Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2868/03.0TBVIS-P.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: FALÊNCIA
IMPUGNAÇÃO
BENEFÍCIO DA MASSA FALIDA
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 03/11/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3.º JUÍZO CÍVEL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 610.º, 612.º, 616.º Nº1. 818.º DO CÓDIGO CIVIL, 157.º E 159.º DO CPERF
Sumário: 1. São impugnáveis em benefício da massa falida todos os actos susceptíveis de impugnação pauliana nos termos da lei civil.

2. A impugnação pauliana depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: a) Existência de um crédito de que autor da acção de impugnação pauliana seja titular; b) Verificação de uma diminuição da garantia patrimonial do crédito, ou pela redução do activo do devedor, ou pelo aumento do seu passivo; c) Impossibilidade ou agravamento para a satisfação integral do crédito, que pode consistir na substituição dos bens do devedor por outros facilmente deterioráveis ou consumíveis, como acontece com o dinheiro, e deve reportar ao momento do acto de alienação; d) Nexo de causalidade entre o acto impugnado e a referida impossibilidade ou agravamento; e) Existência de má-fé do devedor e do adquirente, no que aos actos onerosos diz respeito, sendo suficiente a convicção de a conduta não ser recta conforme ao direito, ficando afastada somente a negligência inconsciente.

3. Cabe ao credor a prova do montante das dívidas, competindo ao devedor (ou o terceiro adquirente, igualmente demandado) a prova da existência de património de igual ou maior valor que o débito, no momento do acto impugnado.

4. Julgada procedente a impugnação pauliana, os bens ou valores correspondentes revertem para a massa falida, sem restrições.

5. O terceiro adquirente com quem o falido celebrou o acto resolvido ou impugnado tem direito a restituição, sendo o este valor considerado crédito comum.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           
Por apenso ao processo de falência n.º 2868/03.0TBVIS, a Massa Falida de A... Lda, representada pelo respectivo liquidatário, veio intentar acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, contra B... , pedindo que:
Seja declarada a ineficácia da venda do Lote nº 7, consubstanciada na escritura de compra e venda identificada no artº1º da P.I., em relação à massa falida, julgando-se procedente a sua impugnação e consequente reversão do bem, aí objecto de transmissão, para a massa falida, devendo ser apresentado ao Sr. Liquidatário dentro do prazo fixado na sentença, nos termos e com a cominação do artº159º do CPREF;
Seja ordenado o cancelamento no Registo Predial de Viseu da inscrição G 2- (...) correspondente à apresentação nº8 de 2003.06.25, lavrada na ficha nº (...)-19990517, bem como de outros registos posteriores ao acto impugnado;
Seja o Réu condenado nas custas, procuradoria condigna e demais despesas.
Para tanto, e em síntese, alegou que os intervenientes na escritura pública de compra e venda, realizada em 24.06.2003, do prédio urbano denominado Lote nº 7 sabiam que a " A..., Lda" se encontrava em situação de iminente falência e agiram com o propósito de subtraírem o referido imóvel que dela foi objecto à satisfação dos respectivos débitos.
O Réu contestou, invocando, em síntese, a ineptidão da petição inicial e sustentando que o negócio impugnado foi celebrado a título oneroso e de boa-fé, pugnando pela improcedência da acção.
O Réu deduziu ainda reconvenção, peticionando reconvencionalmente que :
Seja a Reconvinte condenada a reconhecer o direito/titularidade de proprietário do Reconvinte sobre o prédio descrito na Conservatória sob o número (...) e fracções A), B) e C) que o integram;
Seja ordenado o cancelamento do registo da acção, ali registado pela inscrição F, apresentação 18 de 2004.12.16;
Quando assim não se entenda, e no caso de procedência da acção, seja a Reconvinda condenada a pagar à Reconvinte a quantia de €271.717,14, acrescida de juros moratórios desde a notificação da reconvenção e até efectivo e integral pagamento e ainda a quantia de €50.000 a título de ressarcimento de danos não patrimoniais e frustração das expectativas negociais pela ineficácia do negócio.
Para tanto, o Reconvinte alegou, em síntese, ser o titular e legítimo proprietário e possuidor do prédio identificado nos artºs 1º e 2º da P.I., devendo a Reconvinda reconhecer esse direito/titularidade do Reconvinte de proprietário sobre tal prédio e fracções que o integram, ordenando-se o cancelamento do registo da acção, mais invocando, subsidiariamente que o Reconvinte despendeu na aquisição do lote e obras aí executadas €271.717,14, repercutindo-se a ineficácia do negócio num prejuízo patrimonial para o Reconvinte naquele valor que reclama, havendo manifesta frustração das suas legítimas e razoáveis expectativas negociais pela ineficácia do negócio, sendo que sempre lhe foram criadas legítimas expectativas e um grau elevado de confiança no Reconvindo pela escritura, no sentido da sua durabilidade temporal e inviolabilidade formal, merecendo tais danos não patrimoniais e frustração das expectativas negociais, pela sua gravidade e dimensão, a tutela do direito, devendo ser ressarcidos em valor não inferior a €50.000 por via da equidade.
Notificada da contestação-reconvenção, a Autora replicou, concluindo pela inadmissibilidade da reconvenção e ainda pela sua improcedência, com a consequente absolvição da A., reafirmando ter havido má fé dos intervenientes da aludida escritura, pugnando pela improcedência da invocada ineptidão da petição e impugnando ainda o invocado pelo Réu, designadamente quanto às obras que este invoca ter realizado e concluído.   
De fls.159 a 166 decidiu-se pela não admissão da reconvenção deduzida pelo réu reconvinte.

Inconformado com esta decisão, interpôs recurso o réu, recurso, esse, admitido como recurso de agravo, com efeito devolutivo e subida diferida (cf. despacho de fl.s 172), finalizando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:
I – Está preenchida a previsão estatuída na alínea a) do n.º 2 do artigo 274.º do CPC, porquanto o contrato em que se funda a acção e cuja ineficácia se requer “Escritura de Compra e Venda” de 24/06/2003, é o mesmo que o contrato em que se funda a reconvenção, pois que só com a celebração deste contrato e propositura da acção nasceram na esfera jurídica do agravante os direitos reconvencionais reclamados.
II – Está preenchida a previsão contida na alínea b) do n.º 2 do artigo 274.º do CPC, pois que com a reconvenção o agravante pretende tornar efectivo o direito a benfeitorias, como aliás expressamente refere no seu articulado, bem como as despesas relativas ao imóvel cuja entrega lhe é pedida.
III – É processualmente inadmissível a actual proposição de acções contra a massa falida, ainda que para o exercício dos direitos ora reclamados em sede reconvencional, porque está precludido o prazo de um ano após a sentença transitada em julgado, que decreta a falência, para o exercício de tais direitos.
IV – O crédito do agravante só se gerou após a citação efectuada em 31/01/2006, para contestar a presente acção, pelo que só desde então o agravante conheceu os fundamentos de facto e de direito que presidem à actuação da agravada, destarte, só então pôde considerar a existência de um crédito sobre a mesma, perante a eventual procedência do pedido da agravada.
V – O direito de reclamação de créditos, em sede falimentar, apenas assiste, naturalmente, ao detentor de um crédito, reconhecido ou não por sentença transitada em julgado.
VI – A inoponibilidade do exercício deste direito por o agravante no prazo falimentar legal, não deriva de qualquer culpa ou omissões que lhe sejam assacadas, mas da inexistência desse crédito, face à situação fáctica até então existente.
VII – A determinação da existência do crédito reclamado em sede reconvencional, só se gerou com a citação para contestar a presente acção, o que a torna legalmente admissível.
VIII – O presente processo é a única garantia jurisdicional de que o agravante dispõe para a solução jurídica do conflito reconvencionalmente apresentado, face à caducidade do exercício dos direitos falimentares e pela constituição do reconhecimento do exercício do seu direito de crédito, só operada com o pedido de ineficácia do negócio.
IX – Assim o não sendo, denega-se justiça e viola-se o princípio constitucionalmente consagrado no artigo 20.º n.º 1 da Lei Fundamental.
X – Foram violadas, pelos entendimentos sobreditos, as alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 274º e o artigo 3.º, todos do CPC.
XI – Foi violado o artigo 20.º da CRP, traduzido no princípio do acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional.
Termina, peticionando a procedência do recurso, admitindo-se a reconvenção.

