Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
8300/17.4T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA.
NULIDADE DE DECISÃO DE AUTORIDADE ADMINISTRATIVA.
PRESTAÇÃO EFETIVA DE TRABALHO: OBSTÁCULOS COLOCADOS PELA ENTIDADE PATRONAL.
CONTRA ORDENAÇÃO.
Data do Acordão: 07/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – TRIBUNAL DO TRBALHO DE COIMBRA – JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE CONTRA ORDENAÇÃO - SECÇÃO SOCIAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: RGCO (DL Nº 433/82, DE 27/19); RPCL (LEI Nº 107/2009, DE 14/09); ARTº 379º, Nº 1 DO CPP; ARTºS 129º, Nº 1, AL. A), E 394º, Nº 2, AL. B), AMBOS DO CT; ARTº 155º, Nº 1 DA NLAT.
Sumário:
I – Quer o RPCL (aprovado pela Lei nº 107/2009, de 14/09), quer o subsidiariamente aplicável RGCO (aprovado pelo DL nº 433/82, de 27/10, com as alterações que subsequentemente lhe foram introduzidas), não prevêem regras sobre o regime das nulidades dos actos e, particularmente, sobre a decisão proferida pela autoridade administrativa.
II – Assim, haverá que atender, com as necessárias adaptações, ao regime consignado no CPP (artº 41º, nº 1 do RGCO).
III – A lei processual penal diz-nos que a sentença é nula quando não contiver as menções a que alude no nº 1 do artº 379º do CPP, no caso das contraordenações as menções referidas no artº 25º (decisão condenatória) da Lei nº 107/09.
IV – Mas uma decisão será ainda nula quando a entidade administativa deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar – al. c) do nº 1 do artº 379º do CPP.
V – O artº 129º, nº 1, al. a) do CT consagra o dever segundo o qual é proibido ao empregador obstar injustificadamente à prestação efetiva de trabalho, dever este que a doutrina e a jurisprudência desde há muito aceitam como fazendo parte de um princípio geral aplicável no domínio das relações labotais.
VI – Sabendo-se que a colaboração creditória assume particular relevo na contratação laboral, torna-se mister que o empregador disponibilize as condições materiais e organizativas bastantes para que o trabalhador exercite, em termos adequados, a sua prestação laboral.
Decisão Texto Integral:

Tribunal da Relação de Coimbra
Secção Social
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telef: 239852950 Fax: 239838985 Mail: coimbra.tr@tribunais.org.pt



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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I.- “A…”, com sede na (…), veio interpor o presente recurso de contra-ordenação, impugnando a decisão da AUTORIDADE PARA AS CONDIÇÕES DO TRABALHOCentro Local do Mondego, que lhe aplicou a coima no montante de 25.000,00 €, por violação ao disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 129.º do CT, punível como contra-ordenação muito grave pelo n.º 2 do citado art. 129.º, e art. 554.º n.º 4, al. e) do CT, agravada pela reincidência nos termos do art. 561.º do CT.
Inconformada com tal decisão, a arguida interpôs recurso de impugnação judicial tendo o Juiz 2º do Juízo do Trabalho do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra julgado parcialmente procedente o recurso, mantendo a condenação da arguida/recorrente mas reduzindo a coima à quantia de € 20.000 – vinte mil euros.
***
II - É desta decisão que, inconformada, a arguida, interpõe agora recurso para esta Relação, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões:
(…)
+
Contra alegou o MºPº, rematando as suas alegações com a seguinte síntese conclusiva:
(…)
+
Nesta Relação o Exmº PGA pronunciou-se também pela improcedência do recurso.
+
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
***
III- Como é sabido, em matéria contra-ordenacional, o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito (artigo 75° n° 1 do DL n° 433/82, de 27/11).
Assim, a matéria de facto a considerar é a que foi fixada pela 1ª instância e que é a seguinte:
(…)
****
IV- É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, sem prejuízo do conhecimento oficioso das questões que a lei imponha.
