Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2582/7.7TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ACTIVIDADE PERIGOSA
MENORIDADE
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS REFLEXOS
Data do Acordão: 05/07/2013
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: VARAS MISTAS 1º S COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 483, 487, 493 Nº2, 496, 564, 570 CC, DL Nº 39780 DE 21/8/54
Sumário: 1. Constitui actividade perigosa, para efeitos do art.493 nº2 do CC, a actividade de gestão da infra-estrutura de caminho de ferro e a actividade de transporte e condução de energia eléctrica em alta tensão, pela sua própria natureza e pelos meios utilizados.

2. Existe conduta ilícita e culposa da REFER, perante o artº 493º nº2 do CC e por violação do artº 17º nº1º do DL 39.780 de 21/8/54, se se prova que ela sabia que num troço da linha férrea, sito ao lado de um jardim infantil e parque de merendas, pessoas acediam à mesma para encurtarem caminho, bem como de terem naquele local já sido electrocutadas duas pessoas, e, não obstante e ao longo de pelo menos oito anos, não vedou tal troço nem nada fez.

3. Porém, deve ser repartida a culpa na proporção de 40% para a REFER e 60% para o sinistrado de 14 anos, que acedeu à plataforma ferroviária por carreiro existente no referido troço, subiu até ao topo de um vagão, sofrendo então choque eléctrico do feeder/catenária, pois que este agir é a causa próxima/imediata e, até certo ponto, inesperada, do sinistro.

4. Assiste a tal menor de 14 anos o direito à indemnização por danos futuros, a efectivar por referencia a um valor de 500 euros mensais, desde a idade de 18 anos até aos 75 anos ( esperança de vida à nascença) sendo adequado - vg., ex vi da sua IPG de 34%, por perspectivação de outras decisões, e por acutilante intervenção do juízo de equidade -, fixar o quantum de 90 mil euros.

5. É razoável arbitrar-lhe o montante de 40 mil euros para compensação dos danos não patrimoniais, provando-se, vg., que sofreu queimaduras de 2º e 3º grau em 57% do corpo, foi submetido a várias e morosas intervenções cirúrgicas e tratamentos e teve prejuízo de afirmação pessoal fixável, no mínimo, no grau 4 numa escala de 7 e quantum doloris e dano estético fixáveis no grau 7 de escala de 7.

6. A conformação da lei e sua interpretação aos ditames e exigências hodiernos de acrescida tutela dos bens imateriais e de personalidade do ser humano, impõe uma interpretação actualista do artº 496º nº2 do CC no sentido de serem indemnizáveis os danos não patrimoniais de terceiros - reflexos - nos casos de não morte do lesado, desde que especialmente graves.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.

1.

ML (…) por si e em representação do filho menor LM (…)  instaurou contra Rede Ferroviária Nacional, Refer, EP ação declarativa, de condenação, sob a forma de processo ordinário.

Pediu a sua condenação da ré no pagamento:

a) ao menor LM (…) de uma compensação por danos não patrimoniais nunca inferior a € 140 000.00 euros [sendo a título de dano estético € 50 000,00; a título de dores e sofrimentos e afectação da actividade física e psiquica, € 80 000,00 a titulo de perda de frequência e aproveitamento escolar, uma compensação de € 10 000,00] e de uma indemnização por danos patrimoniais nunca inferior a € 250,000,00 euros [ danos patrimoniais futuros];

b) à autora ML (…) de uma compensação por danos não patrimoniais nunca inferior a € 20 000,00;

c) e de juros de mora à taxa legal sobre as sobreditas quantias desde o momento em que se considerarem líquidas e exigíveis até efectivo e integral pagamento.

Para tanto alegou:

O menor  sofreu  electrocussão  através de descarga de energia eléctrica de alta voltagem das catenárias das linhas eléctricas de alta tensão que passam longitudinalmente por cima da linha férrea e que alimentam a deslocação dos comboios.

Tal aconteceu quando quando procedia a travessia da linha férrea, transpondo vagão, em local sem vedação, sem qualquer sinalização atinente ao perigo decorrente para a presença de linhas condutoras que não se achavam vedada nem possuiam qualquer protecção em seu redor.

Sofreu queimaduras do 2º e 3º grau, em cerca de 57% da superfície corporal, desfalecendo; sofreu internamento prolongado em unidade de queimados, foi por várias vezes intervencionado- cirurgias múltiplas; apresenta atrofia muscular, que lhe compromete a locomoção e mobilidade, manquejando; padeceu em consequência do acidente dores fortes e intensas e apresenta danos de cariz psicológico, profundo desgosto e dor psíquica, por se saber fisicamente diminuído e a padecer, para toda a vida, de lesões e deformações;ficando a padecer de hiperactividade.

A mãe padece, acompanhando o menor em todo sofrimento, desde o dia do acidente e o acompanha, lava, veste, cuida, transporta aos tratamentos.

A ré inobservou o art. 17º, nº 1 do Regulamento de Exploração e Polícia dos Caminhos de Ferro- que estatui que o terreno tem de ser vedado pela empresa sempre que a segurança pública o exija, sendo que quer a actividade de gestão da infra-estrutura quer a actividade de transporte e condução de energia em alta tensão constituem actividades perigosas.

Contestou a ré.

Atribuindo a eclosão do acidente à culpa total da vítima, a qual, abusivamente, invadiu domínio público ferroviário destinado a manobras de comboios, e de acesso exclusivo a funcionários, para subir ao topo de um vagão cisterna de cimento, e tocando num feeder da catenária; sendo certo que no vagão se achava afixada uma placa de advertência de cor amarela, contendo o desenho de um raio em vermelho e em letras pretas o aviso: “atenção às catenárias, perigo de morte”.

Impugna, por não justificados, os valores indemnizatórios referidos.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

Julgar a ação improcedente, por não provada, e absolver a ré do pedido.

3.

Inconformados recorreram os autores.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

Contra-alegou a recorrida pugnando pela manutenção da decisão já que não se lhe pode imputar a culpa do sinistro e está afastada a responsabilidade pelo risco face à culpa exclusiva do sinistrado.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 685º-A do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª- Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª – Improcedência da ação.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

(…)

5.1.7.

Por conseguinte os factos a considerar são os seguintes:

A) O autor (menor, ora já maior) LM (…), filho da A. ML (…) e de LS (…), nasceu 4/06/1992.

B) Na localidade de Souselas, freguesia de Souselas, concelho de Coimbra, junto à Cooperativa Agrícola de Souselas, ladeada a nascente pela Rua da Cooperativa, existe um ramal de linha férrea, paralelo à Linha do Norte que atravessa a referida freguesia.

C) No dia 1-09-2006, pelas 17h55m, o menor LM (…), entrou no espaço da linha férrea e subiu a um vagão cisterna de cimento, que se encontrava estacionado na linha IV da referida Estação, tendo, posteriormente, tocado inadvertidamente, no "feeder" da catenária (rectius, zona de influência do mesmo], instalado em plena via férrea e em pleno uso, na sequência do que sofreu forte descarga eléctrica, de alta voltagem, de que resultou a sua electrocussão.

D) Vítima da electrocussão e das queimaduras, o menor LM (…) foi levado para os Hospitais da Universidade de Coimbra, onde deu entrada no Serviço de Urgências, tendo sido internado na Unidade de Funcional de Queimados nesse mesmo dia.

E) A ré REFER é a empresa pública responsável pela rede ferroviária nacional, designadamente pela gestão e conservação da infra-estrutura ferroviária e controlo das actividades relacionadas com a infra-estrutura, sendo que na infra-estrutura ferroviária se integram quer as estruturas e plataformas da via, com bermas, pistas e vedações, mesmo sebes vivas, quer as instalações de transformação e transporte da corrente eléctrica para tracção dos comboios.

Da base instrutória:

(da eclosão do acidente)

F) Em frente do parque (infantil) e parque de merendas que ladeia a linha férrea inexistia (e inexiste) qualquer vedação que separe as linhas férreas do espaço que a ladeia, nomeadamente qualquer cancela de madeira, seja de rede, vedação ou chapa metálica, seja em tijolo ou cimento.

G) Entre a berma da Rua da Cooperativa e a linha-férrea intermedeia uma distância de cerca de 4 a 5 metros (comprimento total), em barreira ou cômoro, parcialmente preenchido por canas e arbustos.

H) Nesse local, na barreira, existia um espaço livre de árvores ou vegetação, pedras ou lixos ou silvas, consistindo de carreiro, com cerca de 4 metros de extensão;

I) Tal local permite a entrada e atravessamento da linha-férrea secundária, de manobras, até à plataforma da linha principal (linha do Norte), situada ainda num plano\ superior, mas não o atravessamento perpendicular e transversal da via ferroviária;

J) Junto ao referido cômoro ou barreira adjacente ao referido parque infantil/parque de merendas inexiste qualquer placa ou inscrição advertindo ou referindo a existência de perigo decorrente de caminho de ferro ou de media ou alta tensão.

K) O menor LM (…) decidiu dirigir-se para a linha-férrea subindo ao local da via a partir do cômoro ou barreira referidos.

L) Na linha férrea encontrava-se uma composição de vagões e máquina parada, possuindo um dos vagões além de uma pequena escada de acesso a uma primeira plataforma, com cerca de 2 a 3 degraus, uma segunda escada, estreita, lateral, de acesso ao cimo do vagão.

M) O autor L (…)subiu para a primeira plataforma, e depois também a escada lateral estreita de acesso ao cimo do vagão.

