Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
183/11.4TBVZL-AB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: INSOLVÊNCIA
CREDORES
VERIFICAÇÃO ULTERIOR DE CRÉDITOS
INDEFERIMENTO LIMINAR
Data do Acordão: 05/07/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VOUZELA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 129, 146 CIRE, 324-A, 664 CPC
Sumário: 1.- Os credores que tenham sido avisados nos termos do art.° 129. CIRE não podem reclamar os seus créditos ao abrigo do disposto no art.° 146.°, salvo se eles se tiverem constituído posteriormente a esse aviso.

2.- O regime definido pelo art. 234°-A do Cód. Proc. Civil aplica-se a todas as acções e procedimentos, declarativos ou executivos, que comportem momento de apreciação liminar, o indeferimento liminar de petição apresentada em juízo, independentemente da natureza e forma do processo, só deve ter lugar quando for manifesto que a pretensão formulada não pode mesmo proceder.

3. Considerado o princípio jura novit curiae (art. 664ºCPC), não basta que o efeito jurídico pretendido pelo autor não se retire da norma jurídica constitutiva por ele invocada: sempre haverá que ter em conta todas as outras normas constitutivas do sistema aplicáveis aos factos alegados, das quais o juiz o poderá oficiosamente retirar.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

O (…), Autor nos autos supra e à margem identificado, notificado da sentença proferida e com mesma não se conformando, veio dela interpor recurso de apelação, alegando e concluindo que

A. A Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” apreciou no despacho que proferiu nos autos que o recorrente uma vez notificado nos termos do art.° 129 do CIRE, seria nesse momento e não posteriormente, que poderia reclamar os créditos sobre a insolvente. E, por esse facto o ora requerente não poderá prevalecer-se da possibilidade legal de verificação ulterior de créditos.

B. E neste seguimento julgou improcedente o pedido formulado pelo Autor e indeferiu liminarmente a petição inicial.

C. O recorrente discorda, com o devido respeito, da interpretação do Tribunal recorrido.

D. Violando, nitidamente, o disposto no art.° 146 n°2 a) do CIRE e violando, ainda, o disposto no art.° 234°-A, do Código de Processo Civil (CPC) ao indeferir liminarrnente a petição inicial.

E. Entende o recorrente que foi violado as normas jurídicas mencionadas no número anterior

F. E considera, é sua convicção, que face aos factos apresentados pelo recorrente na acção de verificação ulterior de créditos os mesmos não foram correctamente enquadrados, subsumidos e interpretados no âmbito do art.° 129 e 146 do CIRE.

G. O ora recorrente foi admitido ao serviço da Sociedade Insolvente em 1 de Março de 2001, para sob as suas ordens, direcção e fiscalização exercer as funções inerentes à categoria de Escriturário Geral. Funções que deixou de exercer porquanto em 22 de Agosto de 2012 cessou o seu contrato de trabalho, por decisão da Insolvente em extinguir o seu posto de trabalho

H. E a partir daquele momento, 22 de Agosto, ao valor dos créditos já reclamados acresceu o montante €5814,84 a título de compensação por antiguidade, entretanto reduzido para o montante €5284,25 pela Insolvente que liquidou o valor de €530,59 à data da cessação do contrato.

I. A comunicação da Insolvente mencionava que o montante relativo à compensação por antiguidade seria pago segundo a Proposta de Plano de Insolvência apresentado no processo 183/11 .4TBVZL.

J. Nos autos de processo de reclamação de créditos, a sentença que declarou a insolvência do devedor ocorreu a 5 de Agosto de 2011.

K. A 2 de Outubro de 2011 o recorrente dirigiu carta registada, com A/R, ao Administrador de Insolvência peticionando os créditos salariais em dívida, nomeadamente salários, subsídios de férias e Natal em atraso e a compensação por antiguidade.