As questões a decidir podem equacionar-se do seguinte modo:
1. Se a decisão administrativa é nula, por violar as regras atinentes ao cúmulo jurídico da pena a aplicar à Recorrente, com devolução dos autos à ACT para realização de tal cúmulo jurídico
2. Se a recorrente cometeu a infracção por cuja prática veio a ser condenada.
3. Em caso afirmativo se a coima se encontra bem doseada.

Da nulidade da decisão administrativa:
Nas conclusões 21) a 25) vem a recorrer arguir a nulidade da decisão administrativa.
Entende que na decisão a tomar no âmbito deste processo contraordenacional, teria a Autoridade Administrativa de verificar a existência de outros processos existentes, tanto no Centro Local do Mondego da ACT como em todo o território nacional, com vista à aplicação de coima única, dentro dos limites legalmente previstos.
O tribunal a quo, dizendo não desconhecer o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 21.01.2016, in www.dgsi.pt Que entendeu ser de aplicar uma coima única nas situações de concurso, independentemente da área geográfica da entidade com competência para o procedimento., entendeu não ocorrer qualquer nulidade na medida em que a entidade administrativa não estava obrigada a efectuar o cúmulo jurídico com a aplicação de uma pena única das coimas eventualmente em concurso.
Para o efeito, e de forma sintética, alinhou a seguinte argumentação:
- O art. 4.º n.º 1 da Lei n.º 107/2009, de 14/09, (Competência territorial) fixa a competência territorial das delegações da Autoridade para as Condições do Trabalho para o processamento das contra-ordenações laborais, inexistindo em tal diploma legal quaisquer normas que estabeleçam a competência por conexão ou a extensão da competência dos centros locais da ACT, de conteúdo semelhante aos arts. 36.º e 37.º do RGCO.
- Não são de aplicar subsidiariamente tais disposições legais aos centros locais da ACT ex vi art. 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14/09, porquanto estes centros locais nos termos do art. 4.º al. a) do RPCOLSS, atuam com deslocalização dos seus centros decisores, sendo que o único registo informativo de que os centros locais da ACT dispõem durante a instrução e decisão dos seus processos contra-ordenacionais é o Registo Individual de Infractores, vulgarmente denominado RNI, nos termos do art. 565.º n.º 1 do CT.
- No que se refere aos elementos informativos relativos aos processos pendentes contra a arguida, a ACT apenas possui o registo dos processos findos, mais propriamente o Registo Individual de Infractores (RNI), não dispondo de informação centralizada relativa aos processos pendentes contra cada um dos infractores, e que de acordo com o disposto no art. 4.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, cada serviço desconcentrado apenas é territorialmente competente para os procedimentos contra-ordenacionais relativos a infracções praticadas na respectiva área geográfica de actuação.
- caso se perfilhe o entendimento de que, cada centro local da ACT tem competência para realizar cúmulos jurídicos a nível nacional, tal traduzir -se-ia na vinculação de uma obrigação para cujo cumprimento o legislador não cuidou de conferir-lhe os meios necessários (sendo tarefa árdua e espinhosa configurar tal modus operandi mediante o recurso supletivo das normas de extensão dos arts. 36.º e 37.º do RGCOC), tornando praticamente inoperante, em suma, a actividade inspectiva/sancionatória nos processos atinentes a arguidos relativamente aos quais corre a nível nacional um elevado número de infracções.
- Como as coimas que se encontram inscritas no registo nacional de infractores (RNI) da arguida, se reportam a decisões definitivas referentes aos processos findos, a ser efetuado o cúmulo jurídico das coimas o mesmo teria de ser feito mediante o recurso ao disposto no art. 78.º n.º 1 do Cód. Penal, no qual sob a epígrafe (Conhecimento superveniente do concurso), sendo que segundo Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações”, pág. 90.º, “O conhecimento superveniente do concurso de contra-ordenações rege-se por uma regra distinta da vigente no CP, por força de disposição expressa do RGCO. A aplicação do art. 78.º do CP no âmbito do processo contra-ordenacional implicaria a reabertura do processo em qualquer momento ulterior para reapreciação do facto como contra-ordenação, o que a lei veda expressamente nos artigos 54.º n.º 2 e 79.º n.º 1 do RGCO (…). Portanto, há concurso entre contra-ordenações que ocorram antes da definitividade da decisão administrativa de qualquer uma delas, mas não há concurso entre as contra-ordenações que sejam conhecidas depois da definitividade de uma delas”.
