Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
67/08.3GCPMS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE MULTA
TRABALHO
Data do Acordão: 02/05/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE PORTO DE MÓS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 40º E 48º CP E 490º CPP
Sumário: A substituição da pena de multa por trabalho exige a emissão de um juízo de prognose favorável á sua aplicação ou seja à reinserção do agente na sociedade de molde a que não cometa mais crimes e, só assim se mostra adequada e suficiente para o efeito, o que implica a análise da situação e da personalidade do arguido.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

No processo supra identificado foi proferido despacho no qual se decidiu indeferir o requerimento de substituição da pena de multa aplicada ao arguido A... , por trabalho a favor da comunidade.

Inconformado, apresentou recurso para esta Relação o arguido, formulando as seguintes conclusões, as quais delimitam o objeto:

1-Conforme resulta do relatório elaborado pela Direção Geral da Reinserção dos Serviços Prisionais, o arguido encontra-se desempregado e totalmente dependente da mãe e irmã, que por sua vez são beneficiárias de prestações sociais.

2-Atento que nenhuma instituição na vila de (...) aceita a colaboração do arguido em trabalhos a favor da comunidade, atendendo à sua "má fama", seria pertinente ter indagado sobre a possibilidade de prestar trabalho comunitário noutra localidade.

3-Podia e devia o arguido ter sido notificado para se pronunciar quanto ao conteúdo do relatório elaborado pela Direção Geral da Reinserção dos Serviços Prisionais, para que o mesmo pudesse opinar quanto a uma alternativa válida às instituições de (...).

4-Pese embora o arguido esteja mal referenciado na vila de (...), onde reside, a Junta de freguesia de x(...) acolheu o arguido e mostra-se agradado com o trabalho desempenhado pelo mesmo nos últimos cinco meses.

5-Perante tal situação, entende o arguido que o pedido de conversão de multa em trabalho comunitário deveria ter sido deferido, não só porque foi apresentado em tempo, como também porque já resulta dos autos a total impossibilidade de o arguido proceder ao pagamento da multa a que foi condenado.

6- O arguido cumpriu exemplarmente a pena a que foi condenado no âmbito do Processo nº 47/10.9GCPMS, que correu termos no l° juízo do Tribunal Judicial de Porto de Mós, com trabalho a favor da comunidade, que lhe foi deferido no âmbito daquele processo.

7-Considera-se incorretamente julgada a decisão de indeferir o requerimento do arguido, alegando a falta de preenchimento dos requisitos do art. 48 do C.P. e o 490 do CPP.

8-Como pode o tribunal concluir que a pena de substituição requerida pelo condenado não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, se resulta do próprio relatório social que o mesmo nunca teve trabalho regular e estruturado, não fazendo uma busca ativa de trabalho, não obstante encontrar-se desempregado.

9-O tribunal ao indeferir a pretensão do arguido, bem sabendo que o mesmo não tem forma de proceder ao pagamento da multa, por total impossibilidade económica, está desde já a condená-lo ao cumprimento da pena de prisão.

10-Está em causa a privação da liberdade de um cidadão condenado em uma pena de multa, quando, reconhecidamente, no nosso sistema constitucional-penal, a prisão não pode deixar de entender-se como "ultima ratio” da política criminal, devendo ser aplicada - e executada - tão-somente quando outras penas - ou sucedâneos - não detentivas não realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

11-É que a dita «prisão sucedânea» ou «sanção (penal) de constrangimento», como é epigrafada pelo Prof. Figueiredo Dias (obra citada, página 147, § 182 e nota 88), não deixa, em todo o caso de constituir uma «sanção penal [...] e, nesta medida, como sublinha a doutrina alemã, uma verdadeira pena».

12- Considera-se assim incorretamente julgada a decisão de indeferir o requerimento do arguido, alegando a falta de preenchimento dos requisitos do art. 48 do C.P. e o 490 do CPP.

Pelo que deve o despacho ora impugnado ser revogado e em consequência ser admitida a substituição do pagamento da multa em dias de trabalho comunitário.

Foi apresentada resposta, pelo Magistrado do Mº Pº, que conclui que o recurso não merece provimento, por a substituição não acautelar as finalidades da punição.

Nesta Relação, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.

Não foi apresentada resposta.

Cumpre decidir:


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É do seguinte teor o despacho recorrido:

O arguido, condenado nestes autos nas penas de 4 meses de prisão substituída por 120 dias de multa e, cumulativamente, na pena única de 100 dias de multa, em ambos os casos à taxa diária de €5,00, requereu a substituição dessas penas por prestação de trabalho a favor da comunidade, atendendo à sua condição socioeconómica.

No relatório de caracterização do trabalho a favor da comunidade elaborado pela Direcção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais conclui-se que não estão criadas as condições necessárias para o cumprimento da prestação de trabalho a favor da comunidade.

O Ministério Público promoveu o indeferimento do requerido, alegando que a substituição da pena de multa por trabalho não realiza de forma adequada as finalidades da punição.