L. O Administrador de Insolvência (AI) veio notificar o recorrente a 04 de Janeiro de 2012 comunicando que não foi reconhecido o crédito respeitante à Indemnização porque continuava funcionário da Insolvente.

M. No âmbito do processo Apenso de verificação de créditos não foi proferida, até presente momento, sentença de verificação e graduação de créditos.

N. A decisão de despedimento por extinção de posto de trabalho, a 22 de Agosto, confere ao trabalhador o direito a receber a compensação prevista nos termos do art.° 366 n°1 e 372 do Código de Trabalho, pagar pela massa insolvente segundo a proposta de plano da Insolvência.

O. Até ao momento não ter assegurado o crédito salarial relativamente à Compensação por antiguidade o que fundamenta a presente ação de Verificação Ulterior de Créditos nos termos do art.° 146 do CIRE.

P. E estabelece aquele preceito legal no n° 1 o seguinte: “Findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda outros créditos, bem como direitos à separação ou restituição de bens, de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de acção proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor, efectuando-se a citação dos credores por éditos de 10 dias”:

Q. E determina o n° 2 do mesmo preceito legal «.. mas a reclamação de outros créditos, nos termos do número anterior: a) não pode ser apresentada pelos credores que tenham sido avisados nos termos do artigo n°129.°, excepto tratando-se de créditos de constituição posterior”.

R. Na presente situação o recorrente foi notificado nos termos do art.° 129 do CIRE e no prazo estabelecido reclamou o crédito salarial nomeadamente os salários em atraso, subsídios de férias e subsídio de Natal e cujos montantes foram reconhecidos pelo Administrador de Insolvência.

S. Após o despedimento do recorrente, 22 de Agosto de 2012, existe um crédito salarial que é um crédito de constituição posterior

T. A Compensação pela extinção do posto de trabalho ocorrida com o despedimento do trabalhador é um crédito constituído nos termos do art.° 146 n°2 a) do CIRE.

U. A interpretação dos art.° 129 e 146 n°2 a) deverá ser no sentido de considerar a compensação, pela extinção do posto de trabalho, um crédito de constituição ulterior.

V. Nos termos do art.° 366 no 1 determina nesta situação o direito ao trabalhador de um direito a uma compensação.

W. Constituiu-se na esfera jurídica do recorrente o direito, a partir do seu despedimento, a uma compensação pecuniária pela extinção do posto de trabalho.

X. A interpretação das normas supramencionadas do C.I.R.E, deveriam ter sido interpretadas e aplicadas no sentido exposto.

Y. O Tribunal recorrido ao não interpretar desta forma os art.° 129 e 146 do CIRE violou estes dispositivos legais.

Z. Ao indeferir liminarmente a petição sem atender aos factos trazido, ou seja, que está em causa a constituição de um direito que não existia à data em que foi notificado nos termos do art.° 129 do CIRE, violou desta forma o disposto no art.° 234-A do Código Processo Civil.

AA. Estabelece o artigo 234-A no seu n°1 que só se justifica que a petição possa ser liminarmente rejeitada quando seja manifestamente improcedente, quando esteja como refere Carlos Lopes Rego, nos comentários ao CPC, Vol. 1, 2 edição, 2004, Livraria Almedina “condenada ao insucesso”.

BB. Ou se naquele momento o Tribunal concluir, pela simples apreciação da p.i., se puder concluir, com segurança, que o autor não tem o direito que se arroga.

CC. Nesta senda o Acórdão da Relação de Coimbra, no processo 4488/11.6TBLRA-B.C1, de 20-05-2012 in dgsi.

pt, cuja passagem se transcreve “Apesar de o n.° 1, do artigo 234°-A, do CPC, ao abrigo do qual foi indeferido liminarmente a petição, não indicar os casos que fundamentam o indeferimento liminar quando o pedido seja manifestamente improcedente, dever-se-á aplicar o mencionado normativo, quando esteja em causa o mérito da causa, sempre que o indeferimento liminar corresponde a um julgamento antec: apenas justificado nos casos de evidente inutilidade de qualquer instrução ou discussão posterior, isto é, quando seja inequívoco que a pretensão nunca poderá proceder qualquer que seja a interpretação jurídica que se faça dos preceitos legais.”