Sem prejuízo da apreciação que a 1ª instância fez sobre o tema, em complemento, apraz-nos ainda dizer que, quer o RPCL (aprovado pela Lei 107/2009 de 14/09), quer o subsidiariamente Artº 60º da L. 107/09. aplicável RGCO (aprovado pelo DL 433/82 de 27/10, com as alterações que subsequentemente lhe foram introduzidas), não prevêem regras sobre o regime das nulidades dos actos e, particularmente, sobre a decisão proferida pela autoridade administrativa
Assim haverá que atender, com as necessárias adaptações, ao regime consignado no CPP (artº 41º nº 1 do RGCO).
A lei processual penal diz-nos que a sentença é nula quando não contiver as menções a que alude no al. do nº 1 do artº 379º do CPP, no caso das contraordenações, as menções referidas no artº 25º (“decisão condenatória”) da Lei 107/09.
Ora, a decisão administrativa deu integral cumprimento ao preceituado neste último normativo.
Mas a decisão será ainda nula quando a entidade administrativa deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar – al. c) do nº 1 do artº 379º do CPP.
A propósito desta nulidade, comummente designada como omissão de pronúncia lê-se na Obra “Contra Ordenações, Anotações ao Regime Geral” de Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, 3ª edição, p. 389 que “esta nulidade (…) ocorre apenas quando se verifica violação do dever processual que o tribunal (…) a autoridade administrativa tem em relação às partes, de se pronunciar sobre as questões por elas suscitadas.
A obrigação relativa ao conhecimento de questões é corolário de um dever das partes de suscitarem as questões que as partes querem ver decidas.
Assim, embora o tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes, a omissão de tal dever não constituirá nulidade, mas sim um erro de julgamento.
Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso significará que se entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa.
Se esta for errada, haverá erro de julgamento Negrito nosso..
Na defesa que a ora recorrente apresentou na fase administrativa (fls 103 a 107 do suporte do processo em papel) nada disse ou requereu relativamente a realização do cúmulo jurídico pelo que no entendimento perfilhado na obra citada o que poderia ter acontecido era um erro de julgamento mas nunca a nulidade da decisão da ACT.
Por isso, ainda que não se perfilhasse o decido pelo tribunal recorrido que, todavia, se perfilha, sempre a decisão administrativa não padeceria do vício da nulidade por não ter conhecido das demais coimas aplicadas com aplicação de uma coima única.

2. Da prática da infracção:
A recorrente foi condenada por se ter considerado que infringiu o disposto no artigo artº 129º nº 1 al. a) do CT no qual se consagra o dever segundo o qual é proibido ao empregador obstar injustificadamente à prestação efectiva de trabalho, dever este que a doutrina e jurisprudência desde há muito aceitavam como fazendo parte de um princípio geral aplicável no domínio das relações laborais.
Sabendo-se que a colaboração creditória assume particular relevo na contratação laboral, torna-se mister que o empregador disponibilize as condições materiais e organizativas bastantes para que o trabalhador exercite, em termos adequados, a sua prestação laboral.
Uma prestação eficaz não reverte apenas em benefício da entidade patronal: ao trabalhador também assiste o direito de implementar a sua realização pessoal e a sua formação profissional.
A actual visão do “trabalho” já ultrapassou, há muito, os paradigmas da “fonte de rendimento” e dos “meios de subsistência”, para ser reconhecido como uma forma de dignificação social do trabalhador.
