Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
11/10.8GCPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS COIMBRA
Descritores: FURTO
VALOR DA COISA FURTADA
VÍCIO DA DECISÃO.
Data do Acordão: 11/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE POMBAL - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA (REENVIO)
Legislação Nacional: ART.ºS 202º A 204º, DO C. PENAL E 410º, N.º 2, AL. A), DO C. PROC. PENAL
Sumário: Não tendo sido investigada toda a matéria de facto com relevo para a decisão da causa, nomeadamente, no que respeita ao apuramento do valor concreto ou, não sendo este possível, do valor aproximado dos objectos que os arguidos tentaram subtrair, indispensável para se proceder ao correcto enquadramento jurídico-penal das respectivas condutas, verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o artigo 410º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal.
Decisão Texto Integral:


Tribunal da Relação de Coimbra
Secção Criminal
Rua da Sofia - Palácio da Justiça - 3004-501 Coimbra
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Processo nº 11/10.8GCPBL
I – RELATÓRIO:
Nestes autos de Processo Comum (Tribunal Singular) supra identificados do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, e em que são arguidos A... e B... após julgamento (com documentação da prova produzida) foi proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos:
· - Julgo o arguido A... autor material de um crime de furo [pretender-se-ia dizer furto] qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 203º, 204º, nº 1, al. f) e nº 2, alínea e), 22º, nº 1, 23º, nºs 1 e 2, 26º, 72º, nº 1 e 73º, do Código Penal, pelo que condeno-o na pena de um ano de prisão;
· Julgo o arguido B... autor material de um crime de furo [pretender-se-ia dizer furto] qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 203º, 204º, nº 1, al. f) e nº 2, alínea e), 22º, nº 1, 23º, nºs 1 e 2, 26º, 72º, nº 1 e 73º, do Código Penal, pelo que condeno-o na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano;
· A referida suspensão será acompanhada de um regime de prova que assenta num plano individual de readaptação social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, durante o tempo de duração da suspensão;
(…)

(Abrindo aqui um parênteses deixa-se que consignado que pela análise dos autos (tal como é referido na sentença recorrida), constata-se que relativamente ao arguido C..., pelo facto do mesmo ter sido declarado contumaz, previamente à audiência de julgamento dos arguidos supra referidos (os arguidos A... e B...), foi ordenada separação de processos).
*
Inconformados com o decidido na sentença, recorreram ambos os arguidos (os arguidos A... e B...), finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição)
“III. CONCLUSÕES:
1- Os arguidos colocam em crise a douta Sentença proferida, quanto à matéria de direito.
Da qualificação do crime de furto
2- O tribunal à quo condenou os arguidos pela prática de 1 crime de furto um qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203. 204, n°1 al. f) e n° 2 al. e) do CP.
3 - O crime de furto integra-se na categoria dos crimes materiais - a cuja tipicidade interessa o resultado — condicionado à lesão do património de outrem, pelo facto de se pode falar em furto quando não há uma efectiva diminuição do património do lesado.
4— O valor patrimonial da coisa constitui no dizer o Prof. Faria Costa, in Comentário, II, 44, um elemento implícito do tipo legal de crime de furto.
5- A punição do crime de furto está relacionada com o valor do objecto subtraído.
6- O valor da coisa furtada determina, quer a qualificação dos factos como de furto simples, de furto qualificado em 1 ° ou em 2° grau ou de furto simples por desqualificado, quer, as inerentes molduras penais abstractas.
7—Com efeito, o tipo legal de crime de furto, quanto ao elemento valor da coisa objecto do ilícito, está assim estruturado:
1. quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com prisão até 3 anos ou com pena de multa, artigo 203°/ 1 C Penal.
2. Quem furtar coisa móvel alheia de valor elevado é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias, artigo 204°/1 alínea a) C Penal.
3. Quem furtar coisa móvel alheia de valor consideravelmente elevado é punido com prisão de 2 a 8 anos, artigo 204°/2 alínea a) C Penal.
4. Não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor, artigo 204°/4 C Penal.
8- Considera-se:
valor diminuto aquele que não exceder 1 UC;
valor elevado aquele que exceder 50 UC,s,
valor consideravelmente elevado que exceder 200 Uc,s,
9- Com a previsão contida no nº. 4 do artigo 204°, o que acontece é que se considera que o comportamento - em princípio, susceptível de ser enquadrado como adequada expressão de qualificação - deve ser degenerado para a integração no crime matriz - o furto simples.
10 - Ou perante um contra tipo - no dizer de Faria Costa in Comentário Conimbricense, ou pressuposto negativo de aplicação da norma incriminadora lhe chama Samson, ou irrefutável contra-indicação contra a gravidade do caso, no dizer de Eser, ambos citados no mesmo local,
11- Assim para se afirmar o preenchimento das diversas previsões atinentes ao crime de furto, importa saber qual o valor do objecto subtraído para se incluir no valor elevado ou consideravelmente elevado ou diminuto e assim estar preenchido o tipo de furto qualificado, cm 1° e ou 2° grau (no caso de valor elevado ou consideravelmente elevado) ou perante um crime de furto simples (no caso de valor inferior a elevado ou quando existindo outras circunstâncias qualificativas, o valor for diminuto).
12— Donde, para a verificação do tipo legal de furto qualificado será ainda necessário, a acrescer aos elementos constitutivos do crime de furto simples, matriz, base, tipo, a verificação de uma qualquer das circunstâncias previstas no elenco do nº. 1 ou do n°. 2 do artigo 204° C Penal e que o valor da coisa exceda o valor da UC, reportado ao momento da praticados factos.
13- Se o valor da coisa não exceder o valor da UC, não se pode ter como preenchido o tipo legal qualificado, apenas e tão só, o da matriz, referencial, furto simples.
14- Em apertada conclusão, quando no n°. 4 do artigo 204° C Penal, se dispõe que, “não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor”, tal deve ser lido e interpretado como constando, implicitamente de qualquer das alíneas - com excepção das alíneas a)- dos n°s. 1 e 2 do artigo 204°, a referência “desde que o valor do objecto da apropriação seja de valor superior à UC”.