DD. Concluindo-se que indeferindo liminarmente a petição inicial a decisão recorrida viola o disposto no art.° 234-A CPC.

EE. Só recurso à verificação ulterior de créditos prevista no art.° 146 n°2 a) do CIRE salvaguarda o direito à compensação por antiguidade constituído posteriormente à reclamação prevista nos art.129 do mesmo diploma.

Não foram produzidas contra-alegações.

II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa:

- a reclamação ora elaborada já foi apresentada e incluída na relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos - ver fls. 673 do apenso F);

- verificando-se, atenta a própria alegação, que o requerente já apresentou reclamação nos autos, com o mesmo teor da ora em apreciação, tendo-lhe sido parcialmente deferida;

- no  despacho proferido a fls. 21 considerou-se:

“Assim sendo, tendo os créditos reclamados sido constituídos posteriormente aos avisos constantes do a 129.º do diploma em apreciação, não poderá o ora requerente prevalecer-se da possibilidade legal de verificação ulterior de créditos reclamados, por tal possibilidade apenas ser facultada, expressamente, aos créditos constituídos posteriormente ao aviso a que se refere o n.º 4, do art. 129.º do C.I.R.E.”

- Havendo-se, por despacho de fls. 51 exarado:

“Constatando-se agora que a decisão de indeferimento liminar contém um lapso de escrita, o que a torna, de certo modo, imperceptível, na sua fase final, por contraditória, reformula-se o penúltimo parágrafo da mesma, concretizando-o, em conformidade (ao abrigo do disposto no art. 667. n. 1, do Código de Processo Civil), passando o mesmo a ter a seguinte redacção:

“Assim sendo, tendo os créditos reclamados sido constituídos anteriormente aos avisos constantes do artigo 129.º, do diploma em apreciação (até porque a reclamação ora elaborada já foi apresentada na altura devida e incluída na relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos - ver fls. 673 do apenso F), não poderá o ora requerente prevalecer-se da possibilidade legal de verificação ulterior de créditos reclamados, por tal possibilidade apenas ser facultada, expressamente, aos créditos constituídos posteriormente ao aviso a que se refere o tnº, 4, do art. 129.º, do C. 1. R. E.”

*

Nos termos do art. 684°, n°3 e 690º, n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2 do art. 669°, do mesmo Código.

Das conclusões -

(das quais haverá de dizer-se - em nome do rigor que sempre há que colocar na hipótese de trabalho judiciário sub judice -, que desenvolvem

- de forma profusa e tautológica pontos de apreciação, em desrespeito pelo disposto no art. 685º-A, CPC sem levar em devida conta que, justamente, por conclusões se entendem “as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação” (Alberto dos Reis, CPC Anot., 5.°-359). E, sobretudo, que «as conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso. Com mais frequência do que seria para desejar vê-se, na prática, os recorrentes indicarem como conclusões, o efeito jurídico que pretendem obter com o provimento do recurso, e, às vezes, até com a procedência da acção. Mas o erro é tão manifesto que não merece a pena insistir neste assunto. Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos, pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente (Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 30, 299), -

ressaltam as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, de parte, a considerar (noematicamente) na sua própria matriz:

1. A interpretação dos art.° 129º e 146º n°2 a) CIRE deverá ser no sentido de considerar a compensação, pela extinção do posto de trabalho, um crédito de constituição ulterior.

2. Ao indeferir liminarmente a petição sem atender aos factos trazido, ou seja, que está em causa a constituição de um direito que não existia à data em que foi notificado nos termos do art.° 129 do CIRE, violou desta forma o disposto no art.° 234-A do Código Processo Civil.