N) Chegado ao cimo da segunda escada, ainda com as mãos apoiadas na mesma, e com os joelhos apoiados no cimo do vagão, o LM (…) sofre descarga de energia eléctrica.

O) As catenárias das linhas eléctricas de alta tensão alimentam a deslocação dos comboios e passam longitudinalmente por cima da linha-férrea.

P) O LM (…), após descer do vagão, auxiliado por terceiros, desfaleceu, ficando prostrado no chão.

Q) As linhas condutoras de energia eléctrica de alta tensão, não se encontravam vedadas nem possuíam qualquer proteção em seu redor.

R) Outros 2 acidentes com electrocussões e queimaduras a duas pessoas já antes haviam ocorrido.

S) A inexistência de qualquer vedação ou protecção da via, a inexistência de qualquer placa, sinal ou inscrição de perigo de caminho de ferro, e bem assim a imobilização de vagões e máquinas com linhas de alta tensão dispostos longitudinalmente sobre os mesmos facilitam a ocorrência de acidentes.

T) As entidade responsáveis e competentes para colocar fim à situação, a CP, antes de 1998, e a R. REFER, depois de tal data, tomaram conhecimento de tais acidentes e foram avisadas pela população de Souselas e pelos próprios membros da Junta de Freguesia local.

U). Mas nada fizeram para vedar  e proteger a linha férrea, para  inutilizar e impedir o acesso à linha férrea  e a sua travessia pelo referido carreiro, para assinalar o perigo inerente ao caminho de ferro e às linhas eléctricas de alta tensão

V) Mesmo em frente, separado da linha por uma estrada, continua a situar-se um jardim, com parque infantil, separado da linha ferroviária por uma estrada e a barreira mencionadas.

W) A actividade de gestão da infra-estrutura de caminho de ferro e a actividade de transporte e condução de energia eléctrica em alta tensão constituem actividades perigosas pela sua própria natureza e pelos meios utilizados.

X) A situação de perigo para a população foi dada a conhecer aos responsáveis à data, primeiro a CP e depois a Refer, pela população e pelos seus representantes locais.

Y) Nenhuma pessoa, criança ou adulto, poderia alcançar directamente o fio condutor de energia, dada a distância a que o mesmo se encontra do chão.

Z) Só foi possível o menor ser afectado por descarga porquanto inadvertidamente subiu para a primeira plataforma do vagão, e depois ainda as escadas existentes, alcançando o topo do vagão e – e não por o fio condutor se achar derrubado no chão, ao alcance de qualquer pessoa ou animal.

AA) O local onde aconteceu o acidente, junto à Estação de Souselas, não é de acesso permitido ao público em geral, antes sendo espaço destinado a manobras de comboios e de acesso exclusivo a funcionários, tanto da REFER, E.P., na sua qualidade de actual gestora das infra-estruturas ferroviárias nacionais, como da empresa CP - Caminhos de Ferro Portugueses, E.P., operadora ferroviária, a quem pertencem os comboios que circulam nas linhas férreas nacionais.

BB) Entre a rua que ladeia o espaço canal do caminho de ferro e a respectiva plataforma de via existe uma diferença de cotas de, pelo menos, dois metros em talude, o que constitui já, para qualquer pessoa, um obstáculo natural ao acesso à referida plataforma de via.

CC) A linha férrea já existia, tal como está, muito antes da instalação do referido parque infantil naquele lugar, o qual deveria ser completamente vedado e vigiado dada a sua intrínseca natureza de utilidade destinada a permanência de crianças, mas não da idade do LM (…).

DD) Os pais não velaram pela sua segurança, nem vigiaram o LM (…)

EE) LM (…) tinha idade suficiente para entender que aquele não era o caminho certo que deveria usar fosse para onde quer que pretendesse ir, muito menos subindo para cima de um vagão, no qual se encontrava afixada uma placa de advertência, de cor amarela, contendo o desenho de um raio em vermelho e , em letras pretas, os seguintes dizeres: "ATENÇÃO ÀS CATENÁRIAS. PERIGO DE MORTE".

FF) O LM (….) conhecia bem o local, sabendo que lá poderia encontrar, estacionadas com frequência ou até em manobras, composições ferroviárias.

GG) Atravessou propriedade alheia sem autorização de quem de direito.

HH) A catenária, ao tempo do acidente, encontrava-se instalada de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação,

II) O vagão não lhe pertencia e encontrava-se estacionado num lugar com acesso reservado.

JJ) O fio condutor nunca esteve ao alcance imediato do menor acidentado.

KK) A diferença de cotas entre a rua e a plataforma da via ferroviária é de cerca de dois metros a dois metros e meio, e atinge-se não como uma parede ou muro se tratasse, mas com um grau de inclinação de aproximadamente 30 graus, sendo de transposição fácil a indivíduo medianamente ágil.

LL) O espaço onde a electrocussão ocorre é sobretudo destinado a estacionamento temporário e imobilização de composições ferroviárias de vagões e máquinas que ali se encontram paradas, local que é do domínio público, estando a sua exploração, conservação e gestão concessionada à ré.

MM) Um menor, de 14 anos, possui em geral um grau de experiência comum e de maturidade intelectual menor que os de uma pessoa adulta.

(dos danos)

NN) Em consequência da electrocussão, o menor LM (…) ficou com queimaduras de 2.° e 3.° graus, em cerca de 57% da superfície corporal, atingindo a face, pescoço, região cervical, tórax, membros superiores e inferiores, dorso, genitais e nádegas.

OO) Durante o internamento hospitalar na Unidade Funcional de Queimados que perdurou até 27/10/2006, mantendo-se sempre acamado, foi sujeito a tratamentos intensivos, incluindo vinte e uma sessões de balneoterapia sob indução anestésica, e cinco sessões cirúrgicas sob anestesia geral - em 08/09/2006, escarectomia das coxas; em 14/09/2006, escarectomia e auto-enxertos cutâneos nas coxas; em 19/09/2006, escarectomia do membro inferior direito e órgãos genitais; 26/09/2006/ escarectomia dos membros inferiores, auto-enxertos cutâneos na coxa esquerda e circuncisão de necessidade; em 10/10/2006/ escarectomia e auto¬enxertos cutâneos para cobertura dos membros inferiores.

PP) Apesar das referidas medidas terapêuticas e tratamentos de medicina física e de reabilitação, o menor LM (…), manteve-se sempre acamado.

QQ) Conjugadamente com as lesões das queimaduras lhe provocou atrofia temporária dos músculos e tendões, no tronco, membros superiores e sobretudo inferiores, de tal sorte que, três semanas após o acidente, não se mantinha em pé.

RR) Por estar acamado e em consequência de imobilização sempre na mesma posição, o menor LM (…) desenvolveu ferida com infecção no calcanhar direito.

SS) Em 27/10/2007/ o menor LM (…) foi transferido para a Unidade de Saúde Fernão Mendes Pinto, onde permaneceu até 28/11/2006.

TT) A ferida e infecção no calcanhar direito mantinham-se, bem como a atrofia dos músculos e dos tendões dos membros inferiores.

UU) O menor LM (…) não se mantinha de pé ou, quando o conseguia fazer, em virtude da atrofia muscular e do ferimento no calcanhar, apresentava graves dificuldades de locomoção, manquejando do membro ferido no calcanhar, tropeçando e caindo durante a marcha que a enorme esforço e dores intensas ia conseguindo fazer.

VV) Na Unidade de Saúde Fernão Mendes Pinto foi submetido a fisioterapia e reabilitação, com levantamento de pesos nos braços e nas pernas, passadeira e bicicleta.

WW) A atrofia temporária e aquele ferimento comprometeram temporariamente a locomoção e mobilidade, manquejando do membro inferior direito, com dores fortes e intensas.

XX) Desde 14/10/2006, durante o internamento nos Hospitais da Universidade de Coimbra e na Unidade de Saúde Fernão Mendes Pinto e após obter alta desta unidade, até ao presente, que o menor LM (…) tem sido regularmente submetido consultas de avaliação, a tratamentos de pensos na Consulta de Queimados dos HUC e a fisioterapia e reabilitação.

YY) O autor efectuou tratamento de pressoterapia, com colete e collants compressivos,

ZZ) O mesmo apresenta limitações em estar na mesma posição de pé ou sentado, tendo de mudar regularmente de posição.

AAA) O menor LM (…) está impossibilitado de fazer esforços físicos, designadamente corrida, saltos, ou qualquer prática desportiva, tendo sido inclusivamente proibido pelo médico de praticar desporto ou frequentar aulas de Educação Física.

BBB) Com a electrocussão e imediata queimadura, o menor LM (…) experienciou a eminência da própria morte, sofreu dores fortíssimas e agudas, de gravidade extrema, tendo mesmo desfalecido e ficado inconsciente.

CCC) Até 27-10-2006 (tempo em que esteve internado nos HUC), -com intervenções cirúrgicas de escarectomia e auto-enxertos cutâneos e fisioterapia e reabilitação, e desde então até 28-11-2008, na Unidade de Saúde Fernão Mendes Pinto – com fisioterapia e reabilitação, e mesmo posteriormente – com tratamentos de pensos, pressorerapia, apresentou ferida e infecção no calcanhar direito.

DDD) O menor LM (...), em consequência do acidente e suas sequelas, padeceu e tem padecido um autêntico calvário de dores fortes e intensas.