15- Não há, nos autos, nem prova vinculada nem sequer, objectiva quanto ao valor dos objectos que os arguidos tinham intenção de apropriação.
16- Na verdade, desconhece-se o valor dos bens que os arguidos pretendiam e poderiam subtrair, podendo ser diminuto.
17- A dúvida sobre se o valor do objecto da tentativa de furto é ou não diminuto, porque se refere a um elemento de facto, tem de solucionar-se a favor do arguido, em obediência ao principio in dubio pro reo, considerando-se ser esse valor diminuto e, em consequência, a tentativa de furto simples. Nesse sentido decidiu o STJ em acórdão de 12/11/1997, CJ, acs. STJ, 1997, III, 232. E também, em relação a crime de roubo, em acórdão de 17/12/1997, proferido no processo n 1037/97, ainda que com anotação discordante do Conselheiro Simas . na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Julho - Setembro de 1998, páginas 439 e seguintes.
18- Sobre a matéria vale a lição de Figueiredo Dias: “ao facto sujeito a julgamento o princípio aplica-se sem qualquer limitação, e portanto não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude (…), de exclusão da culpa (...) e de exclusão da pena (…), bem como às circunstâncias atenuantes, sejam elas «modificativas» ou simplesmente «gerais». Em todos estes casos, a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado prova completa da circunstância favorável ao arguido” (Direito Processual Penal, Volume I, 1974, página 215)
19- Sem descurar que, em processo penal, vigora o princípio da presunção de inocência do arguido, com a consagração constitucional, artigo 32°/2 da Constituição da República Portuguesa e ainda na Declaração Universal dos Direitos do Homem, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Po1íticos e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, “cuja primeira grande incidência, assenta fundamentalmente, na inexistência de ónus probatório do arguido em processo penal, no sentido de que o arguido não tem de provar a sua inocência para ser absolvido; um princípio in dubio pro reo; e ainda que o arguido não é mero objecto ou meio de prova, mas sim um livre contraditor do acusador com armas iguais às dele.
20- Em primeiro lugar, o princípio da presunção de inocência do arguido isenta-o do ónus de provar a sua inocência, a qual parece imposta (ou ficcionada) pela lei, o que carece de prova é o contrário, ou seja, a culpa do arguido, concentrando a lei o esforço probatório na acusação.
21- Em segundo lugar, do referido princípio da presunção de inocência do arguido – embora não exclusivamente dele - decorre um principio in dubio pro reo, princípio que procurando responder ao problema da dúvida na apreciação do caso criminal (não a dúvida sobre o sentido da norma, mas a dúvida sobre o facto e, partindo da premissa de que o juiz não pode terminar o julgamento com um non liquet, determina que na dúvida quanto ao sentido em que aponta a prova feita, o arguido seja absolvido”
22- O princípio do in dubio pro reo é, assim, uma imposição dirigida ao juiz, segundo o qual, a dúvida sobre os factos favorece o arguido.
23- Quer isto dizer, que a sua verificação pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, reportada à decisão da matéria de facto e, sem qualquer restrição.
24- Dúvidas, então, não existem de que sobre a acusação impendia o ónus da prova do facto do valor da coisa que os arguidos pretendiam subtraída ser superior ao correspondente a 1UC.
25- Isto é, o preenchimento de qualquer das previsões contidas no tipo legal do artigo 204º C Penal pressupões a prova positiva de que o valor da coisa é superior a q UC.
26- Outro entendimento, designadamente de que sobre o arguido impendia o ónus de provar que o valor, pelo contrário, não era superior a 1 UC, não é admissível, sob pena de estarmos perante uma manipulação arbitrária e injustificável do princípio in dubio pro reo, determinante de uma inconstitucional presunção de culpabilidade.
27- Assim, em resumo, uma vez que se não logrou fazer a prova de qualquer valor da coisa subtraída, por aplicação directa do princípio in dubio pro reo, há que concluir que não pode o arguido ser condenado pela prática do crime - que o M P lhe imputa de furto qualificado, pelo nº 1 do artigo 204° C Penal, que tem como pressuposto que o valor seja superior a 1 UC, donde, se há-de considerar como verificada a causa de desqualificação prevista no n°. 4 da mesma norma.
28- Daqui resultará, então, que os factos apurados são susceptíveis, tão só, de integrar a previsão do tipo legal de crime de furto simples, (no caso desqualificado) p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203°/ 1 e 204°/ 1 alínea f) e 4 C Penal.
Nulidade
29- O crime de furto possui natureza semi-pública, isto é, para que o M°P° possa exercer a respectiva acção penal (possa accionar o respectivo procedimento criminal), o ofendido terá que apresentar queixa. conforme assim resulta expressamente do disposto no art.° 203° do Código Penal e do disposto nos art.°s 48° e 49° n° 1 do CPP,
30- Dispõe o artigo 113° n° 1 do CP que “quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresentá-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei quis especialmente proteger com a incriminação”
31--Pese embora, ..., na qualidade de testemunha ter dito nas suas declarações na fase de inquérito, que pretende procedimento criminal contra os aqui arguidos, o mesmo não é titular dos interesses protegidos pela norma incriminadora, já que a proprietária da propriedade sita na Avenida … , na qual foi cometido o crime que é imputado aos arguidos pertence aos herdeiros de ... .
32- Ora, ..., é genro de ... pedrosa e nesta qualidade não é seu herdeiro.
33-- A ser assim o queixoso/denunciante não sendo o “ofendido”, não é a titular do interesse protegido que a lei quis acautelar, pelo que não tinha legitimidade.
34- Pelo que, o direito de queixa deveria ter sido exercido pelos herdeiros de ... designadamente o cabeça de casal, e não por ..., sem poderes para tal.
35- Assim, considerando que o interesse protegido pela norma jurídica do furto é a propriedade, e sendo a propriedade sita na Avenida … , na qual foi cometido o crime que é imputado aos arguidos pertencente aos herdeiros de ... pedrosa, deve-se considerar que os devidos titulares do interesse protegido nunca exerceram nos autos o respectivo direito de queixa (nada consta nos autos), verificando-se assim, que o M°P° careceu de legitimidade para o exercício da acção penal, designadamente para deduzir acusação.
