, aos fins-de-semana e que o cumprimento de uma pena detentiva causará uma ruptura na sua rotina profissional, com efeitos directos nos seus rendimentos e quiçá na sua estabilidade profissional, excedendo em muito as finalidades da punição, ou dito de outro modo, a sua adequação às necessidades de prevenção geral e especial do caso concreto.

3.ª - Não se conforma o recorrente no que respeita à escolha da pena - pena de prisão a que foi condenado pelo crime de condução ilegal -, nem na medida da pena que lhe foi aplicada, portanto, da forma como foi determinado o “quantum” da mesma.

4.ª - O Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito e melhor juízo, não fez, no caso em apreço, uma correcta aplicação da norma constante, em primeira linha no art. 70.°, bem como a presente no art. 71.° do Código Penal.

5.ª - Considera-se excessiva e desproporcionada a aplicação de pena de prisão e que se devia ter optado ou pela pena de multa, ou pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.

6.ª - Pelo que foi manifestamente decisivo na opção do julgador somente a circunstância de o arguido ter já sido condenado por quatro vezes pela prática do mesmo crime, não considerando, como deveria, as condições sócio-economicas actuais do recorrente.

7.ª - Pelo que deveria ter sido outra a interpretação realizada quanto à determinação das exigências de prevenção especial e neste particular ter sido feito um juízo de prognose favorável ao arguido.

8.ª - Também na determinação da medida da pena - do seu “quantum” - não foram, salvo o devido respeito, bem ponderadas as necessidades de prevenção especial e geral e a culpa do agente, tendo sido aplicada uma pena manifestamente excessiva ao crime de condução sem habilitação legal, depois de consideradas as circunstâncias do caso concreto e as suas reais implicações.

9.ª - Na determinação da medida concreta da pena, e após a operação de ponderação justa sobre a factualidade, personalidade do arguido, antecedentes e outros que devessem ser tidos em conta na operação da determinação da medida da pena, deviam ter sido ponderados os plúrimos factores e variáveis subjectivas que no caso concorrem, de forma diversa e, ter sido aplicada ao recorrente uma pena de substituição como uma pena de multa (art. 43.°, n.° l, do C.P.), uma pena de suspensão de execução da prisão (art. 50.°, do C.P.) ou a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (art. 58.°, do C.P.) em vez da pena aplicada ao arguido.

10.ª - Atendendo que, in casu, e salvo o devido respeito, existiu uma violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação e depois de ponderadas as circunstâncias enunciadas na sentença, conclui-se que, pelo grau de ilicitude do facto, o modo de execução do crime, o dolo com que o agente actuou, as condições pessoais do arguido e a sua situação económica, os seus antecedentes criminais, deveria o “quantum” da medida da pena ser inferior.

11.ª - Deve considerar-se, assim, o cumprimento da pena de 7 meses de prisão a cumprir em regime de dias livres como manifestamente desajustada por exceder as finalidades de punição.

12.ª - Pelo que, a substituição da pena de prisão por uma pena de multa, por prestação de trabalho a favor da comunidade, ou mesmo suspensa na sua execução realizam, essas sim, de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.

13.ª - A perigosidade da conduta do arguido não é de molde a que apenas com a prisão em regime de dias livres se consiga alcançar na pessoa deste o verdadeiro espírito de uma punição, o que também se verificará com uma pena de substituição não detentiva.

14.ª - A situação dos autos, dada a natureza da infracção e pese embora o facto do arguido já ter sofrido quatro condenações anteriores, nomeadamente já ter sido condenado a uma pena de prisão suspensa na sua execução, permite ainda a aposta numa medida não detentiva que penalize e consciencialize o arguido da necessidade de conformar a sua actuação às regras legais vigentes.

15.ª - Ora, de acordo com o art. 58.°, n.° 1, do Código Penal, a pena de prisão de medida não superior a 2 anos pode [e deve] ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

16.ª - Trata-se de um poder-dever que vincula o tribunal a apreciar a aplicação dessa medida sempre que se mostrem preenchidos os pressupostos legais da sua admissão ( Ac. STJ de 21-07-2007, Relator: Cons. Rodrigues da Costa).

17.ª - “A prestação de trabalho a favor da comunidade evita a execução de penas de prisão de curta duração [mesmo que em regime de dias livres] e promove a assimilação da censura do acto ilícito mediante a construção de um trabalho socialmente positivo, a favor da comunidade, assente na adesão do próprio arguido. Ao mesmo tempo, apela a um forte sentimento de co-responsabilização social e de reparação simbólica” (Ac. TRP de 14-07-2007, Rec. Penal 2309/08 - 4.a Secção -www.trp.pt).

18.ª - O art. 50.° do Código Penal estabelece o regime jurídico da suspensão de execução da pena de prisão, tendo como pressuposto formal da aplicação deste regime a pena não poder exceder os cinco anos e como pressuposto material a possibilidade de o julgador concluir pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente.