Apreciando, diga-se que o regime fixado no n.° 4 do art.129º CIRE (relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos) visa a tutela dos credores não reconhecidos, daqueles cujos créditos foram reconhecidos sem terem sido reclamados e, ainda, dos titulares de créditos que foram reconhecidos em termos diferentes dos reclamados.

Embora por razões não coincidentes para todos estes credores, trata-se de lhes facultar a possibilidade de virem ao processo em defesa dos seus interesses, sustentando, quer que os seus créditos devem ser reconhecidos, quer que o devem ser em termos diferentes dos que constam da lista de credores reconhecidos.

Para tanto, os credores a que se refere a primeira parte do n.° 4 devem ser avisados pelo administrador da insolvência do não reconhecimento dos seus créditos ou dos termos em que o reconhecimento foi feito, consoante o caso (sobre o tema pode ver-se o ac. da Rel.Pto., de 14/FEV/2007, in CJ, 2007, 1, pág. 192) (LUÍS A. CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ANOTADO, REIMPRESSÃO, Lisboa 2009, p. 451).

Por sua vez, o n.° 2 do art. 146º CIRE (verificação ulterior de créditos ou de outros direitos) , para além de estabelecer soluções diferentes das consagradas no CPEREF quanto à reclamação de outros créditos, esclareceu uma dúvida que se levantou na vigência do n.° 2 do seu art.° 205.°.

Quanto ao pedido de reconhecimento de outros créditos, a lei actual — al. b) do n.° 2 — manteve como regra o prazo em que ele deve ser formulado: um ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência. Estabeleceu, porém, um regime particular para créditos de constituição posterior ao trânsito em julgado. O prazo é de três meses contados da constituição do crédito, quando este prazo termine após o prazo geral.

A al. a) do n.° 2 do art. 146º CIRE, inovando em relação ao art.° 205.° do CPEREF, consagra uma limitação à verificação ulterior de créditos, que decorre do novo regime introduzido nesta matéria pelo CIRE.

Os credores que tenham sido avisados nos termos do art.° 129.°, não podem reclamar os seus créditos ao abrigo do disposto no art.° 146.°, salvo se eles se tiverem constituído posteriormente a esse aviso (LUÍS A. CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ANOTADO, REIMPRESSÃO, Lisboa 2009, p. 485).

Nesta conformidade, colhe assentimento a apreciação formulada em decisório, segundo a qual:

“ (…) tendo os créditos reclamados sido constituídos anteriormente aos avisos constantes do artigo 129.º, do diploma em apreciação (até porque a reclamação ora elaborada já foi apresentada na altura devida e incluída na relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos - ver fls. 673 do apenso F), não poderá o ora requerente prevalecer-se da possibilidade legal de verificação ulterior de créditos reclamados, por tal possibilidade apenas ser facultada, expressamente, aos créditos constituídos posteriormente ao aviso a que se refere o nº, 4, do art. 129.º, do C. I. R. E.”

Sendo incontroverso que o regime definido pelo art. 234°-A do Cód. Proc. Civil se aplica a todas as acções e procedimentos, declarativos ou executivos, que comportem momento de apreciação liminar (Ac. STJ, de 10.2.2005:Proc. 04B3849.dgsi.Net), o indeferimento liminar de petição apresentada em juízo, independentemente da natureza e forma do processo, só deve ter lugar quando for manifesto que a pretensão formulada não pode mesmo proceder (art. 234.°-A, do C.P.C.) (Ac. STA — 2. Sec., de 24.5.2000: Acórd. Doutrin., 484.°-503), como, circunstancialmente acontece.

