Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
74/07.3TAMIR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: COMPETÊNCIA
TRIBUNAL CRIMINAL
ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Data do Acordão: 01/25/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE CANTANHEDE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 71º CPP, 6º E 7º DO RGIT
Sumário: 1.- A competência do tribunal criminal para conhecer do pedido cível conexo com a ação penal decorre da responsabilidade civil extracontratual do agente que cometa o facto ilícito e culposo.

2.- Tal pedido de indemnização deduzido pelo Instituto da Segurança Social com base nas condutas praticadas pelos arguidos integradoras do crime de abuso de confiança contra a segurança social, assenta na responsabilidade criminal emergente do incumprimento da obrigação legal tributária que sobre eles recaía — artºs 6º e 7º do Regime Geral das Infrações Tributárias.

3.- O arguido é assim demandado a título principal, tendo por base a autoria de um crime de que emerge uma conexa responsabilidade civil delitual, sendo o pedido baseado na obrigação de indemnizar pelos danos causados pela prática de facto ilícito e culposo, de acordo com o artº 483.º do Código Civil.

Decisão Texto Integral: Por sentença proferida nos autos supra identificados, decidiu o tribunal:

a) absolver os arguidos A... e a sociedade W..., Unipessoal, Ld.ª, da prática do crime de frustração de créditos, previsto e punido pelo artigo 88.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, por que vinham acusados;

b) condenar o arguido A... pela prática, como autor material, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelo artigo 107.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2001, de 05.06 (RGIT), com referência ao artigo 105.º do mesmo diploma legal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), o que perfaz a quantia global de € 2.000,00 (dois mil euros);

c) condenar a arguida W..., Unipessoal, Ld.ª, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelo artigo 105.º, n.º 1, ex vi 107.º, n.º 1, ambos do RGIT, na pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 20,00 (vinte euros), perfazendo o montante global de € 7.000,00 (sete mil euros);

d) (…)

e) julgar o pedido cível deduzido pela demandante totalmente procedente e, em consequência, condenar solidariamente os demandados civis a pagar àquela a quantia de 25.319,68€ (vinte e cinco mil, trezentos e dezanove euros, e sessenta e oito cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 1 % por mês e 12% ao ano, desde os respectivos vencimentos das prestações em dívida até efectivo e integral pagamento;

f) (…)

Inconformado com o decidido, o arguido A... interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição):
I
A contradição insanável existe quando, conforme entendimento generalizado, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou por contradição insanável entre os factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros, e a indicação e análise dos meios de prova, fundamentos da decisão do tribunal.
II
Por seu turno, o erro na apreciação da prova, não reside na mera desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a do próprio recorrente.
III
Erro notório existe, quando usando um processo natural e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou contraditório com um outro facto (positivo ou negativo) contido na decisão recorrida.
IV
Todavia, quer pelas declarações do próprio arguido em sede de audiência de discussão e julgamento, gravação de 19/01/2011 das 13h39 às 14h26, quer pela motivação de facto constante da Douta Decisão, resulta inequívoco que o não pagamento de contribuições à Segurança Social, deveu-se às dificuldades financeiras da sociedade arguida, nomeadamente por penhoras de créditos por parte da DGCI e pelo facto de ser indispensável o pagamento aos trabalhadores e fornecedores, sob pena de a empresa a ter de encerrar.
V
o que significa que não houve um propósito de engrandecimento do património da sociedade em detrimento das contribuições devidas à Segurança Social, mas sim uma tentativa de tentar resolver os problemas financeiros graves da empresa, com um esforço de tentar que a mesma não encena-se.
VI
No seguimento do exposto e conforme estipula o preceituado no artigo 24° da LGT, competia à segurança Social provar que, foi por culpa do gerente (de facto ou direito), que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação dos seus créditos, o que no caso dos autos não aconteceu.
VII
Pelo que não pode a mesma demandar o Recorrente, agora, a título principal, quando a sua responsabilidade, a existir, é subsidiária, nos termos do artigo 22° nº 3 da LGT, constituindo pressuposto desta responsabilidade subsidiária, ter sido ordenada a Reversão contra o Recorrente, o que no caso dos autos nunca aconteceu.
VIII
Problema este já levantado em sede de instrução e contestação, e que nunca foi apreciado, sendo o pedido cível formulado nos autos, inadmissível por falta de pressuposto legal, devendo o mesmo ser julgado improcedente, uma vez que a Reversão nunca operou e o Recorrente nunca teve oportunidade de se opor à mesma, nos termos legais, e invocar o beneficio da excussão prévia, conforme previsto no artigo 23° nº 2 da LGT.
IX
Sendo certo que o Recorrente apenas foi notificado do despacho de acusação a 13 de Janeiro de 2010, então há muito que o procedimento criminal por crime tributário está extinto por efeito da prescrição tendo em conta o prazo de quatro anos da caducidade previsto no artigo 45.° da LGT por inerência do artigo 21.° n.o 3 do RGIT.
X
E, tendo em conta que, contrariamente ao entendimento sufragado na Douta Decisão, entendermos não estarmos perante a figura de um crime continuado, mas perante, várias situações/actos consumadas de per si e que se esgotaram nessa mesma consumação, quer a exigibilidade da sua liquidação e pagamento, quer a sua recondução a uma prática criminosa, já prescreveu em relação à grande parte das contribuições em causa.
XI
Verdade é que, em bom rigor, a Segurança Social, atento ao disposto no nº 1 do artigo 106° do RGT, deveria ter promovido a instauração de processos de contra-ordenação contra a sociedade arguida e os respectivos processos de execução, atento ao valor em causa, que isoladamente nunca ultrapassam os €7.500,00, sendo certo, que também estas atento ao decurso do tempo, estariam prescritas.
XII
Pelo que o respectivo procedimento se encontra prescrito o que se invoca com todas as legais consequências.
XIII
Há por isso Erro na Apreciação da Prova, Interpretação e Aplicação do Direito.
XIV
Na sequência do nosso modesto raciocínio, consideramos que o Senhor Juiz a quo violou o artigo 24°, 22° nº 3, 23° nº 2,21° nº 3 da LGT, 106° do RGIT, 119° e do C.P.
XX
Termos em que nos Doutamente supridos e nos mais de Direito, devem Vossas Excelências julgar procedente o presente Recurso, e proferir Douto Acórdão que revogue a Douta Decisão, devendo ser proferido Douto Acórdão que absolva o arguido do crime e da indemnização em que foi condenado, ou se assim v.a Excias não o entenderem, declare improcedente o pedido de indemnização cível por inadmissível e falta de fundamento e pressuposto legal, assim se fazendo Justiça!!!