EEE) A superfície cutânea do corpo do menor LM (...)está afectada, com queimaduras de 2.° e 3.° graus e cicatrizes visíveis e profundas, em cerca de 57% da superfície cutânea, nas pernas, coxas, nádegas, nos órgãos genitais, nos braços, no dorso, no tórax, no pescoço e no rosto, e desenvolveu desde o início do internamento uma ferida com infecção no calcanhar direito que não cicatriza.

FFF) O LM (…) não utiliza qualquer peça de vestuário curta nas mangas ou nas pernas, mas camisolas de mangas compridas e calças, evita frequentar a praia ou piscina ou lugar onde seja próprio utilizar calções ou camisolas de manga curta, ou, quando o faz, utiliza roupas compridas e que lhe cobrem todo o corpo e os membros, por insegurança e vergonha das queimaduras e cicatrizes notórias que apresenta.

GGG) Antes do acidente o LM (…) era uma criança forte, saudável e alegre, sem limitações físicas, mas com problemas de hiperactividade.

HHH) Em virtude do sucedido o menor LM (...)ficou deprimido e gravemente afectado psicologicamente, sendo hoje uma pessoa triste e introvertida, com uma visão negativa e pessimista do seu futuro, porque ficou limitado para a sua vida pessoal, social e profissional.

III) Em virtude do acidente, o menor LM (…) sofreu, sofre e continuará a sofrer de profundo desgosto e dor psíquica pelo que lhe aconteceu e pelo facto de se saber fisicamente diminuído e a padecer, para toda a vida, das referidas lesões e deformações.

JJJ) A sua auto-estima, a imagem de si próprio e perante os outros e a sua afirmação pessoal ficaram profundamente abaladas e diminuídas e o convívio social com as outras pessoas, designadamente crianças e jovens da sua idade, ficou irremediavelmente comprometido por sentimentos de insegurança, vergonha e inferioridade.

KKK) Após o acidente e depois de ter sido transportado para os HUC, ficou internado na Unidade de Queimados onde esteve inconsciente cerca de três semanas.

LLL) Actualmente, ao nível da postura, deslocamentos e transferências, tem dificuldade em sentar-se e levantar-se; tem fenómenos dolorosos permanentes nos membros inferiores, principalmente quando está deitado, pontada no peito (região pré cordial) quando se enerva ou está mais ansioso, cefaleias frequentes que cedem após ter dormido.

MMM) Tem sensação de prurido pelo corpo com o calor, mesmo sem ser nas cicatrizes.

NNN) Não consegue correr, saltar, pegar em pesos, dificuldade em se equilibrar, o que lhe dificulta tomar banho sozinho; dificuldade em subir e descer escadas; só consegue permanecer em pé se apoiado a qualquer coisa;

OOO) Na face, na região mandibular esquerda junto ao ângulo, apresenta dois vestígios cicatriciais, medindo o maior que é os mais posteriores dois centímetros e meio de comprimentos por um centímetro e meio de largura e os menores oito milímetros de diâmetro;

PPP) No pescoço, na região antero-lateral esquerda, apresenta dois vestígios cicatriciais medindo o maior que é o mais posterior dois centímetros de diâmetro e o outro um centímetro de comprimento por sete milímetros de largura;

QQQ) no tórax, na linha mediana da face anterior, apresenta extensa cicatriz nacarada, saliente, rugosa, dura em alguns pontos, que se prolonga da fúrcula esternal até à porção superior da região epigástrica, medindo treze centímetros de comprimento por onze centímetros de meios de largura; no tórax na região supra mamilar esquerda, apresenta cicatriz nacarada, medindo um centímetro e meio de diâmetro; no tórax, na região acilar esquerda, porção posterior, cicatriz nacarada medindo três centímetros de comprimento por um centímetro e meio de largura; no tórax, na porção inferior da face anterior do tórax, prolongando-se para a região abdominal e face posterior do tórax, extensa cicatriz discretamente nacarada, medindo trinta e três centímetros de comprimento por vinte centímetros de largura; no tórax, assentando sobre a porção inferior da face posterior do tórax, apresenta cicatriz nacarada, saliente e dura, medindo oito centímetros de comprimento por dois centímetros de largura;

RRR) no períneo, na face posterior do pénis, apresenta várias cicatrizes nacaradas, ocupando uma área medindo sete centímetros de comprimento por quatro centímetros de largura;

SSS) No membro superior direito, no antebraço, 1/3 superior da face posterior, apresenta cicatriz nacarada saliente e dura, medindo um centímetro e meio de diâmetro; no membro superior esquerdo, na face superior do ombro, apresenta cicatriz nacarada, saliente e dura, medindo um centímetro e meio de diâmetro; no membro superior esquerdo, na face anterior do ombro, apresenta cicatriz nacarada, saliente e dura, medindo cinco centímetros e meio de comprimento por quatro centímetros de largura; no membro superior esquerdo, no braço, apresenta várias cicatrizes nacaradas, salientes e duras, medindo a maior que é a mais superior onze centímetros de comprimento por quatro centímetros de largura e a menor dois centímetros e meio de comprimento por oito milímetros de largura; no membro superior esquerdo, no antebraço, face anterior, apresenta várias cicatrizes nacaradas, salientes e duras, medindo a maior que é a mais Inferior cinco centímetros de comprimento por três centímetros de largura e a menores dois centímetros de comprimento por um centímetro de largura; no membro inferior direito, na face antero-externa da coxa, vestígio cicatricial discretamente nacarado, medindo 34cm x 19 cm, que deve corresponder a zona de colheita de enxerto cutâneo; no membro inferior direito, nas faces posterior e medial da coxa, prolongando-se para o 1/3 superior da face posterior da perna, cicatriz violácea, com zonas duras e salientes, medindo quarenta e sete centímetros de comprimento por vinte e cinco centímetros de largura; no membro inferior direito, nos 1/3 médio e inferior da face posteromedial da perna, apresenta cicatriz discretamente nacarada, medindo vinte e nove centímetros de comprimento por oito centímetros de largura; no membro inferior direito, na  perna, face antero-externa da perna, apresenta vestígio cicatricial discretamente nacarado, medindo vinte e seis centímetros de comprimento por dez centímetros de largura, que deve corresponder a zona de colheita de enxerto cutâneo; no membro inferior esquerdo, toda a coxa, desde a região inguinal até ao 1/3 superior da perna à excepção de pequena porção da face anterior, apresenta cicatriz fortemente violácea com zonas endurecidas, medindo cinquenta e sete centímetros de comprimento por trinta e sete centímetros de largura; no membro inferior esquerdo, na face anterior da coxa, apresenta cicatriz discretamente nacarada, medindo vinte e nove centímetros de comprimento por oito centímetros de largura; no membro inferior esquerdo, na perna, face postero-medial apresenta vestígio cicatricial discretamente nacarado medindo vinte e oito centímetros de comprimento por doze centímetros de largura, que deve corresponder a zona de colheita de enxerto cutâneo; no membro inferior esquerdo, na face posterior do calcâneo, apresenta cicatriz arroxeada, dura e aderente aos planos profundos, medindo quatro centímetros de comprimento por dois centímetros e meio de largura; no membro inferior esquerdo, apresenta limitação da dorsiflexão e flexão plantar do pé; apresenta lesão do nervo peroneal comum esquerdo;

TTT) Sofreu incapacidade temporária geral total num período mínimo de 88 dias, correspondente aos períodos de internamento, quer na unidade de Queimados dos HUC, quer na Unidade de Saúde de Coimbra – Fernão Mendes Pinto.

UUU) Sofreu incapacidade temporária geral parcial num período mínimo de 381 dias, correspondente ao período em que efectuou consultas, realizou tratamento de fisioterapia e pressoterapia;

VVV) Sofreu incapacidade temporária total para as actividades escolares em geral num período mínimo de 365 dias, tendo em conta os períodos de internamento hospitalar, de  seguimento na consulta de queimados e de tratamento fisiátrico e de pressoterapia;

WWW) Sofreu incapacidade temporária parcial para as actividades escolares em geral pelo período mínimo de 104 dias, correspondente ao período até à consolidação da lesão;

XXX) Sofreu incapacidade temporária total para as actividades escolares gimnodesportivas, por período mínimo de 469 dias, desde a data do acidente até à data da consolidação da lesão;

YYY) Sofreu um quantum doloris fixável no grau 7 numa escala de 7 graus de gravidade, tendo em conta a natureza e gravidade das lesões, os tratamentos efectuados, que incluíram cinco intervenções cirúrgicas (para a realização de escarectomias e auto-enxertos) e balneoterapia, o longo período de reabilitação funcional e o trauma intensamente vivenciado;

ZZZ) As cicatrizes dismórficas, maleáveis, abrangendo 57% da superfície corporal e a parésia do nervo peroneal comum esquerdo, importam uma incapacidade permanente geral actual fixável no mínimo de 34 pontos.

AAAA) As sequelas do acidente implicam para o LM (…) esforços acrescidos nas actividades escolares bem como em qualquer actividade profissional que implique a utilização dos membros inferiores e são impeditivas de actividades gimno-desportivas;

BBBB) O dano estético sofrido pelo A. LM (…) é fixável no grau 7 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as múltiplas sequelas cicatriciais, as suas localizações e a idade do autor;

CCCC) O prejuízo de afirmação é fixável no mínimo no grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente, encontrando-se comprometida a auto-afirmação e auto-realização face às sequelas cicatriciais do acidente, com impossibilidade de o autor poder realizar algumas actividades desportivas e de lazer e de convivência social, quer no presente quer no futuro.