Deixe-se referenciado, de resto - em reforço da tese que se sufraga -, que no Ac. invocado nas alegações de recurso (Acórdão da Relação de Coimbra, no processo 4488/11.6TBLRA-B.C1, de 20-05-2012 in dgsi.), a situação é toda outra. Como aí se assinalou, tematicamente:

“ (..) Na decisão sob censura o Mm.º Juiz a quo, reconhecendo que a A. não pretende que o seu crédito lhe seja reconhecido, já que conforme alega o mesmo, o já está por parte do Administrador de Insolvência, conclui, depois, que o A. pretende através da presente acção obter decisão que por um lado reconheça o incumprimento, ao mesmo tempo que lhe reconhece a tradição da coisa e consequentemente o direito de retenção.

Após transcrever um acórdão desta Relação, aludir ao “sumário” de um acórdão do STJ e reforçar, noutros arestos, a perspectiva que diz neles sustentada, e tendo afirmado que no caso vertente nenhum sinal foi prestado pelo A., pela razão de o contrato feito não ser promessa de compra e venda, mas sim promessa de dação em pagamento e tendo como tal eficácia meramente obrigacional (e não eficácia real), o Tribunal recorrido considerou que provando-se a celebração de um contrato promessa de dação em pagamento, que a A. cumpriu a sua parte e que a sociedade insolvente não realizou o contrato prometido, e provando-se ainda a tradição do imóvel, terá que soçobrar o direito de retenção que a A. alega ter, porquanto o crédito daqui resultante seria apenas e só comum (adveniente da prestação de serviços) e não garantido com o direito de retenção.

Refere ainda o Tribunal recorrido: mesmo a entender-se que a promessa de dação em pagamento se assumiria para todos os efeitos, como um contrato promessa de compra e venda, com eficácia meramente obrigacional, sendo aqui o sinal reconduzido ao valor das obras prestadas pelo A. à sociedade insolvente, ainda assim não tem a A. direito de retenção, na medida em que o CIRE tem regras próprias que afastam as regras do Código Civil relativas ao sinal e bem assim ao respectivo direito de retenção (cf., sobretudo, os art.ºs 102º, n.º 3; 104º, n.º 5; 106º e 119º).

E, por último, que, mesmo para aqueles que entendem que é admissível direito de retenção em processo insolvencial (promessa meramente obrigacional), limitado aos consumidores, a A., não possuindo essa qualidade, também não teria o correspondente direito.

4. Salvo o devido respeito por diferente entendimento, afigura-se que outra deverá ser a resposta a dar ao caso vertente.

Na verdade, ao contrário do que vemos defendido na decisão recorrida, não estamos perante matéria que não suscite dúvidas e divergências na doutrina e na jurisprudência, o normativo adjectivo invocado para o indeferimento liminar exige expressamente que “o pedido seja manifestamente improcedente” (art.º 234º-A, n.º 1, do CPC) – o que não sucederá – e, por último, quiçá pela falta do contraditório, não vemos ainda devidamente configurada a situação concreta a apreciar (a que acresce a omissão de elementos relativos ao processo principal e ao apenso de verificação e graduação de créditos…), o que, naturalmente, numa matéria que não é propriamente pacífica, acaba também por adensar as dificuldades na prolação de uma qualquer decisão liminar.

(…)

Reportando-nos ao caso em análise, se é certo que o Tribunal recorrido louva a sua perspectiva quanto ao desfecho da presente acção na leitura de determinados arestos, não é menos evidente que existem decisões dos Tribunais Superiores de sentido não coincidente, tendo por base adequado e definitivo enquadramento fáctico, nas quais se defende, por exemplo, a admissibilidade do direito de retenção na promessa obrigacional de compra e venda com tradição da coisa e insolvência do promitente vendedor, entendimento esse que não se aplica apenas no caso de contrato promessa de compra e venda, abrangendo outras situações em que

haja tradição da coisa objecto da promessa.

Por outro lado, se alguns apontam para a especificidade e prevalência do regime jurídico do CIRE, outros referem que, no caso do direito de retenção, o direito de insolvência não altera o regime civilista resultante do art.º 759, do CC - cujo preceito tem sido submetido à apreciação do Tribunal Constitucional, tendo este sempre decidido pela sua constitucionalidade[21] -, sendo que a única diferença é que no caso de insolvência do promitente vendedor e do contrato-promessa ter eficácia real, não pode ser recusado o seu cumprimento (art.º 106, n.º 1).