Respondeu o Ministério Público defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.

No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal o recorrente nada disse.

Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.

Cumpre conhecer do recurso

Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.

É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).

Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” a quer se refere o artº 379º, nº 1, alínea c., do Código de Processo Penal, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entende-se por “questões” a resolver, as concretas controvérsias centrais a dirimir[[1]].

Questões a decidir:

- erro na apreciação da prova

- Inadmissibilidade e improcedência do pedido de indemnização civil

- Integração jurídica dos factos e prescrição

Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade (transcrição):

i) Factos Provados
1) A “W..., Unipessoal, Ldª”, é uma sociedade comercial por quotas matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o nº …, e que tem por objecto social a prestação de serviços de terraplanagens, aluguer de máquinas e equipamentos, comércio de materiais de construção civil, materiais demolidos e areias, construção civil e obras públicas, comércio, importação e exportação de máquinas agrícolas e industriais;
2) A sociedade arguida encontra-se inscrita na Segurança Social com o n.º 2000346873;
3) A gerência de facto da sociedade W..., Unipessoal, Ld.ª, esteve desde sempre a cargo do arguido A..., o qual participava na administração da mesma, tomando a generalidade das decisões respeitantes à sua organização e funcionamento, bem como distribuição de tarefas pelos empregados;
4) Era o arguido A... que procedia aos pagamentos das remunerações dos empregados da sociedade W..., Unipessoal, Ld.ª;
5) Em Setembro de 2003, o arguido A... decidiu apoderar-se dos montantes descontadas nos salários dos trabalhadores relativos às contribuições devidas à Segurança Social, para assim as utilizar em proveito da sua empresa, como solução para os problemas de tesouraria;
6) Em concretização do referido propósito, a sociedade arguida deduziu ao valor das remunerações pagas aos trabalhadores as contribuições devidas à Segurança Social, à taxa de 11% sobre as remunerações base de incidência efectivamente pagas, nos montantes de:

- 3.138,00 € referentes a Setembro de 2003;

- 2.852,59 € referentes a Novembro de 2003;

- 2.546,67 € referentes a Dezembro de 2003;

- 2.120,63 € referentes a Janeiro de 2004;

- 2.573,61 € referentes a Fevereiro de 2004;

- 1.429,79 € referentes a Março de 2004;

- 1.578,44 € referentes a Abril de 2004;

- 1.739,76 € referentes a Maio de 2004;

- 1.331.98 € referentes a Junho de 2004;

- 1.019,46 € referentes a Julho de 2004;

- 680,43 € referentes a Setembro de 2004;

- 673,64 € referentes a Outubro de 2004;

- 1.068,39 € referentes a Novembro de 2004;

- 738,57 € referentes a Dezembro de 2004;

- 882,92 € referentes a Janeiro de 2005;

- 458,15 € referentes a Fevereiro de 2005;

- 403,38 € referentes a Março de 2005;

- 83,27 € referentes a Maio de 2005.
7) Apesar de ter entregue as declarações de remunerações mensais, o arguido não remeteu nem fez remeter à Segurança Social qualquer das cotizações retidas pela sociedade arguida, nem até ao dia 15 do mês seguinte nem nos 90 dias posteriores ao termo de tal prazo, nem até à presente data, apesar de terem sido notificados para proceder ao pagamento, nos dias 4 e 7 de Janeiro de 2008, nos termos e para os efeitos do disposto na al. a) do nº 4 do artigo 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias;
8) O arguido A..., agindo em representação e no interesse da sociedade ora arguida, apropriou-se do valor global de 25.319,68 €, montante que fez seu e usou em benefício daquela sociedade, integrando as disponibilidades financeiras provenientes daquelas prestações no normal giro da sociedade;
9) O arguido A... sabia que os montantes assim retidos eram pertença da Segurança Social e que a sociedade arguida os devia entregar até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitava, tendo, voluntariamente, omitido a sua entrega;
10) O arguido, no interesse e em representação da arguida sociedade, agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que se apropriava de montantes que não lhe pertenciam, referente a contribuições devidas à Segurança Social, a que estava legalmente obrigados a entregar ao Estado, actuando sempre com o propósito de engrandecer o património da sua empresa, à custa do não pagamento de quantias devidas ao Estado;
11) Estava perfeitamente ciente que o seu comportamento era previsto e punido por lei;
12) A sociedade arguida foi citada no dia 10 de Novembro para os processos executivos n.º 0601200401010743 e n.º 0601200401010794 de que se encontravam em dívida, respectivamente, nas quantias de 43.005,73 € e 20.426,12 €, acrescidas de juros de mora e custas processuais;
13) Aquando da sua citação foi a sociedade arguida advertida de que, caso não efectuasse o pagamento dos montantes em dívida dentro do prazo legal de pagamento, os respectivos processos seguiriam os seus normais trâmites, designadamente penhora de bens daquela sociedade;
14) A sociedade arguida actualmente encontra-se actualmente encerrada, não exercendo qualquer actividade;
15) Os arguidos foram notificados, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT, sem que tenham procedido a qualquer pagamento no prazo de 30 dias que lhes foi fixado;
16) O arguido A... tem o 4.º ano de escolaridade;
17) Não tem emprego fixo, vivendo de trabalhos ocasionais no sector da construção civil, pelos quais aufere, mensalmente, em média, cerca de 700,00 €;
18) O arguido vive em casa dos pais;
19) Não tem veículos próprios;
20) O arguido tem dois filhos menores, com 8 e 16 anos de idade, que residem com a mãe destes;
21) O arguido paga mensalmente, a título de pensão de alimentos a seus filhos menores, a quantia de 300,00 €;
22) Por factos praticados em 11.04.2003, foi o arguido A... condenado, por sentença já transitada em julgado, no processo comum singular n.º 17/03.3IDCBR, que correu termos pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, por um crime de fraude fiscal qualificada, na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, submetida à condição de pagar, em prazo, a quantia de 189.242,51€, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal.”

Quanto à factualidade não provada, consignou-se (transcrição):
“ii) Factos não provados
a) Que o arguido A... tenha decidido dissipar o património social da sociedade ora arguida, com o intuito de o colocar a salvo de penhora por parte da Segurança Social;
b) Que, agindo no interesse e representação da sociedade arguida, no dia 17 de Janeiro de 2005, o arguido tenha preenchido quatro requerimentos/declarações para registo de propriedade;
c) Que a sociedade tenha alienado a  …os veículos automóveis com as matrículas …;
d) Que a sociedade tenha alienado a  … o veículo automóvel com a matrícula …;
e) Que a sociedade tenha alienado à sociedade “ ….ª”, o veículo automóvel com a matrícula …;
f) Que o arguido tenha feito desaparecer os veículos automóveis referidos supra para local incerto;
g) Que o arguido tenha querido, desse modo, impedir a satisfação dos créditos da Segurança Social.
*
O tribunal não se pronuncia sobre a demais matéria alegada na pronúncia e no PIC, porquanto a mesma contém matéria conclusiva, de direito ou irrelevante para a decisão da causa.”