Deste modo, facilmente se percebe que os obstáculos, propositadamente criados ao exercício da prestação laboral, sejam havidos como factores de inaceitável perturbação daqueles princípios.
O direito do trabalhador à ocupação efectiva é tão relevante que a lei confere ao seu titular a faculdade de exigir do empregador a atribuição das tarefas contratadas – ou de outras equivalentes, para as quais tenha a necessária aptidão – recorrendo, para isso, à figura da sanção pecuniária compulsória (art.º 829ºA do Código Civil).
A par disso, também lhe confere o direito a ser ressarcido dos prejuízos decorrentes da inactividade e, bem assim, de resolver o contrato com justa causa, por violação de uma das suas garantias legais – art.º 394º nº2 al. b) do Código do Trabalho.
Segundo Pedro Romano Martinez e outros in Código do Trabalho -Anotado 2009 -:- 8ª edição (pág. 364, anotações ao artigo 129º); “… na medida em que se afirma que o empregador não pode obstar injustificadamente à prestação efectiva de trabalho, não deixa de ser indispensável o recurso à boa-fé para efeitos de apuramento e concretização daquele conceito indeterminado.
(…) importa apurar, caso a caso, se a não atribuição ao trabalhador de uma ocupação efectiva é ou não, à luz da boa-fé, justificável, o mesmo é dizer, se estamos perante uma situação em que a não atribuição de uma ocupação tem em vista causar prejuízos ao trabalhador ou pressioná-lo em termos inaceitáveis, ou se, pelo contrário/ ela se justifica por resultar de um facto não imputável ao empregador".
Também o Prof. Júlio Vieira Gomes, inDireito do Trabalho - Relações Individuais de Trabalho”, Vol. I, 2007, p 560.º escreve que “o dever de ocupação efectiva representa um dos múltiplos afloramentos da necessidade de que o contrato de trabalho seja executado de boa-fé, também pelo empregador, de onde resulta o imperativo de considerar a prestação de trabalho de modo diferente do de qualquer mercadoria”.
Tendo de se considerar que, como salienta o Professor Bernardo Xavier, também citado pela recorrente que “a conduta do empregador em manter um trabalhador inactivo, mesmo pagando-lhe o ordenado, será de censurar quando constituir quebra do dever de boa-fé ou constitua um abuso de direito.”.
Segundo a decisão impugnada, na situação trazida a juízo, com arrimo na factualidade dada como provada, “impõe-se concluir que a arguida retirou, desde 28 de Novembro de 2016, até ao dia 27 de Fevereiro de 2017, toda e qualquer actividade ao trabalhador B…, correspondente ao núcleo de funções do técnico especialista nível V, que sempre desempenhou até Novembro de 2016, ou qualquer outra, não lhe tendo sido atribuídas quaisquer tarefas ou funções ou permitido o desempenho de qualquer actividade, sem justificação alguma, estando o trabalhador afastado do contado directo das actividades da empresa (desde logo, as de índole técnica), passando grande parte do tempo sozinho naquela sala, isolado física e socialmente.
Sendo que, a partir de 27 de Fevereiro de 2017, tal trabalhador foi transferido para a área de manutenção de viaturas, passando, mesmo assim, grande parte do seu tempo sem fazer nada – (vide, o facto provado em 44)).
As fichas de aptidão do trabalhador, desde logo, a última realizada em 30.01.2017, constam como limitação e recomendação do médico do trabalho, que o B… não deve trabalhar em espaços fechados; não pode estar sujeito a elevado stress; não pode subir a escadotes de madeira; não pode subir a postes de madeira com estribos, e não pode trabalhar em altura.
Ou seja, o que essas fichas de aptidão revelam é que o trabalhador está apto (condicionalmente) para o exercício das suas funções, ressalvando apenas condicionalismos que não interferem com o núcleo das funções.
E, por isso mesmo, não estando danificadas o núcleo das funções, é legítimo antever não ser exigível que o trabalhador em causa necessitasse de ver reconvertido o seu posto de trabalho, esvaziando na totalidade as funções de índole técnica (para as quais tinha a respectiva habilitação de técnico qualificado, e sucessivas formações ministradas), para aceitar exercer funções de back office de call center e de Portaria.