Contra-alegando, a autora, pugna pela manutenção da decisão recorrida, estribando-se nos fundamentos que nesta foram expostos.

A fls.201, foi proferido Despacho a sustentar a Decisão recorrida.

No seguimento do processado, a fls.205 a 210 foi proferido Despacho em que, considerando-se estar-se perante uma situação de litisconsórcio necessário passivo, se convidou o autor a, no prazo de 10 dias, suscitar o adequado incidente de intervenção de terceiros, de forma a fazer intervir na presente lide, do lado passivo, os representantes legais que, em nome da sociedade falida, intervieram no acto impugnado, sob pena de ser oficiosamente conhecida a excepção de ilegitimidade passiva, por preterição do litisconsórcio necessário passivo. 
Seguidamente, a Autora veio requerer o incidente de intervenção principal provocada contra C... e D... , a qual foi admitida por Despacho de fls. 222 e v.
Citados os chamados, os mesmos nada vieram dizer aos autos.
Após, a fls. 255 a 267 foi proferido Despacho Saneador, onde foi julgada improcedente a excepção da ineptidão da petição inicial arguida pelo réu contestante, (cfr. fls.256 e 257) procedendo-se de seguida à condensação da matéria de facto em factos assentes e em factos controvertidos constantes da base instrutória, sem reclamação.
A fls.328 a 330 a Autora veio requerer a ampliação do pedido formulado na acção, peticionando que:
Seja declarada a ineficácia da venda do lote nº 7 que foi objecto da escritura de compra e venda identificado no artº 1º da petição inicial, sobre o qual foi edificado, entretanto, um prédio urbano composto por uma Fracção A- rés-do-chão e destinado a comércio, Fracção B) – primeiro andar direito destinado a habitação, Fracção C) – primeiro andar esquerdo destinado a habitação, prédio esse que foi constituído em propriedade horizontal por escritura pública de 15 de Fevereiro de 2005 do 2º Cartório Notarial de Viseu, no 2º Cartório Notarial de Viseu, inscrito na matriz da freguesia de (...) sob o nº (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...) da dita freguesia.
Seja o Réu condenado a ver julgada procedente e provada a impugnação e a consequente reversão do prédio atrás descrito para a massa falida, devendo ser apresentado ao Sr. Liquidatário dentro do prazo fixado na sentença, nos termos e com a cominação do artº159º do CPREF;
Seja ordenado o cancelamento no Registo Predial de Viseu da inscrição G 2- (...) correspondente à apresentação nº8 de 2003.06.25, lavrada na ficha nº (...)-19990517, bem como de outros registos posteriores ao acto impugnado;
Seja o Réu condenado nas custas, procuradoria condigna e demais despesas.
A fls.362 foi deferida a requerida ampliação do pedido.
 
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação, tal como consta de fl.s 552 a 566, sem que lhe tenha sido formulada qualquer reclamação.
Após o que foi proferida a sentença de fl.s 568 a 596, na qual se decidiu o seguinte:
“Por todo o exposto e sem necessidade de ulteriores considerações, julgo a presente acção totalmente procedente por provada e em consequência:
a) Declaro a ineficácia da venda do Lote nº 7, que foi objecto da escritura de compra e venda identificado no artº1º da petição inicial, sobre o qual foi edificado, entretanto, um prédio urbano composto por uma Fracção A- rés-do-chão e destinado a comércio, Fracção B) – primeiro andar direito destinado a habitação, Fracção C) – primeiro andar esquerdo destinado a habitação, prédio esse que foi constituído em propriedade horizontal por escritura pública de 15 de Fevereiro de 2005 do 2º Cartório Notarial de Viseu, inscrito na matriz da freguesia de (...) sob o nº (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...) da dita freguesia;
b) Condeno o Réu a ver julgada procedente e provada a impugnação e a consequente reversão do prédio atrás descrito para a massa falida, devendo ser apresentado ao Sr. Liquidatário dentro do prazo de 10 dias, nos termos e com a cominação do nº2 do artº159º do CPREF;
 c) Ordeno o cancelamento no Registo Predial de Viseu da inscrição G2- (...) correspondente à apresentação nº 8 de 2003.06.25, lavrada na ficha nº (...)-19990517, bem como de outros registos posteriores ao acto impugnado.
d) Determino que a presente sentença constitui caso julgado em relação aos Chamados C...e D....
                                                           *
Custas a cargo do Réu.”.