O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):
“iii) Motivação
A convicção do tribunal fundou-se na prova produzida em sede de audiência de discussão em julgamento, livremente apreciada de acordo com as regras da experiência e do normal acontecer.
Assim, e desde logo, o tribunal considerou a certidão de teor de registo comercial junta a fls. 75 a 78 dos autos, bem como a prova documental junta aos autos, designadamente, o teor do parecer elaborado pela Segurança Social junto a fls. 266 a 279 dos autos.
No mais, o tribunal baseou-se nas declarações da testemunha  … que desempenhou funções de armador de ferro na sociedade ora arguida, desde 2000 até 2006, e que revelou conhecimento directo dos factos, referindo que sempre reconheceu o arguido A... como seu patrão, sendo que era o mesmo quem procedia ao pagamento dos vencimentos e à contratação dos trabalhadores. Pela espontaneidade e sinceridade com que prestou declarações o tribunal deu credibilidade ao seu testemunho.
Tais declarações foram totalmente corroboradas pela testemunha … , montador e que trabalhou na sociedade arguida entre os anos de 2003 e 2005, tendo igualmente reconhecido o arguido como seu patrão, sendo ele quem procedia ao pagamento dos vencimentos dos trabalhadores, o que normalmente acontecia em dinheiro. O seu depoimento foi isento, sincero e espontâneo.
O mesmo foi ainda confirmado pelas declarações da testemunha … , ex-mulher do arguido A..., e que com ele trabalhava na sociedade ora arguida, tendo a mesma prestado declarações de modo sincero e espontâneo, tendo referido que o processamento dos vencimentos era função de uma empregada administrativa que, contudo, recebia ordens directamente do arguido A....
Por fim, o tribunal considerou ainda as declarações do próprio arguido, o qual confirmou desempenhar funções de gerência de facto na sociedade arguida, ficando a seu cargo a contratação de trabalhadores e a angariação de trabalho para a sociedade arguida.
Quanto às prestações em dívida à Segurança Social, seus montantes e meses a que respeitam, o tribunal considerou, desde logo, as declarações do próprio arguido, entendidas à luz das regras da experiência e do normal acontecer. Com efeito, pelo mesmo foi assumida a dívida à Segurança Social, referindo dificuldades financeiras da sociedade arguida e assumindo como prioridade o pagamento a trabalhadores e fornecedores, estando consciente da violação legal/penal que isso representava.
O tribunal considerou ainda as declarações das testemunhas … , jurista na Segurança Social e responsável pela instrução do inquérito que, por esse motivo, revelou conhecimento directo sobre os factos tendo prestado declarações de modo seguro e convincente, e de … , administrativa no núcleo distrital da Segurança Social de Coimbra, que procedeu à análise da conta-corrente da sociedade arguida, tendo verificado os seus débitos à Segurança Social e procedido à elaboração do respectivo mapa de dívida. Pela mesma foi confirmado encontrarem-se em dívidas as contribuições respeitantes aos meses de Setembro a Dezembro de 2003, de Janeiro a Julho e de Setembro a Dezembro de 2004, de Janeiro a Março e Maio de 2005, no montante total de 25.319,68 €, não tendo ainda a sociedade procedido ao seu pagamento.
Estas testemunhas prestaram declarações de modo seguro, sincero e espontâneo, sendo as suas declarações corroboradas pelo teor da prova documental junta aos autos, a saber, mapa de débitos de cotizações de fls. 109, notificações para pagamento voluntário de fls. 111 e 119, recibos de vencimentos de fls. 125 a 142 e 153 a 156 e extracto global das declarações de remunerações de fls. 160 a 269.
O Tribunal valorou ainda as cópias das notas de citação da sociedade arguida juntas a fls. 38 a 41 dos autos.
No que concerne à situação financeira da sociedade arguida e às condições sociais e económicas do arguido, o tribunal fez fé nas declarações do arguido, as quais foram devidamente corroboradas pelas declarações da testemunha … , sua ex-mulher.
Relativamente aos seus antecedentes criminais, o tribunal considerou o certificado de registo criminal junto a fls. 317 a 318 dos autos.
No que diz respeito aos factos não provados, os constantes das alíneas a) a g) resultaram absoluta da ausência de prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. Com efeito, e apesar de se encontrarem juntas aos autos cópias das declarações para registo de propriedade relativamente aos veículos em causa (cfr. fls. 51 a 62 dos autos), não resultou provado ter sido o arguido a proceder ao seu preenchimento, sendo que pelo mesmo foi tal facto peremptoriamente negado. No que diz respeitos às alegadas alienações a favor de … , não foi produzida qualquer prova nesse sentido. No que toca à alegada alienação a favor da sociedade “ …, Ld.ª”, pelo seu sócio gerente, a testemunha … , foi confirmado ter tido interesse no negócio relativo ao veículo com a matrícula … , mas que não chegou a concretizar tal negócio. O tribunal deu credibilidade às suas declarações porque prestadas de modo espontâneo e sincero.”


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Erro na apreciação da prova

O recorrente considera que da audiência de julgamento resultou uma factualidade diversa da que foi dada como provada.

Acontece porém, que tal discordância tem que ser manifestada segundo determinados parâmetros e estes não foram seguidos.

Vejamos:

Como é jurisprudência uniforme[[2]], a apreciação do recurso da matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo mas, apenas e tão só, um remédio jurídico que visa despistar e corrigir os erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente[[3]].

A este respeito, já dizia Cunha Rodrigues nas Jornadas de Direito Processual Penal do Centro de Estudos Judiciários (in O Novo Código de Processo Penal, págs. 386/387):
«O Código assume claramente os recursos como remédios jurídicos.
(…) os recursos incrustaram-se em muitos sistemas como meios de refinamento jurisprudencial. A ideia do “quem mais acerta ou (porque não?) o sentimento um tanto ou quanto supersticioso de que “às três é de vez” tornaram incompreendida a função dos recursos, em prejuízo da unidade dos tribunais como poder.
O novo Código toma claramente partido nesta questão. O julgamento em que é legítimo apostar como instrumento preferencial de uma correcta administração ad justiça é o da primeira instância.
(…)
Como remédios jurídicos, os recursos (salvo o caso do recurso de revisão que tem economia própria) não podem ser utilizados com o único objectivo de uma “melhor justiça”. O recorrente tem de indicar expressamente os vícios da decisão recorrida. A motivação do recurso consiste exactamente na indicação daqueles vícios que se traduzem em erros in procedendo ou in judicando.
(…)
Esta natureza dos recursos justifica, por outro lado, que se lhes aplique o princípio dispositivo e que se reconheça às partes um importante papel conformador (…) e a medida do conflito é determinada pelo pedido da impugnação.»