19.ª - O Tribunal a quo, salvo o devido respeito e melhor juízo, não fez, como deveria, um juízo de prognose favorável ao recorrente.

20.ª - Nesse sentido, relativamente ao juízo de prognose que importa analisar, havia que ponderar toda a factualidade que envolve: (i) a personalidade do arguido; (ii) as condições da sua vida; (iii) a sua conduta anterior e posterior ao crime; (iv) às circunstâncias do crime.

21.ª - Quanto à personalidade do arguido, da matéria de facto provada decorre que este não ignorava que a sua conduta era proibida e punida por lei, tanto mais que havia sido condenado, como autor material por crimes da mesma natureza.

22.ª - No entanto, mostrou sincero arrependimento e respeito pela ordem jurídica, nomeadamente a segurança rodoviária.

23.ª - Tem como habilitações literárias o 7.° ano de escolaridade incompleto.

24.ª - Relativamente às condições de vida do arguido decorre dos factos que o arguido trabalha como operário fabril efectivo, auferindo mensalmente cerca de 800,00€, vive com a namorada, tem uma filha menor a seu cargo, paga de renda de casa 350,00 € e de outros empréstimos 437,00 €.

25.ª - Quanto à sua conduta anterior ao crime, decorre dos factos que, como se referiu, foi anteriormente condenado quatro vezes pelo crime de condução sem habilitação legal, a última das quais em 22-10-2009. Desde a última condenação decorreu mais de um ano.

26.ª - Ou seja, não pode concluir-se, de todo, que o recorrente não parece ter querido mudar de vida, analisando todo o seu CRC e no que respeita à conduta relacionada com a condução sem habilitação legal.

27.ª - Assim, tendo sido determinada a concreta medida da pena e sendo esta uma pena de prisão, impunha-se, em face do exposto, ser objecto de substituição por medida não detentiva.

28.ª - Pelo que, a sentença ora recorrida, violou o art. 70.° e 71.° do Código Penal e o art. 18.° da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a decisão recorrida ser reduzida e ser substituída por pena não detentiva, com procedência dos argumentos invocados, e esperando e confiando no douto suprimento de V. Exas., deverá ser dado provimento ao presente recurso, assim se fazendo a mais recta e sã justiça.


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3. O Ministério Público rematou a sua resposta ao recurso nos termos infra transcritos:
1. O arguido SP... foi julgado no âmbito dos presentes autos, tendo sido a final condenado, pela autoria de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, tipificado no artigo 3.°, n.°s l e 2, do Decreto-Lei n.° 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 7 (sete) meses de prisão a ser cumprida em regime de prisão por dias livres, durante quarenta e dois períodos, de 36 (trinta e seis) horas cada um.
2. O Tribunal a quo, para formar a sua convicção, estribou-se na prova produzida em audiência de discussão e julgamento, mormente na confissão integral e sem reservas do arguido.
3. Nos seis anos anteriores à prática do crime pelo qual veio a ser condenado nestes autos, o arguido sofreu, entre outras, quatro condenações pela prática do crime de condução sem habilitação legal, a última das quais em pena de prisão, substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.
4. O Tribunal a quo optou acertadamente pela aplicação de uma pena detentiva da liberdade em detrimento de uma não detentiva, pois só a primeira pode realizar as finalidades de punição, atento o passado criminal do arguido.
5. Tendo em consideração a moldura penal abstracta aplicável, a pena concreta aplicada mostra-se adequada.
6. Ao arguido já haviam sido aplicadas a prestação de trabalho a favor da comunidade e a suspensão da execução da pena, mas tais condenações não surtiram efeito, voltando o arguido a praticar o mesmo crime, fazendo concluir que substituir a pena de prisão seria, in casu, permitir que o arguido continuasse a acreditar que poderia manter as suas condutas delituosas, afectando gravemente o sentimento jurídico de garantia da validade e vigência da norma violada.
7. A prisão por dias livres tem a finalidade de limitar o mais possível os efeitos criminógenos de uma privação continuada da liberdade, mas não implica que a sua aplicação só se considere quando não cause alterações significativas na vida do arguido. Tal modo de execução da pena de prisão visa, com o carácter intimidativo que a caracteriza, advertir eficazmente o arguido, assegurar as finalidades de prevenção geral e permitir, em grande parte, a manutenção das relações familiares e profissionais do arguido.
8. A razões de prevenção geral e especial apenas poderão ser atingidas com o cumprimento da pena de prisão em dias livres em que o arguido foi condenado, para que este possa, dessa forma, interiorizar o desvalor das suas condutas e porque se revela indispensável para a tutela do ordenamento jurídico.
Pelo exposto, entendemos que negando-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida, farão, V. Ex.as, como sempre, Justiça!!
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4. Neste Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, em parecer a fls. 134/137, assumiu igual posição, ou seja, no sentido da improcedência do recurso.
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5. Notificado, nos termos e para os efeitos consignados no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido não exerceu o seu direito de resposta.
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6. Foram colhidos os vistos e realizada conferência com observância do formalismo legal.
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II. Fundamentação:

1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:

Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Nestes termos, circunscrevem-se ao seguinte quadro as questões, enunciadas pelo recorrente, de que cumpre conhecer:
A) Alterabilidade da matéria de facto;
B) Critério de escolha da pena;
C) Medida e natureza da pena;
D) Se a sentença recorrida violou o artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa.