            Inconformado com a mesma, interpôs recurso o réu, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 644), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:
a) O Recorrente alicerça o presente recurso na prova carreada para o processo, conjugada com a prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, considerada como peça autónoma e sem qualquer apelo a elementos estranhos ao julgamento em si mesmo.
b) O âmago deste recurso, é particularmente delimitado pela questão de saber, se a impugnação pauliana deveria ter sido julgada procedente ou não, porá falta de verificação dos seus pressupostos.
c) O facto nº 12 dado como provado na sentença devia ter sido dado como não provado;
d) Porque não se deve aqui considerar a resposta dada ao quesito 15 da BI, pois o réu B... realizou o negócio de compra do imóvel convicto de estar a dar cumprimento ao contrato de promessa de permuta, e não por razão de a sociedade estar numa situação financeira grave
e) Devia o facto nº12 da sentença ter sido dado como não provado. Pois não podemos aqui considerar que os motivos subjacentes à decisão de realizar o negócio tenham sido os expostos no quesito nº3 e 15 da Base Instrutória.
Devia ter-se aqui tido em conta a prova documental nomeadamente o contrato de promessa de permuta como motivação para a realização do negócio (conforme facto nº24 provado na sentença), afastando assim indícios de má fé por parte do réu na celebração do negócio.
f) O facto nº 13 dado como provado na sentença devia ter sido dado como não provado-Devia ter ficado provado neste facto que o “Vendedor e comprador realizaram a transmissão conscientes que esse acto não causava prejuízo no universo dos credores”.
g) Porque celebração deste contrato foi feita a 11 de Março de 2002, e que à data a empresa ainda não era insolvente pois só a 08 de Julho de 2003 três credores pediram a declaração de falência da sociedade A..., Lda. Conforme facto nº3 dado como provado na sentença do Tribunal recorrido.
h) Como resultou da contestação feita pelo réu, a venda do imóvel foi onerosa e resultou de contrato promessa de permuta celebrado a 11 de Março de 2002 entre o réu B... e a empresa A... LDA, conforme prova documental, “contrato promessa de permuta”, e factos nº 7º,24º,25º, 29º dados como provados na sentença.
i) O facto nº22 dado como provado na sentença, no nosso entendimento não deve ser dado como provado na parte em diz que “(…) vendedor e comprador realizaram a transmissão conscientes de que esse acto causava prejuízo ao universo dos credores, tornando mais difícil a satisfação dos créditos(…)”
j) Pelas mesmas razões que não se pode considerar o facto nº13 como provado, e pelas razões expostas na fundamentação de facto, pois o contrato foi oneroso, como resulta também como já exposto do “contrato de promessa de permuta” as prestações foram feitas, logo não se pode concluir que houve prejuízo na massa insolvente.
Quanto aos pressupostos da impugnação pauliana;
k) No nosso caso temos um crédito que nasceu posteriormente ao contrato de promessa de permuta, e anteriormente à venda do imóvel por isso conforme o artigo 610 do Código Civil alínea (b) “tem de resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade”. No nosso caso não podemos concluir que o acto tenha agravado a impossibilidade dos credores obterem a satisfação integral ou parcial dos seus créditos, uma vez que o acto foi oneroso e traduziu-se numa mais-valia para a massa insolvente. Isto porque o réu efectuou trabalhos em outros lotes que aumentaram o valor destes e anteriormente já tinha assumido para si com a promessa de celebração do negócio a assunção de uma divida à da sociedade vendedora à caixa geral de depósitos relativa a uma hipoteca sobre o imóvel afastando assim esta dívida da massa insolvente.
l) O artigo 612nº1 exige por sua vez o requisito da má-fé “ O acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé”.
No nº2 diz que “ se entende por má-fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor”. Consistindo a má-fé na consciência do prejuízo causado, exige-se que os outorgantes do acto lesivo representem que esse acto afectará a satisfação do direito do credor, que tenham consciência dessa repercussão negativa. Acresce que a má-fé, face à redacção do art. 612, nº 1 do Cód. Civil, tem de existir tanto na actuação dos vendedores como na dos compradores. Isto é, ambas as partes têm de preencher este requisito subjectivo.
m) No caso em apreço, não podemos concluir que houve má-fé por parte do Réu pois que o réu ao ter prestado os serviços acordados no contrato promessa de mútuo, apenas agiu na convicção que estava na hora de dar cumprimento á sua promessa de compra do imóvel com base no contrato anteriormente celebrado por ter já cumprido a sua parte do acordado (prestação de trabalho nas outras fracções e assunção da divida há caixa geral de depósitos relativa a hipoteca sobre o imóvel). Por isso concluímos que à data da compra do imóvel o réu não tinha consciência que este acto causava de alguma forma prejuízo na satisfação do crédito de outros credores.
n) Por o réu ter adquirido a posse, titulada pública e de boa-fé do referido e identificado imóvel, utilizou-o com vista a realização dos seus escopos, melhorando-o e transformando-o, gastando para isso avultadas quantias, conforme factos nº30, 31, 32, 33, 34,36,37,38, 39,40,41,42, 44, provados na sentença.
o) Pelo exposto só se pode concluir que do acto não resulta a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu pagamento, ou o agravamento dessa impossibilidade, requisito essencial da acção pauliana conforme o artigo 610º nº1 alínea (b) do CC;
p) De igual forma e pelo exposto em toda a argumentação alegada neste recurso não se pode concluir que o Réu tenha actuado com consciência de que o acto ia causar prejuízo aos credores. Conforme artigo 612 do CC
q) Assim conforme o disposto no artigo 613 do CC, para a impugnação proceder é necessário que se verifiquem todos os pressupostos que vêm mencionados nos artigos 610º;611º;612; do CC, pelo já exposto vemos que falha a verificação de dois requisitos, de forma que a acção pauliana não pode proceder por não se verificarem todos os seus pressupostos.
r) In fine, o ora Recorrente declara que mantêm interesse em todas as conclusões indicadas no Recurso de Agravo, a subir junto com o presente.
Assim, nestes termos e nos que vossas excelências suprirão, deve ser proferido Douto Acórdão que revogue a Douta Sentença recorrida, nos termos das apontadas conclusões.
Assim decidindo, farão vossas excelências Justiça !

            Contra-alegando, a autora pugna pela manutenção da decisão recorrida, apresentando as seguintes conclusões:
1. O recurso de agravo tornou-se inútil, não deve conhecer-se do mesmo e ter-se-á por findo nos termos do art. 700º n. 1 al. e) do CPC 61, na redacção do DL. 303/2007 de 24.08.
2. A resposta à matéria dos factos impugnados foi alcançada através da apreciação crítica do conjunto da prova produzida e examinada, pelas regras da livre apreciação da prova e das regras da experiência comum e da lógica.
3. O documento que o recorrente invoca como meio probatório é insusceptível de impor uma decisão diversa da tomada pelo tribunal quanto à matéria em questão e, nomeadamente, dos quesitos 3º e 4º.
4. Deve manter-se a resposta positiva à matéria impugnada.
5. Verificam-se os pressupostos da impugnação pauliana.
Termos em que:
a) não deve conhecer-se do recurso de agravo por se ter tornado inútil e ter-se por findo – art. 700º n.º 1 e) do CPC 61, redacção do DL. 303/2007,
b) deve ser negado provimento ao recurso de apelação com as demais consequências legais, mantendo a sentença recorrida,
Assim se fazendo inteira JUSTIÇA.    
           
           
Colhidos os vistos legais, há que decidir.        
            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado no artigo 635, n.º 4 do nCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:
            Recurso de agravo
            A. Se deve ser admitida a reconvenção deduzida.
            Recurso de apelação:
            B. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova, relativamente aos quesitos 1.º, 3.º, 4.º 15.º e 20.º da base instrutória;
C. Se se verificam ou não, os pressupostos da impugnação pauliana.