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Nos termos do artigo 48, n.º 1 do Código Penal, “a requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas coletivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

O conteúdo punitivo desta pena substitutiva centra-se na perda, para o condenado, de uma parte substancial dos seus tempos livres, sem o privar da liberdade (manutenção do contacto com o seu ambiente e integração social), encerrando, assim, um conteúdo socialmente positivo. A sua aplicação permite, assim, o equilíbrio necessário e desejável entre a proteção da ordem pública e a reparação dos prejuízos causados à comunidade pela prática da infração, tendo em consideração as necessidades de reinserção social do delinquente

Conforme se extrai do relatório elaborado pela Direcção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais, o condenado não apresenta motivação para trabalhar e manifesta hábitos de ingestão abusiva de bebidas alcoólicas, nunca teve um trabalho regular e estruturado, não fazendo uma busca ativa de trabalho, não obstante encontrar-se desempregado, conformando-se com a dependência da mãe e da irmã, ambas beneficiárias de prestações sociais. Acresce que se mostrou indisponível para trabalhar na Junta de Freguesia de (...), aceitando apenas trabalhar na Associação dos Bombeiros Voluntários de (...), instituição que não se disponibilizou para aceitar pessoas com hábitos alcoólicos.

Neste contexto, conclui-se que a pena de substituição requerida pelo condenado não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Por conseguinte, não estando preenchidos os requisitos previstos nos artigos 48 do Código Penal e 490 do Código de Processo Penal, indefere-se a requerida substituição da pena de multa por dias de trabalho.


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Analisando:

A questão suscitada prende-se com o indeferimento do pedido de substituição de pena de multa por trabalho a favor da comunidade.

Colateralmente refere o recorrente que deveria ter sido notificado do conteúdo do relatório elaborado pela DGRSP, para que pudesse opinar.

Esta substituição pode ser feita, a requerimento do condenado e quando o tribunal concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Sendo a requerimento do condenado, este deve no requerimento que apresenta indicar todos os motivos e fundamentos que sustentarão a sua pretensão, nomeadamente os indicados no nº 1 do art. 490 do CPP.

E tendo apresentado todos os seus argumentos, o nº 2 prevê que o tribunal solicite informações complementares aos serviços de reinserção social.

E em lugar algum a lei impõe que do teor desse relatório se dê conhecimento ao arguido .

É que não estão em causa os direitos de defesa do arguido, nomeadamente o exercício do contraditório, pois que nada há a contraditar, quando todos os argumentos devem ser apresentados inicialmente, no requerimento.

E não há decisão surpresa porque apresentado o requerimento, a decisão não tem de ser, necessariamente, favorável.

Sendo efetuado requerimento, não é como pretende o arguido que haja deferimento garantido. A lei, art. 490 nº 4 do CPP prevê a não substituição da multa por dias de trabalho.

É que para haver deferimento e substituição, é necessário que essa forma substitutiva de cumprimento da pena realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição - a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do arguido na sociedade (art. 40 do Código Penal).

E, no caso concreto o relatório social levado a efeito é completamente desfavorável ao arguido/requerente.

O arguido/requerente “não apresenta motivação para trabalhar e manifesta hábitos de ingestão abusiva de álcool, tendo comparecido na DGRS no dia da entrevista, aparentemente alcoolizado e com alterações comportamentais desadaptativas, com destaque para perturbações do discernimento e diminuição do funcionamento social e ocupacional”. “Nunca teve um trabalho regular e estruturado… e está conformado com a dependência em relação a familiares”.

Aí se refere como conclusão, “somos levados a concluir que não estão criadas as condições necessárias para o cumprimento de uma medida de trabalho a favor da comunidade”.

Ora, como já referido, a substituição da pena de multa por prestação de dias de trabalho só deve acontecer se se verificar que são cumpridas as finalidades de aplicação da pena. O que não ocorre in casu, conforme referido.

Como refere o Ex.mº PGA no seu parecer, e face aos elementos constantes dos autos, “o tribunal não tem qualquer certeza ou garantia de que essa seja a verdadeira vontade e determinação, pelo contrário, fica-se com a ideia de que o seu requerimento é mais um meio de protelar a execução da sanção penal que lhe foi aplicada”.

A substituição da pena de multa por trabalho exige a emissão de um juízo de prognose favorável á sua aplicação ou seja á reinserção do agente na sociedade de molde a que não cometa mais crimes e, só assim se mostra adequada e suficiente para o efeito, o que implica a análise da situação e da personalidade do arguido.

 A substituição da pena de multa por prestação de trabalho não terá, in casu, a virtualidade de consciencializar o arguido da necessidade de mudar de vida e de não tornar a delinquir, face ao teor do relatório da DGRS não é possível emitir um juízo de suficiência e adequação perante a prestação de trabalho, assim que a substituição da pena de multa por prestação de trabalho não vai cumprir as finalidades da punição, face á evidência demonstrada em tal relatório.

Assim que improcede o recurso por improcedentes todas as conclusões.


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Decisão:

Face ao exposto, acordam nesta Relação e Secção Criminal em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A... e, em consequência, mantem-se o despacho recorrido.

Custas pelo recorrente, com 3 Ucs de taxa de justiça.

Jorge Dias (Relator)

Orlando Gonçalves