A arguida não o ocupou em funções compatíveis com a resultante das fichas de aptidão, sendo possível a realização de trabalhos de reparação de avarias no exterior, desde logo, mediante a utilização de uma equipa mista (equipa esta composta por um elemento apto a efectuar os trabalhos em altura, se necessários, face às condicionantes físicas que afectam o B…)
Neste conspecto, a arguida ao manter o trabalhador inactivo sem a atribuição de funções que lhe são próprias, viola sem qualquer justificação atendível o aludido princípio de boa-fé.
Não sendo de olvidar ou de escamotear que, a questão da ocupação efectiva não se reduz à tutela do trabalhador perante condutas do empregador que visam humilha-lo e diminuir a estima social de que goza, designadamente junto dos colegas, transmitindo a ideia de que ele ou ela é tão inútil que o empregador prefere pagar-lhe para nada fazer (embora este aspecto seja muito importante, podendo ser enquadrado na figura do mobbing/assédio moral), mas abrange o reconhecimento de que o trabalho é uma extensão e uma manifestação da personalidade e uma forma de realização individual.
Aliás, a situação em que aquele trabalhador se encontra começou a ter reflexos no seu próprio bem-estar físico e psíquico (o que se compreende, considerando tudo o que acima se explanou, acerca do respeito que a personalidade do trabalhador exige, reflexo inequívoco da dignidade da pessoa humana).
Por último, defende-se a arguida com a argumentação seguinte: Não houve, também, um correto enquadramento dos factos dados por provados, tendo sido desvalorizados os diversos acidentes de trabalho sofridos pelo trabalhador em causa que são amplamente mencionados e respetivos impatos para o desenvolvimento da sua actividade profissional, e respetivas consequências nas tentativas de alocação do trabalhador em causa.
Esta linha de defesa colide, no entanto, com o paradigma erigido no Capítulo IV (reabilitação e reintegração profissional (sublinhado nosso)) da Lei n.º 98/2009, de 04/09 (arts. 154.º e sgs.) – Lei de Acidentes de Trabalho.
Preceitua o art. 155.º n.º 1 da NLAT: “O empregador é obrigado a ocupar o trabalhador que, ao seu serviço, ainda que a título de contrato a termo, sofreu acidente de trabalho ou contraiu doença profissional de que tenha resultado qualquer das incapacidades previstas no artigo anterior, em funções e condições de trabalho compatíveis com o respectivo estado, nos termos previstos na presente lei”. n.º 2: “Ao trabalhador referido no número anterior é assegurada, pelo empregador, a formação profissional, a adaptação do posto de trabalho, o trabalho a tempo parcial e a licença para formação ou novo emprego, nos termos previstos na presente lei”.
Ou seja, deste normativo legal deriva uma actuação pró activa por parte da empregadora em assegurar ao trabalhador a ocupação e função compatível com o respectivo estado e a respectiva capacidade residual (desconhece-se qual o grau de incapacidade permanente para o trabalho afecta aquele trabalhador, porém, das fichas de aptidão efetuadas pela medicina de trabalho este ainda se encontra apto com certas limitações), o que, manifestamente, não está a ser feito, no casoem apreço, aliás, mesmo na área de manutenção das viaturas pouco serviço lhe está a ser atribuído.
Deflui de todo o acima exposto, subscrevermos a avaliação feita pela ACT no sentido de no caso concreto relativamente ao trabalhador B…, encontrar-se violado por parte da arguida o dever de ocupação efectiva.
Desta forma, a arguida/impugnante é a responsável pela prática da infração, a título de negligência (a mesma não actuou com o cuidado com a diligência devida e de que era capaz), não se tendo verificado in casu qualquer causa de exclusão da culpa e/ou da ilicitude por parte da empregadora.