36- O que implica, quanto ao crime em apreço, a nulidade do processo [Cfr. (Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, 2 ed., pág.34], nulidade esta insanável e consequentemente invocável por qualquer interessado e do conhecimento oficioso até ao trânsito da decisão final —, cfr. art° 119º alínea b) do Código de Processo Penal.
37 - E a ser assim, deverá ser declarado extinto o presente procedimento criminal instaurado contra os arguidos, por ilegitimidade do Ministério Público em deduzir acusação, por inexistência de queixa.
Normas vio1adas artigos: 203º e 204° e 113º, n°1 do Código Penal e 48° e 49° n° 1 do Código Processo Penal.
Neste termos, e nos demais de Direito e sempre com o mui douto suprimento de VV. Exas., espera-se que, por aplicação directa do princípio in dubio pro reo, se conclua que os factos apurados são susceptíveis, tão só, de integrar um crime de furto simples, na forma tentada, (no caso desqualificado) p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203°/1 e 204°/1 e 4 , 22° nº 1 e 23º, n 2, C Penal. e à final ser declarado extinto o presente procedimento criminal instaurado contra os aqui recorrentes, por ilegitimidade do Ministério Público em deduzir acusação, por inexistência de queixa.
Assim se fazendo,
JUSTIÇA”.
*
O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu ao recurso, concluindo pela sua improcedência e a manutenção na íntegra da sentença recorrida.
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que, sendo o valor dos bens essencial à qualificação do crime de furto qualificado, pelo facto do tribunal a quo não ter dado como provado que os objectos, de que os arguidos se pretendiam apoderar, tivessem os valores que haviam sido alegados na acusação, deveria aquele tribunal, e porque não fundamentou a impossibilidade de apuramento do valor dos mesmos, ao abrigo do disposto no artigo 340º nº 1 do Código de Processo Penal ter diligenciado no sentido de apurar o valor daqueles mesmos bens, sendo que ao considerar que a conduta dos arguidos integra o crime de furto qualificado na forma tentada (embora sem o fundamentar) tudo leva a crer que os mesmos não eram de carácter diminuto. Termina concluindo que ao não se ter pronunciado sobre o valor dos bens de que os arguidos se pretendiam apoderar, incorreu a decisão recorrida nas nulidades prevista no artigo 379º nº 1 alíneas a) e c) do Código de Processo Penal que deverão ser supridas pelo tribunal recorrido.
No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, o recorrente não respondeu.
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (arts 403º e 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
No caso vertente e vistas as extensas conclusões do recurso, limitado à matéria de direito, as questões versam sobre:
1- Qualificação jurídica dos factos:
- saber se os factos dados como provados são susceptíveis de integrar um crime de furto simples, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º nº 1, 204º nº 1 e 4, 22º nº 1 e 23º nº 2 do Código Penal (e não um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 203º, 204º nº 1 f) e nº 2 e), 22º nº 1 e 23º nºs 1 e 2 do Código Penal conforme vinham acusados e decidiu o tribunal a quo);
2- Sendo a resposta positiva à questão anterior, se se verifica uma situação de nulidade do processado decorrente da ilegitimidade do Ministério Público em deduzir acusação por inexistência de queixa e, se assim, deverá ser declarado extinto o procedimento o procedimento criminal instaurado contra os arguidos.
*
Vejamos agora a decisão recorrida na parte que releva para o presente recurso.

“Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 7 de Janeiro de 2010, os arguidos A... e B... decidiram entre si entrar na propriedade murada, sita na Avenida … , propriedade essa que é constituída por um anexo onde está um alambique e uma casa de habitação, pertencente aos herdeiros de ...;
2. Os arguidos tinham como finalidade retirarem da propriedade todos os bens com valor patrimonial que aí encontrassem, os quais depois transportariam com eles, como se lhes pertencessem;
3. Na concretização desse plano previamente concebido, os arguidos subiram o muro daquela propriedade, com uma altura de cerca de 1,70 metros, e passaram para o interior da propriedade, levando com eles diversos objectos, tais como tesouras de cortar ferro, uma marreta, um machado, uma rebarbadora com disco e bateria suplente, um disco de cortar ferro, um par de luvas, uma chave de grifos e uma caixa de ferramentas com diversas chaves de roquetes;
4. Tais objectos serviriam para auxiliar os arguidos na execução do seu propósito;
5. Uma vez no interior da propriedade, que era toda ela vedada, os arguidos dirigiram-se à casa de habitação que ali existe e que se encontra desabitada, sendo que como a mesma se encontra fechada, os arguidos, para acederem ao seu interior, com o uso de objecto não concretamente apurado que colocaram junto da fechadura da porta, exerceram força por forma a partir a fechadura, assim logrando abrir a porta;
6. Acto contínuo, os arguidos entraram no espaço da residência, percorrendo as diversas divisões da casa, com a intenção de encontrarem objectos de valor que pudessem transportar consigo;
7. Remexeram os armários e guarda-fatos que estavam na sala, cozinha e quartos da residência, retirando destes móveis alguns objectos com interesse que colocaram em cima de uma cama e mesa, com o objectivo de depois os transportarem com eles;
8. Os arguidos acederam, ainda, a um sótão daquela habitação, onde estavam diversos objectos, entre os quais cabos eléctricos, tendo os arguidos escolhido de entre esses vários cabos eléctricos que separaram e colocaram num monte com a mesma intenção de depois os levarem com eles;
9. Seguidamente, os arguidos deslocaram-se para o anexo onde funcionou em tempos uma destilaria e onde se encontrava o alambique, com a intenção de desmontar aquele objecto que é constituído na sua maioria por cobre;
10. Nessa sequência, os arguidos com o auxílio das ferramentas acima descritas, iniciaram a desmontagem dos tubos e do tanque do alambique, tendo procedido ao corte de parte da cuba do mesmo, para que fosse mais fácil o transporte de todos os materiais;
11. Nesse anexo os arguidos recolheram, ainda, alguns cabos eléctricos que ali encontraram e colocaram-nos num monte para depois os levarem com eles;
12. Em determinado momento, o arguido C... deslocou-se junto do muro da propriedade, tendo sido detectada a sua presença por ... e ... que, ao verem o arguido no interior daquela propriedade o questionaram quanto ao motivo da sua presença naquele local;
