Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1299/09.2PBLRA-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: DESLIGAMENTO
LIGAMENTO
DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE
RECURSO
Data do Acordão: 07/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3º JUÍZO CRIMINAL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REJEIÇÃO DE RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGO 400 Nº 1 AL. A) DO CPP
Sumário: 1.- O despacho que ordena o desligamento de cumprimento de medida de coação de prisão preventiva e ligamento a outro processo para cumprimento da pena de prisão aplicada é um despacho de mero expediente e como tal irrecorrível.

2.- É que tal despacho apenas dá início à execução da condenação já transitada

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

No processo supra identificado foi proferido despacho a ordenar o desligamento do arguido/recorrente deste processo e colocado à ordem do processo 119/11.2PBTMR, do 3º Juízo do tribunal Judicial da Comarca de Tomar, para cumprimento de pena.

Inconformado, o arguido A..., apresenta recurso para esta Relação.

Na sua motivação, apresenta as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso:

1-O despacho de desligamento/ligamento como, pacificamente, se aceitará, não consubstancia um despacho de mero expediente.

2-O Tribunal "a quo" postergou a obrigação de comunicar ao arguido, de forma válida, regular e formal, através de notificação, o Despacho de desligamento/ligamento, ora, recorrido.

3-É certo, que o arguido tomou conhecimento de tal Despacho, porém, de forma, completamente, fortuita e informal, em data posterior à prolação do mesmo, não prescindindo, porém, da realização da notificação em termos válidos.

4-A omissão do cumprimento desta formalidade, consubstancia, no nosso modestíssimo entendimento, urna irregularidade nos termos do artigo 123 do CPP, da qual não se prescinde, e que aqui se invoca, para os devidos efeitos legais.

5-O despacho de desligamento/ligamento dum determinado arguido em reclusão, transmutando-o dum processo para outro, cremos, ser da competência do Tribunal de Execução das Penas, ao abrigo da disposição constante do artigo 138, n.º 2 do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (doravante CEP) em reprodução, aliás, da norma plasmada no artigo 91, n.º 1 da LOTJ (Lei n.º 3/99).

6-Não podemos acolher esta intromissão da Sr.ª Juiz do Tribunal “a quo" no cerne dum Processo Judicial sobre o qual não tem qualquer Jurisdição, e altere a situação processual do arguido, promovendo, e ordenando o cumprimento efetivo duma pena de prisão, no âmbito dum Processo em que se formou o título executivo da pena, e ao qual é, completamente, estranha.

Essa competência, isso sim, porque faz sentido e vai ao encontro do teor literal da norma ínsita no predito artigo 138, nº 2 do CEP, está atribuída ao Tribunal de Execução das Penas.

7-O Despacho, ora, recorrido provém de Tribunal incompetente, consubstanciando uma Nulidade insanável nos precisos termos hipotizados no artigo 119, alínea e) do CPP, que para os devidos efeitos, aqui, expressamente, se invoca.

8-Mesmo que o argumento aduzido supra, não mereça acolhimento, o que sempre se admitirá na dialética da interpretação do Direito, a predita Nulidade insanável do Despacho ocorrerá de forma inelutável.

9-Esvaziando-se da palete de competências do Tribunal de Execução das Penas o poder de emitir os respetivos Despachos de desligamento/ligamento no âmbito das execuções das penas privativas de liberdade já transitadas em julgado, sempre tal competência, estaria, pelo menos reservada ao Tribunal onde se formou o título executivo da pena, à ordem do qual se pretende colocar o arguido, e que não foi respeitado, in casa,

10-Concluindo-se, assim, que o Despacho, ora, recorrido, está ferido de Nulidade insanável, por violação das regras da competência, o que para os devidos efeitos, aqui expressamente, se invoca, nos termos do artigo 119, alínea e) do CPP.

11-Violou, assim, o Despacho em análise o plasmado nos artigos 111, n .1, alínea c); 119, alínea c) e 123 todos do CPP e os artigos 138, n.º 2 do CEP e 91, n.º 1 da LOTJ.

Deve dar-se provimento ao recurso e ipso facto:

a) Revogar-se o Despacho recorrido, declarando a Nulidade do mesmo.

b) Não se entendendo, assim, deverá Revogar-se a decisão recorrida para que, face à posição a assumir por esse Tribunal, se profira nova Decisão em conformidade.

