Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
71/14.2T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
PERÍODO DE CONDUÇÃO
CONCEITO
Data do Acordão: 11/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA – GUARDA – INST. CENTRAL – SEC. DE TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 4º, 7º E 8º DO REGULAMENTO (CE) Nº 561/2006, DE 15/3; 561º CÓDIGO DO TRABALHO; 379º, Nº 1 DO C.P.PENAL.
Sumário: I – Nos termos do artº 379º, nº 1, al. c) do CPP, a sentença é nula quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

II – As razões ou argumentos invocados pelas partes ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista não têm que ser obrigatoriamente conhecidas pelo tribunal.

III – No artº 7º do Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e Conselho, de 15/3, está consagrado um ‘período de condução’ no qual não está em causa a noção de tempo de condução efectiva registada, mas sim um período de tempo que corresponde ao tempo acumulado a partir do momento em que o condutor começa a conduzir após um período de repouso ou uma pausa, até gozar um período de repouso ou uma pausa.

IV – A noção de período de condução está para além da noção de ‘tempo de condução’, a que se reporta a al. j) do eraº 4º do Regulamento citado, abrangendo paragens que não constituam pausas ou períodos de repouso, nos termos definidos neste diploma.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

            I.Relatório

            A Autoridade Para as Condições do Trabalho (doravante designada apenas por ACT), condenou «A... , Lda.», com os demais sinais identificadores nos autos, no pagamento de uma coima no valor de € 2 800,00, por violação do artigo 7º do Regulamento (CE) nº 561/2006, de 15 de março, conjugado com os artigos 19º, nº2, alínea c), 14º, nº4, alínea a) da Lei nº27/2010, de 30 de agosto e 561º do Código do Trabalho.

            Inconformada, a sociedade impugnou judicialmente a decisão administrativa, negando a prática da infração contraordenacional imputada.

            Recebida a impugnação e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que confirmou a decisão administrativa.

            Desta decisão, interpõe a impugnante recurso, finalizando as suas alegações, com as seguintes conclusões [que se transcrevem]:

            […]

            Termos em que e nos mais de direito deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e consequentemente ser a recorrente absolvida.»

            Admitido o recurso pelo tribunal de 1ª instância, o Ministério Público notificado da interposição do recurso, não apresentou contra-alegações.

            Por despacho de fls. 109/110 (referência nº 23058835), o Meritíssimo Juiz a quo considerou não se verificar a arguida nulidade da sentença.

            Tendo os autos subido à Relação, a Exma. Srª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o douto parecer de fls. 118/119, considerando que a sentença posta em crise não enferma de nulidade e que o recurso não merece provimento.

            Não foi oferecida resposta ao parecer.

            Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

*

            II. Objeto do recurso

            É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO) e artigos 50.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.

            Em função destas premissas, importa analisar e conhecer as seguintes questões:

           

            1ª Nulidade da sentença;

            2ª Como interpretar o conceito de “período de condução” a que alude o artigo 7º do Regulamento (CE) nº 561/2006, de 15 de março, apreciando em concreto a interpretação feita pelo tribunal a quo.

*

            III. Matéria de Facto

            A matéria de facto dada como provada na 1ª instância foi a seguinte:

[…]

*

            IV. Nulidade da sentença

            Em sede de recurso, argui-se a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos previstos pelo artigo 379º, nº1, alínea c) do Código de Processo Penal.

            Para tanto, a recorrente alega sucintamente que, na impugnação judicial, apresentou factualidade relativa ao exercício efetivo da condução da viatura, no dia 11/09/2012, discriminando os períodos de condução efetiva que constavam no registo de tacógrafo junto aos autos. Todavia, o tribunal a quo não conheceu a matéria de facto alegada pela impugnante, pelo que considera que a sentença sob recurso padece de omissão de pronúncia, que determina a sua nulidade.

            Apreciemos tal questão!