13. De imediato, o arguido tentou saltar o muro para o exterior, a fim de encetar a fuga, pelo que logo foi retido por ... e … ;
14. De seguida, o arguido C..., através do seu telemóvel, com o número 914967319, fez uma chamada para o telemóvel do arguido A..., com o número …. por forma a avisar este arguido e o arguido B... de que haviam sido detectados, permitindo-lhes encetar fuga daquele local;
15. Nessa sequência, volvidos alguns minutos, os arguidos A... s e B..., saltaram o muro da propriedade para o exterior, tendo sido detectados por ... e … , que os retiveram, até à chegada e entrega à GNR;
16. Ao actuar da forma descrita, os arguidos A... e B... agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, e na execução do plano que antes haviam traçado, tendo como propósito fazer seus os objectos e valores que encontrassem no interior do anexo/destilaria e residência sitos no interior daquela propriedade;
17. Os arguidos sabiam que aqueles objectos não lhes pertenciam e que, quer ao entrar naquela propriedade, que se encontrava totalmente vedada e subindo um muro com 1,70 metros, quer ao entrar no anexo/destilaria, quer ao entrar na habitação por via do rebentamento da fechadura, agiam contra a vontade e sem autorização dos donos;
18. Os arguidos apenas não lograram concretizar os seus intentos por facto alheio às suas vontades, tendo sido descobertos por terceiras pessoas;
19. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal;
20. O arguido A... está detido há cerca de um ano em cumprimento de pena;
21. Antes de estar preso era vendedor ambulante;
22. Tem 3 filhos, com 6, 5 e 2 anos de idade, os quais residem com a mãe, que está desempregada;
23. O arguido A... . foi condenado, por sentença de 13.05.2002 pela prática, em 13.05.2000, de um crime de detenção ou tráfico de armas proibidas, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 3,00;
24. Por acórdão de 01.07.2002, o arguido A... . foi condenado, pela prática, em 20.10.2001, de um crime de condução sem habilitação legal e três crimes de furto qualificado, na pena de três anos e cinco meses de prisão;
25. Por sentença de 09.06.2004, o arguido foi condenado pela prática, em 09.08.2001, de um crime de furto qualificado na forma tentada, na pena de dezoito meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos;
26. Por sentença de 24.10.2005, o arguido foi condenado pela prática de um crime de desobediência, praticado em 02.02.2004, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 4,00;
27. Por sentença de 08.03.2007, o arguido A... . foi condenado pela prática, em 20.03.2006, de um crime de condução sem habilitação legal e um crime de desobediência, na pena de onze meses de prisão, suspensa por três anos, com a obrigação de o arguido entregar, de 3 em 3 meses, a quantia de € 150,00 à CERCIM;
28. Por sentença de 04.12.2007, o arguido A... . foi condenado pela prática de um crime de desobediência, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, por factos praticados em 18.03.2006;
29. Por sentença de 22.04.2009, o arguido A... . foi condenado pela prática, em 23.03.2009, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de sete meses de prisão, substituída por 210 horas de trabalho a favor da comunidade;
30. Por sentença de 26.01.2010, o arguido A... . foi condenado pela prática, em 16.08.2007, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de oito meses de prisão suspensa por um ano;
31. Por sentença de 17.06.2010, o arguido A... . foi condenado pela prática, em 12.01.2010, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de oito meses de prisão, substituída por prisão por dias livres, a cumprir em 40 períodos aos fins-de-semana, cada um com a duração de 48 horas
32. Por sentença de 03.02.2011, o arguido A... . foi condenado pela prática, em 04.01.2011, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 10 meses de prisão;
33. O arguido B...é fiel de armazém, auferindo de vencimento cerca de € 550,00;
34. Vive em casa de familiares, com a esposa e um filho com 6 anos de idade;
35. A esposa do arguido B...está desempregada;
36. De escolaridade o arguido B...tem o 9º ano;
37. O arguido B...foi condenado, por sentença de 24.09.1997, pela prática de um crime de furto qualificado, praticado em 11.12.1993, na pena de seis meses de prisão substituída por 180 dias de multa, à taxa diária de 1.000$00;
38. Por sentença de 03.05.2000, o arguido B...foi condenado pela prática em 03.05.2000, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 6,00;
39. Por sentença de 26.04.2000 o arguido foi condenado pela prática, em 26.04.2000, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de sessenta dias de multa, à taxa diária de 600$00;
40. Por sentença de 06.07.2000, o arguido B...foi condenado pela prática na mesma data de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de sete meses de prisão suspensa pelo período de um ano;
41. Por sentença de 29.10.2003, o arguido B...foi condenado pela prática, em 16.04.2002, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 15 meses de prisão, suspensa por dois anos;
42. Por sentença de 10.02.2005, o arguido foi condenado pela prática, em 27.02.2000, de um crime de furto, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de € 3,00;
43. Por Acórdão de 19.10.2007, o arguido B...foi condenado pela prática, em 01.08.2004, de um crime de tráfico para consumo e um crime de receptação, na pena de 20 meses de prisão suspensa por vinte meses.
*
Não se provaram quaisquer outros factos, designadamente que:
1. Os objectos de cobre do alambique foram avaliados em € 5.000,00, sendo que os arguidos com a conduta supra descrita provocaram danos naquele engenho de valor não inferior a € 5.000,00;
2. Os objectos que os arguidos juntaram na residência e que se preparavam para retirar da mesma tinham um valor global de cerca de € 1.000,00.
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MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
O Tribunal formou a sua convicção no que respeita à factualidade provada com base nos documentos juntos aos autos a fls. 2 a 4 (auto de notícia), fls. 50 (auto de aditamento), fls. 10 a 12 (relatório de inspecção), fotografias de fls. 13 a 18, autos de apreensão de fls. 19, 27, 34 e 40, autos de leitura de telemóvel de fls. 189 a 193, 194 a 197, conjugados com a análise crítica e ponderada de toda a prova produzida em sede de julgamento, analisada à luz das regras da experiência (cfr. Artigo 127º do C.P.P.).