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2. Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):
1. No dia 10 de Novembro de 2010, pelas 16h20m, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..., pela Travessa de ..., em ..., sem que possuísse qualquer documento que o habilitasse a conduzir a referida viatura;
2. O arguido conhecia as características do veículo e do local por onde conduzia, bem sabendo que não estava legalmente habilitado a levar a cabo tal condução;
3. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era punida e proibida por lei;
4. O arguido é operário fabril auferindo mensalmente €: 544,00;
5. Vive em união de facto, tendo uma filha menor;
6. A sua companheira encontra-se, actualmente, a frequentar um curso de informática no … curso este que é subsidiado;
7. Paga por mês €: 350,00 a título de renda;
8. Despende mensalmente, a título de empréstimo pela aquisição de veículo automóvel, a quantia mensal de €: 350,00 a que acresce outro empréstimo mensal no montante de €: 87,00;
9. Possui o 7.º ano de escolaridade incompleto;
10. Confessou de forma livre, integral e sem reservas, os factos de que vinha acusado, demonstrando arrependimento;
11. O arguido possui os seguintes antecedentes criminais:
- processo n.º 774/04.0 do 1.º juízo do extinto Tribunal Judicial de Ílhavo, foi condenado na pena de única de 60 dias de multa à taxa diária de €: 2,50, pela prática, em 12/08/2004, de um crime de condução sem habilitação legal, pena esta declarada extinta em 15/09/2006 pelo seu cumprimento;
- processo n.º 841/05.2PTAVR do 2.º juízo criminal do extinto Tribunal Judicial de Aveiro, foi condenado na pena de única de 75 dias de multa à taxa diária de €6,00, pela prática, em 12/05/2005, de um crime de condução sem habilitação legal, pena esta declarada extinta em 14/12/2005 pelo seu cumprimento;
- processo nº 493/04.7PBAVR do 2.º juízo criminal do extinto Tribunal Judicial de Aveiro, foi condenado na pena de 10 meses de prisão suspensa por 2 anos, pela prática, em 07/03/2004, de um crime de roubo, pena esta declarada extinta em 20/11/2007 pelo decurso do prazo de suspensão;
- processo n.º 2684/03.9PEAVR do 2.º juízo criminal do extinto Tribunal Judicial de Aveiro, foi condenado na pena de 1 ano e 2 meses de prisão suspensa por 2 anos, pela prática, em 27/11/2003, de um crime de roubo, pena esta declarada extinta em 20/11/2007 pelo decurso do prazo de suspensão;
- processo n.º 713/04.8PBAVR do 3.º juízo criminal do extinto Tribunal Judicial de Aveiro, foi condenado na pena única de 8 meses de prisão suspensa por 2 anos, sujeita a deveres, pela prática, em Outubro de 2003, de um crime furto em concurso real com um crime de abuso de confiança, pena esta declarada extinta em 25/6/2008 pelo decurso do prazo de suspensão;
- processo n.º 952/05.4 PTAVR do 3.º juízo criminal do extinto Tribunal Judicial de Aveiro, foi condenado na pena única de 8 meses de prisão suspensa por 1 ano, pela prática, em 29/06/2006, de um crime condução sem habilitação legal em concurso real com um crime de desobediência qualificada, pena esta declarada extinta em 23/11/2007 pelo decurso do prazo de suspensão;
- processo n.º 2443/09.5PTAVR do juízo de pequena instância criminal de Ílhavo, foi condenado na pena de 360 dias de prisão substituída por 360 horas de trabalho, pela prática, em 22/10/2009, de um crime de condução sem habilitação legal;
12. O arguido já se encontrou inscrito em Escola de Condução nunca tendo efectuado qualquer exame.
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3. Não existindo factos não provados, quanto à motivação da decisão de facto ficou consignado:
O tribunal assentou a sua convicção na confissão livre e espontânea, integral e sem reservas do arguido dos factos de que vinha acusado, bem como nas suas declarações quanto à sua situação socio-económica, no certificado de registo criminal de fls. 20 a 27 e relatório elaborado pela DGRS.
Atendeu-se, ainda, às declarações prestadas pela testemunha Q..., com quem o arguido vive em união de facto, e R..., seu amigo de infância do arguido.
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4. Do mérito do recurso:
4.1. Alterabilidade da matéria de facto:
O recorrente impugna o acervo factológico provado, pretendendo a integração no mesmo dos factos descritos nos pontos 16.º, 17.º, 19.º da motivação propriamente dita e na conclusão 2.ª, a saber:
- «O SP...exerce uma actividade laboral com regularidade, trabalhando por turnos, como operário na mesma empresa há 4 anos, tendo passado a efectivo há cerca de um ano»;
- «O arguido aufere cerca de 800,00 € mensais, por trabalhar por turnos, incluindo os fins-de-semana»;
- «A companheira do arguido encontra-se desempregada, dependendo o agregado familiar fundamentalmente do recorrente, razão pela qual frequenta um curso que não obstante ser subsidiado é de cariz precário».
O meio de prova em que está ancorada a impugnação é o relatório social de fls. 46/48, elaborado pela Delegação Regional do Centro - Equipa do Baixo Vouga, da Direcção - Geral de Reinserção Social.
Analisado tal relatório, fidedigno, porque elaborado a partir de uma pesquisa alargada de elementos (entrevista ao arguido, contacto com o Banco Alimentar contra a fome onde aquele cumpre trabalho a favor da comunidade, recolha de informação no meio social onde o arguido se insere, consulta do dossier existente nos serviços da Equipa de Reinserção Social acima referida), nele estão descritas, sobre as condições sociais e pessoais do ora recorrente, as seguintes passagens:
«SP...integra um agregado familiar constituído recentemente (desde há 2 meses) com uma companheira e uma filha do casal de 2 anos de idade. O casal já mantinha uma relação de namoro desde há 7 anos.
A companheira, de 24 anos, tem o 11.º ano de escolaridade e encontra-se desempregada a frequentar um curso de informática no … - ....
SP...exerce actividade laboral com regularidade, trabalhando por turnos, como operário na mesma empresa há 4 anos, tendo passado a efectivo há cerca de um ano. Aufere cerca de 800 € mensais».
Das declarações, isentas e credíveis, do arguido, na vertente agora em causa, sobressai o salário base daquele, no valor de € 544 em cada mês, ao qual acresce um subsídio de turno.
A interligação dos dois referidos meios de prova dá-nos o valor daquele subsídio, correspondente à diferença entre a quantia global de € 800 e a importância de € 544.
São os factos extraídos do relatório dos Serviços de Reinserção Social, supra citados, acrescidos daqueles outros decorrentes das declarações do arguido, também já postos em evidência, que hão-de ser erigidos à condição de provados.
Mas não também o facto de os turnos efectuados pelo arguido, no exercício da sua profissão, abrangerem os sete dias da semana, que não decorre, quer do relatório social quer da prova oralmente produzida em audiência de julgamento, e as alusões plasmadas nos pontos 18., 19. (com excepção do facto relativo à situação de desemprego da companheira do arguido), 20. e 21. da motivação do recurso.
Os pontos 18. e 20. têm relevância apenas no plano do direito aplicado.
O ponto 19. (com a restrição enunciada) já decorre sobejamente da globalidade da factualidade provada.
O ponto 21. é meramente conclusivo, de cariz exclusivamente jurídico.
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Procedendo à assinalada modificação da matéria de facto [cfr. art. 431.º, al. b) do Código de Processo Penal], nos pontos em destaque, os factos provados são os seguintes:
- pontos 1. a 3., inclusive - inalterados;
- ponto 4.: «O arguido exerce uma actividade laboral com regularidade, trabalhando por turnos, como operário fabril na mesma empresa há 4 anos, tendo passado a efectivo há cerca de um ano»;
- ponto 4.A. «O arguido aufere mensalmente, no exercício da sua profissão, € 800, correspondendo € 544,00 ao salário base e o restante a subsídio de turno»;
- ponto 5. - inalterado;
- ponto 6. - «A sua companheira encontra-se actualmente desempregada e a frequentar um curso de informática no … - ..., curso esse que é subsidiado»;
- pontos 7 a 12 - inalterados.
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À alteração da matéria de facto, nos pontos assinalados, foram determinantes os fundamentos que, casuisticamente, ficaram expostos.
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4.2. Critério da escolha da pena:

Na exegese do recorrente, o tribunal a quo violou o disposto no artigo 70.º do Código Penal.
Assim, as questões ventiladas no recurso envolvem, primeiramente, a sindicância do critério de escolha da pena previsto naquele artigo, porquanto o crime de condução sem habilitação legal cometido pelo arguido é punido com pena de prisão ou multa.
O princípio legal a seguir é simplesmente este: o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa (de multa) sempre que verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição.

O que o mesmo é dizer que a aplicação de uma pena alternativa à pena de prisão, no caso a pena de multa, depende tão somente de considerações de prevenção especial, sobretudo de prevenção especial de socialização, e de prevenção geral sob a forma de satisfação do «sentimento jurídico da comunidade».
Postos estes considerandos, no caso em apreciação são manifestas as necessidades de prevenção geral positiva ou de integração que se fazem sentir, tendo em conta um certo grau de perigosidade que o comportamento do arguido já demonstra, evidenciado pela sua conduta anterior aos factos, reflectida nas quatro condenações que já lhe foram impostas pela prática, em 12/08/2004, 12/05/2005, 29/06/2006 e 22/10/2009, de outros tantos crimes de condução sem habilitação legal, a que acrescem três condenações, impostas pela autoria material de dois crimes de roubo, em 27/11/2003 e 07/03/2004, de um crime de crime de furto em concurso com um crime de abuso de confiança, em Outubro de 2003, e de um crime de desobediência qualificada em concurso com um crime p. e p. no art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL 2/98, de 03/01, em 29/06/2006.
Aliás, em relação aos quatro ilícitos de condução sem habilitação legal, se os dois primeiros foram punidos com multa, o terceiro, praticado em 29/06/2006, em concurso com um crime de desobediência, foi sancionado com 8 meses de prisão (pena única), declarada suspensa na sua execução, enquanto o quarto, ocorrido em 22-10-2009, correspondeu a pena de 360 dias de prisão substituída por 360 dias de trabalho a favor da comunidade.
Como também transparece  uma certa carência de socialização do arguido, aferida em função de uma personalidade que pluriocasionalmente insiste na prática de crimes da referida natureza.
Por isto, a pena de multa já não tem aptidão para atingir as supra enunciadas finalidades da punição, ou seja, a protecção de bens jurídicos e um aceitável patamar de inserção social por parte do arguido, havendo que optar, em última ratio, pela pena de prisão.

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  4.3. Medida da pena de prisão:

 Preceitua o art. 40.º, do Código Penal, que «a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (n.º 1), sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa» (n.º 2).

Abstractamente a pena é definida em função da culpa e da prevenção, intervindo, ainda, circunstâncias que não fazendo parte do tipo, atenuam ou agravam a responsabilidade do agente - art. 71.º, n.ºs 1 e 2 do CP.

A função primordial de uma pena, sem embargo dos aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.
O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.

O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.

Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.

Como refere Claus Roxin, em passagens escritas perfeitamente consonantes com os princípios basilares no nosso direito penal, «a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou de intimidação revelem como desenlace uma detenção mais prolongada.

A sensação de justiça, à qual corresponde um grande significado para a estabilização da consciência jurídico-penal, exige que ninguém possa ser castigado mais duramente do que aquilo que merece; e “merecida” é só uma pena de acordo com a culpabilidade.
Certamente a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, que também limita a pena pela medida da culpabilidade, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva.
A pena serve os fins de prevenção especial e geral. Limita-se na sua magnitude pela medida da culpabilidade, mas pode fixar-se abaixo deste limite em tanto quanto o achem necessário as exigências preventivas especiais e a ele não se oponham as exigências mínimas preventivas gerais».[1]

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Revertendo ao caso dos autos, a ilicitude não se destaca das situações normalmente ocorridas, relativas à condução de veículos sem habilitação legal.
Ao nível da culpa, agiu o arguido na modalidade mais intensa de dolo, o directo.

A conduta anterior do arguido, no período compreendido entre os anos de 2003 e 2009, está marcada por sete condenações, quatro delas determinadas pela prática de crimes de condução sem habilitação legal.

Em abono do arguido, destaca-se a confissão integral e sem reservas (embora de escasso valor atenuativo, tendo em conta a específica situação - flagrante delito - em que o arguido foi detectado pelas forças policiais no exercício indevido da condução automóvel), acompanhada de arrependimento, e a sua situação pessoal e condição económica.
Sopesando estes elementos, e consideradas as exigências de prevenção geral e especial positiva ou de socialização, evidenciadas pela reiterada violação, pelo arguido, dos valores jurídicos protegidos pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do DL 2/98, temos como justa e adequada a pena de sete meses de prisão imposta pelo tribunal a quo.