            Dispõe o normativo inserto no artigo 379º, nº1, alínea c) do Código de Processo Penal, (aplicável ao caso concreto por força da remissão operada pelas disposições conjugadas do artigo 60º da Lei nº107/2009, de 14 de setembro e artigo 41º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de outubro) que a sentença é nula quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

           

            No âmbito da análise da questão sub judice, apenas nos interessa a primeira situação contemplada na previsão desta alínea – a omissão de pronúncia.

            E, só haverá omissão de pronúncia quando esteja em causa a apreciação de matéria de facto que o impugnante questionou na decisão administrativa e o tribunal não se tenha pronunciado sobre a mesma ou quando o tribunal não se tenha pronunciado sobre a questão que estava em discussão nos autos.

            As razões ou argumentos invocados pelas partes ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista, não têm que ser obrigatoriamente conhecidas pelo tribunal. Já o Professor Alberto dos Reis ensinava, a propósito da nulidade de sentença por omissão de pronúncia, que: «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» - Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pag.143.

            No caso concreto, a ora recorrente, em sede de impugnação judicial, afirmou ter sido feita uma errada leitura do documento de prova – disco de tacógrafo de 11/09/2012. E, apresentando a leitura que se lhe afigura ser a correta, afirma que o seu motorista exerceu a condução, nos seguintes períodos:

            . 5.30 horas – 6.05 horas: 35 minutos

            . 6.30 horas – 7.25 horas: 55 minutos

            . 7.35 horas – 8.05 horas: 30 minutos

            . 8.10 horas – 8.45 horas: 35 minutos

            . 9.05 horas – 10.00 horas: 55 minutos

            . 10.10 horas – 11.05 horas: 55 minutos

            Total: 265 minutos, ou seja, 4h25m.

            Na sentença sob recurso, considerou-se não provado que:

            - No dia 11 de setembro de 2012, o motorista conduziu das 5.30 horas às 6.05 horas, das 6.30 horas às 7.25 horas, das 7.35 horas às 8.05 horas, das 8.10 horas às 8.45 horas, das 9.05 horas às 10 horas, e das 10.10 horas às 11.05 horas.

           

            Ora, perante esta decisão sobre a matéria de facto expressamente alegada pela ora recorrente, na impugnação judicial deduzida, é manifesto que o tribunal a quo apreciou e decidiu sobre a matéria factual relativa ao tempo de condução do motorista, alegada na impugnação judicial deduzida.

            Pelo exposto, não se verifica a apontada omissão de pronúncia na sentença sob recurso que gere a nulidade da mesma.

            Improcede, deste modo, o recurso, em relação à primeira questão suscitada.

*

            V. Tempo de condução

            A recorrente foi sancionada no pagamento de uma coima, por violação do artigo 7º do Regulamento (CE) nº 561/2006, de 15 de março.

            Na motivação do recurso, a recorrente insurge-se contra a interpretação do conceito de “período de condução” contemplado no aludido normativo, feita pelo tribunal a quo.

            Cumpre decidir.

            Sobre a temática referida, escreveu-se, com interesse, na sentença recorrida:

            «De acordo com o artigo 7º do Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e

Conselho de 15 de março de 2006:

                “Após um período de condução de quatro horas e meia, o condutor gozará uma pausa ininterrupta de pelo menos 45 minutos, a não ser que goze um período de repouso.

                Esta pausa pode ser substituída por uma pausa de pelo menos 15 minutos seguida de uma pausa de pelo menos 30 minutos repartidos pelo período de modo a dar cumprimento ao disposto no primeiro parágrafo”.

            A questão suscitada pela arguida reside na definição do período de condução de 4.30 horas estabelecido na norma em apreço.

            Sustenta a arguida que apenas os períodos de condução efetiva é que contarão para efeitos de determinação do período de condução.

            Se, à partida, a interpretação propugnada pela arguida se afigura razoável, entende este

Tribunal que a mesma esbarra no texto do Regulamento em questão.

            Na verdade, o artigo 4º do Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e Conselho de 15 de março de 2006, contém diversas definições, assumindo relevância para o caso vertente as definições de “pausa”, “outro trabalho”, “repouso”, “tempo de condução” e “período de condução”.