Com efeito, constituindo o dolo (concepção tradicional) um agir humano que reflecte dois elementos, um intelectual, que se consubstancia no conhecimento material dos elementos e circunstâncias do facto típico e o conhecimento do seu sentido ou significação, o outro volitivo ou emocional, que se traduz, grosso modo, na vontade de realizar daquele, bem se vê que, no caso em apreço, tal não acontece (inexiste factualidade bastante para tal) e, de resto, a própria autoridade administrativa não lhe assaca a conduta a título doloso.
Pelo que, mostrando-se excluída a conduta dolosa, fica ressalvada a punibilidade da negligência (art. 8.º n.º 2 e 3 do RGCC) e, o certo é que, nos termos do art. 550.º do Código do Trabalho de 2009, a negligência nas contra-ordenações laborais é sempre punível”.
Contra este enquadramento, argumenta a recorrente:
- que a situação de inactividade do trabalhador não lhe pode ser imputável, nem sequer a título de negligência.
- que inexistem factos que preencham o tipo subjectivo da contraordenação sub judice.
- que muito pelo contrário – como resulta do facto provado em 15), após regresso de baixa médica, devido ao 11º acidente de trabalho sofrido pelo trabalhador, a recorrente propôs-lhe duas novas funções: “call center” e na portaria; propostas essas que foram recusadas pelo trabalhador.
- que desde Novembro de 2016 que a recorrente tentou encontrar ocupação efectiva para o trabalhador, compatível com as suas limitações físicas advindas dos vários acidentes de trabalho sofridos.
- O que veio a conseguir em Fevereiro de 2017, encontrando-se desde então o trabalhador alocado à área de manutenção de viaturas desde 27/02/2017.
- que o trabalhador só esteve 2 meses sem funções e por ter recusado as propostas que lhe foram apresentadas.
- que não existem evidências de que o comportamento da recorrente tenha representado uma violação grave e grosseira dos direitos do trabalhador ou seja consubstanciadora de má fé do empregador.
- que a violação do dever de ocupação efectiva é apenas aparente, uma vez que ao direito de valorização e dignificação profissional dos trabalhadores, que poderá encontrar respaldo na al b) do nº 1 do artº 59º da CRP, se contrapõe o princípio da liberdade da iniciativa económica das empresas, também esse consagrado constitucionalmente no artº 61º, nº 1 da CRP.
- que a boa fé da empregadora resulta dos factos dados como provados em 9), 10),14), 15), 29), 30), 40), 44) e 45).
Embora respeitando os argumentos da recorrente, entendemos que não lhe assiste razão porquanto, e desde logo, em face da materialidade assente não se pode concluir que a situação de inactividade em que o trabalhador foi colocado se ficasse a dever a uma situação passageira ou transitória e ainda não estabilizada.
Na verdade, resulta dos factos provados que a arguida desde Novembro de 2016 e até 27 de Fevereiro de 2017 retirou toda e qualquer actividade ao trabalhador B…, actividade essa que fosse correspondente ao núcleo essencial das funções de técnico especialista nível V O núcleo funcional da actividade desenvolvida pelo trabalhador, por referência ao descrito no Anexo II do Acordo Colectivo de Trabalho celebrado entre a arguida e outras e o Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Telecomunicações e Audiovisual - SINTTAV e outros – revisão global, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego n.º 41, de 08-11-2016, é descrito na área funcional “Operações”, do seguinte modo: “garantir o apoio no cumprimento dos objectivos do negócio da empresa, através da implementação e manutenção de serviços e sistemas de informação e comunicações, bem como através da gestão de soluções para clientes”, tendo o técnico especialista como conteúdo funcional “desenvolver actividades orientadas para o diagnóstico, análise, operacionalização, integrando conhecimentos técnicos e procedimentos que impliquem elevada especialização nas várias áreas e domínios de actuação”., ou qualquer outra, passando grande parte do tempo sozinho e isolado numa sala apenas com um computador.