Na resposta apresentada, o Magistrado do Mº Pº conclui:

1. O despacho que ordenou o desligamento do arguido aos nossos autos e ligamento aos autos 119/11.2 PBTMR, a correr termos no Tribunal Judicial de Tomar é de mero expediente;

2. Tal despacho é irrecorrível, uma vez que não contende com nenhum dos direitos do arguido, designadamente os previstos no artigo 20, n° 1 e 32, nº 1 da CRP;

3. O facto de tal despacho não ter sido notificado ao arguido nos termos do artigo 111, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal não constitui qualquer irregularidade;

4. O tribunal de Leiria é competente materialmente para emitir os mandados de desligamento/ligamento a outros autos;

5. O despacho de que se recorre não violou qualquer disposição legal, pelo que deve ser mantido na íntegra.

Nesta Relação, o Ex.mº P.G.A., em parecer emitido sustenta que o recurso deve ser rejeitado por irrecorribilidade do despacho recorrido.

Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.

Não foi apresentada resposta.

***

Foi proferida decisão sumária entendendo que o recurso era de rejeitar, porque incidia sobre despacho de mero expediente, tendo em conta os fundamentos aí expostos.

Dessa decisão apresenta o recorrente reclamação para a conferência.

Para além de considerações genéricas, funda a sua discordância no entendimento de que “esta decisão de desligamento/ligamento num regime de reclusão, porque bule, de forma escancarada, coma situação jurídico-processual do arguido, é evidente que pode e deve ser sindicada, escrutinada e fiscalizada”. Pelo que não é “mero expediente”.

A decisão ofende os, direito ao recurso e direito de acesso à tutela jurisdicional (defesa) e, o princípio da legalidade em matéria criminal.

*

Cumpre decidir:

Questiona-se a natureza do despacho que ordena o desligamento de cumprimento de medida de coação prisão preventiva e ligamento a outro processo para cumprimento da pena de prisão aplicada;

Questiona-se qual o tribunal competente para a emissão desse mandado;

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Natureza do mandado de desligamento/ligamento:

No caso vertente, o recorrente encontrava-se a cumprir a medida de coação imposta nestes autos, prisão preventiva.

No processo 119/11.2PBTMR solicitou-se que o arguido fosse desligado destes autos e passasse a cumprir pena à ordem daquele.

O mandado é só um, de desligamento e ligamento, pelo que é o tribunal competente para o desligamento que terá de emitir esse mandado. A ordem de colocação do arguido ligado ao processo onde vai cumprir pena emana desse mesmo processo, sendo que neste (nosso) processo apenas se satisfaz o solicitado.

E tem de ser assim porque não pode haver hiato ou interregno entre o desligamento e o ligamento à ordem de outro. Tem de haver simultaneidade.

Assim que, contrariamente ao indicado pelo recorrente, não foi o juiz deste processo que determinou, ordenou o cumprimento de pena à ordem do outro. A diligência que se fez e foi ordenada neste processo, foi a de se dar cumprimento ao ordenado e pedido naquele outro processo e, porque o art. 478 do CPP determina que os condenados só dão entrada no EP por mandado e é assim, para evitar a entrada de pessoas que tenham sido ilegalmente presas.

Dão entrada no EP ou se mantêm presas, na dependência de mandado. Mesmo nos casos em que o arguido terminando o cumprimento de uma pena de prisão e tendo outra pena para cumprir, tem de haver o desligamento e ligamento ao novo processo e a pedido deste processo.

É o juiz do processo à ordem do qual se encontra preso, quem tem competência para desligar desse e colocar à ordem de outro que assim o haja solicitado.

Logo, o Juiz que ordenou o desligamento e ligamento era, o competente para satisfazer o solicitado por outro tribunal, não lhe competindo apurar e saber da legitimidade de tal pedido.

Se o pedido era ilegal ou ilegítimo, a esse pedido deveria ter reagido o ora recorrente.

Neste processo, o arguido encontrava-se preso preventivamente, tendo em conta a medida de coação aplicada, enquanto naquele outro que solicitou o desligamento/ligamento havia sido condenado com transito em julgado.

Transitando em julgado a decisão penal condenatória tem força executiva, correndo a execução nos próprios autos sob promoção do Mº Pº. O que determina ou condiciona a execução, da pena de prisão, é o trânsito em julgado da decisão condenatória

E, havendo lugar a privação da liberdade resultante da aplicação de medida de coação e, privação da liberdade resultante da execução da pena, deve dar-se prevalência a esta. Foi o que se fez no caso em análise, tão-somente.

O que resulta em benefício do arguido. Basta supor a ocorrência de absolvição no processo onde a detenção corresponde a medida de coação aplicada.

