Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
51/14.8GASPS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: NOTIFICAÇÃO PESSOAL AO ARGUIDO
INCUMPRIMENTO DE INJUNÇÃO
Data do Acordão: 01/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (INSTÂNCIA LOCAL DE SÃO PEDRO DO SUL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 113.º E 398.º DO CPP; ART. 69.º DO CP
Sumário: I - A partir do momento em que o arguido tem defensor, as notificações são realizadas através do defensor, excepto aquelas referidas na 2.ª parte do art. 113, n.º 10, do CPP, que por afectarem direitos fundamentais e a garantia de direitos de defesa do arguido, também têm de lhe ser feitas.

II - O juízo sobre o incumprimento das injunções cabe ao MP, como titular do inquérito, não podendo o juiz de julgamento sindicar as razões da opção do MP.

III - A proibição tem um efeito universal, aplicando-se a proibição a todos os veículos motorizados, não permitindo o art. 69.º, n.º 2, do CP a restrição da proibição de conduzir veículos motorizados a uma categoria de veículos motorizados e nem excluir dessa proibição a condução de automóveis pesados utilizados pelo arguido no exercício da profissão.

IV - A pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, quando é aplicada visa impedir o arguido do exercício de tal direito, não apenas em território nacional, pois uma vez imposta a injunção de proibição de conduzir todos e quaisquer veículos motorizados deve entregar o título de condução, nos termos do art. 69.º, n.º 3, do CP e 500.º, n.º 2, do CPP.

V - Não faria sentido que uma decisão de cumprimento da proibição de conduzir se não aplicasse a cidadão português nos restantes países europeus em que o arguido continuou a conduzir veículos motorizados pesados.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

No processo supra identificado foi julgado o arguido A... , divorciado, motorista, nascido em 10.11.59, filho de (...) e de (...) , natural da freguesia e concelho de S. Pedro do Sul, onde reside na Rua (...) , pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos art. s 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do CP, tendo sido na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 14 euros, num total de 980 euros, com 46 dias de prisão subsidiária, bem como na pena acessória de 3 (três) meses de proibição de conduzir veículos com motor.


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Inconformado recorreu o arguido, o qual pugna pela sua absolvição, formulando as seguintes conclusões:

«1 - A notificação da promoção do Digno Magistrado do MP de fls. 156 a 167 e do despacho do M.mo Juiz de fls. 177, a fazer-se ao Arguido, devê-lo-ia ter sido pessoalmente;

2 - Ao não se ter realizada de forma pessoal tal notificação, a omissão desse formalismo, pelos nefandos efeitos que daí derivaram em sede de aquisição processual da verdade material, gerou a nulidade do ato praticado (notificação por carta registada simples) e, consequentemente, de todos aqueles que dele dependeram diretamente, designadamente as subsequentes promoções do Digno Magistrado do MP, os despachos do M.mo Juiz e a realização da audiência de julgamento;

3 - Nulidade esta que deverá ser declarada, ordenando-se, consequentemente, a notificação pessoal do Arguido dos aludidos promoção e despacho, prosseguindo os autos, após a efetiva realização dessa notificação pessoal, os seus ulteriores termos. Por cautela, e subsidiariamente,

4 - O Tribunal "a quo", ao não se ter pronunciado sobre a arguida nulidade processual invocada pelo Arguido a fls. 188 a 192, mormente na sentença que nestes autos prolatou, incorreu numa nulidade por omissão de pronúncia;

5 - Nulidade esta que deverá ser declarada, devendo, o M.mo Juiz "a quo" prolatar nova sentença onde aprecie e decida da alegada nulidade processual. Para o que,

6 - Deve o facto dado como provado, acima descrito sob o n.º 13, passar a ter a seguinte redação: Não obstante conhecer de tal decisão, o Arguido conduziu viaturas com motor durante o período referenciado, em vias públicas ou equiparadas situadas fora dos limites territoriais da República Portuguesa, com uma carta de condução internacional, sendo que a injunção que lhe havia sido imposta, para efeitos de aplicação do instituto processual penal da suspensão provisória do processo, apenas o inibia de conduzir veículos com motor nas vias públicas ou equiparadas situadas dentro dos limites territoriais da República Portuguesa. Logo,

7 - Não tendo ele conduzido viaturas com motor nas vias públicas ou equiparadas situadas dentro dos limites territoriais da República Portuguesa, durante o período de tempo em que durou a inibição de conduzir que lhe foi injuntivamente imposta para efeitos de suspensão provisória do processo, e a condução que fez no estrangeiro foi com uma carta de condução internacional que não estava obrigado a entregar e que não se provou ter sido obtida após a data que lhe foi imposta para entrega da sua licença de condução, deve ser considerada cumprida tal injunção, desta sorte se ordenando o arquivamento dos autos, já que também se mostra cumprida a outra injunção que lhe foi aplicada. Se assim se não entender, então, por cautela, subsidiariamente,

8 - Deve ao Arguido ser aplicada a pena acessória de conduzir automóveis ligeiros durante os 3 meses fixados na sentença. Para qualquer uma das soluções,

9 - Dever-se-à levar em consideração os dias que ele, durante o período temporal da aplicação da injunção da inibição de conduzir, efetivamente não conduziu, julgando-se, desta sorte, integralmente cumprida a pena acessória aplicada, ou parcialmente cumprida tal pena, fixando-se, para esta eventualidade, a parte restante por cumprir.