            É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:
1 – Por escritura pública de compra e venda realizada no dia 24.06.2003 no Cartório Notarial de S.Pedro do Sul, A..., por si e como procurador de D..., ambos como únicos sócios e gerentes da sociedade A..., Lda, declararam vender ao B... que declarou comprar, pelo preço de cento e cinquenta e nove mil seiscentos e quinze euros e trinta e dois cêntimos, o prédio urbano seguinte :
lote de terreno destinado a construção urbana, denominado lote nº7, sito ao (...), freguesia de (...), concelho de Viseu, inscrito na matriz sob o artigo (...), descrito na segunda conservatória do registo predial de Viseu sob o nº (...), da freguesia de (...) e registado a favor do réu e adquirente pela inscrição g 2 - (...), [al.A) dos Factos Assentes];
2- A sociedade A..., Lda tinha como escopo a actividade de construção civil, compra e revenda de prédios, [al.B) dos Factos Assentes];
            3- Em 08-07-2003, três credores pediram a declaração de falência da sociedade A..., Lda, [al.C) dos Factos Assentes];
            4- A sociedade A..., Lda veio a ser declarada em estado de insolvência e decretada a sua falência, por sentença de 18.11.2003, já transitada em julgado, [al.D) dos Factos Assentes];
            5- O Sr. Liquidatário Judicial providenciou pela apreensão dos bens da sociedade, [al.E) dos Factos Assentes];
            6- Além do lote nº7, o activo da falida que se encontra apreendido é constituído pelos lotes nºs 8, 9 e 10, descritos sob os nºs (...), (...) e (...), todas da mesma  freguesia de (...), encontrando-se todos onerados com hipoteca voluntária à Caixa Geral de Depósitos com o capital de 30.000.000 PTE e montante assegurado de 45.105.000,00 PTE e neles registados vários arrestos, [al.F) dos Factos Assentes];
            7- O Réu B... trabalhava nas obras da sociedade, [al.G) dos Factos Assentes];
            8- Por escritura pública de compra e venda realizada em 24.06.2003 no Cartório Notarial de S.Pedro do Sul, o sócio gerente da sociedade falida, C..., declarou vender a E... o prédio urbano destinado a habitação sito ao (...)freguesia de (...), Concelho de Viseu, inscrito na matriz sob o artº (...) e correspondente ao lote 10, [al.H) dos Factos Assentes];
            9- Encontra-se registralmente inscrito pela ap. 8 de 2003/06/25 a favor de B...o facto relativo à aquisição, por compra, do prédio referido em A), [al.I) dos Factos Assentes];
 10- Com a venda, o responsável da sociedade A... Lda e o réu B... visaram assegurar, para este último, a propriedade dos bens em causa, sabendo que, simultânea e consequentemente, estavam a subtrair tais bens ao património da empresa vendedora, [resposta ao item 1º da base instrutória];
11- Os sócios gerentes conheciam a realidade da sociedade, a sua situação de insolvência e de falência iminente, [resposta aos itens 2º, 5º, 11º, 12º, 13º e 17º da base instrutória];
12- …como igualmente a conhecia o Réu B..., [resposta aos itens 3º e 15º da base instrutória];
13- Vendedor e comprador realizaram a transmissão conscientes de que esse acto causava prejuízo ao universo dos credores, tornando mais difícil a satisfação dos créditos, [resposta ao item 4º da base instrutória];
14- [A sociedade] Havia deixado de cumprir com os pagamentos a fornecedores e  a bancos, [resposta ao item 6º da base instrutória];
15- Por falta de pagamentos, trabalhadores assalariados e empresas subcontratadas deixaram de trabalhar na obra, [resposta ao item 7º da base instrutória];
16- Algum tempo antes da realização da escritura, credores da A... Lda recorreram a juízo peticionando os seus créditos e foram deferidas providências de arresto, [resposta ao item 8º da base instrutória];
17- No processo de falência, foram reclamados créditos no montante de € 1.228.750,00, e a quase totalidade destes valores estava já em dívida aquando da realização da venda, [resposta ao item 9º da base instrutória];
18- O teor do documento que integra a folha 62 do processo principal, [resposta ao item 14º da base instrutória];
19- Os sócios gerentes conheciam a realidade da sociedade, a sua situação de insolvência e de falência iminente, como igualmente a conhecia o Réu B..., [resposta ao item 16º da base instrutória];
            20- À data da venda existia no lote 7 um prédio composto por rés-do-chão, primeiro e segundo andares para habitação, [resposta ao item 18º da base instrutória];
            21- À data da venda, não havia ainda licença de utilização mas tão só de construção, [resposta ao item 19º da base instrutória];
22- Por escritura pública de compra e venda realizada no dia 24.06.2003 no Cartório Notarial de S.Pedro do Sul, C..., por si e como procurador de D..., ambos como únicos sócios e gerentes da sociedade A..., Lda, declararam vender ao B... que declarou comprar, pelo preço de cento e cinquenta e nove mil seiscentos e quinze euros e trinta e dois cêntimos, o prédio urbano seguinte :
lote de terreno destinado a construção urbana, denominado lote nº7, sito ao (...), freguesia de (...), concelho de Viseu, inscrito na matriz sob o artigo (...), descrito na segunda conservatória do registo predial de Viseu sob o nº (...), da freguesia de (...) e registado a favor do réu e adquirente pela inscrição g 2 – (...);
Os sócios gerentes conheciam a realidade da sociedade, a sua situação de insolvência e de falência iminente;
            Vendedor e comprador realizaram a transmissão conscientes de que esse acto causava prejuízo ao universo dos credores, tornando mais difícil a satisfação dos créditos;
À data da venda, não havia ainda licença de utilização mas tão só de construção,
 [resposta ao item 20º da base instrutória];
23- O sócio gerente da empresa A... Lda abordou os promitentes-compradores do lote nº 10 no sentido de eles se disponibilizarem para realizar a escritura de compra e venda, [resposta aos itens 21º e 22º da base instrutória];
24- O teor – que aqui se dá por integralmente reproduzido, nos seus precisos termos – do documento que integra as folhas 86 a 89 do processo, [resposta ao item 23º da base instrutória];
            25-O réu realizou alguns dos trabalhos contratados, [resposta ao item 24º da base instrutória];
            26- Os trabalhos que o réu realizou foram nos lotes referidos no contrato, [resposta ao item 25º da base instrutória];
            27- O réu fez imputar à sociedade F... Lda, NIPC (...), com sede na Av. (...), Viseu, de que o mesmo é sócio gerente e a pessoa que, sozinha, decide de tudo quanto respeite à mesma sociedade, as despesas que lhe caberia suportar no cumprimento do contratado, [resposta ao item 26º da base instrutória];
            28- Datado de 23 de Maio de 2003, consta na folha 90 do processo instrumento de procuração cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, [resposta ao item 30º da base instrutória];
29- Por escritura pública de compra e venda realizada no dia 24.06.2003 no Cartório Notarial de S.Pedro do Sul, C..., por si e como procurador de D..., ambos como únicos sócios e gerentes da sociedade A..., Lda, declararam vender ao B... que declarou comprar, pelo preço de cento e cinquenta e nove mil seiscentos e quinze euros e trinta e dois cêntimos, o prédio urbano seguinte :
lote de terreno destinado a construção urbana, denominado lote nº7, sito ao (...), freguesia de (...), concelho de Viseu, inscrito na matriz sob o artigo (...), descrito na segunda conservatória do registo predial de Viseu sob o nº (...), da freguesia de (...) e registado a favor do réu e adquirente pela inscrição g 2 – (...);
O teor – que aqui se dá por integralmente reproduzido, nos seus precisos termos – do documento que integra as folhas 86 a 89 do processo;
O réu realizou alguns dos trabalhos contratados;
Além do lote nº7, o activo da falida que se encontra apreendido é constituído pelos lotes nºs 8, 9 e 10, descritos sob os nºs (...), (...) e (...), todas da mesma  freguesia de (...), encontrando-se todos onerados com hipoteca voluntária à Caixa Geral de Depósitos com o capital de 30.000.000 PTE e montante assegurado de 45.105.000,00 PTE e neles registados vários arrestos, [resposta ao item 32º da base instrutória];
            30- Após a escritura, o réu B... realizou, no lote 7, as obras necessárias para a emissão da licença de utilização e constituição da propriedade horizontal, [resposta ao item 34º da base instrutória];
            31- A título de vistoria e ensaio, bem como de ligação, o réu pagou aos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Viseu a quantia de € 279,98, [resposta ao item 35º da base instrutória];
            32- H...Lda facturou ao réu a quantia de € 4.500,00, [resposta ao item 36º da base instrutória];
            33- Com data de 30 de Setembro de 2004 e 30 de Dezembro do mesmo ano, G... Lda declarou ter recebido do réu, a título de “pagamento por conta” a quantia de € 23.800,00, [resposta ao item 37º da base instrutória];
34- Datado de 29 de Dezembro de 2003, I... declarou ter recebido, da empresa F..., a quantia de € 6.572,03, [resposta ao item 38º da base instrutória];
            35- J... , pintor de construção civil, declarou ter recebido, do réu, com data de 3 de Novembro de 2004, a quantia de € 17.850,00, e com data de 26 de Novembro de 2004, a quantia de € 47.600,00, [resposta ao item 39º da base instrutória];
            36- O réu pagou ao Município de Viseu, serviço de habitabilidade, a 29 de Setembro de 2004, a quantia de € 343,00, [resposta ao item 40º da base instrutória];
            37- O réu emitiu, a favor do Eng. J..., da sua conta nº (...)do BCP (Atlântico), o cheque nº (...), datado de 3 de Setembro de 2003, no montante de € 500.00, [resposta ao item 41º da base instrutória];
            38- O réu emitiu, a favor de M..., da sua conta nº (...)do BCP (Atlântico), o cheque nº (...), datado de 23 de Julho de 2003, no montante de € 253.00, [resposta ao item 42º da base instrutória];
39- O réu emitiu, a favor da EDP, da sua conta nº (...)do BCP (Atlântico), o cheque nº (...), datado de 18 de Setembro de 2003, no montante de € 1.121.11, [resposta ao item 43º da base instrutória];
40- O réu emitiu, a favor da Direcção de Finanças, do Cartório Notarial de São Pedro do Sul e da 2ª Conservatória do Registo Predial de Viseu, da sua conta nº (...) do BCP (Atlântico), os cheques nºs: (...), datado de 24 de Junho de 2003, no montante de € 10.375,00; (...), datado de 24 de Junho de 2003, no montante de € 1.523,33; (...), datado de 25 de Junho de 2003, no montante de € 134,73, [resposta ao item 44º da base instrutória];
            41-Em 30 de Setembro de 2004, foi emitido o Alvará de licença de utilização nº (...)/2004, [resposta ao item 45º da base instrutória];
            42-…vindo a 15 de Fevereiro de 2005, e após a competente vistoria camarária, a celebrar a escritura de propriedade horizontal sobre o dito lote que passou a ser constituído por as seguintes três fracções autónomas, independentes, distintas e isoladas entre si, a que correspondem as letras A), B), C), [resposta ao item 46º da base instrutória];
            43- O réu emitiu, a seu próprio favor, e em nome da F..., a factura no valor de € 62.076,63 cujo teor – que aqui se dá por integralmente reproduzido – é o do documento que consta da folha 118 do processo, [resposta ao item 47º da base instrutória];
            44- O réu arrendou, à Câmara Municipal de Viseu, o espaço que era, inicialmente, uma loja comercial integrante do lote nº 7, posteriormente “fracção ‘A’ destinada a estabelecimento comercial”, onde a Junta de Freguesia instalou um jardim-de-infância, [resposta ao item 48º da base instrutória];
            45- Presentemente, o lote no seu conjunto ou as respectivas fracções, individualmente consideradas, não alcançam, no mercado, valor suficiente para cobrir as respectivas despesas de construção, [resposta ao item 50º da base instrutória];
46- Aquando da realização da escritura, o lote 7 tinha um valor que não foi possível apurar, mas superior ao da hipoteca sobre ele incidente e inferior a € 350.000,00, [resposta ao item 51º da base instrutória];
           