Em primeiro lugar foram consideradas as declarações do arguido A..., que confessou ter combinado com os arguidos C... e B...deslocarem-se à propriedade em causa nos autos, a fim de furtarem um alambique em cobre que ali existia. Confessou que saltou o muro que serve de vedação a toda a propriedade, o qual tem uma altura de cerca de 1,70 metros, esclarecendo que os arguidos iam munidos de ferramentas necessárias à concretização dos seus objectivos. Mais confessou que tentou desmontar o alambique identificado nos factos provados, sendo que a determinada altura recebeu uma chamada telefónica do arguido C... que lhe disse que a presença dos arguidos no local tinha sido detectada por terceiros, altura em que ele e o arguido B...se dirigem para o exterior da propriedade, onde se encontrava um indivíduo que se identificou como o proprietário. Foi confrontado com as fotos juntas aos autos a fls. 13 e seguintes, confirmando ter sido aquele o muro que escalou para aceder à propriedade em questão.
Por outro lado, o tribunal atendeu às declarações do arguido B..., que também confirmou que combinou com os outros dois arguidos, o C... e o A..., dirigirem-se à propriedade referida nos factos provados com o objectivo de furtarem um alambique que o arguido C... sabia ali existir, bem como outros objectos de valor que ali encontrassem. Na execução do plano previamente traçado com os referidos arguidos, e munidos das ferramentas referidas nos factos provados, dirigiram-se à propriedade, à qual acederam através do escalamento do muro que rodeia toda a propriedade. Confessou que tanto ele como o arguido A... se dirigiram à casa de habitação, ao sótão, de onde retiraram os fios eléctricos, que depois amontoaram com a intenção de os trazer consigo, confirmando que de seguida se dirigiram ao anexo onde se encontrava o alambique a fim de trazerem consigo cobre. Esclareceu que a determinada altura o arguido A... recebeu uma chamada do arguido C..., o qual terá dito que já tinha sido detectada a presença dos arguidos por parte de terceiros, altura em que os arguidos saltaram de novo o muro para aceder ao exterior da propriedade.
Para além disso, o tribunal atendeu ao depoimento da testemunha ... que, apesar de não ter assistido aos factos em discussão, referiu que a propriedade em questão era do seu sogro e que a mesma se localiza na Avenida … .
Foi também considerado o depoimento da testemunha ..., que trabalha numa serração ao lado da propriedade em questão, referindo que a esposa do patrão telefonou-lhe a dizer que tinha visto um indivíduo na propriedade. Por esse motivo, o depoente quando chegou ao local espreitou e viu um indivíduo com fios eléctricos a entrar para o anexo onde se encontrava o alambique. O depoente chamou e de imediato o indivíduo saltou o muro que delimita a propriedade, sendo que de seguida o referido indivíduo telefonou aos colegas e estes de imediato saltaram também o muro da propriedade. Apesar de os arguidos não trazerem nenhum objecto consigo, o depoente explicou ao tribunal que depois se deslocou à residência, a qual se encontrava desabitada há já alguns anos, encontrando o local todo remexido, as janelas abertas e tudo abalroado, No anexo onde estava o alambique verificou que este objecto tinha sido cortado com uma machada.
O tribunal atendeu, ainda, ao depoimento da testemunha ..., que explicou que ia a passar na Avenida … quando reparou que um indivíduo se encontrava dentro da propriedade em causa nos autos. Foi chamar um colega, a testemunha ..., e os dois dirigiram-se junto do muro que delimita a propriedade e aí gritaram para dentro da quinta. De imediato, um indivíduo saltou o muro, sendo que depois de este indivíduo fazer uma chamada telefónica outros dois indivíduos saltaram o muro. Acrescentou que chamaram a GNR e depois foram dentro da propriedade, onde verificaram que os referidos indivíduos tinham danificado a caldeira de um alambique que se encontrava num anexo da propriedade. Também na residência da referida propriedade verificaram que os indivíduos remexeram tudo.
Para além disso, o tribunal atendeu ao depoimento da testemunha Luís Sá, agente da GNR da Guia que se encontrava de patrulha às ocorrências e que se deslocou à propriedade em causa nos autos, onde verificou que a residência se encontrava toda remexida. Mais explicou que os arguidos foram conduzidos ao posto da GNR onde foram identificados.
Acresce que o tribunal considerou também o depoimento da testemunha … , agente da GNR, que pelo facto de ter sido chamado ao local demonstrou ter conhecimento dos factos em discussão. Referiu que quando chegou verificou que os três arguidos estavam retidos por populares junto do muro que delimita a propriedade referida nos factos provados.
Por último, o tribunal atendeu ao depoimento da testemunha … , agente da GNR, que pelo facto de se ter deslocado ao local e ter procedido à apreensão das ferramentas demonstrou ter conhecimento dos factos em questão, Explicou que os arguidos escalaram o muro que rodeia a propriedade, tendo arrombado a porta da residência, tendo confirmado o teor do auto de notícia por ele elaborado e subscrito.
Todos estes depoimentos conjugados entre si levam-nos a concluir que os factos se terão passado conforme referido na matéria provada.
Quanto à situação económica e familiar dos arguidos consideraram-se as suas declarações, as quais se nos afiguraram espontâneas e credíveis.
Relativamente aos antecedentes criminais consideraram-se os CRC junto aos autos.
No que respeita aos factos não provados assim se consideraram por não ter sido feita prova suficiente acerca da sua verificação.
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B – DE DIREITO

Os arguidos vêm acusados de ter praticado, em co-autoria material e na forma tentada, um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, 204º, nº 1, al. f) e nº 2, alínea e), 22º, nº 1, 23º, nºs 1 e 2, 26º, 72º, nº 1 e 73º, do Código Penal.
Nos termos do artigo 203º, nº 1, do Código Penal “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”.
Dispõe o artigo 204º, nº1, al. f) do Código Penal que “Quem furtar coisa móvel alheia: a) Introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias”.
Acrescenta o nº 2 da mesma disposição legal que “Quem furtar coisa móvel alheia: e) Penetrando em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas é punido com pena de prisão de dois a oito anos”.