Apesar das diversas alterações ao Código de Processo Penal em matéria de recursos — Decreto-Lei nº 317/95, de 28 de Novembro, Lei nº 59/98, de 25 de Agosto e Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto —, esta explanação mantém plena actualidade, como explicam Simas Santos e Leal-Henriques em “Recursos em Processo Penal”, pág. 25, ou como se pode ler nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Novembro de 2006, de 15 de Fevereiro de 2007, de 30 de Abril de 2008 e de 12 de Novembro de 2009.    

Com efeito, atento o disposto nos art.ºs 410.º, n.º 2, 428.º e 431.º, a reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação apenas pode ser abordada por duas formas:
1) Através da aferição de vícios que decorram do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência (sem apoio de quaisquer outros elementos externos, ainda que constantes do processo[[4]]), e
2) Através da reavaliação da prova produzida[[5]].

Assim:

Embora o art.º 428.º nos diga que “as relações conhecem de facto e de direito”, exceptuando os casos abrangidos pelo n.º 2 do art.º 410.º, a modificabilidade da decisão de facto da l.ª instância só pode ter lugar quando se verifiquem os requisitos estabelecidos no art.º 431.º do mesmo diploma e que são:
a) se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base,
b) se a prova tiver sido impugnada, nos termos do art.º 412.º n.º 3 ou
c) se tiver havido renovação da prova.

Por sua vez, o referido n.º 3 do art.º 412.º impõe ao recorrente que impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o dever de especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas

Dispõe, ainda o n.º 4 que “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.

Temos assim que a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto é susceptível de modificação se tiver sido impugnada nos termos do art.º 412.º nº 3 e, se for o caso, com a especificidade do nº 4[[6]].

Ora, os passos a seguir quanto à prova gravada estão claramente descritos na norma e são de fácil apreensão.

Contudo, não raramente, os recorrentes atropelam tais comandos e veem defraudadas as suas expectativas.

Por isso, as alterações introduzidas no Código de Processo Penal pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto vieram clarificar determinados pontos da lei anterior que foram alvo de interpretações discrepantes.
É agora a lei muito mais clara ao impor ao recorrente que nas conclusões especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (e as concretas provas a renovar) e que, no que respeita às provas gravadas, tendo como referência o consignado na acta — quanto ao registo áudio ou vídeo das prova prestadas em audiência —, indique concretamente as passagens[[7]][[8]] em que se funda a impugnação pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de este entender que se justifica ouvir ou visualizar outras passagens relevantes (nºs 4 e 6 do art.º 412º[[9]][[10]].

A este respeito, diz-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010 que “os condicionamentos ou imposições a observar no caso de recurso de facto, referidos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412º constituem mera regulamentação, disciplina e adaptação aos objectivos do recurso, já que a Relação, como se referiu, não fará um segundo julgamento de facto, mas tão só o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento, que tenham sido referidos no recurso e às provas que imponham (e não apenas sugiram ou permitam outra) decisão diversa indicadas pelo recorrente, uma reapreciação restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e das razões de discordância.

Como referimos no acórdão de 05-12-2007, processo n.º 3406/07, «Esse imprescindível e indeclinável contributo do recorrente para a pedida reponderação da matéria de facto corresponde a um dever de colaboração por parte do recorrente e sua responsabilização na demarcação da vinculação temática deste segmento da impugnação, constituindo tais formalidades factores ou meios de segurança, quer para as partes quer para o tribunal».

O que está em causa é no fundo a delimitação objectiva do recurso, com a fundamentação da pretensão e o esclarecimento dos objectivos a que se propõe o recorrente, com um especial ónus a cargo do recorrente, impondo-se-lhe o dever de tomar posição clara nas conclusões sobre o que é objecto do recurso, especificando o que no âmbito factual pretende ver reponderado, assim como na hipótese de renovação deve especificar as provas que devem ser renovadas (alínea c) do n.º 3 do artigo 412.º).

Como se diz no acórdão de 08-03-2006, processo n.º 185/06-3ª “O ónus conexiona-se com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto”, e como se sintetiza nos acórdãos de 10-01-2007, processo n.º 3518/06-3ª e de 15-10-2008, processo n.º 2894/08-3ª “A delimitação precisa dos pontos de facto controvertidos constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso em matéria de facto e para a consequente possibilidade de intervenção do tribunal de recurso”- cfr. ainda acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-06-2005, processo n.º 1577/05-3ª; de 08-02-2006, processo n.º 2892/05- 3ª (no sentido de que não vale uma impugnação genérica); de 04-01-2007, processo n.º 4093/06-3ª; de 25-01-2007, processo n.º 4551/06-5ª; de 28-02-2007, processos n.ºs 4698/06 e 35/07, ambos da 3ª secção; de 16-05-2007, processo n.º 1395/07-3ª; de 04-07-2007, processo n.º 2304/07-3.ª.

Como se refere no acórdão de 27-01-2009, processo n.º 3978/08-3.ª, “O julgamento efectuado pela Relação é de via reduzida, de remédio para deficiências factuais circunscritas, confinadamente a pontos específicos, concretamente indicados, não valendo uma impugnação genérica, repousando em considerações mais ou menos alargadas ou simplesmente abrangentes da leitura pessoal, unilateralista e interessada que os sujeitos processuais fazem das provas e do resultado a que devam chegar.”

Ora, como diz Paulo Pinto de Albuquerque em “Comentário do Código de Processo Penal”, pág. 1135, a «especificação dos “concretos pontos de facto” só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado»[[11]] e a «especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida».

Aliás, como já se entendera no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Março de 2006, onde se pode ler que “se o recorrente se dirige à Relação limitando-se a indicar alguma prova, com referência a suportes técnicos, mas na totalidade desses depoimentos e não qualquer segmento dos mesmos, não indica as provas que impõem uma decisão diversa quanto à questão de facto, pois o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª Instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª Instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes é um remédio jurídico destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.