Recurso de agravo.
A. Se deve ser admitida a reconvenção deduzida.
Como se constata de fl.s 84 o réu, ora recorrente, formulou o seguinte pedido reconvencional:
“Quando assim não se entenda, e no caso de procedência da acção, seja a Reconvinda condenada a pagar à Reconvinte a quantia de €271.717,14, acrescida de juros moratórios desde a notificação da reconvenção e até efectivo e integral pagamento e ainda a quantia de €50.000 a título de ressarcimento de danos não patrimoniais e frustração das expectativas negociais pela ineficácia do negócio – cf. alínea f) de tal pedido.”
Por despacho de fl.s 161 a 166, não foi admitida a sobredita reconvenção, com o fundamento em o respectivo pedido não se enquadrar em nenhuma das alíneas do artigo 274.º do CPC e bem assim por, a ser admitido, contender com a universalidade do processo falimentar, no sentido que todo o património do devedor é apreendido para o processo de falência e por ele serão satisfeitos, nos termos ali expressamente regulados, todos os débitos do falido, em posição de igualdade, atenta a natureza dos diversos créditos reclamados.
Desde já antecipando a decisão que este recurso mereceria, pelas razões nela expostas, seria de manter o despacho recorrido não se verificando, como ali se justifica, os requisitos legalmente exigidos no artigo 274.º, do CPC, na redacção então em vigor.
O que mais se reforça atenta a já também referida natureza universal do processo falimentar.
E dizemos “mereceria” porque, em nosso entender, este recurso carece de qualquer interesse para o desenlace da causa.
Efectivamente, o pedido reconvencional assenta nas alegadas despesas correspondentes a obras que o recorrente levou a cabo no imóvel adquirido e por danos morais e frustração das suas expectativas negociais pela ineficácia do negócio.
Acontece que, não obstante a M.ma Juiz não ter admitido a reconvenção, levou à base instrutória a matéria de facto em que a mesma assentava (quesitos 23.º e seg.s).
Compulsando as respostas que os mesmos mereceram e transpostas (com excepção da negativas, como é óbvio) para os itens 24 e seg.s da matéria de facto dada como provada, verifica-se que o réu, ora recorrente, não demonstrou ter suportado as alegadas despesas de construção e legalização do imóvel adquirido, como se colhe, entre outros do item 27 e 31.º e seg.s, dos quais não resulta que o réu suportou tais despesas e quanto ao alegado arrendamento para instalação do jardim de infância, tão só se provou o que consta do item 44.º, de onde não resulta qualquer frustração de expectativas negociais decorrentes da ineficácia do negócio, as quais, de resto, não teriam salvaguarda legal, como melhor se tentará explicar ao apreciar o mérito da questão, derivando apenas e tão só da conduta do réu ao pretender salvaguardar a sua posição em detrimento da dos demais credores, que bem sabia existirem e a impossibilidade de a devedora solver todas as suas obrigações.
No recurso que o réu interpôs da sentença final, não foram colocadas em crise as respostas que mereceram os quesitos da base instrutória que respeitam a esta matéria.
Ou seja, nesta parte, é como se o réu não tivesse interposto recurso da sentença final.
Assim sendo, carece este recurso de agravo de qualquer relevância/interesse para a decisão da causa, uma vez que não se tendo demonstrado os fundamentos de facto em que o recorrente pretende fundamentar o pedido reconvencional, inútil se torna, agora, apreciar se se verificam os pressupostos formais da respectiva admissibilidade. Ainda quer do ponto de vista formal, o mesmo fosse de admitir, em virtude da fixação da respectiva matéria de facto, o mesmo perdeu toda a relevância.
Daqui decorre que tal questão não tem qualquer influência na decisão do mérito da causa e, por isso, carece de qualquer interesse para a resolução do presente litígio, em função do que, nos termos do disposto no artigo 710.º, n.º 2, do CPC, na redacção então em vigor, não se conhece do presente recurso de agravo.

Recurso de apelação.
B. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova – relativamente aos factos constantes dos quesitos 1.º, 3.º, 4.º, 15.º e 20.º da base instrutória.
Alega o réu que o Tribunal incorreu em erro de julgamento ao dar como provados os factos constantes dos quesitos ora em referência, devendo, na sua óptica, os mesmos serem dados como não provados, referindo, para tal, como consta da sua conclusão a) que “alicerça o presente recurso na prova carreada para o processo, conjugada com a prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, considerada como peça autónoma e sem qualquer apelo a elementos estranhos ao julgamento em si mesmo”, o que, com o devido respeito não nos permite vislumbrar/concluir quais as razões de discordância do recorrente relativamente às respostas que visa impugnar.
Ainda assim, conjugando esta conclusão com as e) e j) e fl.s 610 e 611 (alegações de recurso), parece resultar que o recorrente baseia o seu recurso de facto no teor do contrato de permuta junto de fl.s 86 a 89 (referido no item 24.º dos factos provados) e da escritura pública de compra e venda, referindo quanto a esta que a apelada não a impugnou, nem as declarações nela prestadas, relacionadas com a transmissão do bem, respectivo preço e pagamento do mesmo e constituindo a mesma um documento autêntico, faz prova plena de tais declarações, do que tudo se tem de concluir que as partes contratantes não visavam subtrair património da vendedora para prejudicar terceiros.

            Para melhor esclarecimento e facilitar a decisão desta questão, passa-se a transcrever o teor de tais quesitos:
“1.º
Com a venda consubstanciada na escritura referida em A), a sociedade A..., L.da e o réu B... visaram subtrair do património daquela o prédio urbano?
2.º e 3.º
Os sócios gerentes conheciam a realidade da sociedade, a sua situação de insolvência e de falência iminente, como igualmente a conhecia o réu B...?
4.º
E ambos fizeram essa alienação conscientes de que a subtracção do património causava prejuízo ao universo dos credores, tornando impossível a satisfação dos créditos destes?
15.º
O réu B... apercebeu-se da situação financeira grave, das avultadas dívidas que pendiam sobre a sociedade, da paralisação dos trabalhos desta, da cessação de pagamentos e das diversas providências judiciais dos credores para assegurarem os créditos?
20.º
Por causa do referido em 19, (À data da venda, não havia ainda licença de utilização mas tão só de construção?) procederam, de forma apressada e como forma de rapidamente subtraírem o bem à execução, à alienação do “lote n.º 7” ”.