E, conforme se refere nas contra alegações, mesmo a partir de 27 de Fevereiro de 2017 foi transferido para a área de manutenção de viaturas, onde passa grande parte do tempo sem fazer nada (facto 44) e com funções que se afastam do núcleo essencial das tarefas inerentes à sua categoria profissional de técnico especialista nível V.
Por outro lado, também secundamos a opinião de que as limitações constantes das fichas de aptidão juntas aos autos e que se alude no facto 29) não interferem com o núcleo essencial das funções deste trabalhador que foram esvaziadas pela arguida, podendo a arguida manter o trabalhador naquelas funções – não obstante as limitações deste decorrentes das fichas de aptidão médica (não trabalhar em espaços fechados e não subir em altura ) – bastando para isso, como aponta a decisão recorrida, constituir equipas mistas, onde um seu colega subisse em altura quando tal fosse necessário.
Há ainda a não menosprezar o facto das limitações físicas do trabalhador terem resultado de acidentes de trabalho, obrigando o empregador, nos termos da LAT, a ocupar o trabalhador em funções e condições de trabalho compatíveis com o respectivo estado, devendo assegurar-lhe a formação profissional, a adaptação do posto de trabalho, o trabalho a tempo parcial e a licença para formação ou novo emprego.
Assim, entendemos também que não era exigível ao trabalhador que aceitasse as propostas que a empregadora lhe fez para trabalhar em funções de back office de call center e de Portaria.
Acresce que os factos revelam ainda o propósito da recorrente em querer terminar a relação laboral que mantinha com o autor, o que se manifestou logo em 2007 e, posteriormente, em 2016 (cfr. factos 8, 18 e 38).
Ou seja, tudo conjugado, porque o núcleo das funções do trabalhador não foi afectado pelas suas limitações de saúde, tinha a arguida a obrigação legal de lhe atribuir funções, atento o direito à ocupação efectiva deste, o que aquela não fez, pelo que se conclui que, injustificadamente, violou o dever de ocupação efectiva que estava obrigada a observar.
Estão, no caso, verificados todos os elementos quer objectivos quer subjectivos da infracção
Na verdade, no que respeita a estes últimos elementos, podemos concluir que ao não proporcionar, injustificadamente, ao seu trabalhador uma ocupação efectiva, essa omissão é passível de um juízo de censura, ainda que não ético-penal.
A negligência define-se como a inobservância do dever objectivo de cuidado imposto por lei e, traduz-se num comportamento (por omissão).
Assim, impondo a lei determinada conduta e provando-se que um agente não a adoptou, verifica-se, desde logo, a contra-ordenação imputável a título de negligência. Na verdade, a culpa nas contra-ordenações não se baseia em qualquer censura ético-penal, mas tão só na violação de certo procedimento imposto ao agente, bastando-se por isso com a imputação do facto ao agente, sendo certo que, nos termos do art. 550.º do CT2009, a negligência nas contra-ordenações laborais é sempre punível.
Como se escreveu no recente acórdão desta Relação de 15.06.2018, procº 1208/17.5T8LMG.C1 “a verificação objectiva da conduta que integra a descrição típica do ilícito contra-ordenacional permite concluir, por presunção natural, judicial ou de experiência que o agente agiu, por acção ou por omissão, pelo menos, negligentemente, tudo sem prejuízo da possibilidade de demonstração, designadamente pelo agente, de que o mesmo agiu sem culpa” e que “essa presunção mínima e ilidível de negligência não viola a presunção de inocência”.

Do montante da coima:
O tribunal recorrido fixou a coima em € 20.000 justificando esta sua decisão do seguinte modo:
O “ilícito é punido como contra-ordenação muito grave pelo n.º 2 do art. 129.º do citado diploma legal.
A que corresponde a moldura abstracta de 90 UC (9.180,00 €) a 300 UC (30.600,00 €) – cfr. art. 554.º n.º 4, al. e) do CT2009, agravada pela reincidência nos termos do art. 561.º n’s 1 e 2 do CT2009, situando-se a moldura abstracta em 120 UC’S (12.240,00 €) a 400 UC’S (40.800,00 €).