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4.4. Sobre a pretendida aplicação de uma pena não privativa de liberdade:
Pretende o recorrente a substituição da prisão por pena de multa, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1, do Código Penal, ou por trabalho a favor da comunidade, ao abrigo da previsão do artigo 58.º daquele diploma, ou mesmo a suspensão da execução da pena, como permitido pelo artigo 50.º, ainda do referido Código.
Efectivamente, a opção pela pena principal de prisão em detrimento da pena de multa não determina necessariamente o cumprimento da pena privativa de liberdade.
Desde logo, a preferência pela pena de prisão não é de modo algum incompatível com a aplicação posterior da multa de substituição prevista no artigo 43.º do Código Penal.
Como refere Figueiredo Dias[2], o tribunal, na alternativa, pode decidir-se pela prisão, por esta lhe parecer «preferível» à multa, mas ser legalmente obrigado depois [por ter fixado em concreto uma pena de prisão não superior a 6 meses (actualmente 1 ano)], sem contradição, substituí-la por multa, por a prisão não ser, no caso, imposta por razões de prevenção. De outra forma, o artigo 43.º – um dos preceitos político-criminalmente mais relevantes de todo o CP – seria, pura e simplesmente, «letra morta» sempre que (como vimos dever ser a regra na pequena e na média criminalidade) um crime fosse, em alternativa, punível com pena de prisão ou com pena de multa.
Aliás, face ao novo limite de um ano previsto no artigo 43.º, está alargado o campo para substituir a prisão por multa, dando-se prevalência à pena pecuniária face às restantes penas de substituição aplicáveis.
Justificada a insuficiência da multa, deve o tribunal verificar, então, se, de acordo, com as necessidades da punição, outra pena de substituição em sentido próprio (suspensão da execução da pena ou prestação de trabalho a favor da comunidade – artigo 50.º e 58.º do CP) se mostra adequada e proporcional ao caso em análise.
De há muito a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores vêm afirmando o dever do Tribunal de 1.ª instância, perante a determinação de uma pena de prisão de medida não superior a 3 anos de prisão (actualmente 5 anos), ter sempre de fundamentar, especificamente, quer a concessão quer a denegação da suspensão da execução da pena[3].
Recentemente, igual posição vem sendo sustentada relativamente à prestação de trabalho a favor da comunidade[4].
Como é referido no citado Acórdão desta Relação de Coimbra, tal como sucede com a suspensão da execução da pena, o tribunal não é livre de aplicar ou deixar de aplicar tal pena de substituição; antes, o que está consagrado na lei é um poder/dever ou um poder vinculado, tal como sucede com a suspensão da execução da pena, pelo que, verificados os respectivos pressupostos, o tribunal não pode deixar de aplicá-la.
Parafraseando o anotado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, «nada garante que, não podendo as exigências de punição ser satisfeitas com a suspensão da execução da pena, não o possam ser com a prestação de trabalho a favor da comunidade».
No caso dos autos, o tribunal considerou a imprescindibilidade do cumprimento, por dias livres, nos termos do disposto no artigo 45.º do Código Penal, da pena imposta ao arguido, de sete meses de prisão, tecendo referências pontuais e específicas quanto à inadequação de todas as outras penas de substituição, em sentido próprio.
Há que ver, então, se o julgador de 1.ª instância decidiu com acerto.
Dispõe o artigo 43.º , n.º 1, do Código Penal:
«A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47.º».
E o artigo 50.º do mesmo Código:
1 – O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 – O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 – Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
4 - (…).
5 – O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão».
Por seu turno, prescreve o artigo 58.º, também do referido diploma:
1 - Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão em medida não superior a 2 anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 – A prestação de trabalho a favor da comunidade consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas colectivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o tribunal considere de interesse para a comunidade.
3 – Para efeito do disposto no n.º 1, cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas.
4 – O trabalho a favor da comunidade pode ser prestado aos sábados, domingos e feriados, bem como nos dias úteis, mas neste caso os períodos de trabalho não podem prejudicar a jornada normal de trabalho, nem exceder, por dia, o permitido segundo o regime de horas extraordinárias aplicável.
5 – A pena de prestação de trabalho a favor da comunidade só pode ser aplicada com aceitação do condenado.
6 – (…)».
A apreciação e decisão sobre as medidas de substituição em causa constituem, como já foi dito, uma faculdade vinculada, necessariamente dependente do poder-dever da sua aplicação, desde que verificados os pressupostos exigidos nas supra citadas normas.
Para se optar pela multa de substituição, é imprescindível que o arguido tenha sido condenado em pena de prisão não superior a um ano.
Quanto à suspensão da execução da pena, exige a lei, também como pressuposto formal, que ao agente deva ser concretamente aplicada pena de prisão até ao limite máximo de 5 anos.