Como consta de fl.s 552 e 553, o M.mo Juiz deu-lhes as seguintes respostas (transcrevendo-se também a dada ao quesito 19.º, por referida na dada ao 20.º):
“1- Provado apenas, e esclarecendo, que, com a venda, o responsável da sociedade A... Lda e o réu B... visaram assegurar, para este último, a propriedade dos bens em causa, sabendo que, simultânea e consequentemente, estavam a subtrair tais bens ao património da empresa vendedora.
2- Provado.
3- Provado.
4- Provado apenas, e esclarecendo, que vendedor e comprador realizaram a transmissão conscientes de que esse acto causava prejuízo ao universo dos credores, tornando mais difícil a satisfação dos créditos.
15- Provado apenas o a esse respeito já constante da resposta ao ponto “3”.
19- Provado.
20- Provado apenas o a esse respeito já constante de “A” dos factos assentes e ainda das respostas aos pontos “2”, “4” e “19”.”.

Como se infere da teor de fl.s 555 a 566, o M.mo juiz motivou tais respostas na análise crítica da vasta prova documental e testemunhal produzida em julgamento, iniciando-a por uma apreciação global e crítica da mesma (que a seguir se transcreverá) e terminando-a com um resumo de cada um dos depoimentos das 13 testemunhas ouvidas.
Segue-se, então, para melhor compreensão, a aludida apreciação global:
“A decisão de facto provém da análise e ponderação crítica do conjunto da prova produzida e examinada em audiência, com recurso às regras próprias da experiência comum e aos conceitos da lógica elementar. Tudo devidamente ponderado, fica a convicção genérica de que o réu verificou que não ia receber pelo trabalho que havia desenvolvido, pelo que, a partir daí, tudo fez para salvaguardar a sua posição de efectivo ou de futuro credor, ainda que em prejuízo dos demais credores e, sobretudo, sem qualquer respeito pelas disposições legais relativas à liquidação de património em benefício dos credores; para o efeito, escriturou apressadamente o lote 7, com o propósito de ficar com um bem pertencente à empresa A..., deixando os demais credores a braços com as dificuldades próprias do processo de falência. Esta ideia genérica, deixo-a, seguidamente, explicada, primeiro, por apreciações gerais, depois, por referência aos elementos de prova colhidos e considerados, individualmente.
Ficou a convicção de que estamos a penetrar, o pouquíssimo que nos é possível, na economia paralela. O responsável pela empresa falida, tal como nos é apresentado por quem bem o conheceu ao longo dos anos – como é o caso da testemunha O.... – constrói sem capitais próprios e sem aquilo que, presentemente, se chama “almofada de segurança”, pagando aos poucos a cada um dos seus credores, levando alguns deles sem receber até “às últimas escrituras”. Trata-se de pessoa que levou uma vida inteira de construção civil, e que, com dificuldades até para escrever o próprio nome, dificilmente estaria com quadros culturais e sociais que lhe permitissem funcionar, no início do terceiro milénio, diferentemente de como funcionava nos seus próprios primórdios. O réu, por seu turno, tem melhor instrução mas semelhante funcionamento profissional. Recebe o que é lucro proveniente da sua actividade, afasta o prejuízo para a empresa que, no momento, dirige, e conta para este efeito com o apoio esclarecido do contabilista, que entende como natural este procedimento, e que sabe como o mesmo se há-de organizar ao nível da contabilidade oficial da empresa. Por isso o réu propôs a outros a realização do negócio que aqui está sob impugnação, sendo que um deles teve a seriedade de esclarecer, em audiência, que o seu advogado o havia advertido de quais as consequências jurídicas desse acto. Só que, probo, correcto, movendo-se com critérios de ética e de seriedade pessoal e profissional, o causídico em apreço não terá referido aquilo que, infelizmente para a justiça, é uma realidade: o negócio é impugnado, sim senhor, mas não antes de decorridos mais de dez anos sobre a sua realização e, mesmo assim, só a sentença de primeira instância, sendo previsíveis vários recursos, e não sendo impossível a realização de uma repetição da audiência, com novos recursos. Confrontado com a acção, o réu tentou dizer que não ganhou dinheiro, antes que perdeu, porque trabalhou e pagou mais do que aquilo que valem os bens que adquiriu; porém, nem é certo que isso tenha ocorrido, nem, a ser verdade, essa é uma situação diferente do que aquela que, juridicamente, lhe estaria destinada, a ele e aos demais credores, sob regras e com requisitos que ele, ao realizar a escritura em impugnação, pretendeu escamotear. Os documentos que juntou não é seguro que se reportem a despesas efectivamente realizadas por ele mesmo nesta obra, a confusão é enorme entre o que é dele pessoalmente e da empresa que ele utiliza a seu belo prazer sem outras regras que não as de procurar o maior lucro para si mesmo, se necessário à custa dos demais interlocutores no processo social e contratual. A imagem que dá é a de indivíduo que não transpira consciência social e propósitos éticos por todos os poros, designadamente quanto ao à vontade com que se publicitam actuações que não deveriam existir. Refiro-me à verdadeira aflição pela qual passou o beneficiário do cheque documentado na folha 106 do processo. Efectivamente, a lei obriga a que um técnico qualificado acompanhe e fiscalize a construção, por forma a que o edifício garanta a segurança e conforto dos que o venham a adquirir; algo diferentemente, o réu paga quinhentos euros a um engenheiro para que assine o livro de obra, como se a tivesse acompanhado, e já nem vê, nisso, qualquer inconveniente, a ponto de assim o alegar, como se quisesse dar a entender que quem acompanha a obra com a sua qualificação profissional superior, aufere aquele montante, enquanto que quem faz os acabamentos, fica a perder se receber em troca o escriturado em benefício do réu. É esta a imagem que fica, nada se tendo a estranhar que a pessoa que viveu em união de facto com o réu durante mais de uma dúzia de anos, e funcionária de finanças, confirme que existia uma sociedade que “era dele”, e que confirme que o réu, sem qualquer rigor, elaborasse documentos que imputavam alguns actos a si mesmo outros à empresa, “por razões contabilísticas”. Este o comportamento que leva a que não seja grande a credibilidade das suas afirmações ou dos documentos que emite ou faz emitir, em consonância com o que lhe interessa, com especial destaque para o que integra a folha 118, um modelo do que não deve ser feito à luz da ética e mesmo da lei comercial.
Em especial, segue a menção aos documentos considerados, bem como breve súmula dos depoimentos colhidos.”.