DDDD) A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 14-12-2007.

EEEE) Muitas vezes o LM (…) chorou e chora pelo que lhe aconteceu, na presença da mãe ML (….) e com ela, por esta não conseguir conter as lágrimas perante o choro do filho.

FFFF) O autor não voltou a ter aproveitamento nos anos escolares subsequentes.

GGGG) Foi sempre a mãe, a A. ML (…), quem acompanhou o filho menor LM (…), chamada ao local do acidente, na ambulância até dar entrada no Serviço de Urgências dos HUC ainda inconsciente, presenciando, em angústia e aflição, o estado do menor até este obter alta da Unidade de Saúde Fernão Mendes Pinto, queimado e deformado, com dores fortes, intensas e agudas, sujeito a inúmeros tratamentos, intervenções cirúrgicas, sessões de fisioterapia e reabilitação; quem, após alta do menor em 28 de Novembro de 2006 e regresso a casa, cuidou do filho, lavando-o, despindo-o, vestindoo, acompanhando-o aos tratamentos de pensos, às consultas de avaliação, de fisioterapia e de reabilitação, aplicando-lhe pomadas, vestindo-lhe e despindo-lhe o colete e os collants de pressoterapia,

HHHH) E que continua a dele cuidar.

IIII) Tudo isto e o facto de saber e ver o filho em tal estado, com lesões e deformações que o acompanharão para sempre, lhe causaram, causam e continuarão a causar no futuro, por toda a sua vida, desgosto e tristeza incomensuráveis.

JJJJ) Muitas vezes chorou e continua a chorar com o que se abateu sobre o LM (…) e mesmo na presença e com o filho LM (…) por não conseguir conter as lágrimas perante a tristeza e as lágrimas do próprio filho.

KKKK) Tornou-se uma pessoa sofrida, triste, pessimista, com humor depressivo e com episódios graves de depressão.

LLLL) Os autores não residiam em Souselas, mas em Coselhas.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

Estamos perante um caso de responsabilidade aquiliana, para cuja emergência importam que estejam presentes os respetivos requisitos, a saber:

a) um facto voluntário;

b) A ilicitude do facto.

c) A culpa do agente ou seja um nexo de imputação subjetiva do facto danoso ao lesante.

d) O dano, ou seja  a afetação negativa/prejuízo de bens jurídicos pessoais e patrimoniais, juridicamente tutelados ;

 e) O nexo de causalidade entre o facto praticado e o dano sofrido.

A ilicitude consiste na infração de um dever jurídico, rectius na violação de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios.

 A culpa, e como bem se diz na sentença, pode resultar de uma atitude dolosa ou de mera negligencia.

Esta consiste na omissão pelo agente da diligência ou do cuidado que lhe era exigível em face das circunstâncias de cada caso e atenta a conduta do homo prudens, o bom pai de família, e releva tanto na sua modalidade de consciente  (o agente prevê a realização do facto ilícito como possível mas, por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, crê na sua não verificação) como  inconsciente (o agente, outrossim  por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão nem sequer prevê o facto,   sendo-lhe, porém, exigível que o tivesse previsto) .

Já quanto ao nexo de causalidade a nossa lei consagra a teoria da causalidade adequada, na formulação negativa de Enneccerus-Lehman, nos termos infra a referir em 5.2.5.

5.2.2.

A Sra. Juiza subsumiu o caso na previsão do artº 493º nº2 do CC, considerando, e bem, que estamos perante um caso de exercício de uma atividade perigosa, pois que: « a actividade de gestão da infra-estrutura de caminho de ferro e a actividade de transporte e condução de energia eléctrica em alta tensão …pela sua própria natureza e pelos meios utilizados, e o seu mau uso e manuseamento são idóneas a produzir lesões graves: no extremo, a propria morte.»

Na verdade tal atividade é, inequivocamente, perigosa, pelo potencial e grave perigo para a integridade física e, até, vida, decorrente da energia de alta tensão.

Atividade esta que se atém a um perigo muito maior do que outras que a jurisprudência do STJ tem vindo a confirmar.

Assim, vg: «A actividade de prática de patinagem…tendo em consideração o tamanho desproporcionado dos sticks face à idade infantil dos praticantes, bola pesadíssima e com previsível e eventual impacto mortal, ausência de protecção adequada dos sticks e de uso obrigatório de máscara e/ou capacete protector dos jogadores de campo, tudo em conjugação com a fogosidade, imprudência e emulação típicas daquela idade –, constitui actividade perigosa, nos termos previstos no art. 493.º, n.º 2, do CC» - Ac. do STJ de 11.09.2012, p. 8937/09.5T2SNT.L1.S1.

Prescreve o citado segmento normativo: «Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.»

E bem andou a julgadora quando interpretou este preceito no sentido de que ele: «prevê uma presunção legal de culpa, tal implica, de acordo com o estatuído no nº 1 do art.º 344.° do mesmo código, a inversão do ónus da prova: passa nestes casos a ser o lesante, quem terá de provar, para se eximir à responsabilidade, que não teve culpa na produção do facto danoso, exigindo-se-lhe o emprego de todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de o prevenir, que serão as ditadas pelas normas técnicas ou pelas regras da experiência comum, que se aferem pela diligência de um bom pai de família.

(sublinhado nosso).

Nesta conformidade chamou à colação o normativo pertinente que poderia implicar  que a conduta da ré fosse taxada de ilícita a saber, o artºart.17º, nº1º, do Regulamento de Exploração e Polícia dos Caminhos de Ferro ( DL 39.780, de 21/8/54 ), o qual estatui:

«o terreno de caminho de ferro tem que ser vedado pela empresa sempre que a segurança pública o exija».

Mas concluiu que tal ilicitude não pode ser assacada á ré, pois que tal preceito  «não tem por finalidade acautelar situações anormais, que escapam à esfera de protecção dessa norma…a descarga eléctrica produziu-se devido a acção do menor, que, imputável, como decorre do nº2º do  art.488º, interferiu por forma temerária, imprevidente, no perigo normal ou típico duma linha de alta tensão, escalando vagão de transporte de mercadorias devidamente assinalado para vencer a inacessibilidade natural dessa fonte de perigo. Essa a causa decisiva, e única dos danos reclamados, pelo que se tem por ilidida a presunção de culpa firmada no art.493º, nº 2 do CCivil.».

5.2.3.

Salvo o devido respeito não se pode concordar com esta interpretação perante os factos apurados e os princípios jurídicos supra referidos e, aliás, bem escalpelizados, pela julgadora.

Efetivamente e versus o por ela entendido, não pode concluir-se que a atuação do menor é de tal modo anormal e inesperada que escapa à esfera de proteção da norma.

Basta atentar que a norma do artº 493º nº2  impõe que sejam adotadas todas as providências exigidas pelas circunstâncias.

E a norma do citado artº 17º do Regulamento impõe a vedação sempre que a segurança pública o exija.

Ora há factos apurados que falam por si nem sequer sendo necessário um grande esforço exegético para se concluir que, in casu, as concretas  circunstancias apuradas impunham que a ré tivesse feito algo para impedir ou dificultar o acesso à via férrea por aquele local.

Certo é que o menor transgrediu, como aliás, transgrediam muitas pessoas adultas ao acederem à plataforma dos comboios por local indevido.

E tantas eram que até já no comoro que separava a linha férrea da estrada existia um carreiro bem assinalado.

Isto porque tal comoro era: «de transposição fácil a indivíduo medianamente ágil»,

A ré sabia  - ou, o que vai dar ao mesmo, era-lhe exigível que soubesse  - da relativamente fácil transposição do comoro e da existência deste carreiro.

Tal carreiro fica em frente de um jardim e parque infantil e  parque de merendas.

O que a ré certamente não ignorava.

Enfim, last but not least, já antes Outros 2 acidentes com electrocussões e queimaduras a duas pessoas haviam ocorrido.

Sendo que a  CP antes de 1998 e  a REFER  depois desta data  tomaram conhecimento de tais acidentes  porque deles foram  foram avisadas pela população de Souselas e pelos próprios membros da Junta de Freguesia local.

Mas «nada fizeram para vedar  e proteger a linha férrea, para  inutilizar e impedir o acesso à linha férrea  e a sua travessia pelo referido carreiro, para assinalar o perigo inerente ao caminho de ferro e às linhas eléctricas de alta tensão».

Enfim, se mais não houvesse, que há, como se viu, apurou-se que « A inexistência de qualquer vedação ou protecção da via, a inexistência de qualquer placa, sinal ou inscrição de perigo de caminho de ferro, e bem assim a imobilização de vagões e máquinas com linhas de alta tensão dispostos longitudinalmente sobre os mesmos facilitam a ocorrência de acidentes.».

Perante este acervo factual é meridianamente evidente que algo faltou/falhou na atuação da ré.

Perante ele não restam dúvidas que a ré alguma coisa poderia e deveria fazer para, objetivamente, impedir, ou, ao menos, dificultar, o acesso à plataforma naquela zona/local em causa nos autos.

O historial de acidentes na estação junto à(o) mesma(o) e o facto de, quase contíguo, se situar um parque infantil e um parque de merendas, aconselhava  em termos  lógicos e de senso e razoabilidade comuns, uma atuação naquele sentido.

 Até porque a existência do carreiro era demonstrativo de que as pessoas continuavam por ali a passar para acederem à plataforma e à estação.