Acresce que ao determinar o n.º 6, do art.º 412º que “no caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas (…)”, se terá que concluir que as concretas provas terão de corresponder a segmentos das declarações ou do depoimento e não a toda a extensão dos mesmos.

Aliás, é esta a interpretação que a nosso ver corresponde, não só à letra da lei, como muito especialmente à mens legislatoris, tal como resulta da proposta de Lei nº 109/X, onde consta que «o recorrente pode referir as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida indicando as passagens das gravações; não é obrigado a proceder à respectiva transcrição (artigo 412.º). O tribunal ad quem procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que, porventura, considere relevantes».

Poderemos ainda acrescentar que se assim não fosse não se perceberia a razão da alteração introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto no artº 411º que se traduziu no aumento do prazo de recurso para os casos em que o mesmo tem por objecto a reapreciação da prova gravada, pois que só o reconhecimento da dificuldade acrescida do cumprimento do disposto no nº 4, do artº 412º pode justificar a diferenciação de prazos (vinte dias para os recursos em geral e trinta dias para os recursos que tenham “por objecto a reapreciação da prova gravada”).

Diremos ainda que não poderia ser outra a opção do legislador pois que só assim é possível, dentro da mais elementar boa-fé exigível às partes, um efectivo cumprimento do princípio do contraditório, para além de que um deficiente cumprimento do disposto no artº 412º, nºs 3, alíneas a. e b. e 4 tem grandes probabilidades de originar situações de excesso ou de omissão de pronúncia[[12]].

Na sequência do que acima deixámos dito, mostra-se conveniente deixar aqui uma nota que reputamos de importante, dada a tendência que muitos recorrentes (aparentemente) têm de considerar que a simples transcrição total ou parcial das declarações e/ou os depoimentos cumpre com o determinado no nº 4, do artº 412º.

Esta transcrição é absolutamente inócua para efeitos do referido nº 4 uma vez que, não só não é isso que a lei determina, como porque o que consta das motivações não pode, como é evidente, ser considerado prova e porque o modo de apreciação da prova gravada em suporte técnico está fixada na lei: “audição ou visualização das passagens indicadas”.

Isto não quer dizer que os recorrentes não devam fazer as referidas transcrições: parece-nos até que as mesmas são muito úteis enquanto coadjuvantes na exposição do raciocínio.

Mas só neste aspecto.

No âmbito do que acima deixámos dito, é claro o supra citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010, onde se explica, de forma clara e taxativa, que na “impugnação da matéria de facto nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal — a apreciação pelo tribunal superior (…) abrange a análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre a partir de balizas fornecidas pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus imposto pelos n.º s 3 e 4 do artigo 412.º do CPP, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do artigo 431.º, alínea b), do Código de Processo Penal.

Esta possibilidade de sindicância de matéria de facto (…) sofre, no entanto, quatro tipos de limitações.

Desde logo, uma limitação decorrente da necessidade de observância por parte do recorrente de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos, que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na acta, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso. Esta exigência é de entender como contemplando o princípio da lealdade processual, de modo a definir em termos concretos o exacto sentido e alcance da pretensão, de modo a poder ser exercido o contraditório.

A reapreciação por esta via não é global, antes sendo um reexame parcelar, restrito aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, necessário sendo que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, não bastando remeter na íntegra para as declarações e depoimentos de algumas testemunhas.

(…)

Por outro lado, há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento integral.

Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1.ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1.ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo.

No caso “sub judice”, como resulta evidente das conclusões, o recorrente não impugnou a decisão nos termos acima referidos, ou seja, não especificou, nos termos dos nºs 3, alínea b. e 4, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.

Uma simples leitura da reprodução que delas foi feita neste acórdão confirma o afirmado e torna desnecessária qualquer explicação.

Contudo, até por força do disposto no n.º 4, do art.º 417º[[13]], não é caso para convidar à reformulação das conclusões uma vez que, constituindo o texto da motivação (stricto sensu) limite absoluto que não pode ser extravasado nas conclusões[[14]] e sendo estas, logicamente, um resumo dos fundamentos porque se pede o provimento do recurso[[15]], há que concluir que o que não constar das motivações stricto sensu, não pode constar das conclusões[[16]][[17]].

Aliás, como bem historia e explica Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Junho de 2008 e de onde se extrai também que tal não viola o direito ao recurso[[18]] e de são paradigmáticos os Acórdãos do Tribunal Constitucional, nº 140/2004, de 10 de Março de 2004 e de nº 70/2007, de 30 de Janeiro de 2007[[19]].

Ora, examinando as motivações stricto sensu verifica-se que nas mesmas também não consta a exigência legal acima referida, ou seja, a especificação nos termos pormenorizados pelo n.ºs 3, alínea b. e 4, do art.º 412º, das concretas provas que, no entendimento do recorrente, impõem decisão diversa da recorrida: o recorrente limita-se a apresentar como prova as suas declarações “em sede de audiência de discussão e julgamento, gravação de 19/01/2011 das 13h39 às 14h26.

Como se vê, não é isto que a lei determina.

O que o recorrente fez foi remeter para a totalidade das suas declarações em julgamento e não, como a lei impõe, para o segmento em que dá a sua versão sobre o ponto específico do nº 10 que pretende ver alterado.

Pelo exposto, está afastada a possibilidade de reapreciação da prova gravada[[20]].

No entanto, sempre diremos o seguinte:

Ainda que tivesse cumprido com o determinado no nº 4 do artº 412º, a pretensão do recorrente nunca poderia proceder.

Com efeito, discorda que se tenha dado por provado que actuou “sempre com o propósito de engrandecer o património da sua empresa” pois a omissão das entregas à segurança social se deveu “às dificuldades financeiras da sociedade arguida, nomeadamente por penhoras de créditos por parte da DGCI e pelo facto de ser indispensável o pagamento aos trabalhadores e fornecedores, sob pena de a empresa ter de encerrar

Admite-se que, se retirado do contexto dos factos provados, o termo “engrandecer” possa ser entendido no sentido puramente egoístico de enriquecer.

No entanto, uma vez que o mesmo é utilizado aquando da descrição do elemento subjectivo do tipo, temos que procurar o seu verdadeiro alcance nos factos que integram o elemento objectivo.

E nestes, dizendo-nos o nº 5 que “o arguido A... decidiu apoderar-se dos montantes descontadas nos salários dos trabalhadores relativos às contribuições devidas à Segurança Social, para assim as utilizar em proveito da sua empresa, como solução para os problemas de tesouraria”, temos que concluir que aquele termo foi usado com o significado de aumentar.

Assim sendo, nunca poderia o recorrente ver alterada a matéria de facto.