Como acima já referido, o réu, ora recorrente, sem sindicar qualquer dos elementos probatórios em que o M.mo Juiz a quo fundamentou a sua decisão acerca da matéria de facto, pretende a alteração das supra mencionadas respostas, de provado para não provado, apenas e tão só com base no teor do contrato de permuta e escritura de compra e venda outorgada pelas partes.
Não obstante a referência a vários quesitos, a questão prende-se com a real motivação da celebração da compra e venda que está na génese dos presentes autos, designadamente se as partes contratantes actuaram com a intenção de subtrair tal bem do património da vendedora em benefício do comprador, em função da má situação económica daquela, que de ambas as partes nele intervenientes era conhecida.
O contrato de permuta celebrado entre as partes, com data de 11 de Março de 2002, é um mero documento particular em que se estabelecem as condições em que seria feito o negócio e nada contende com a apreciação dos demais elementos probatórios considerados em sede de fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada.
Efectivamente, do mesmo nada resulta que ateste ou infirme qual a verdadeira intenção das partes, dito de outro modo, quais os fins ou a motivação da sua outorga.
De igual modo, o teor da escritura pública também em nada nos ajuda quanto aos motivos que levaram as partes a outorgá-la, uma vez que essa “intenção/motivação” não ficou, como é normal, a constar do respectivo clausulado.
Conforme estatuído no artigo 371.º, n.º 1, do Código Civil:
“Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.”.
Do que resulta que, como ensinam P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição Revista E Actualizada, Coimbra Editora, 1982, a pág. 326, o valor probatório do documento autêntico respeita somente aos factos que se referem praticados pela autoridade ou oficial público e quanto aos factos nele referidos com base nas percepções da entidade documentadora. Apenas se prova que perante o notário foram feitas determinadas afirmações, mas sem que resulte provado que as mesmas são verdadeiras, ou que não sejam viciadas, por erro, dolo ou coacção.
Assim, resulta provado que as partes outorgantes em tal escritura tenham afirmado o que dela consta, mas não fica provado que o negócio fosse realizado em tais moldes, designadamente, não afasta a convicção do julgador acerca da motivação que lhe deu origem.
Das afirmações feitas pelas partes perante o notário nada se pode extrair quanto à matéria em apreço – motivação das partes contratantes.
Pelo que, não vemos razões para alterar as respostas que foram dadas aos quesitos em referência.
Assim, improcede quanto a esta questão, em conformidade com o ora decidido, o presente recurso, em função do que se mantém a factualidade que foi dada como provada (e não provada) em 1.ª instância.

B. Se se verificam ou não, os pressupostos da impugnação pauliana.
Alega o recorrente que em face da matéria de facto que, no seu entender, deve ser dada como provada (no pressuposto do seu sucesso quanto ao recurso de facto) se tem de concluir que não se verificam os pressupostos exigidos nos artigos 610.º a 612.º do Código Civil, para a denominada impugnação pauliana.
Designadamente, defende que não se verifica o agravamento da impossibilidade dos credores obterem a satisfação integral ou parcial dos seus créditos, porque se trata de acto oneroso que se traduziu numa mais valia para a massa insolvente, uma vez que os trabalhos efectuados pelo recorrente noutros lotes lhes aumentaram o valor, nem se verifica a sua má fé, porque apenas agiu no cumprimento do contrato promessa anteriormente celebrado.
Na sentença recorrida, ao invés, considerou-se que tais requisitos se têm por verificados e, em consequência, julgou-se a acção como procedente.

 Como é óbvio, a procedência desta questão do recurso estava na total dependência do sucesso que o réu obtivesse no que toca ao recurso da matéria de facto.
Improcedendo, como improcedeu, a sua pretensão nesta parte e mantendo-se, em consequência, a matéria de facto dada como provada e não provada em 1.ª instância, tem, fatalmente, a presente acção de proceder, por estarem preenchidos os requisitos da impugnação pauliana, como se refere na sentença recorrida e para cujos termos se poderia remeter, conforme artigo 663.º, n.º 6, do nCPC.
Efectivamente, Tal meio de tutela encontra-se regulado nos artigos 610º a 618º do C.C., sendo os seus efeitos os previstos no artigo 616º do C.C.: há um sacrifício do acto de alienação celebrado, mas apenas na medida do interesse do credor reclamante, uma vez que o acto mantém a sua plena validade, dado não estar afectado por qualquer vício intrínseco. É esta a razão pela qual os Autores falam no carácter vincadamente pessoal da acção pauliana – cfr. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 4ª edição, volume II, pág. 444 ; Vaz Serra, in R.L.J. ano 100º, pág.s 207-208 ; Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 4ª edição, pág. 599; Henrique Mesquita, in R.L.J. ano 128º, pág. 220 e ss. No mesmo sentido, ver os Acórdãos do S.T.J. de 13/2/2001, processo 00A3684, e da Relação de Coimbra de 14/3/2006, processo 307/06, in www.dgsi.pt.
Seguindo o Acórdão da Relação de Coimbra de 17/1/95, in C.J. ano XX, tomo 1, p. 29, «Nas relações entre credor e adquirente, procedendo a impugnação tem o primeiro direito à restituição dos bens na medida do seu interesse e o segundo a obrigação de os restituir, suportando a execução respectiva no seu património...», e mais adiante, «os bens só devem sair do património do adquirente, por forma compulsiva, em consequência da execução. O remanescente, se o houver, continuará a pertencer ao adquirente .».
Assim, em rigor, o pedido a formular neste tipo de acção deverá ser o da declaração de impugnação do acto contra o qual se reage e o reconhecimento ao impugnante do direito de executar, no património do adquirente, os bens validamente vendidos na medida necessária à satisfação do crédito do credor.
De qualquer modo, mesmo que o pedido formulado não corresponda ao acabado de assinalar, tal não obsta à procedência da acção: a Jurisprudência nº 3/2001 do S.T.J. de 23 de Janeiro de 2001 estabeleceu que «Tendo o A., em acção de impugnação pauliana, pedido a declaração de nulidade ou a anulação do acto jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do acto em relação ao A. (nº 1 do artigo 616º do C.C.), o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar tal ineficácia, como permitido pelo artigo 664º do C.P.C.».
O artigo 610º do C.C. dispõe que «Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:
a) Ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.
Por sua vez, o artigo 612º estipula que:
“1. O acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé; se o acto for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa fé. 2. Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor”.
Assim, a impugnação pauliana requer a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
- Existência de um crédito;
- Verificação de uma diminuição da garantia patrimonial do crédito;
- Impossibilidade ou agravamento para a satisfação integral do crédito;
- Nexo de causalidade entre o acto impugnado e a referida impossibilidade ou agravamento.