            Assim, de acordo com o referido normativo:

            “Para efeitos do presente regulamento, entende-se por:

               

                d) «Pausa»: período durante o qual o condutor não pode efetuar nenhum trabalho de condução ou outro e que é exclusivamente utilizado para recuperação;

                e) «Outro trabalho»: todas as atividades definidas como tempo de trabalho na alínea a) do artigo 3º o da Diretiva 2002/15/CE, com exceção da «condução», bem como qualquer trabalho prestado ao mesmo ou a outro empregador dentro ou fora do sector dos transportes;

                f) «Repouso»: período ininterrupto durante o qual o condutor pode dispor livremente do seu tempo;

                j) «Tempo de condução»: tempo de condução registado:

                – de forma automática ou semiautomática pelo aparelho de controlo a que se referem os anexos I e IB do Regulamento (CEE) nº 3821/85; ou

                – manualmente, nos termos do nº 2 do artigo 16º do Regulamento (CEE) nº 3821/85.

                q) «Período de condução»: o período de condução acumulado a partir do momento em que o condutor começa a conduzir após um período de repouso ou uma pausa, até gozar um período de repouso ou uma pausa. O período de condução pode ser contínuo ou não”.

            Se atentarmos na disposição do artigo 7º do Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e Conselho de 15 de março de 2006, verificaremos que, do elenco de definições ora transcrito, o legislador comunitário adotou apenas três: período de condução, pausa e repouso.

            Na interpretação da norma, não poderemos deixar de considerar o afastamento das noções de tempo de condução e de outro trabalho, ou seja, a conformação do sentido da norma, de acordo com os dados do problema tal como foram lançados pela arguida, deverá ser alcançada na conjugação dos três vetores aplicáveis (período de condução, pausa e repouso) com um quarto vetor

(não aplicação dos restantes fatores).

            De acordo com o artigo 7º, após um período de condução de 4.30 horas, o motorista terá de gozar um período de pausa ou um período repouso.

            Uma primeira nota para afirmar que não está em causa a noção de tempo de condução, que corresponde ao tempo de condução registado manualmente ou, como é mais comum, mediante o tacógrafo.

            Haverá assim que considerar unicamente a noção de período de condução.

            Ora, o período de condução corresponde ao tempo acumulado a partir do momento em que o condutor começa a conduzir após um período de repouso ou uma pausa, até gozar um período de repouso ou uma pausa.

            Note-se que, como referimos, a norma não utiliza o conceito de outro trabalho, de modo que os fatores que balizam o período de condução são apenas os períodos de repouso ou de pausa que antecedem e se seguem ao período de condução.

           

            Os períodos de pausa e de repouso são períodos de tempo em que o condutor não pode efetuar nenhum trabalho de condução ou outro e que é exclusivamente utilizado para recuperação, sendo que estes períodos se distinguem pelo facto de o período de repouso implicar a livre disponibilidade do tempo do condutor.

            Importa, contudo, notar que, para efeitos do artigo 7º do Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e Conselho de 15 de março de 2006, não é qualquer período de pausa ou de repouso que conta.

            Efetivamente, como ressalta do disposto no artigo 8º, nº 2, o período de repouso, para se considerar como tal deverá ter, pelo menos, 9 horas.

            Por sua vez, o artigo 7º considera relevantes apenas os períodos de pausa de 45 minutos ou de 15+30 minutos.

            Isto significa que, pequenos períodos de pausa, vistos como momentos em que o condutor não está a exercer a condução ou outro trabalho, se não atingirem a duração mínima de 15 minutos, não serão considerados relevantes.

            Daí que se compreenda que, nos termos do artigo 4º, alínea q), se estabeleça que o período de condução pode ser contínuo ou não, ou seja, o período de condução não tem de ser ininterrupto (razão pela qual pode não ser contínuo).

            Assim, se cada uma das interrupções perfizer, pelo menos, 45 minutos, iniciar-se-á a contagem de novo período de condução. Pelo contrário, se o condutor fizer duas interrupções, uma de 15 minutos e outra de 30 minutos, o novo período de condução iniciar-se-á decorridas que estejam 5.15 horas desde o momento em que o condutor iniciou a condução. Em qualquer caso, as interrupções por períodos inferiores serão irrelevantes.