(…)

No caso vertente, face aos elementos disponíveis, temos de concluir estarmos perante contrato-promessa de eficácia meramente relativa ou obrigacional e que existem divergências, na doutrina e na jurisprudência, quanto à solução aplicável à concreta questão colocada pela recorrente.

Segundo o n.º 1 do art.º 234º-A, do CPC, só se justifica que a petição possa ser liminarmente rejeitada quando seja manifestamente improcedente, quando esteja “condenada ao insucesso”, dadas as razões de fundo da pretensão deduzida em juízo”.

Noutro perfil, assume autónoma especificidade o já também referenciado Ac. da Rel.Pto., de 14/FEV/2007, in CJ, 2007, 1, pág. 192, muito embora deixando pressupor, a contrario, a solução que, aqui, se propugna.

 Com efeito, o que aí se observou, foi, na individualização do caso, na subordinação ao tema da INSOLVÊNCIA (Reclamações dos credores - Lista definitiva):

I — Não tendo sido observado o disposto no art. 129°, n°4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), não pode precludir-se ao titular do crédito que foi reconhecido com garantia real, a possibilidade de vir ao processo impugnar a lista e decisão que o considerou titular de um simples crédito comum.

II — Havendo erro manifesto na apreciação de crédito reclamado que levou à sua inferior graduação, ocorre violação da norma referida em 1, impondo-se que se reaprecie a lista dos credores reconhecidos com privilégio.

Circunstancialmente, o que se perfila, em termos decidendi, outra coisa não é senão - diferenciadamente - o reconhecimento processual, o mesmo é dizer, condições de estrita adequação legal, adjectiva, como elemento não apenas prodrómico, mas como condição exactamente processual de ulterior apreciação substantiva (no caso, já antes assegurada por prévio “aviso” legalmente imposto e efectivado, emergente do nº4 do art. 129 CIRE).

Daí que, na singularidade do caso presente, continuando a vincular que “a reclamação ora elaborada já ter sido apresentada na altura devida e incluída na relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos - ver fls. 673 do apenso F)”, manifesto se torna não poder o ora requerente prevalecer-se da possibilidade legal de verificação ulterior de créditos reclamados. Tal a pretexto, exactamente, de “os credores que tenham sido avisados nos termos do art.° 129.°, não poderem reclamar os seus créditos ao abrigo do disposto no art.° 146.°, salvo se eles se tiverem constituído posteriormente a esse aviso”. Assim a funcionar como elemento procedimental, nos termos expressos - impeditivo, a este propósito, de ulteriores considerações adjectivas ou substantivas.

Entendimento que se reforça, ainda, com a circunstância de - igualmente no referencial do art. 234º A do CPC - se reconhecer que

“diversamente do anteriormente estatuído, deixou, pois, de haver uma enumeração taxativa dos pressupostos processuais cuja falta gera o indeferimento liminar, mas, em compensação, o indeferimento só se dá nos casos extremos em que o pressuposto em falta é absolutamente insusceptível de suprimento ulterior, de harmonia com a nova preocupação de assegurar, sempre que possível, a decisão de mérito.