Por sua vez, o artigo 22º, nº1, do mesmo diploma refere que “Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se”.
Por outro lado, o nº 2 da mesma disposição legal determina que “São actos de execução: a) Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime; b) Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores”.
O artigo 23º, nº1, do mesmo diploma diz que “a tentativa só é punível se ao crime consumado respectivo corresponder pena superior a três anos de prisão”.
São elementos constitutivos do crime de furto: a subtracção de coisa móvel alheia (o agente retira a coisa da esfera de posse do lesado para a sua própria esfera patrimonial ou para a de terceiro) com intenção ilegítima de apropriação (dolo específico, traduzido na intenção do agente de, contra a vontade do proprietário ou detentor da coisa furtada, a haver para si ou para outrem, integrando-a na sua esfera patrimonial), sendo que a coisa móvel em causa deve ser corpórea, susceptível de apropriação individual – cfr. Leal Henriques e Simas ., O Código Penal de 1982, em anotação ao artigo 296º (correspondente ao actual artigo 203º do Código Penal).
Trata-se de um crime contra a propriedade cuja acção típica consiste num acto de subtracção de coisa móvel alheia. De facto, a lei não exige a efectiva apropriação, mas tão só que o agente actue com esse propósito, pelo que estamos perante um crime de resultado parcial. Na verdade, a consumação do crime ocorre com a subtracção de coisa alheia e não com a sua apropriação pelo agente, dado que a referida disposição legal “coloca o elemento apropriação como exigência do tipo subjectivo de crime e não como elemento característico do tipo objectivo” (cfr. José António Barreiros, in Crimes Contra a Património, 1996, p. 35).
O objecto da acção é uma coisa móvel alheia, entendendo-se por alheia “toda a coisa que esteja ligada, por uma relação de interesse, a uma pessoa diferente daquela que pratica a infracção “(cfr. José de Faria Costa, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo II, p. 41).
Quanto ao elemento subjectivo, o furto exige o dolo genérico quanto à subtracção e o dolo específico no que concerne à ilegítima intenção de apropriação. O agente terá que “representar e querer o acto de subtrair algo a alguém (dolo genérico) e haverá de incluir o representar e querer a apropriação da coisa (dolo específico) (cfr. José António Barreiros, ob. citada, p. 43).
Dos factos provados resulta que no dia 7 de Janeiro de 2010, os arguidos introduziram-se no interior da propriedade murada, sita na Avenida … , propriedade essa constituída por um anexo onde está um alambique e uma casa de habitação, subindo o muro da referida propriedade, com uma altura de cerca de 1,70 metros, com o objectivo de retirarem da propriedade todos os bens com valor patrimonial que aí encontrassem, os quais depois transportariam com eles, como se lhes pertencessem.
Provou-se, também, que os arguidos para acederem ao interior da casa desabitada forçaram a fechadura com um objecto não concretamente apurado, assim abrindo a porta.
Mais se provou que os arguidos só não concretizaram os seus intentos por motivos alheios à sua vontade, designadamente a intervenção de terceiras pessoas que detectaram a sua presença.
Resultou também provado que os arguidos agiram de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que os bens em causa nos presentes autos não lhes pertenciam, que actuavam contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo proprietário, agindo com o intuito de fazer seus os referidos bens, só não o tendo conseguido por motivos alheios à sua vontade.
Estão, pois, preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do crime de furto qualificado, na forma tentada, que é imputado aos arguidos.”
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Passemos então à análise das questões suscitadas pelos recorrentes.
Quanto à primeira questão, na perspectiva dos recorrentes os mesmos não poderiam ser condenados pelo crime de furto qualificado na forma tentada, porquanto da matéria de facto apurada não ficou demonstrado que o valor dos bens de que pretendiam subtrair tivesse um valor superior a 1 UC. Nessa sequência, e manifestando o entendimento de que a falta de prova positiva de que o valor da coisa é superior a 1 UC deve ser valorada em seu benefício, por aplicação directa do princípio do in dúbio pro reo (não recaindo sobre eles provar que o valor não era superior a 1 UC), consideram que se está perante uma situação de valor diminuto a que alude o nº 4 do artigo 204º do Código Penal que conduz à desqualificação do furto.

Vejamos agora o que estabelecem os artigos 203º nº 1 e 204º nº 1 f) e nº 2 e) e 4 do Código Penal
Artigo 203.º
Furto
1 — Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
Artigo 204.º
Furto qualificado
1 — Quem furtar coisa móvel alheia:
(…)
f) Introduzindo -se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar;
2 — Quem furtar coisa móvel alheia:
(…)
e) Penetrando em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas;
(…)
4 — Não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor.
Por sua vez, o artigo 202.º c) do mesmo código define como “Valor diminuto — aquele que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto;”

Entendem os recorrentes que por não se ter logrado fazer prova do valor da coisa que os arguidos pretendiam subtrair, por aplicação directa do princípio do in dúbio pró reo, teria que se concluir pelo valor diminuto e, nessa medida pela desqualificação prevista no nº 4 do artigo 204º.

Ou seja, a questão principal do recurso interposto, tem a ver com a questão de saber se os bens que os arguidos pretendiam subtrair têm ou não ou não valor diminuto ou se na dúvida acerca do valor do seu valor se considerará o mesmo de diminuto.
Esta questão, acerca do valor dos objectos, merece ser analisada com alguma acuidade tendo em conta a matéria de facto provada e não provada mencionada na sentença.
Como refere o Exmo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, a decisão recorrida, nos factos provados 8 a 11, dá-nos conta dos objectos que os arguidos se pretendiam apoderar, ou seja, cabos eléctricos existentes no sótão daquela habitação onde entraram pela porta que lograram abrir depois de exercerem força por forma a partir a fechadura, bem como um alambique e uma cuba em cobre que se encontravam num anexo onde funcionou em tempos uma destilaria.