E o facto de tal acessamento ser irregular não eximia a ré de tomar as medidas e precauções devidas para obviar ao mesmo, pois que a segurança pública, pode ser posta em causa independentemente de advir, ou não, de uma atuação totalmente licita e impoluta.

Nem relevando a posição da Sra. Juiza quando expende que  a causa decisiva, e única, foi a atuação do menor  que escalando vagão de transporte de mercadorias devidamente assinalado  venceu a inacessibilidade natural da fonte de perigo que eram os cabos de alta tensão.

Desde logo se evidencia a contradição nos termos sublinhados.

Se a causa foi decisiva não se concebe que possa ser única.

Depois porque não existia inacessibilidade natural.

Existiria, em princípio, se os vagões não estivessem ali parados – como parece que normalmente estavam - e a proporcionarem, precisamente, a acessibilidade aos mesmos.

E a proporcionarem, eles próprios, a acessibilidade às catenárias através das escadas neles apostas.

Finalmente a questão, para efeitos do preenchimento da previsão do artº 17º, coloca-se a montante: o que importa não é  - pelo menos apenas-  saber se os cabos de alta tensão eram, no exato local onde se situavam, inacessíveis, mas antes, se essa inacessibilidade poderia ser logo evitada se se impedisse ou dificultasse desde logo, o acesso à plataforma.

E, em termos de normalidade e da experiencia comum, é congeminável/admissível/plausível, que se existisse uma vedação de, p.ex., 2,00 m ou até, de 1,50 m de altura, a bordejar a plataforma, tal impediria a entrada do menor, quer objetivamente, porque ele não era capaz de a transpor, quer  subjetivamente, por interiorizar a impossibilidade, ou, ao menos, dificuldade em o fazer, o que, poderia para ele – como aliás acontece para a generalidade das pessoas – constituir  fator de desmotivação e desistência.

 Estamos, pois, perante um caso em que a previsão do citado artº 17º emerge claramente e sem quaisquer dúvidas.

Conclui-se assim, que a ré violou tal normativo, pelo que a sua conduta – omissiva – tem de taxar-se de ilícita porque violadora dos citados normativos.

5.2.4.

Bem como deve considerar-se de culposa já que, considerando todo o circunstancialismo apurado, máxime os antecedentes de acidentes naquela local, do jaez do em causa, tem de concluir-se que atuou  com dolo, na modalidade de dolo eventual, na medida em que sendo certo que não querendo o resultado que emergiu, assumiu o risco de  ele se produzir, ou, melhor  dizendo, e mais grave ainda, de se  repetir, e com tal risco se conformou.

Ou, pelo menos, negligentemente, na modalidade de negligencia consciente, pois que, prevendo, ou sendo-lhe exigível que previsse, tal resultado como possível, acreditou, sem fundamentos razoáveis, que não se verificaria.

5.2.5.

De igual sorte se conclui pelo nexo de causalidade entre a conduta omissiva da ré e a verificação do sinistro.

É que :

«O artigo 563 do Código Civil consagra a doutrina da causalidade adequada na sua formulação negativa, que não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite:

-- não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não;

-- como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano»

«… o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do mesmo, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto»

«…do conceito de causalidade adequada pode extrair-se, desde logo, como corolário, que para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano - Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 29.06.04, 03B4474, de 07.04.2005, p. 05B294, de 20.10.2005, 05B2286 e de  13-03-2008 08A369, in dgsi.pt, e A. Varela, in Das Obrigações em Geral”, 10.ª ed, I, 893, 899, 890/1

(realce  e sublinhado nosso).

5.2.6.

Certo é, porém, que a atuação do menor é culposa e concausal do sinistro, pelo que importa  operar a repartição de responsabilidades das partes.

Tal repartição tem de fazer-se com base na gravidade das culpas das partes e nas consequências que delas resultaram – artº 570º do CC.

A culpa é apreciada em função de critérios abstratos e concretos, pois que, por um lado, tem de atender-se à diligencia expectável de um homem normalmente sabedor e prudente, o bom pai de família, e, por outro, às circunstancias do caso – artº 487º nº2 do CC.

No caso sub judice, e numa perspetiva meramente subjetiva, a culpa da ré é maior do que a do menor.

Até porque se provou que este não tinha ainda a plena capacidade, inerente a uma pessoa adulta e psicológico/intelectualmente plena e cabalmente formada, de entender e querer

Ademais ela estava cônscia – ou era-lhe exigível que estivesse -  do perigo que representava a passagem de pessoas por aquele local –e, assim, naturalmente não vigiado - o qual poderia advir não apenas de eletrocussão, como já tinha acontecido, como, outrossim, e quiçá, mais facilmente, de atropelamento/esmagamento por composições em movimento.

Impunha-se, pois, uma atuação no sentido de  vedar o local, ou, ao menos, de avisar, através de sinais, do perigo em aceder à plataforma, até porque, sendo  ele apenas de acesso funcional  e não destinado ao público em geral, não estava vigiado.

E porque, inclusive, e nunca é de mais repetir, tal acesso  e carreiro, estavam junto a um parque infantil onde, naturalmente, brincam crianças e jovens, os quais  por qualquer motivo, vg. correr a trás de uma bola, podiam aceder, de um modo inopinado e descuidado, ao espaço da estação, com possíveis e nefastas consequências.

 E nada fez, ao longo de muitos anos: pelo menos nos oito anos que medearam entre 1998, data em que já tinha ocorrido uma eletrocussão e 2006, ano do acidente.

Mas numa ótica objetiva e das consequências do acidente já a culpa do menor se alcança como mais frisante, pois que efetivamente ele agiu de um modo algo rebuscado, e, até certo ponto, imprevisível, qual seja, subir para cima da carruagem, e só assim tocando nos cabos de alta tensão, o que, convenhamos, não é uma atuação normalmente adotada e espectável, mesmo considerando  os laivos de irrequietude normalmente associados à sua idade, na altura: 14 anos.

Importa também perspetivar e valorar, negativamente, até porque também é diretamente interessada porque impetrante de indemnização, a atuação da mãe do menor e sua cuidadora, a qual se provou ter descurado a vigilância do filho.

Nesta conformidade, tudo visto e ponderado considera-se justo e razoável repartir a culpa do sinistro na proporção de 40% para a ré e 60% para o então menor, pois que a sua atuação, é, apesar de tudo, a causa próxima, imediata e, como se disse, até certo ponto/em certa medida, inesperada, do sinistro.

 5.2.6.

Do quantum indemnizatório.

Estão em causa danos patrimoniais futuros do então menor e danos não patrimoniais seus e da autora sua mãe.

5.2.6.1.

Quanto aos primeiros impetra-se a quantia de 250.000 euros a título de danos futuros sofridos pelo então menor.

Estatui ainda o artº 564º nº 2 do CC: «na fixação da indemnização, pode o tribunal atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis; se não forem  determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior».

Para que seja  possível a condenação em indemnização por danos futuros não é imposta uma certeza absoluta quanto à sua ocorrência, mas também  não basta a prova da sua vaga, genérica ou hipotética eventualidade, antes sendo necessário, mas outrossim suficiente, que haja uma segura e adequada previsiblidade  da verificação dos mesmos.

Os danos futuros a que este segmento normativo se reporta, tanto podem ser danos emergentes como lucros cessantes.

Sendo que um dos casos mais frequentes em que o tribunal tem de atender aos danos futuros é aquele em que o lesado, em consequência do facto lesivo, perde ou vê diminuída a sua capacidade laboral – cfr. por todos, Pires de Lima e Antunes Varela,, CC Anotado, 1º, 2ª ed. p.504.

5.2.6.2.

Posto isto há que dizer que o cálculo de danos futuros é operação difícil, sendo extremamente delicado fixar com justeza a correspondente indemnização.

Na verdade:  «o cálculo do valor deste tipo de danos se reveste sempre de alguma incerteza, deverá o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por apurados, em conformidade com o disposto no nº 3 do art. 566º C.Civil.

A equidade, como justiça do caso concreto, implica uma ponderação criteriosa das realidades da vida, no quadro de juízos de verosimilhança e probabilidade, tendo em conta a justa medida das coisas e as circunstâncias do caso.» -  Ac. STJ de 16/9/2008, dgsi.pt, proc. 08B939.

Isto porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não fosse a lesão, o que implica uma previsão pouco segura sobre danos verificáveis no futuro.

Mas a ideia geral que importa reter é que, se por um lado, o montante indemnizatório relativo a danos futuros deve ser fixado por forma a que não seja de tal modo escasso que torne a reparação meramente simbólica,  por outro lado, ele não  deve ser tão elevado que possa encarar-se como um autêntico enriquecimento sem causa do lesado.

Para efetivar este desiderato constituem doutrina e jurisprudência pacíficas que devem ter-se em consideração não apenas instrumentos regidos por critérios matemático-formais, tal como fórmulas e tabelas financeiras  - vg. as usadas no foro laboral, ou disponibilizadas pela Portaria 377/2008, de 26-05 – mas antes, acima de tudo e determinantemente, importando apelar para critérios de equidade –cfr. Ac. do STJ de  s. 16.12.2010, p. 270/06.0TBLSD.P1.S.

 Pois que estes critérios são a única forma de encarar e ultrapassar as dificuldades decorrentes da inelutável imprevisibilidade, incerteza, ou carácter aleatório de alguns fatores a advirem no futuro, e, sobretudo, para atender às especificidades do caso.