De qualquer modo, é o incumprimento do disposto no nº 4 do artº 412º que determina a improcedência do recurso nesta parte.

Inadmissibilidade e improcedência do pedido de indemnização civil

Diz o recorrente:

“VI
No seguimento do exposto e conforme estipula o preceituado no artigo 24° da LGT, competia à segurança Social provar que, foi por culpa do gerente (de facto ou direito), que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação dos seus créditos, o que no caso dos autos não aconteceu.
VII
Pelo que não pode a mesma demandar o Recorrente, agora, a título principal, quando a sua responsabilidade, a existir, é subsidiária, nos termos do artigo 22° nº 3 da LGT, constituindo pressuposto desta responsabilidade subsidiária, ter sido ordenada a Reversão contra o Recorrente, o que no caso dos autos nunca aconteceu.
VIII”

Não tem razão.

O pedido de indemnização civil deduzido pelo Instituto da Segurança Social teve por base as condutas praticadas pelos arguidos e que integravam o crime de abuso de confiança contra a segurança social, ou seja, assenta na responsabilidade criminal emergente do incumprimento da obrigação legal tributária que sobre eles recaía — artºs 6º e 7º do Regime Geral das Infracções Tributárias.

Como explica o  Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 2010], “o pedido de indemnização cível formulado nos autos teve lugar em obediência ao princípio da adesão, fundamentado na responsabilidade criminal do arguido.

De acordo com o artigo 129.º do Código Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil.

Desde cedo a jurisprudência entendeu que tal norma só determina que a indemnização seja regulada “quantitativamente e nos seus pressupostos” pela lei civil, remetendo para os critérios da lei civil relativos à determinação concreta da indemnização, não tratando de questões processuais, que são reguladas pela lei adjectiva penal, nomeadamente nos seus artigos 71.º a 84.º - acórdãos do STJ, de 12-12-1984, BMJ n.º 342, pág. 227; de 06-03-1985, BMJ n.º 345, pág. 213; de 13-02-1986, processo nº 38028; de 06-01-1988, BMJ n.º 373, pág. 264; de 12-01-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 181; de 09-06-1996, processo nº 6/95; de 10-12-1996, CJSTJ 1996, tomo 3, pág. 202 e BMJ, n.º 462, pág. 294; de 09-07-1997, CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 260; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02-5ª; de 24-11-2005, processo n.º 2831/05-5ª; de 07-03-2007, processo n.º 4596/06-3ª; de 25-06-2008, processo n.º 449/08-3ª; de 03-09-2008, processo n.º 3982/07-3ª; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 - 3ª; de 29-10-2008, processo n.º 3373/08-3ª; de 05-11-2008, processo n.º 3266/08 - 3ª; de 10-12-2008, processo n.º 3638/08 - 3ª [a interdependência das acções significa independência substantiva e dependência (a «adesão») processual da acção cível relativamente ao processo penal]; de 18-02-2009, processo n.º 2505/08 - 3ª; de 25-02-2009, processo n.º 3459/08 - 3ª; de 15-04-2009, processo n.º 3704/08 - 3ª; de 18-06-2009, processo n.º 81/04.8PBBGC.S1-3ª.

Como resulta do artigo 3.º, alínea c), do RGIT, quanto à responsabilidade civil, são aplicáveis subsidiariamente, as disposições do Código Civil e legislação complementar.

De acordo com o princípio geral plasmado no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».

Nestes casos de responsabilidade civil conexa com a criminal, a mesma tem a sua génese no crime, sendo um crime o seu facto constitutivo, a causa de pedir da pretensão ressarcitória.

Conforme dispõe o artigo 71.º do Código de Processo Penal o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.

A dedução em separado, perante o tribunal civil, é possível nos casos previstos no artigo 72.º, não se integrando o pedido em nenhum deles.

A competência do tribunal criminal para conhecer do pedido cível conexo com a acção penal decorre da responsabilidade civil extracontratual do agente que cometa o facto ilícito e culposo.

(…)

A competência do tribunal criminal para conhecer da acção penal e da conexa acção cível enxertada não se confunde com a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal em processo de execução.

Nestes casos não está em causa apurar da responsabilidade do recorrente perante os credores sociais, quando pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção desses credores, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos - n.º 1 do artigo 78.º do Código das Sociedades Comerciais -, mas de apurar a sua responsabilidade civil pela prática de ilícito de natureza criminal que não foi objecto de condenação, que não exige o preenchimento dos pressupostos referidos.

Conclui-se assim que o tribunal criminal tem competência em razão da matéria para julgar a acção cível interposta pelo ISS.

No mesmo sentido pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos de 15 de Setembro de 2010 e de 10 de Dezembro de 2008.

Podemos assim dizer que o recorrente é demandado a título principal, tendo por base a autoria de um crime de que emerge uma conexa responsabilidade civil delitual — artº 6.º do RGIT — sendo o pedido baseado na obrigação de indemnizar pelos danos causados pela prática de facto ilícito e culposo, de acordo com o artº 483.º do Código Civil.

Como se vê, também nesta parte não assiste razão ao recorrente.

Integração jurídica dos factos e prescrição

Diz também o recorrente:

“Sendo certo que o Recorrente apenas foi notificado do despacho de acusação a 13 de Janeiro de 2010, então há muito que o procedimento criminal por crime tributário está extinto por efeito da prescrição tendo em conta o prazo de quatro anos da caducidade previsto no artigo 45.° da LGT por inerência do artigo 21.° n.o 3 do RGIT.
X
E, tendo em conta que, contrariamente ao entendimento sufragado na Douta Decisão, entendermos não estarmos perante a figura de um crime continuado, mas perante, várias situações/actos consumadas de per si e que se esgotaram nessa mesma consumação, quer a exigibilidade da sua liquidação e pagamento, quer a sua recondução a uma prática criminosa, já prescreveu em relação à grande parte das contribuições em causa.
XI
Verdade é que, em bom rigor, a Segurança Social, atento ao disposto no nº 1 do artigo 106° do RGT, deveria ter promovido a instauração de processos de contra-ordenação contra a sociedade arguida e os respectivos processos de execução, atento ao valor em causa, que isoladamente nunca ultrapassam os €7.500,00, sendo certo, que também estas atento ao decurso do tempo, estariam prescritas.”

Vejamos:
No caso “sub judice” e em resultado de uma única decisão inicial, o arguido não entregou à segurança social os montantes que mensal e sucessivamente se foram vencendo entre 15 de Outubro de 2003 e 15 de Junho de 2005.
Por isso, havendo uma única resolução, há unidade de infracção.
No crime continuado, pelo contrário, aglutinam-se uma pluralidade de realizações típicas em virtude de haver uma mesma solicitação exterior que facilita ao agente a renovação das diversas resoluções criminosas.