No que concerne à prestação de trabalho a favor da comunidade, os pressupostos de índole formal consistem na imposição de pena de prisão não superior a dois anos e na aceitação do condenado.
No que tange ao pressuposto material das ditas penas de substituição, o critério legal traduz-se no seguinte: o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade, primeiramente, a pena de multa de substituição, e, não sendo esta viável, a suspensão da execução da pena ou a prestação de trabalho a favor da comunidade, sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, uma ou outra se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição.
O que o mesmo é dizer que as referidas penas de substituição dependem tão-somente de considerações de prevenção especial, sobretudo de prevenção especial de socialização, e de prevenção geral sob a forma de satisfação do «sentimento jurídico da comunidade».
«(…) O tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena (…) de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação», esta pena  «se revele mais adequada e suficiente na realização das finalidades da punição. O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena (…) de substituição e a sua efectiva aplicação.
Bem se compreende que assim seja: sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie da pena. Por outras palavras: a função da culpa exerce-se no momento da determinação quer da medida da pena de prisão (necessária como pressuposto da substituição), quer da medida da pena alternativa ou de substituição; ela é eminentemente estranha, porém, às razões históricas e polícito-criminais que justificam as penas (…) de substituição, não tendo sido em nome de considerações de culpa, ou por força delas, que tais penas se constituíram e existem no ordenamento jurídico.
(…) Desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena de substituição só não será aplicada se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias»[5].
Na verdade, a pena de prisão constitui a última ratio da política criminal e da preferência das reacções criminais não detentivas face às detentivas. Deste princípio orientador se colhe a exigência de preterição da aplicação da mesma em favor das penas não detentivas, sempre que estas se revelem suficientes à realização das finalidades da punição.
Por outro lado, é conveniente esclarecer que o que está em causa no instituto da suspensão da execução da pena não é qualquer «certeza», mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser conseguida. O tribunal deve correr o risco “prudencial” (fundado e calculado) sobre a manutenção do agente em liberdade.
No que respeita à prestação de trabalho a favor da comunidade, como é consensualmente aceite, constitui um instrumento privilegiado de uma política criminal fundada na ressocialização do condenado e no recuo da pena de prisão.
Neste sentido, desde logo Figueiredo Dias veio assinalar o «altíssimo valor que, no quadro das penas de substituição, deve ser atribuído à PTFC», admitindo que esta pena seja a criação mais relevante, até hoje verificada, do arsenal punitivo de substituição da pena de prisão, nela realçando não só o seu carácter punitivo, enquanto perda para o condenado de uma parte substancial dos tempos livres, sem por isso o privar de liberdade e permitindo-lhe consequentemente a manutenção íntegra das suas ligações familiares, profissionais e económicas, como também o conteúdo socialmente positivo que lhe assiste, enquanto se traduz numa prestação activa e, num certo sentido, “voluntário” a favor da comunidade[6].
Idêntica posição manifestou Maia Gonçalves, quando escreveu, a propósito da revisão, em 1995, do Código Penal:
«A CRCP propôs um expressivo alargamento dos pressupostos da PTFC atendendo à ideia de que se trata porventura da mais importante descoberta político-criminal dos últimos decénios no domínio sancionatório e que esta é a única das penas que não tem carácter estritamente pessoal-negativo, mas assume cariz social-positivo»[7].
Alargamento a que o legislador prestou recentemente ainda maior dimensão, ao permitir a PTFC a casos de aplicação de penas de prisão até ao limite de dois anos, vincando de forma significativa a relevância daquela medida punitiva no quadro das alternativas à pena de prisão.
*
No caso concreto, está fora de causa a substituição da pena de prisão por pena de multa e a suspensão da execução da pena.
Revisitados os factos provados, quer na vertente de prevenção geral positiva, de integração, quer na vertente especial positiva, de socialização, a personalidade do arguido manifestada na prática dos diversos crimes já acima elencados, com predominância para a reiteração, por quatro vezes, do crime de condução em estado de embriaguez, não legitimam a substituição prevista no n.º 1 do artigo 43.º do Código Penal, nem tão pouco um prognóstico favorável nos termos e para os efeitos do artigo 50.º, n.º 1, daquele diploma legal.
Efectivamente, o arguido manteve-se indiferente à solene advertência contida nas condenações que lhe foram impostas, reportadas essencialmente aos crimes de condução sem habilitação legal, sucedendo que uma dessas condenações, a penúltima, comportou pena de prisão cuja execução foi declarada suspensa.
Por outro lado, não obstante as vantagens abstractas reconhecidas à PTFC, a sua aplicação ao recorrente não asseguraria, de forma suficiente e adequada, as finalidades da punição.