Efectivamente «as referidas fórmulas não se conformam com a própria realidade das coisas, avessa a operações matemáticas, certo que não é possível determinar o tempo de vida útil, a evolução dos rendimentos, da taxa de juro e do custo de vida… Assim, nesse caso, as mencionadas tabelas só podem ser utilizadas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta.

Como se trata de dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora face à inerente dificuldade de cálculo, com ampla utilização de juízos de equidade.

A partir dos pertinentes elementos de facto, independentemente do seu desenvolvimento no quadro das referidas fórmulas de cariz instrumental, deve calcular-se o montante da indemnização em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso» - Ac. do STJ de 15.05.08,  dgsi.pt,p.08B1343; cfr. ainda Ac. do STJ de 03.02.2011, p. 605/05.3TBVVD.G1.S1.

Encerrando destarte as tabelas financeiras mero valor auxiliar e devendo os resultados assim obtidos ser equitativamente corrigidos se o julgador os considerar desajustados ao caso concreto.

E o mesmo se diga no atinente aos valores referidos na Portaria nº 377/2008 de 26.05, alterada pela Portaria nº 679/2009  de 25.06,  os quais apenas se impõem para efeito de apresentação por parte das empresas de seguros de proposta razoável para indemnização aos lesados por acidente de viação, pois que se expende no seu preambulo: «(…) importa frisar que o objectivo da portaria não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios, mas (…) o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis…

E sendo certo que no seu artº 1º nº 2 se estatui: «As disposições da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos».

Destarte: «Com este mecanismo legal visou-se moralizar a relação dos lesados por acidente de viação com as companhias de seguros responsáveis pelos danos que sofreram, de modo a evitar que estas, valendo-se da sua suposta posição dominante, se aproveitassem da normal maior fragilidade daqueles, apresentando-lhes propostas de acordo com valores muito inferiores aos da indemnização justa…

Por isso, aqueles valores, fora do referido âmbito, constituirão apenas uma referência, nada impedindo que os tribunais, usando os critérios previstos no Código Civil, fixem valores superiores, o que até constituirá a situação normal, tendo em vista que a aceitação da proposta de acordo da empresa seguradora por parte do lesado desonera este das desvantagens e incómodos que a via judicial comporta» - Ac. do STJ de 01.06.2011, p. 198/00.8GBCLD.L1.S1.

5.2.6.3.

Assim e concretizando, entende-se comummente que na determinação do quantum indemnizatório que ele deve ascender ao capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinga no termo do período provável da sua vida –  cfr. entre outros, o Ac. do STJ de 06.10.2011, p. 733/06.8TBFAF.G1.S1,  dgsi.pt,

Para a consecutir tal concretização tem de atender-se, primordial e objetivamente,  aos rendimentos auferidos pela vítima, maxime o salário auferido, deduzidos os impostos e as contribuições para a segurança social, e ao seu tempo provável de vida activa, sendo que  não é possível ficcionar que, finda a vida profissional activa do lesado, desapareça, instantaneamente, a sua vida física, e com ela todas as suas necessidades, sendo, assim, ainda de considerar a respetiva esperança de vida - Ac. do STJ de 24.11.2009, p. 1877/05.9TVLSB.S1.

Ou, dito de outro modo: «Mantendo-se o dano fisiológico para alem da vida activa, é razoável que, num juízo de equidade sobre o dano patrimonial futuro, se apele à esperança média de vida que, nos homens, hoje, ronda os 78 anos» - Ac. do STJ de  19.04.2012, p. 3046/09.0TBFIG.S1.

Após determinação do capital, há que proceder a um “desconto”, “dedução” ou “acerto”.

Quer porque quem trabalha também consome, havendo despesas, como as de alimentação, que mesmo sem trabalho sempre seriam feitas.

 Quer devido  ao facto de o lesado perceber a indemnização por junto, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, pois que se impõe, como se viu, que no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado.

 Sendo que na quantificação deste desconto a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33% - Acs. do STJ de 07.07.2009 e de 04.02.2010, ps. 1145/05.6TAMAI.C1 e  307/05.0TAGMR.G1.S1.

5.2.6.4.

Para cálculo da indemnização a arbitrar por este dano futuro atende-se, normalmente, ao vencimento auferido pelo lesado aquando do acidente.

Porém: «mesmo que a vítima não exerça ou não exerça ainda qualquer actividade remunerada nem por isso o dano deixará de ser ressarcido, já que nesta última hipótese foi precisamente o evento danoso a frustrar a aquisição futura de ganhos.» -  Ac. STJ de 16/9/2008, dgsi.pt, p. 08B939 in dgsi.pt..

Para definir o valor a considerar nos cálculos, tem o STJ entendido que, nos casos em que  estamos perante jovens, em início de exercício de uma profissão,  ou que demonstrem requisitos, qualidades ou qualificações para o seu exercício vindouro, deve considerar-se, como impõem critérios de normalidade e previsibilidade,  quanto mais não seja em virtude e homenagem à sua juventude que, em termos de normalidade, clama ou permite um positivo e profícuo juízo de prognose quanto ao seu futuro, que se deve ir mais além do valor do salário mínimo, como seja, vg. o valor do salário médio acessível a um jovem dotado de mediana capacidade e aptidão, após a fase de aprendizagem, no exercício da concreta profissão – cfr. Acs. do STJ 16.10.2008, de 25.06.2009 e de 30.09.2010, p. 08A2362, 08B3234 e 935/06.7TBPTL.G1.S1.

Porém: «Na falta de outro critério fiável, sendo o autor estudante à data do acidente, desconhecendo-se quanto é que irá auferir no seu desempenho profissional, teremos que nos ater, como ponto de partida, ao salário mínimo nacional» -  Ac. do STJ de  S 19.04.2012, p. 3046/09.0TBFIG.S1.

5.2.6.5.

 Finalmente, importa que o valor obtido - dimanante da formulação de  tal juízo de equidade, ínsito numa margem de discricionariedade que ao julgador é consentida, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso, mas que, em primeira linha tem na sua génese elementos factuais objetivos -  «se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade» - Ac. do STJ de  05.11.2009, p. 381-2002.S1 – Relator: Lopes do  Rego.

 Efetivamente, importa, tanto quanto possível, tentar respeitar e consecutir, a  desejada justiça comparativa ou relativa, para obviar a que situações idênticas não sejam decididas similarmente e que situações distintas o sejam  e não mereçam a necessária diferenciação equilibrada e proporcional aos seus específicos contornos.

Nesta ótica e apenas a título exemplificativo há a ponderar:

No Ac. do STJ de 25.06.2009, p. 08B3234, a uma lesada de 21 anos, estudante, que ficou com uma IPP geral de  50%, a subir para 53%, com graves limitações para o exercício de qualquer actividade profissional, foi arbitrada a quantia de 110.000 euros.

No Ac. do STJ de 24.09.2009, p. 09B0037 a lesado de 34 anos, que auferia 780,00 euros mensais e que ficou com um Incapacidade de 100% para o trabalho, foi arbitrada a quantia de 240.000,00 euros.

No. AC. do STJ de 05.11.2009,  arbitrou-se a um lesado com 26 anos de idade, afectado por uma IPP de 60%, envolvendo total incapacidade para o exercício das funções que desempenhava, auferindo rendimento mensal de €1.058, o valor indemnizatório de 300.000 euros.

No Ac. do STJ de  30.09.2010, p. 935/06.7TBPTL.G1.S1 – no qual se identificam outros arestos concernentes a esta problemática - arbitrou, a título de danos futuros, a quantia de 80.000 euros a uma lesada de 17 anos que ficou com uma IPG de 20%, compatível com o exercício da actividade habitual mas implicando esforços suplementares.

 No Ac. de 29.06.2011, p. 345/06.6PTPDL.L1. S1, fixou a quantia de 15.000 euros ao demandante tinha 19 anos à data dos factos,  era estudante e não exercia qualquer actividade remunerada e ficou com uma incapacidade permanente de 11,73 pontos.

No Ac. do STJ de 26.01.2012, p. 220/2001-7.S1, fixou-se, a lesado  de 28 anos, auferindo antes do acidente €6.181,70 anuais, tendo ficado com 40% de IPP , € 80.000 a indemnização pela perda da capacidade de ganho.

No Ac. do STJ de 16.02.2012, p. 1043/03.8TBMCN.P1.S1 para um lesado de  51 anos que auferia € 6.560/ano, tendo ficado 100% incapacitado para o  trabalho, fixou-se a quantia de € 100.000.   

No Ac. do STJ de  02.05.2012, p. 1011/2002.L1.S1. para um lesado de 28 anos afetado em 40% da sua capacidade atribui-se a quantia  de € 120 000,00.

5.2.6.6.

No caso vertente o menor era estudante.

Não se provou possuir ele especiais e relevantes capacidades pessoais e profissionais.

Logo o valor a considerar terá de aproximar-se do SMN.

Porém, considerando a sua juventude e um juízo de prognose positivo no sentido de ele poder vir a obter um rendimento um pouco além dos atuais 485 euros do SMN, mas não olvidando a grave crise económica que atravessamos dificultante de obtenção de rendimentos relevantes e duradouros, ajuíza-se como admissível e equitativo atender-se ao montante mensal de 500 euros.

Nesta conformidade, multiplicando tal verba por  por 14 meses e por 57 anos (75 anos: esperança média de vida à data do seu nascimento -18 anos: idade em que poderia começar a trabalhar),   obtém-se um valor de 399.000 euros.