Procedendo-se à determinação da medida da coima, de acordo com os critérios taxados no art. 18.º do RGCC (Dec. Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro), ponderando a gravidade da contra-ordenação, a culpa, a situação económica da arguida, os benefícios económicos por esta retirados com a prática da infracção, afigura-se-nos, justo, adequado e proporcional fixar-se a coima no montante de 20.000,00 €”.
A recorrente argumenta que por não se ter alegado qualquer especial enquadramento fáctico ou de direito do qual resulte um juízo de especial intencionalidade da conduta da Recorrente, a coima aplicada afigura-se manifestamente desproporcionada, a aplicação à Recorrente de uma coima de € 20.000,00, cujo valor se situa muito próximo do máximo legal.
Decidindo:
O tribunal a quo entendeu que a recorrente era reincidente e, como tal, a puniu.
Nos termos do disposto no artigo 561.º do CT “1 - É sancionado como reincidente quem comete uma contra-ordenação grave praticada com dolo ou uma contra-ordenação muito grave, depois de ter sido condenado por outra contra-ordenação grave praticada com dolo ou contra-ordenação muito grave, se entre as duas infracções tiver decorrido um prazo não superior ao da prescrição da primeira.2 - Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo da coima são elevados em um terço do respectivo valor, não podendo esta ser inferior ao valor da coima aplicada pela contra-ordenação anterior desde que os limites mínimo e máximo desta não sejam superiores aos daquela”.
Para que haja reincidência torna-se necessário que a decisão anterior tenha transitado em julgado – artº 75º nº 1 do C. Penal e João Soares Ribeiro, Contra Ordenações Laborais, Regime Jurídico, 3ª edição, 2011 p.355.
Por outro lado, os factos susceptíveis de integrar o instituto da reincidência devem constar do elenco dos factos provados pelo que só estes factos podem valer para responsabilizar a arguida (Ac. desta Relação de 08/06/18, procº 4748/17.2T8VIS.C1).
Os factos susceptíveis de poderem fazer operar a reincidência constam dos nº 41) e 43) do elenco da materialidade provada.
A condenação proferida no processo do Tribunal de Coimbra (nº 3861/16.8T8CBR, de 15-07-2016, cuja decisão foi confirmada por esta Relação através do acórdão de 28.04.2017, relatado pelo ora também relator), não pode valer para efeitos de reincidência na medida em os factos dos presentes autos foram praticados anteriormente ao trânsito em jugado naquele processo.
Contudo a condenação proferida no processo Proc. n.º 155-14.7TTEVR.E1 (Reg. 131266) – cujo acórdão consta de fls.63 a 68 do suporte em papel – já releva para efeitos de reincidência.
Com efeito, neste processo a ora recorrente foi condenada pela prática de infracção muito grave – violação injustificada do dever de ocupação efectiva- sendo que, aquando da prática dos factos analisados nos presentes autos, já a decisão naquele processo havia transitado em julgado (prática de contra-ordenação muito grave em 09-01-2013, com data de condenação de 29-10-2015 e prescrição em 27-10-2020, confirmada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-06-2015, Proc. n.º 155-14.7TTEVR.E1).
Por isso, por efeito do disposto no nº 2 do artº 561º do CT a moldura da coima varia entre em 120 UC’S (12.240,00 €) e 400 UC’S (40.800,00 €).
Considerando a dimensão económica da recorrente, a gravidade da infracção (que se reputa elevada) o histórico infraccional que decorre do RNI de fls 64, consideramos perfeitamente equilibrado e ajustado a fixação da coima em aproximadamente metade do valor do seu limite superior (€ 20.000).
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V- Termos em que se delibera julgar o recurso totalmente improcedente com integral confirmação da sentença impugnada.
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Custas a cargo da recorrente com 5 Ucs de Taxa de justiça
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Coimbra, 10 de Julho de 2018
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(Joaquim José Felizardo Paiva)
(Jorge Manuel da Silva Loureiro)