Apesar de na acusação pública constante de fls. 270 e segs, a dado passo ser dito que “os objectos de cobre do alambique foram avaliados em €5.000,00 (…) os objectos que os arguidos juntaram na residência e que se prepararam para retirar da mesma tinham um valor global de cerca de €1.000,00”, constata-se pela indagação da demais descrição fáctica dada como provada na decisão recorrida, em lado algum da mesma é feita referência ao quantificado valor, nem ao menos aproximado, daqueles bens. É certo que a seguir aos factos provados foi dito “Não se provaram outros factos da acusação que estejam em contradição com os assentes e que tenham relevância para a decisão da causa, designadamente:
1. Os objectos de cobre do alambique foram avaliados em € 5.000,00, sendo que os arguidos com a conduta supra descrita provocaram danos naquele engenho de valor não inferior a € 5.000,00;
2. Os objectos que os arguidos juntaram na residência e que se preparavam para retirar da mesma tinham um valor global de cerca de € 1.000,00.”
E para demonstrar os motivos da não prova destes factos, a sentença recorrida limitou-se a mencionar, de forma vaga e superficial, “não ter sido feita prova suficiente acerca da sua verificação” (sublinhado nosso).
Perante isto, coloca-se a questão: não tendo ficado provado que os objectos em causa tivessem o valor alegado na acusação, afinal que valor teriam? Teriam um valor inferior a 1 UC (que à data dos factos correspondia €102) para que se pudesse considerar diminuto, como consideram os recorrentes, para fazer operar a desqualificativa do furto prevista no nº 4 do artigo 204º? Ou teriam um valor superior a 1 UC para se poder fazer operar a qualificativa do furto como foi feito na sentença recorrida? Ou teriam um valor que não foi ou nem é possível quantificar ou apurar?
Estas interrogações apontam no sentido de que os factos que o tribunal recorrido deu como provados são insuficientes para a decisão da causa, ou melhor apontam no sentido de que a sentença padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, sendo que são de conhecimento oficioso os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
E dentro dos vícios que possam resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, consta o da alínea a) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Há insuficiência da matéria de facto quando faltem factos provados que autorizem a ilação jurídica tirada, que permitam suportar uma decisão dentro do quadro das soluções de direito plausíveis.
Como se refere no acórdão do STJ de 19.03.2009, acessível através do site (www.dgsi.pt ), “é uma lacuna de factos, que se revela internamente, só a expensas da própria sentença, sempre no cotejo com a decisão, e não se confunde, evidentemente, com a eventual falta de provas para que se pudessem dar por provados os factos que se consideraram provados”.
Diz-se ainda no acórdão do STJ de 27.05.2010 (Relator: Cons. Raul Borges) que “O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, verifica-se quando a matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada, porque o tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto; ocorre quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição. A insuficiência prevista na alínea a) determina a formação incorrecta de um juízo porque a conclusão ultrapassa as premissas. A matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito correcta, legal e justa”.
Como atrás mencionámos, o tribunal recorrido deu como provado que os arguidos se pretendiam apoderar daqueles cabos eléctricos, alambique e cuba naquele contexto espácio-temporal também apurados, mas não se pronunciou quanto ao valor concreto ou aproximado dos mesmos objectos.
Ora, a doutrina, sobretudo pela pena do Professor José de Faria Costa, tem afirmado, quase unanimemente, que, no crime de furto, o valor patrimonial da coisa subtraída constitui elemento implícito do tipo. E a propósito da norma do n.º 4 daquele art.º 204.º, escreve o mesmo Professor (in Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, Tomo II, 1999, pag. 87) que se pode sustentar estarmos perante uma norma de desqualificação, mas prefere “a ideia mais forte e talvez mais expressiva de que neste caso se está perante um contra-tipo. O tipo qualificador cede, nas circunstâncias, quando se faz apelo ao contra-tipo. Ou seja: desta maneira julgamos ser mais consequente a aceitação e a defesa de que se a coisa for de diminuto valor não chega sequer a preencher-se o tipo qualificador, remetendo-se o comportamento proibido para o tipo matricial”.
À questão de saber se o agente deve representar, ainda que de maneira global e difusa, o facto de a coisa furtada ter diminuto valor, responde o autor que “o contra-tipo (…) só deve funcionar se o agente da infracção tiver representado que aquilo que quer furtar tem um diminuto valor”, embora não lhe repugne aceitar que se está perante “uma pura e simples circunstância privilegiadora de aplicação automática e obrigatória”, solução que “os princípios atinentes a uma aplicação e a uma interpretação sustentadas no favor rei” legitimariam.
Estas considerações, fornecendo importante contributo, não são, no entanto, suficientes para resolver a questão da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão relacionada com o valor dos bens.
É que, e desde logo, a falta de indicação do valor dos objectos de que os arguidos tentaram subtrair (e, nesta perspectiva, merece ponderação o alegado na motivação do presente recurso), pode levar a que não possa haver qualificação do crime de furto, por aplicação do disposto no artigo 204º, nº 4, do Código Penal.

Exigindo o crime de furto uma subtracção e uma apropriação física de uma coisa móvel, esta, sem ter que ser susceptível de apreensão material, há-de possibilitar uma imediata disposição física e, por conseguinte, ser controlável, quantificável e dotada de utilidades susceptíveis de apropriação individual, ou seja, com valor económico ou patrimonial.
Além disso, sendo “a disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica” (Prof. Faria Costa, Ob. Cit., p. 30-31) o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora do furto, só pode ser objecto deste crime a coisa que tenha um valor juridicamente relevante.
Considerando assim que a configuração do crime de furto exige a indicação do valor da coisa subtraída ou que o valor da mesma tenha relevo jurídico, quid juris se inexistir essa indicação do valor da coisa?
A jurisprudência tem dado respostas diversas a esta questão.
No acórdão do STJ de 10.12.1997 (www.dgsi.pt/jstj; Relator: Cons. Brito Câmara) entendeu-se que deve beneficiar-se o arguido e considerar diminuto o valor da coisa:
Não se conseguindo determinar o valor dos objectos subtraídos pelo arguido, tem de concluir-se, em benefício daquele, que o mesmo é insignificante e diminuto, o que exclui a qualificação do furto, nos termos do disposto pelos artigos 297 n. 3 do CP de 1982 e 204 n. 4 e 202 alínea c) do CP de 1995”.