Considerando que ao lesado é fixável uma IPG de  34 pontos  obtém-se o valor de 135,660,00 euros.

Retirando cerca de 1/4 deste montante para as suas despesas pessoais e do seu agregado familiar, obtemos o valor de  101.745,00 euros.

E diminuindo-a de 1/5, atento ao facto de o autor receber o capital de uma só vez,  perfaz-se o montante de 81.396.00 euros.

Temperando este valor com critérios équos e considerando a idade precoce da vítima e as maiores e melhores perspetivas materiais de vida que ela teria, se não fosse o sinistro, considera-se justo e razoável fixar a indemnização a este título em 90.000 euros.

A qual, para além de, assim,  consecutir a justiça do caso concreto –  naturalmente que com o grau relatividade ou falibilidade inelutável na decisão judicial -  também se alcança com virtualidades para atingir a justiça relativa ou comparativa, por reporte, vg. aos valores constantes nos arestos supra mencionados.

5.2.6.7.

Quanto aos danos não patrimoniais.

5.2.6.7.1.

Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – artº 496º nº1 do CC.

O dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo o chamado quantum doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária; o “dano estético”, que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima; o pretium juventutis, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida – cfr. Ac. do STJ de 18.06.2009, dgsi.pt, p. 1632/01.5SILSB.S1.

Há, também, que ter presente que, logo a seguir ao bem vida, os direitos de personalidade, designadamente o direito à integridade física, à honra e ao bom nome - cuja preservação é necessária para se manter a própria dignidade e amor próprio e para possibilitar uma sã convivência social - são, quiçá, os direitos com maior dignidade e que importa respeitar e defender.

Assim, a indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza acentuadamente mista.

 Por um lado visa, mais do que indemnizar, reparar os danos sofridos pela pessoa lesada; pretende-se proporcionar ao lesado uma compensação ou benefício de ordem material - a única possível -, que lhe permite obter prazeres ou distrações - porventura de ordem puramente espiritual - que, de algum modo, atenuem o desgosto sofrido: não consiste num pretium doloris, mas antes numa compensatio doloris.

Por outro lado não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.

 Resta sempre difícil apurar, com rigor, a adequação do montante compensatório dos danos não patrimoniais, de sorte a que com o mesmo se possam minorar as afetações negativas sofridas, operando-se, assim, com a maior aproximação possível, a justiça do caso concreto.

A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo, que tenha em conta o circunstancialismo de cada caso, e não por padrões subjetivos, resultantes de uma sensibilidade particular.

Devendo ainda considerar-se que a mais recente jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal vem reconhecendo que se torna necessário elevar o nível dos montantes dos danos morais, perante o condicionalismo económico do momento, e o maior valor que hoje se atribui à vida, integridade física e dignidade humanas, sendo que, hodiernamente se vislumbra sedimentada uma corrente jurisprudencial que visa afastar critérios miserabilistas de fixação desta espécie de danos, pautando-se por uma justa, naturalmente mais elevada, fixação dos montantes indemnizatórios.

 Certo é que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, e designadamente, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso  - arts. 496º, nº 3 e 494º do C.C.

Fazendo-se apelo a um julgamento segundo a equidade, em que os critérios que os tribunais devem seguir não são nem podem ser fixos, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”, só se justificando uma intervenção correctiva se a indemnização se mostrar desajustada por  meridianamente desconforme a esses elementos – cfr. Ac. do STJ de 18.06.2009, sup. cit.

Havendo aqui, naturalmente, que conviver e aceitar uma certa álea e relatividade das decisões judiciais, características que são inerentes a tais decisões como aliás a qualquer actividade  humana que não se estribe em premissas de cariz científico-natural ou matemático.  

Importando, todavia, perspetivar as diversas decisões prolatadas em casos similares para se tentar operar a fixação de valores idênticos, pois que tal contribui não só para a certeza e segurança do direito como, também, para a consecução da justiça material, quer na sua vertente absoluta, quer na vertente relativa ou comparativa.

Assim e neste particular atente-se em algumas decisões dos Tribunais superiores.

No Ac. do STJ de 5.02.2004, dgsi.pt.,  proc. nº 04B083 foi atribuída a indemnização de € 24.939,89 a um lesado que, tendo 52 anos à data do acidente, ficou afetado de um IPP de 35% e sofreu lesões muito graves que o obrigaram a diversas intervenções cirúrgicas e implicaram limitações muito sérias à sua mobilidade.

No Ac. do STJ de 4.12.2007, proc. nº 07A3836 foi arbitrado o montante de € 35.000 por danos morais a um lesado com 44 anos à data do acidente, na sequência do qual esteve em conta e em perigo de vida durante vários dias e sofreu diversas sequelas, e ao qual foi fixada uma IPP de 47%.

No Ac. do STJ de 23.09.2008, p.07B2469, foi arbitrada a indemnização de 20.000 euros num caso de incapacidade permanente para a profissão de 25%, com atrofia de 03 cm nos músculos da perna num individuo de cerca de 35 anos que praticava desporto e que lhe provocou dificuldades na marcha e dores e incómodos.

-O Ac. do STJ de 25.06.2009, dgsi.pt, p.08B3234, uma jovem de 21 anos, vítima de atropelamento, que sofreu diversas intervenções cirúrgicas, tratamentos e recuperação, ficando afectada de uma incapacidade absoluta durante 12 meses, foi sujeita a diversas intervenções cirúrgicas e teve de realizar sucessivos tratamentos, nomeadamente de recuperação, que se prolongaram no tempo, sofreu danos físicos extensos que deixaram sequelas irreversíveis e gravosas, físicas e emocionais e ficou afectada de uma IPP de 50%, com aumento previsto de 3% ,  atribuiu € 40.000.

No Ac. STJ de 13/4/2010, proc. 4028/06.9TBVIS.C1.S1, a um jovem de 20 anos que sofreu uma IPG de 5%, em que as sequelas resultantes do acidente, traduzidas em cicatrizes na mão esquerda, no joelho direito no joelho esquerdo e no pé direito  implicaram a necessidade da realização de maiores esforços no exercício da sua actividade profissional de médico dentista, e em que o quantum doloris, foi de grau 4 numa escala de 1 a 7, arbitrou-se 40.000 euros.

- O Ac. do STJ de 30.09.2010, p. 935/06.7TBPTL.G1.S1 para uma lesada com IPG de 20% e em que as sequelas determinaram um dano estético de grau 3, na escala de 1 a 7, um quantum doloris de grau 4, na escala de 1 a 7 e um prejuízo de afirmação pessoal de grau 2, na escala de 1 a 5 e em que a autora, que tinha feito parte da equipa nacional de cadetes, deixou de praticar basquetebol, o que lhe causa tristeza, desgosto e frustração, fixou 25mil danos.

- O Ac. do STJ de  17.05.2011, p. 7449/05.0TBVFR.P1, em que o autor  padeceu de IPG de 15%, acrescida de 5%, auferia o salário mensal líquido de cerca de € 510,00 e em que ficou encarcerado dentro do seu veículo, ali permanecendo por largos minutos e sofreu várias fracturas nos membros inferiores, designadamente fractura exposta dos ossos da perna esquerda,  fractura do côndilo femural interno à direita, o que implicou várias intervenções cirúrgicas e vários internamentos hospitalares, fixou 20.000,00€.

- O Ac. do STJ de 29.06.2011, p. 345/06.6PTPDL.L1.S1, no qual, para uma IPG de 11,73 pontos, para um jovem de 19 anos, que teve um período de 30 dias de incapacidade temporária geral e profissional total, seguido de um período de 177 dias de incapacidade temporária geral e profissional parcial e em que foi fixado quantum doloris no grau 5, numa escala de 7; o dano estético, constituído pela cicatriz de 14 cm, fixado no grau 3, numa escala até 7, arbitrou o montante de  € 25 000.

-O Ac. do STJ de .06.10.2011, p. 733/06.8TBFAF.G1.S1 para um lesado de  54 anos  com uma IPP de 20%, com incapacidade total para o exercício da sua profissão habitual, bem como de todas as actividades que exijam esforço físico,  que não teve culpa  no acidente  arbitrou 25 000 euros.

- O Ac. do STJ de 23.11.2011,  p. 90/06.2TBPTL.G1.S1 para  um lesado de 47 anos, ficou afectado na capacidade de trabalho e de ganho, com uma incapacidade permanente de 8%, sofreu seriamente com o acidente, teve de se submeter a diversos tratamentos e ficou a padecer de sequelas que afectam a sua qualidade de vida, considerou adequado o valor de € 12.500,00.

No Ac. da RC de 24.01.2012,  p. nº 241/08.2TBCNT.C1 para um lesado, de 16 anos que sofreu entorse do tornozelo direito, grau III, tendo sido submetido a uma intervenção cirúrgica onde lhe efectuaram reconstrução de ligamentos extensa; sofreu um quantum doloris fixável no  grau três da tabela que vai até ao grau 7; sofreu um prejuízo de afirmação pessoal fixável  no grau três pela nova tabela, numa escala de um a cinco; sofreu um dano estético fixável no grau um pela nova tabela, em escala de sete; ficou com  uma IPG fixável em 3% (3 pontos); que as sequelas provocam ainda dores e exigem alguns esforços acrescidos nas actividades pessoais, desportivas e escolares exercidas pelo examinado, considerou-se equilibrado, razoável e justo, atribuir-lhe a quantia de 25.000 euros.