E esse mandado, desligamento/ligamento apenas respeita à execução da pena aplicada e em nada afeta direitos do condenado ou lhe impossibilita ou diminui garantias de defesa.

Funciona nos mesmos termos que funcionaria o mandado para iniciar o cumprimento de um apena de prisão, de condenado que estivesse em liberdade.

È despacho de mero expediente?

Ou verifica-se a irregularidade de falta de notificação?

O art. 400, n.° 1, al. a) do Código de Processo Penal, refere não ser admissível o recurso de despachos de mero expediente.

O Código de Processo Penal, não define o que é despacho de mero expediente.

Para integrarmos esse conceito de "mero expediente", teremos de nos socorrer do que a tal propósito é referido no Código de Processo Civil, atento o disposto no art. 4, do Código de Processo Penal.

Ora, nos termos do artigo 152, n° 4, primeira parte, do Código de Processo Civil, despachos de mero expediente são aqueles que se destinam a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes.

Como ensina Castro Mendes, in Recursos, 1980-40, os despachos de mero expediente “são despachos de carácter meramente interno, que dizem respeito às relações hierárquicas entre o juiz e a secretaria (p. ex., o despacho que ordena a conclusão do processo ao juiz); ou em qualquer caso são despachos que dizem respeito apenas à tramitação do processo, sem tocarem nos direitos ou deveres das partes (ex: o despacho que marca dia para julgamento). Estes despachos são, em princípio irrecorríveis, só o sendo no caso de desarmonia com a lei”.

Na definição de Alberto dos Reis (C.P.C. Anotado, vol. V, 240), despachos de mero expediente são "aqueles que se destinam a regular, de harmonia com a lei, os termos do processo, e que assim não são suscetíveis de ofender direitos processuais das partes ou de terceiros". São os que "dizem respeito apenas à tramitação do processo, sem tocarem nos direitos ou deveres das partes".

O despacho de desligamento/ligamento não ofende qualquer direito do arguido.

O arguido condenado em pena de prisão, com decisão transitada em julgado, tem de cumprir a pena (cumprir a decisão), sendo que para se dar inicio ao cumprimento, tem de haver, como se referiu um mandado a fim de o condenado poder dar entrada no EP.

Assim, que o despacho que ordena a emissão de mandado é despacho que diz respeito apenas à tramitação do processo, sem tocarem nos direitos ou deveres do condenado.

E o que deve ser comunicado ao arguido é o momento de execução desse despacho através do cumprimento do respetivo mandado, para o arguido saber à ordem de qual processo se encontra preso, e desde quando para o caso de se proceder à liquidação da pena.

Tal despacho apenas dá início à execução da condenação já transitada e, a condenação é que interfere com os direitos do arguido nomeadamente o direito à liberdade e não, a execução da condenação transitada.

No caso concreto, o condenado (com transito em julgado) não pode interferir ou escolher o momento ou modo de execução da prisão, sendo que a mesma é exercida pelo poder público. Terá de cumprir a pena.

Assim que entendamos que o despacho em causa é irrecorrível, atento o disposto no art. 400 nº 1 al. a) do CPP, por se tratar de despacho de mero expediente.

Assim o entendeu também o Ac. da Rel. de Évora de 10-01-2006, proferido no processo nº 2723/05-1, ao referir, “Não admissível recurso do despacho que se limitou a dar seguimento à passagem de mandados de desligamento de um arguido preso, afim de ser colocado à ordem de outro tribunal, a pedido deste, por tal despacho ser de mero expediente”.

O despacho proferido nestes autos, apenas, deu seguimento à passagem dos aludidos mandados de desligamento e ligamento ao processo nº 119/11.2PBTMR do 3º Juízo do tribunal de Tomar.

Assim que entendamos ser de manter o decidido em “decisão sumária” pelo relator.

Sem que da decisão resulte qualquer ofensa aos direitos do arguido, nomeadamente de recurso ou defesa ou, ofensa do princípio da legalidade e acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva.

O art. 414 nº 2 diz que o recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível.

E, o facto de o recurso haver sido admitido não vincula este Tribunal, conforme art. 414 nº 3 do CPP.

Temos o recurso como não admissível e, não admitido, não se pode conhecer de questão alguma de fundo, das alegadas.

***

Decisão:

Face ao exposto acordam na Relação e Secção Criminal, em rejeitar o recurso trazido pelo recorrente A..., por se ter o mesmo como não admissível.

Custas pelo recorrente com taxa de justiça de 5 Ucs, a que acresce a prevista no art. 420 nº 3 do CPP.

Jorge Dias (Relator)

Orlando Gonçalves