Relativamente ao primeiro pressuposto referido, o artigo 610º do C.C. impõe que o autor da acção de impugnação pauliana seja titular de um direito de crédito, o qual pode constar já de um título executivo, ou não.
A diminuição da garantia patrimonial pode verificar-se, ou por uma redução do activo do devedor, ou pelo aumento do seu passivo.
Quanto à impossibilidade ou agravamento para a satisfação integral do crédito, tendo por causa o acto impugnado, temos que estes requisitos não coincidem, necessariamente, com a situação de insolvência, na medida em que o agravamento da impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação do seu crédito pode consistir na substituição dos bens do devedor por outros facilmente deterioráveis ou consumíveis, como acontece com o dinheiro. Neste sentido, ver o Acórdão da Relação de Évora de 27/6/96, in C.J. ano XXI, tomo 3, p. 283 e Jurisprudência aí citada.
Como observa Vaz Serra, in R.L.J. ano 102º, pág. 4 e ss, “a venda, substituindo à coisa vendida o preço, causa um prejuízo aos credores, o qual consiste na diminuição ou inutilização prática do seu direito de execução”
Conforme consta do Acórdão do S.T.J. de 19/10/2004, processo 04B049, in www.dgsi.pt, “sendo o dinheiro um bem facilmente mobilizável e sonegável à acção dos credores, não é o mero facto do ingresso, no património do devedor, do preço da coisa por este alienada mercê da compra e venda objecto da pauliana que pode excluir a verificação do requisito”. 
Segundo entendimento pacífico, deve atender-se ao momento do acto de alienação para averiguar se se verifica o requisito da insuficiência do património do devedor.
Dada a normal dificuldade prática, para o credor, da prova de que o seu devedor não dispõe de bens penhoráveis, impõe o legislador, no artigo 611º do C.C., que o credor prove o montante das dívidas, mas que seja o devedor (ou o terceiro adquirente, igualmente demandado) que prove a existência de bens penhoráveis de igual ou maior valor.
A prova que incumbe ao devedor possui incidência impeditiva do direito do autor nos termos do artigo 342º, nº 2 do C.C. (cfr. Antunes Varela, in Revista Decana, 116º, 341). A existência desses bens penhoráveis de igual ou maior valor há-de ser provada em relação ao momento do acto impugnado e não em relação a momento posterior, consoante o disposto no artigo 610º, al. b) do C.C.; se nessa data o devedor possuía bens suficientes, mas depois deixou de os ter, a impugnação improcede (cfr. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 4ª edição, volume II, p. 437 e 438, e Henrique Mesquita, in Revista Decana, 128º, 252).   
A lei exige ainda, no que aos actos onerosos diz respeito, a existência de má-fé do devedor e do adquirente: o artigo 612º do C.C. dispõe que:
“1. O acto oneroso só está sujeito a impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé …
2. Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor”.
Ou seja, a lei não se bastou com um conceito puramente psicológico, coincidente com o conhecimento da insolvência do devedor ou do seu agravamento, mas também não exige a intenção de prejudicar o credor. Nas palavras de Vaz Serra (citado por Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, 4ª edição, volume I, p. 629), “normalmente, mesmo, há a intenção, ou pode haver a intenção, de realizar um acto vantajoso, ou a intenção de satisfazer uma necessidade do devedor, sem o intuito de causar um dano”.
Conforme se escreveu no Acórdão da Relação de Évora de 17/6/2004, processo 724/03.3, in www.dgsi.pt, posição que subscrevemos, a má fé consiste na “…actuação, por parte dos intervenientes no acto ou actos, com conhecimento ou consciência do prejuízo que esses actos vão causar ao credor impugnante, não sendo necessário que o transmitente e o transmissário estejam conluiados … para causarem esse prejuízo e não sendo igualmente necessária a existência da intenção de prejudicar o credor … Basta que as partes envolvidas no acto praticado estejam moralmente convencidas do prejuízo que tal acto irá causar ao credor (dolo eventual) ou que se verifique «a representação da possibilidade da produção do resultado danoso» ou seja uma actuação correspondente à chamada negligência consciente. Por outras palavras: é suficiente a convicção de a conduta não ser recta conforme ao direito, ficando afastada somente a negligência inconsciente”.
No mesmo sentido, ver os Acórdãos do S.T.J. de 10/11/98, in C.J. Acs. do STJ, ano 6º, tomo III, p. 104 ; do S.T.J. de 13/5/2004 e da Relação de Lisboa de 29/9/2005, processo 9549/2004-6, in www.dgsi.pt.
Na doutrina, tal posição é defendida por Almeida Costa, in R.L.J. ano 127º, pág. 274 e ss.

Por outro lado, atento a que no caso em apreço a acção é intentada pela Massa Falida, há que entrar em linha de conta com o disposto no artigo 157.º do CPERF, de acordo com o qual são impugnáveis em benefício da massa falida todos os actos susceptíveis de impugnação pauliana nos termos da lei civil.
Relativamente à classificação dos actos como presumidos de má fé, importa, ainda, ter presente o que se dispõe no seu artigo 158.º.
Volvendo à situação em apreço e em face da factualidade dada como apurada é forçoso concluir que se encontram verificados os pressupostos da impugnação pauliana, nos termos descritos na sentença recorrida e que se passam a transcrever:
“Ora, percorrendo os factos provados, verifica-se que os mesmos oferecem um quadro que integram os pressupostos legais da impugnação pauliana, com o conteúdo acabado de concretizar.
Com efeito, a Autora, encabeçando os interesses da massa falida, respeitantes a todos os credores, demonstrou ter a ora falida, à data da alienação do imóvel, dívidas superiores a um milhão de euros (cfr. facto provado 17), sendo o bem alienado relevante para garantir, pelo menos parcialmente, a dívida, (cfr. factos provados 13 e 43) de tal sorte que, volvidos cerca de cinco meses sobre a data da venda, foi declarada a falência da devedora, (cfr. factos provados 1 e 4).
Por sua vez, o Réu não logrou provar, como lhe incumbia, que a sociedade falida possuísse património de igual ou maior valor que o montante das dívidas de tal sociedade.
Ao invés, antes se apurou que quer os sócios gerentes, quer o Réu conheciam a situação de insolvência e de falência iminente de tal sociedade, (cfr. factos provados 11, 12 e 19), estando a quase totalidade do montante de €1.228.750,00 já em dívida aquando da realização da venda, (cfr. facto provado 17).
O agravamento da impossibilidade de satisfação integral dos créditos decorre de forma manifesta da factualidade constante dos factos provados 6, 10, 11, 12, 13, 17 e 46.
A má fé, por sua vez, está claramente reflectida nos pontos 10, 11, 12 e 13 da factualidade provada, adquirido que está que com a venda, o responsável da sociedade A... Lda e o réu B... visaram assegurar, para este último, a propriedade dos bens em causa, sabendo que, simultânea e consequentemente, estavam a subtrair tais bens ao património da empresa vendedora, que os sócios gerentes conheciam a realidade da sociedade, a sua situação de insolvência e de falência iminente, como igualmente a conhecia o Réu B... e que vendedor e comprador realizaram a transmissão conscientes de que esse acto causava prejuízo ao universo dos credores, tornando mais difícil a satisfação dos créditos.”.
Verificados que estão todos os pressupostos da impugnação pauliana, terá esta que proceder, sendo os seus efeitos, como indicado supra, os previstos no artigo 616º do C.C.: dado que a impugnação pauliana é apenas um meio de tutela, de garantia geral das obrigações, a lei consagra que o credor seja restituído dos bens em questão na medida do seu crédito, podendo executá-los mesmo que se encontrem no património de terceiros (cfr. o artigo 818º do Código Civil.).
A que há que acrescentar o disposto no artigo 159.º do CPERF, segundo o qual:
“1- Resolvido o negócio jurídico ou julgada procedente a impugnação pauliana, os bens ou os valores correspondentes revertem para a massa falida.
2- Os bens ou valores que hajam de ser restituídos devem ser apresentados ao liquidatário dentro do prazo fixado na sentença, sob pena de ao infractor serem aplicadas as sanções previstas na lei de processo para o depositário de bens penhorados que falte à oportuna entrega deles.
3- No caso da contraparte ter direito a restituição, é o seu valor considerado como crédito comum.”.
Do que deriva, necessariamente a procedência da acção não obstante o bem já não ter a mesma natureza que tinha anteriormente, em face do que se dispõe no artigo 616.º, n.º 1, do Código Civil, já que aqui não se estabelecem quaisquer restrições à obrigação de restituição.
Desiderato que mais se reforça se se atender ao que se acha disposto no citado artigo 159.º, n.os 1 e 3, segundo os quais julgada procedente a impugnação pauliana os bens ou valores correspondentes revertem para a massa falida, sem restrições, apenas se ressalvando que tendo a contraparte direito a restituição, é o seu valor considerado como crédito comum.
Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda in CPERF Anotado, Quid Juris, 1995, a pág. 398 “A contraparte referida na lei é a pessoa com quem o falido celebrou o acto resolvido ou impugnado. O crédito para ela emergente da resolução ou impugnação segue o regime dos créditos comuns, como não podia deixar de ser, para estes institutos terem efeito útil para os credores do falido.”.
Consequentemente, no que toca a esta questão, tem, igualmente, o presente recurso de improceder.

Nestes termos se decide:       
Não conhecer do recurso de agravo interposto do despacho de fl.s 161 a 166 e;
Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
            Coimbra, 11 de Março de 2014.
           
Arlindo Oliveira (Relator)
Emidio Francisco Santos
Catarina Gonçalves