5.2.6.7.2.

Como se viu o autor LM (...)peticionou uma compensação por danos não patrimoniais nunca inferior a € 140 000.00 euros, sendo a título de dano estético € 50 000,00; a título de dores e sofrimentos e afetação da atividade física e psiquica, € 80 000,00 e a titulo de perda de frequência e aproveitamento escolar, uma compensação de € 10 000,00.

Mas, como mencionado, não é adequado/legal operar uma discriminação e ressarcir autónoma e cumulativamente todas as vertentes tutelantes desta indemnização, mas antes, posto que na sua consideração global, efetivar uma análise genérica da situação e concluir por um quantum total/unitário

Considerando que as lesões e sequelas derivadas para o menor são clamorosamente gravosas e  nitidamente afetantes da sua qualidade de vida - tendo vg. sofrido um quantum doloris fixável no grau 7 numa escala de 7 graus, um dano estético fixável no grau 7 numa escala de sete graus e um  prejuízo de afirmação pessoal fixável no mínimo no grau 4 numa escala de 7 graus –  julga-se razoável e equilibrado, visto, inclusive, que o caso é dos mais graves, por comparação com os julgados nos arestos supra mencionados, fixar o quantum de 40.000 euros.

5.2.6.7.3.

No atinente à mãe.

É questionável na doutrina e na jurisprudência o direito ao ressarcimento de invocados danos não patrimoniais  de terceiros – danos reflexos – no caso em que o lesado não morreu.

Para uns o artº 496º nº2 do CC deve ser interpretado restritivamente no sentido de os danos reflexos apenas serem atendíveis no caso de morte da vítima -  Sinde Monteiro in Revista de Direito e Economia, XV, 370, Acs. do STJ de de 21.3.2000, p.1027/99, de 26.2.2004, p. 4298/03,  de 31.10.2006, p. 3244/06, de 1.3.2007, p. 4025/06 e de  17.9.2009, p. 292/1999.S1.

Para outros o preceito deve ser interpretado lata, ou até extensivamente.

Entendem estes que esta interpretação melhor se coaduna e quadra com o incremento que os direitos humanos no mundo ocidental conheceu, uma relevância que dificilmente se imaginava em 1967, data da publicação do CC.

Preocupação que,  inclusive, tem vindo a ser manifestada em leis avulsas e em instrumentos legais internacionais.

 Tais como a Resolução 75-7 do Conselho da Europa, de 14.3.1975,  a qual no seu n.º 13.º estipula:

O pai a mãe e o cônjuge da vítima que, em razão, duma ofensa à integridade física ou mental desta, tiverem sofrimentos psíquicos, não podem obter reparação deste dano a não ser em presença de sofrimentos de carácter excecional; outras pessoas não podem pretender uma tal reparação.

Assim a possibilidade de indemnização/compensação de tais danos não deve ser liminarmente afastada, mas antes admitida, posto que mais restritivamente, ou seja eles apenas podem ser considerados: «nos casos de particular gravidade em que a falta dela seria chocante» - Ac. do STJ de 28.12.2013, p. 60/2001.E1.S1.

No mesmo sentido cfr. Vaz Serra RLJ, ano 104.º, 14, Abrantes Geraldes, Estudos em Homenagem ao Professor Doutro Inocêncio Galvão Telles, IV, 262 e sgs e Temas da Responsabilidade Civil, II, Armando Braga, A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual, 188 e Américo Marcelino, Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil, 7.ª ed. 348 e sgs, A. Varela, Obrigações em geral , 2ª ed. p.487 (se bem interpretamos e Acs. do STJ de 8.3.2005, p.4486/04, de 30.5.2006, p.1259/06  de 8.9.2009, p. 2733/06.9TBBCL.S1, de 26.5.2009, p. 3413/03.2TBVCT.S1 de  8.2.2011, p. 1469/07.8TBAMPT.P1.S1 e de 28.02.2013 sup cit.

  Aderimos a este entendimento.

Na verdade a lei e, máxime, a sua interpretação, deve, por via de regra e salvo situações excecionais,  representar a emanação do sentimento comum e  acolher e ser operada de acordo com as conceções éticas socialmente vigentes e prevalecentes.

E sendo que a defesa da  dignidade do ser humano e a valorização da sua vertente psicossomática são valores e bens cada vez mais atendíveis e tuteláveis na hodierna sociedade portuguesa, mal se compreenderia, que, pelo menos nos casos mais gravosos, não fosse indemnizável a forte afetação da vertente pessoal, consubstanciada em inequívocos e gritantes sofrimentos,  podendo a sua postergação constituir injustiça e iniquidade intoleráveis.

No caso vertente apurou-se que a mãe do menor sofreu grande desgosto e tristeza com o infortúnio do filho, tornando-se, ainda, uma pessoa, sofrida, triste, pessimista, com humor depressivo e com episódios graves de depressão.

O que, aliás, é intuitivo e dimana da natureza das coisas pois que uma mãe que vê um filho menor, na força da juventude, ficar todo queimado e incapacitado para o resto da vida, certa e  efetivamente que sofre muito.

 Entendemos assim que o caso merece a tutela do direito em função da interpretação supra aduzida.

Para a determinação do seu quantum Importa, por um lado, valorar que se provou que ela não zelou adequadamente, pelo menos naquele hiato temporal que envolveu o sinistro, pela segurança e  vigilância do filho.

Mas, por outro lado, não se esclareceram cabalmente as circunstancias em que tal omissão ocorreu e sendo certo que não pode olvidar-se dizer-nos a experiencia que, na idade do menor e atentas as suas caraterísticas de personalidade, é normalmente difícil e problemático efetivar, de forma adequada e permanente, tal  vigilância.

Nesta conformidade, tudo visto e ponderado, julga-se equitativa a quantia de quinze  mil euros a este título.

Assim se concluindo que ao menor assiste jus à indemnização global de 130.000,00 euros e à mãe a quantia de 15.000,00 euros.

Não obstante e considerando a repartição de culpas supra operada, ao menor é atribuída a quantia de cinquenta e dois mil euros e à progenitora o montante de  seis mil euros.

Procede, parcialmente, e nesta medida, o recurso.

6.

Sumariando.

I - A impugnação da decisão sobre a matéria de facto não se basta apenas com a indicação genérica dos meios probatórios, antes impondo uma análise e dilucidação criticas do respetivo conteúdo/teor, pois que só assim se pode operar uma comparação com  a análise efetivada  pelo julgador, conditio sine qua non para se poder censurar, ou não, o por ele decidido.

II - As acrescidas exigências para o recorrente nesta matéria e a comparação entre o imposto pelos artºs 690º nº4 (ex) e  685º-A nº3, por um lado, e as omissões dos artºs 690º-A (ex) e 685º-B por outro lado, clamam a conclusão da inexistência do dever de prolação de despacho de aperfeiçoamento em caso de deficiente cumprimento.

III – Existe conduta ilícita e culposa da REFER,  perante o artº 493º nº2 do CC e por violação do artº 17º nº1º do DL 39.780 de 21/8/54, se se prova que ela sabia que num troço da linha férrea, sito ao lado de um jardim infantil e parque de merendas, pessoas acediam à mesma para encurtarem caminho, bem como de terem naquele local já  sido eletrocutadas 2 pessoas, e, não obstante e ao longo de pelo menos oito anos, não vedou tal troço nem nada fez.

IV – Porém, deve ser repartida a culpa na proporção de 40% para a REFER e 60% para o sinistrado de 14 anos, que acedeu à plataforma ferroviária por carreiro existente no referido troço, subiu até ao topo de um vagão, sofrendo então choque elétrico do feeder/catenária, pois que este agir  é a causa próxima/imediata e, até certo ponto, inesperada, do sinistro.

V – Assiste  a tal menor de 14 anos jus a indemnização por danos futuros,  a efetivar por referencia a um valor de 500 euros mensais, desde a idade de 18 anos até aos 75 anos ( esperança de vida à nascença)  sendo adequado - vg., ex vi da sua IPG de 34%, por perspetivação de outras decisões, e por acutilante  intervenção do juízo équo  -,  fixar o quantum de 90 mil euros.

VI –É razoável  arbitrar-lhe o montante de 40 mil euros para compensação dos danos não patrimoniais, provando-se, vg., que sofreu queimaduras de 2º e 3º grau em 57% do corpo, foi submetido a  várias e morosas intervenções cirúrgicas e tratamentos e teve prejuízo de afirmação pessoal fixável, no mínimo, no grau 4 numa escala de 7 e quantum doloris e  dano estético fixáveis no grau  7 de  escala de 7.

VII- A conformação da lei e sua interpretação aos ditames e exigências hodiernos de acrescida tutela dos bens imateriais e de personalidade do ser humano, impõe uma interpretação atualista do artº 496º nº2 do CC no sentido de serem indemnizáveis os danos não patrimoniais de terceiros -  reflexos - nos casos de não morte do lesado, desde que especialmente graves.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, condenar a ré a pagar ao autor a quantia de cinquenta e dois mil euros e à autora sua mãe, a quantia de seis mil euros, acrescidas dos juros legais, desde a citação e até integral pagamento.

Custas na proporção da sucumbência.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Alberto Ruço ( voto vencido quanto à atribuição de indemnização por danos não patrimoniais à mãe do menor por entender que a lei não prevê ( art.496 nº2 do CC ) a atribuição desta indemnização por danos reflexos).