Na mesma linha seguiu o STJ de 12.11.1997 (www.dgsi.pt/jstj; Relator: Cons. Andrade Silva), mencionado pelo recorrente.
E ainda nesse entendimento podemos citar o acórdão da Relação do Porto de 15.04.2009 (www.dgsi.pt) que onde é dito:
Desconhecendo-se o valor dos bens objecto de tentativa de furto, a dúvida sobre se o valor de tais bens é ou não diminuto, porque se refere a um elemento de facto, tem de solucionar-se a favor do arguido, em obediência ao princípio “in dubio pro reo”, considerando-se ser esse valor diminuto e, em consequência, a tentativa de furto simples”.
Entendimento diverso se manifesta no Ac. do STJ de 26.06.1997 (in CJ/Acs.STJ, V, Tomo II, pag 250) em que decidiu que a circunstância de não se ter conseguido apurar o real valor das quantias pecuniárias subtraídas não serve para se desqualificar o furto, nos termos do n.º 3 do artigo 297.º do CP/82 (ou do n.º 4 do artigo 204.º do C.P./95), por isso que, para se considerar tal valor como insignificante (ou diminuto – no segundo caso) seria necessário um juízo positivo sobre esse valor, o que se não verifica.
Com outro entendimento esta Relação de Coimbra, no acórdão de 03.02.2010 (www.dgsi.pt/jtrc; Relatora: Desembargadora Isabel Valongo) decidiu que, “não se sabendo qual o valor dos bens furtados, não é aplicável o n. 4 do art.º 204º do C.P.”, devendo a sentença ser anulada e o processo enviado ao tribunal recorrido para cumprimento do n.º 3 do artº 358° do CPP”.
Depois de feito este breve percurso pela doutrina e pela jurisprudência sobre o tema, somos de entendimento que o in dubio pro reo (tão largamente mencionado nas conclusões de recurso) é, essencialmente, uma regra de decisão cuja intervenção só faz sentido quando existe uma dúvida fundada, razoável e insuperável sobre a verificação de um facto – neste caso o relacionado valor da coisa.
E lendo e relendo a decisão recorrida, apesar de na mesma ter sido dito que os objectos não tinham o valor que havia sido indicado na acusação, essa não prova, para além de genericamente considerada, também não vai no sentido de não ser possível (por alguma razão qualquer) atribuir um valor, ao menos aproximado, aos bens em causa.
É por demais consabido que entre nós o processo penal seguiu o modelo acusatório, mitigado pelo princípio da investigação, princípio este que atribuiu ao tribunal o poder/dever de, por sua iniciativa e independentemente de contributos dados pela acusação e pela defesa, proceder à realização de diligências que cuidar pertinentes no sentido do esclarecimento dos factos e da descoberta da verdade material a respeito desses mesmos factos.
E essa procura da descoberta da verdade material, no âmbito da audiência de julgamento, tem acolhimento legal no artigo 340º nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal que estabelecem nos seguintes termos:
1 - O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
2 - Se o tribunal considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos processuais e fá-lo constar da acta.

Por tudo o que atrás deixamos dito, revela-se de primordial importância, designadamente até para os recorrentes tendo em conta as duas questões que suscitam no recurso, a investigação e prova do valor das coisas que os arguidos tentaram subtrair. Ou seja, constata-se que existe o vício da insuficiência da matéria de facto provada quanto ao valor quantitativo dos bens.
Aliás, o STJ no Ac. de 07/11/1997 (proc. nº 763/96) entende que “1- a determinação do valor, ainda que aproximado, do material objecto de subtracção, é indispensável para se poder proceder ao correcto enquadramento jurídico-penal das condutas dos arguidos e à fixação das respectivas punições. 2- Não tendo essa determinação sido feita, mas podendo e devendo tê-lo sido, verifica-se o vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão”.
E no Ac de 02/06/1999, o mesmo STJ refere que “A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando os factos provados são insuficientes para justificar a decisão assumida, ou quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso submetido à apreciação do Tribunal, ou seja, no cumprimento de descoberta da verdade material, que lhe é imposto pelo normativo do art. 340º do CPP, o tribunal podia e devia ter ido mais longe e, não o tendo feito, ficaram por investigar factos essenciais, cujo apuramento permitiria alcançar a solução legal e justa”.
Na sequência de tudo o que foi dito, e voltando ao caso em apreço, constatamos que não foi investigada a matéria de facto relevante para a decisão em termos de saber, ao menos aproximadamente, o valor dos bens, porquanto; sendo desconhecido o respectivo valor, devem considerar-se de valor diminuto e assim o furto ser desqualificado para o crime matricial, favorecendo-se assim os arguidos recorrentes; ou deve manter-se o enquadramento jurídico penal efectuado na sentença recorrida.
Não tendo, pois, sido investigada toda a matéria de facto com relevo para a decisão da causa, a decisão recorrida está inquinada da insuficiência a que alude o artigo 410º nº 2 a) do Código de Processo Penal.
Tal vício determina o reenvio do processo para novo julgamento – artigo 426º do Código de Processo Penal – circunscrito à mencionada questão do apuramento do valor concreto, ou não sendo possível, aproximado valor dos objectos que os arguidos tentaram subtrair daquela residência e anexo, cumprindo-se o disposto no artigo 358º nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal se necessário, elaborando-se depois nova sentença em conformidade com os factos que, assim, venham a ser correctamente apurados.
Deste modo, ficam prejudicadas as concretas questões suscitadas pelos recorrentes.
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III. DECISÃO
Face ao exposto, acordam os Juízes da, 5ª Secção, Criminal deste Tribunal da Relação em, face à supra mencionada insuficiência da matéria de facto para a decisão, ordenar o reenvio do processo ao tribunal recorrido para novo julgamento, limitado ao apuramento do concreto (ou ao menos aproximado) valor dos objectos que os arguidos A... e B...quiseram subtrair para deles se apoderarem, nos termos do artigo 426º nº 1 do Código de Processo Penal.
Sem tributação.
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(Elaborado e revisto pelo relator, o primeiro signatário - art. 94º nº 2 do Código de Processo Penal)
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Coimbra, 7 de Novembro de 2012

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(Luís Coimbra)
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(Cacilda Sena).