Temos assim que havendo unidade de resolução, fica afastada a possibilidade de crime continuado, uma vez que este exige uma pluralidade de resoluções.

Daí que, não havendo renovação de desígnio, não se possa falar na existência quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

Como é evidente.

Nestes termos, há que concluir que o arguidos cometeu um crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelo artigo 107.º, n.º 1, com referência ao artigo 105.º, n.º 1, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias.

Assim sendo, também aqui não tem razão o recorrente.

Vejamos agora a prescrição:

Nos termos do disposto no artº 119º, nº 2, alínea a. do Código Penal, o prazo de prescrição nos crime permanentes só corre a partir do dia em que cessar a consumação, ou seja, no caso sob apreciação, o referido prazo só começou a correr a partir de 15 de Junho de 2005.

Ao crime em causa corresponde pena de prisão até 3 (três) anos e o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 5 (cinco) anos (artº 21º, nº 1), sendo que o mesmo se interrompe e suspende nos termos estabelecidos no Código Penal.

O crime de abuso de confiança em relação à segurança social é um crime omissivo (os arguidos retiveram o valor das contribuições descontadas nos salários dos trabalhadores e dos corpos sociais da sociedade arguida, da qual foram gerentes e não o entregou à segurança social, como era sua obrigação) e como tal, considera-se praticado na data em que terminou o prazo para o cumprimento dos respectivos deveres tributários (artº 5º, nº 2).

Assim, respeitando as últimas contribuições retidas ao mês de Maio de 2005 e devendo por isso ter sido entregues à segurança social até 15 de Junho do mesmo ano, temos que concluir que a prescrição do procedimento criminal se iniciou nesta desta data.

Visto o disposto nos artºs 119º, nº 2, alínea a., 120º, nºs 1, alínea b. e 2 e 121º, todos do Código Penal e considerando que não decorreram cinco anos entre cada interrupção e que desde então, ainda não decorreram 10 (dez) anos e 6 (seis) meses, ou seja, o prazo de prescrição, acrescido de metade e ainda 3 (três) anos de suspensão, temos que concluir que a prescrição do procedimento criminal ainda não ocorreu[[21]].

Assim sendo, também nesta parte improcede o recurso.

***

Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso.

***

Fixa-se em 5 UC a taxa de justiça a pagar pelo recorrente.