Desde logo, subsistem sérias razões para duvidar da capacidade de o arguido se abster da prática de novos crimes de condução sem habilitação legal, se lhe fosse imposta a referida pena de substituição.
Como se colhe da matéria de facto provada e já acima foi salientado, ao arguido já foram impostas, num período aproximado de 6 anos, sete condenações, quatro das quais pela prática de crimes da natureza do imputado no presente processo.
As duas condenações em pena de multa, registadas por factos praticados em 2004 e 2005, nenhum efeito dissuasor tiveram no arguido, uma vez que, no ano de 2006, voltou a incorrer na prática de novo crime, desta vez punido com pena de prisão declarada suspensa na sua execução.
Esta pena continuou a não ser suficientemente persuasiva, na medida em que o arguido, em 22 de Outubro de 1999, sofreu nova condenação, ainda pelo mesmo crime de condução sem habilitação legal, tendo a pena de prisão aplicada sido substituída por PTFC.
Indiferente à advertência solene contida na última condenação, o arguido, decorrido cerca de um ano, retomou a condução automóvel ilícita, praticando os factos que respeitam aos presentes autos.
Perante a reiteração criminosa do arguido e a insensibilidade demonstrada pelas sucessivas sanções não privativas de liberdade, uma delas, a última traduzida na prestação de trabalho a favor da comunidade, fica claramente afastado o juízo de prognose favorável quanto à sua capacidade de se ressocializar por via da referida pena de substituição.
Se a prognose sobre o comportamento futuro do arguido é negativo, concomitantemente, o sentimento jurídico da comunidade exige que o arguido cumpra em clausura a pena de prisão cominada, uma vez que, perante o rol de condenações já concretizadas e sua natureza, só assim se asseguram as exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.
A sociedade tolera uma certa perda de efeito preventivo geral, isto é, conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição. Já não tolera a sua ineficácia[8].
Assim, como decidiu o tribunal a quo, não obsta e tudo justifica a aplicação da pena de substituição em sentido amplo ou impróprio prevista no artigo 45.º do Código Penal.
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4.5. Violação do artigo 18.º da CRP:
Como vem repetidamente acentuando o Tribunal Constitucional, a suscitação da questão de inconstitucionalidade tem de traduzir-se numa alegação na qual se indique a norma ou dimensão normativa que se tem por inconstitucional e se problematize a questão da validade constitucional da norma (dimensão normativa) através da invocação de um juízo de antítese entre a norma/dimensão normativa e o(s) parâmetro(s) constitucional(ais), indicando-se, pelo menos, as normas ou princípios constitucionais que a norma sindicanda viola ou afronta[9].
Ora, no caso dos autos, o arguido não cumpriu cabalmente esse ónus, limitando-se a referir a violação, pela sentença recorrida, do artigo 18.º da Constituição.
De todo o modo, sempre se dirá:
Tendo em conta a globalidade da petição recursória, só pode estar em causa a violação do n.º 2 do artigo 18.º do texto constitucional. Neste preceito dispõe-se que «a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos».
As restrições de que fala o citado normativo são as previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 27.º da Constituição, entre as quais se conta a privação da liberdade em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão.
Como adverte Figueiredo Dias[10], há-de observar-se «uma estrita analogia entre a ordem axiológica constitucional e a ordem legal dos bens jurídico-penais», ficando toda a intervenção penal subordinada a «um estrito princípio de necessidade». «Só por razões de prevenção geral, nomeadamente de prevenção geral de integração - sublinha-se  - se pode justificar a aplicação de reacções criminais».
Entende-se, deste modo, que as sanções penais só se justificam quando forem necessárias, isto é, indispensáveis, tanto na sua existência, como na sua medida, à conservação e à paz da sociedade civil[11].
A limitação da liberdade de conformação legislativa de lançar mão desta ou daquela reacção penal cabe, obviamente, em primeira linha, ao legislador.
«Quando, pois, se não esteja em presença de uma situação de excesso - ou, pelo menos, não seja manifesto que tal aconteça - a norma incriminadora não pode ser censurada sub specie constitucionis, em nome do princípio da proporcionalidade»[12].
Ora, no caso sub judice, é fora de dúvida a necessidade do artigo 45.º do Código Penal (norma que, segundo se nos afigura, poderá estar em causa), como é indiscutível a proporcionalidade do mesmo aos fins que estão na sua génese: protecção das condições sociais indispensáveis ao viver comunitário, não se verificando também situação de excesso na sua interpretação e aplicação.
*
Não pode assim proceder a pretensão do arguido, sendo o recurso totalmente improcedente.
*
III. Decisão:
 Posto o que precede, acordam os Juízes, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, em negar provimento ao recurso, confirmando, na íntegra, a decisão recorrida.
Taxa de justiça, de 3 UC, a cargo do arguido (artigos 513.º, do CPP, e 8.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais, e tabela III anexa a este diploma).