            Do que se expôs se conclui que o período de condução previsto no artigo 7º do Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e Conselho de 15 de março de 2006, não se identifica com o conceito de condução efetiva, vista enquanto o exercício de uma atividade em que o condutor se encontra ao volante do veículo, ainda que se encontre parado, antes abarcando os períodos correspondentes às interrupções no ato de condução que sejam inferiores a 15 minutos.

            Verificando-se que o período de condução se iniciou às 5.30 horas, não tendo o motorista efetuado uma pausa de 30 minutos, efetuando apenas uma de 15 minutos e outra em tempo inferior àquele, até ao momento em que iniciou uma pausa superior a 45 minutos, o que sucedeu às 11.05 horas, alcançámos um período de condução de 5.35 horas, mostrando-se, por isso, verificada a infração.»

           

           

            Desde já se adianta que nenhuma censura nos merece a decisão recorrida na interpretação que fez do conceito de “período de condução” previsto no artigo 7º do Regulamento (CE) nº 561/2006.

            Efetivamente, de harmonia com o preceituado no artigo 1º do mencionado Regulamento, este diploma estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros, visando harmonizar as condições de concorrência entre modos de transporte terrestre, especialmente no sector rodoviário, e melhorar as condições de trabalho e a segurança rodoviária, pretendendo, ainda, promover uma melhoria das práticas de controlo e aplicação da lei pelos Estados-Membros e das práticas laborais no sector dos transportes rodoviários.

            No artigo 4º do diploma elencam-se vários conceitos utilizados no regulamento, indicando-se o significado e sentido em que os mesmos foram utilizados.

            Por sua vez, o artigo 7º do diploma, estipula:

            «Após um período de condução de 4 horas e meia, o condutor gozará de uma pausa ininterrupta de pelo menos 45 minutos, a não ser que goze um período de repouso.

            Esta pausa pode ser substituída por uma pausa de pelo menos 15 minutos seguida de uma pausa de pelo menos 30 minutos repartidos pelo período de modo a dar cumprimento ao disposto no primeiro parágrafo.»

            A recorrente sustenta que a noção de “período de condução” contemplada no normativo corresponde ao período de condução efetiva.

            O supra mencionado artigo 4º, na sua alínea q), define “período de condução” como “o período de condução acumulada a partir do momento em que o condutor começa a conduzir após um período de repouso ou uma pausa, até gozar um período de repouso ou uma pausa. O período de condução pode ser contínuo ou não.”

            Como muito bem interpretou o tribunal a quo, a noção de período de condução contemplada no artigo 7º do Regulamento vai para além do período de condução efetiva, abrangendo paragens que não constituam pausas ou períodos de repouso, nos termos definidos neste diploma legal.

            A noção de período de condução está para além da noção de “tempo de condução”, a que se reporta a alínea j) do mencionado artigo 4º, correspondendo, este sim, ao tempo de condução efetiva, registado em aparelho de controlo próprio.

            Posto isto e considerando que na sentença recorrida se deu como provado que no dia 11 de setembro de 2012, o motorista da recorrente conduziu das 5.30 horas às 6.05 horas, das 6.30 horas às 7.25 horas, das 7.35 horas às 8.05 horas, das 8.10 horas às 8.45 horas, das 9.05 horas às 10 horas, e das 10.10 horas às 11.05 horas, bem andou o tribunal de 1ª instância ao concluir que se alcançou um

período de condução de 5.35 horas, sem que tenha sido feita uma pausa de pelo menos 45 minutos ou uma pausa de 15 minutos seguida de uma pausa de 45 minutos.

            Concluindo, nenhuma censura nos merece a sentença recorrida, pelo que há que julgar o recurso improcedente.

*

VI. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso improcedente, e consequentemente, confirmam a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.

Coimbra, 5 de novembro de 2015

 (Paula do Paço)

 (Ramalho Pinto)