O preenchimento da segunda categoria faz-se casuisticamente, havendo que apurar, em função do pedido e dos seus fundamentos de facto e de direito, se ele é “manifestamente improcedente”. Sê-lo-á seguramente nos casos de caducidade de conhecimento oficioso do direito que se pretende fazer valer, bem como quando não possa haver dúvida sobre a inexistência dos factos que o constituiriam ou sobre a existência, revelada pelo próprio autor, de factos impeditivos ou extintivos desse direito (cf. art. 812-2-e). Mantendo-se assim, no seu conteúdo, o preceito do art. 474-1-e do direito anterior, continua válida a doutrina sobre ele produzida por ALBERTO DOS REIS, CPC anotado cit., II, ps. 377-385 (excepto quanto a alguns exemplos ultrapassados), que nomeadamente explica as razões por que se substituiu, no texto de 1939, a evidente inviabilidade pela evidente improcedência, não obstante a adequação do primeiro termo. Veja-se ainda a utilização do termo em CASTRO MENDES, Direito processual civil cit., II, p. 495, e a sua classificação como espécie de improcedência, ao lado da inconcludência, em VARELA-BEZERRA-NORA, Manual cit., p. 259 (José Lebre de Freitas/João Redinha/Rui Pinto, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume 1.º, 2.ª EDIÇÃO, 2008).

E sempre sem arredar - no referencial dos mesmos Autores (ob. cit. pp. 345-346 - que “considerado o princípio jura novit curiae (art. 664), não basta que o efeito jurídico pretendido pelo autor não se retire da norma jurídica constitutiva por ele invocada: sempre haverá que ter em conta todas as outras normas constitutivas do sistema aplicáveis aos factos alegados, das quais o juiz o poderá oficiosamente retirar”.

O que atribui resposta negativa às questões em 1. referenciadas.

Podendo, assim, concluir, sumariando (art. 713ºº, nº7, CPC), que:

1. Ao concluir-se nas alegações dum recurso devem indicar-se, com um mínimo de precisão e de um modo directo, claro e conciso, as razões ou fundamentos da discordância com a decisão recorrida. Cabe a quem tem que apreciar o recurso, desde que se esteja perante uma anormal e injustificada prolixidade na explanação das conclusões, o juízo decisivo quanto à definição do limite do dever de concisão, imposto pelo n.° 1 do art. 685º-A, do Cód. Proc. Civil.

2.

A al. a) do n.° 2 do art. 146º CIRE, inovando em relação ao art.° 205.° do CPEREF, consagra uma limitação à verificação ulterior de créditos, que decorre do novo regime introduzido nesta matéria pelo CIRE. Os credores que tenham sido avisados nos termos do art.° 129.°, não podem reclamar os seus créditos ao abrigo do disposto no art.° 146.°, salvo se eles se tiverem constituído posteriormente a esse aviso.

3.

Nesta conformidade, colhe assentimento a apreciação formulada em decisório, segundo a qual:

“ (…) tendo os créditos reclamados sido constituídos anteriormente aos avisos constantes do artigo 129.º, do diploma em apreciação (até porque a reclamação ora elaborada já foi apresentada na altura devida e incluída na relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos - ver fls. 673 do apenso F), não poderá o ora requerente prevalecer-se da possibilidade legal de verificação ulterior de créditos reclamados, por tal possibilidade apenas ser facultada, expressamente, aos créditos constituídos posteriormente ao aviso a que se refere o nº, 4, do art. 129.º, do C. I. R. E.”

4.

Configurando-se como incontroverso que o regime definido pelo art. 234°-A do Cód. Proc. Civil se aplica a todas as acções e procedimentos, declarativos ou executivos, que comportem momento de apreciação liminar, o indeferimento liminar de petição apresentada em juízo, independentemente da natureza e forma do processo, só deve ter lugar quando for manifesto que a pretensão formulada não pode mesmo proceder (art. 234.°-A, do C.P.C.), como, circunstancialmente acontece.

5.

Considerado o princípio jura novit curiae (art. 664ºCPC), não basta que o efeito jurídico pretendido pelo autor não se retire da norma jurídica constitutiva por ele invocada: sempre haverá que ter em conta todas as outras normas constitutivas do sistema aplicáveis aos factos alegados, das quais o juiz o poderá oficiosamente retirar.

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, vinculando, no entanto, o benefício do Apoio Judiciário atribuído.

António Carvalho Martins ( Relator )

Carlos Moreira

João Moreira do Carmo