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Alberto Mira (Relator)
Elisa Sales


[1] Derecho Penal - Parte General, Tomo I, Tradução da 2.ª edição Alemã e notas por Diego-Manuel Luzón Penã, Miguel Díaz Y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Civitas), págs. 99/101 e 103.
[2] In As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 364.
[3] Cfr., v.g. Acs. do STJ de 12-12-2002, proc. n.º 4196/02-5.ª; 09-11-2005, tomo III, CJ/STJ, pág.209, e 10-05-2006, proc. n.º 06P3132, in www.dgsi.pt.
[4] Cfr., v.g, Acs. do STJ de 21-06-2007 (proc. n.º 07P2059), da Relação do Porto de 04-02-2009 (proc. n.º 0816730) e da Relação de Coimbra de 01-04-2009 (proc. n.º 476/04.7TAPBL.C1), todos publicados no site www.dgsi.pt.
[5] Jorge de Figueiredo Dias, idem, § 4978 e 498, 499 e 500, págs. 331/333.
[6] Ibidem, § 573, pág. 372.
[7] Código Penal Anotado, 8.ª edição, 1995, anotação ao artigo 58.º, pág. 328.
[8] Cfr. Costa Andrade, RLJ, 134, pág. 76.
[9] Ac. do Tribunal Constitucional n.º 146/2010, de 14/04/2010.
[10] O sistema sancionatório no direito penal português, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Eduardo Correia, I, Boletim da Faculdade de Direito, número especial, Coimbra, 1984, pág. 823.
[11] José de Sousa Brito, A lei penal na Constituição, in Estudos sobre a Constituição, vol. 2.º, Lisboa, 1978, pág. 218.
[12] Cfr. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 595/2008, de 10/12/2008, publicado em www.tribunalconstitucional.pt.