***


LUÍS RAMOS (RELATOR)
OLGA MAURÍCIO

           
[1] “(…) quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2011, in www.dgsi.pt)
[2] Entre outros, v. Acs STJ de 20 de Novembro de 2008, de 29 de Outubro de 2008, de 15 de Outubro de 2008 e de 14 de Maio de 2008 (todos em www.dgsi.pt, tal como todos os demais por nós citados e cuja acessibilidade não esteja especificada)
[3] «(…) O julgamento em 2.ª instância não é o da causa, mas sim do recurso e tão-só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa, em que estão presentes, face ao Código actual, alguns apontamentos de imediação (somente na renovação da prova, quando pedida e admitida) e da oralidade (através de alegações orais, se não forem pedidas e admitidas alegações escritas.» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 59/06, de 18/01/2006 – ACS. do Tribunal Constitucional, 64.º Vol., p. 399)
[4] “… vícios intrínsecos quanto ao conteúdo da decisão tomada sobre a matéria de facto — insuficiência ou contradição dos factos e razões que suportam a própria decisão —, ou de erros ostensivos ou patentes na valoração da prova, que pela sua natureza e gravidade constituem verdadeira nulidade da sentença” Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 399/03.
Também a este respeito, diz-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Junho de 2008, que “conforme jurisprudência uniforme e já remota, se entenda que os vícios têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos estranhos à peça decisória, que lhe sejam externos, constando do processo em outros locais, como documentos juntos ou depoimentos colhidos ao longo do processo – podendo ver-se neste sentido os acórdãos do STJ de 29-11-1989, processo 40255/89-3ª; de 19-12-1990, processo 41327/90-3ª, BMJ 402, 232; de 31-05-1991, BMJ 407, 377; de 03-07-1991, CJSTJ 1991, tomo 4, 12; de 16-10-1991, BMJ 410, 610; de 13-02-1992, BMJ 414, 389; de 22-09-93, CJSTJ 1993, tomo 3, 210; de 19-11-1997, processo 873/97-3ª; de 20-11-1997, processo 1242/97-3ª; de 28-10-1998 e 29-10-1998, BMJ 480, 83 e 292.
[5] A este respeito e de uma forma clara e sintética, diz-nos o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Junho de 2008: “Esta possibilidade de sindicância de matéria de facto (…) sofre, no entanto, quatro tipos de limitações.
Desde logo, uma limitação decorrente da necessidade de observância por parte do recorrente de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos, que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso.
A reapreciação por esta via não é global, antes restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, necessário sendo que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, não bastando remeter na íntegra para as declarações e depoimentos de algumas testemunhas.
Já a nível do poder cognitivo do tribunal de recurso, temos a limitação decorrente da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações e /ou, ainda, como no caso, das transcrições.
Por outro lado, há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2ª instância.
A intervenção da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação.
A jusante impor-se-á um último limite que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto se se concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitam uma outra decisão.
[6] O facto de a alínea b. do art.º 431.º remeter para o n.º 3 do art.º 412.º não exclui o n.º 4 uma vez que este se limita a regular o modo de em sede de recurso apresentar as provas especificadas em b. e c. do n.º 3 que hajam sido gravadas, ou seja, o n.º 4 nada mais é do que uma extensão do n.º 3.
[7] São estas e não a integralidade das declarações ou dos depoimentos que constituem as provas que impõem decisão diversa da recorrida
[8] Como se diz no Acórdão da Relação do Porto de 14 de Fevereiro de 2000, Relator Dr. Baião Papão: “A referência aos suportes técnicos aludida no n.4 do artigo 412 do Código de Processo Penal é a indicação das metragens da fita gravada que contenha as declarações, depoimentos ou acareações que o recorrente decide invocar, com referência ao número e ao lado da cassete em que se inscrevam.
É insuficiente para servir de base à transcrição a simples remissão para os números das cassetes.”
[9] Só esta maior exigência, ou seja, só o reconhecimento de que o recurso da matéria de facto, tal como está actualmente delineado, reivindica mais tempo para ser elaborado, poderá justificar o alargamento do prazo de recurso de 20 para 30 dias
[10] No mesmo sentido, v.g., Acórdão da Relação de Coimbra de 25 de Junho de 2008
[11] A este respeito escreve-se no Acórdão da Relação de Coimbra de 28 de Outubro de 2009: “(…) querendo impugnar a matéria de facto, o recorrente tem que organizar o recurso com observância do formalismo previsto nos nºs 3 e 4 do art. 412º; nomeadamente, tem que indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e tem que indicar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. Tratando-se de facto omisso, vale exactamente o mesmo princípio. O recorrente indicará o facto em falta tal como ele deveria constar da enumeração do provado. Não se pretende uma indicação genérica, uma indicação explicativa ou a indicação do sentido do facto, mas a indicação precisa. Só assim se atinge a concretização exigida pela lei, que não resulta de mero capricho do legislador, antes serve uma finalidade prática: o tribunal de recurso, confrontado com a impugnação da matéria de facto, tem que conhecer exactamente o sentido e o alcance da impugnação; tem que saber exactamente – nem mais, nem menos – o que é que o recorrente entende que está mal julgado”
[12] A este respeito, pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Julho de 2005: “Com o estipulado no artº 412º do CPP e outras normas complementares o que se pretende, ao ser imposto recurso, é criar um conjunto de regras de natureza prática que permitam, uma vez observadas pelos recorrentes, colocar perante o tribunal ad quem, de forma clara, as razões fácticas e jurídicas que os levam a discordar e a atacar as decisões recorridas, de modo a que o tribunal possa apreciá-las com rigor, nem mais nem menos do que é pedido (salvo obviamente a margem de actuação oficiosa)”.
[13] “O aperfeiçoamento previsto no número anterior não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação”
[14] Neste sentido e entre muitos outros, v.g., Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 2005, de 11 de Janeiro de 2001, processo n.º 3408/00-5, de 8 de Novembro de 2001 e processo n.º 2453/01-5, de 4-12-03 (www.pgdlisboa.ptpgdljurelstj)
[15] Neste sentido, v.g., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 1998, processo n.º 328/98 (cfr. Código de Processo Penal Anotado de Simas Santos e Leal-Henriques, II Volume, 2ª edição, pág. 824)
[16] A este respeito, escreve-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Junho de 2008: “O STJ tem-se pronunciado no sentido de que o não cumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto não justifica o convite ao aperfeiçoamento, pois só se pode corrigir o que está mal cumprido e não o que se tem por incumprido - acórdãos de 08-03-2006, processo 185/06-3ª; de 04-10-2006, processo 812/06-3ª; de 04-01-2007, processo 4093/06-3ª e de 10-01-2007, processo 3518/06-3ª, podendo ler-se a este propósito no acórdão de 09-03-2006, processo 461/06-5ª: “Se o recorrente não faz, nem nas conclusões, nem no texto da motivação, as especificações ordenadas pelos números 3 e 4 do art. 412º do CPP, não há lugar ao convite à correcção das conclusões, uma vez que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correcção das conclusões da motivação”.
[17] Sobre o dever das menções dos n.ºs 3 e 4 do art.412.º do C.P.P. constarem das conclusões da motivação, o STJ já se pronunciou no sentido de que a redacção do n.º 3 do art.412.º do C.P.P., por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem de dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que “versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda (…)”, já o n.º 3 se limita a prescrever que “quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (…)”, sem impor que tal aconteça nas conclusões. Perante esta margem de indefinição legal, tendo o recorrente procedido à mencionada especificação no texto da motivação e não nas respectivas conclusões, ou o Tribunal da Relação conhece da impugnação da matéria de facto ou, previamente, convida o recorrente a corrigir aquelas conclusões. – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2007.
[18] Diz-se no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Junho de 2008: “O Tribunal Constitucional considera que tal solução não viola o direito ao recurso, como decidiu no acórdão nº 259/02, de 18-06-2002, in DR, II Série, de 13-12-2002, posição retomada no acórdão nº 140/2004, de 10-03-2004, processo nº 565/03, in DR, II Série, de 17-04-2004 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 58º volume, p. 633 ss. aí se afirmando: «… o legislador processual pode definir os requisitos adjectivos para o exercício do direito ao recurso, incluindo o cumprimento de certos ónus ou formalidades que não sejam desproporcionados e visem uma finalidade processualmente adequada, sem que tal viole o direito ao recurso constitucionalmente consagrado. Ora, é manifestamente este o caso das exigências constantes do artigo 412º, nºs 3, alínea b) e 4, do Código de Processo Penal, cujo cumprimento (incluindo a referência aos suportes técnicos, com indicação da cassete em causa e da localização nesta da gravação das provas em questão) não é desproporcionado e antes serve uma finalidade de ordenamento processual claramente justificada. (…). Não pode, pois, concluir-se que os princípios constitucionais do acesso ao direito e do direito ao recurso em matéria penal impliquem que ao recorrente tivesse sido facultada a oportunidade para aperfeiçoar, em termos substanciais, a motivação de recurso deduzido quanto à matéria de facto, quando este não especificou as provas que impunham decisão diversa da recorrida, fazendo-o por referência aos suportes técnicos. (…). Como se disse no Acórdão nº 259/2002 (supra referido), tal “equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso”.
Não pode, pois, considerar-se inconstitucional a norma em causa…».
[19] Ambos in www.tribunalconstitucional.pt
[20] Neste sentido, pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Dezembro de 2009: “Caso a recorrente não impugne a matéria de facto nos termos legalmente prescritos, ou seja, conforme o estatuído pelo art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP – nomeadamente indicando os concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados e, sobretudo, as concretas provas que imporiam decisão diversa da adoptada e, bem assim, relativamente às provas produzidas em audiência de julgamento, as concretas passagens das gravações em que se fundava a impugnação –, e isto quer na motivação, quer nas conclusões da motivação do recurso, o Tribunal da Relação, legitimamente, “limita-se” a fazer o controle do processo lógico e racional seguido na apreciação da prova pelo Tribunal de 1.ª instância e a analisar a matéria de facto do ponto de vista dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP. Numa situação como a configurada, não se impõe que o tribunal a quo faça a reapreciação da prova produzida, nem sequer que enderece convite à recorrente para corrigir as conclusões – cf. Acs. de 04-10-2006, Proc. n.º 812/06, de 04-01-2007, Proc. n.º 4093/06, e de 10-01-2007, Proc. n.º 3518/06, todos da 3.ª.
[21] A prescrição apenas ocorrerá em 15 de Abril de 2017 na consideração de que as alíneas a. e b., do nº 4, do artº 105º, do Regime Geral das Infracções Tributárias são causas de suspensão da prescrição.