10 - Ao decidir nos termos em que o fez, o M.mo Juiz "a quo" violou o disposto nos art.s 6.°, 61.°/1, a) e b), 113.°/10, 282.°/4, 379.°/1, c) e 396.°/1, b), 2 e 3 do CPP; nos art.s 69.°/1, a) e 2, e 292.°/1 do CP e art.s 2.°, 27.° e 32.° da CRP, ao não ter feito, dos mesmos, a interpretação acima defendida.

11 - Tudo isto com a aplicação das naturais e legais consequências».


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Notificado o Ministério Público nos termos do art. 413.º, n.º 1, do CPP, sustenta que o recurso não merece provimento e que a sentença recorrida deve manter-se pelas seguintes razões apontadas:

«1. Nos presentes autos de processo comum singular foi o arguido A.... condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 69.º, n.º 1, al. a) e art.292.º, n.º 1, ambos do Código Penal, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de €14,00, perfazendo o montante global de €980,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor de qualquer categoria pelo período de 3 meses.

2. Analisando criteriosamente o objecto do recurso interposto pelo arguido, verifica-se que o mesmo se debruça, por um lado, sobre decisões proferidas pelo Ministério Público e, por outro, quanto à liquidação da pena acessória de inibição de conduzir imposta ao arguido, que ainda não foi objecto de decisão, motivo pelo qual o presente recurso se mostra inadmissível, face ao disposto nos arts. 399.° e 400.° do Código de Processo Penal.

3. A notificação do despacho de fls. 156 do Ministério Público, para que fosse concedida a possibilidade de defesa ao arguido, face ao incumprimento das condições de suspensão provisória do processo, foi efectuada ao seu defensor e mostra-se cumprida a norma plasmada no art. 113.° n.º 10 do Código de Processo Penal, inexistindo qualquer nulidade que cumpra ser decida pelo M.mo Juiz em sede de sentença, até porque esta não foi alegada em contestação e foi oportunamente decidida pelo Ministério Público, já que arguida em inquérito.

4. Ademais, bem andou o Tribunal "a quo" ao dar apenas como provado que o arguido conduziu no período da inibição de conduzir imposta no âmbito da suspensão provisória do processo, até porque a demais factualidade que o recorrente pretende aditar não assume qualquer relevância para determinação do crime e da pena aplicável, nem foi invocada em contestação, sendo de todo despicienda perante a constatação que o arguido conduziu no período da inibição de conduzir, violando a injunção imposta no âmbito da suspensão provisória do processo.

5. De facto, o arguido violou grosseiramente a proibição de conduzir veículos automóveis no período determinado, no âmbito da suspensão provisória do processo, pois esta proibição reporta-se ao arguido e é independente dos títulos que o habilitem a conduzir ou do território onde exerce essa actividade.

6. Assim, nunca o desconto à pena acessória poderia operar pois o fundamento do prosseguimento dos autos na sequência da suspensão provisória do processo foi a própria violação da proibição de conduzir.

7. De todo o modo, somos do entendimento que a injunção de inibição de conduzir aplicada no âmbito da suspensão provisória do processo não é de descontar na pena acessória entretanto aplicada, face à natureza distinta das mesmas e ao disposto no art. 282.° n.º 4 do Código de Processo Penal».


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Nesta instância, os autos tiveram vista do Ex.mo Senhor Procurador-geral Adjunto, para os feitos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, o qual emitiu douto parecer no sentido de que acompanhava as contra-alegações do MP na 1.ª instância.

Por outro lado, sustenta que há matéria insusceptível de apreciada pelo Tribunal da Relação relativamente à nulidade ordenada pelo MP a fls. 156, decidida em inquérito pelo respectivo titular, para além de ser evidente que o arguido violou de forma grosseiramente a proibição de conduzir veículos automóveis.

Concluiu que sendo seu entendimento de que deve ser feito desconto do período de proibição imposto no âmbito da suspensão provisória do processo, segundo o entendimento da jurisprudência desta Relação tal desconto só deve operar quando o fundamento do prosseguimento do processo não seja a própria violação da proibição de conduzir.


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Notificado o arguido, nos termos do art. 417.º, n.º 2, do CPP, respondeu dizendo que mantinha a sua versão vertida na motivação de recurso.

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Foi cumprido o art. 418.º, do CPP, e uma vez colhidos os vistos legais, indo os autos à conferência, cumpre decidir.

Vejamos pois a factualidade apurada pelo tribunal e respectiva motivação:

Factos provados:

«1 - No dia 23.2.14, pelas 02.10 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, de matrícula (...) GZ, pela avenida Dr. Sá Carneiro, nesta cidade de S. Pedro do Sul.

2 - Conduzia o citado veículo com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,65 g/l.

3 – Antes de iniciar a condução havia ingerido uma quantidade não determinada de bebidas alcoólicas, concretamente vinho e cerveja.

4 - Sabia que as bebidas com teor alcoólico que havia ingerido lhe poderiam determinar uma taxa de álcool no sangue superior a 1,20 g/l mas, não obstante tal conhecimento, não se absteve de conduzir o referido veículo nas sobreditas circunstâncias de tempo e lugar.

5 – Agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

6 – Exerce a profissão de motorista de veículos pesados de mercadorias, tendo por entidade patronal a empresa ‘ K... , L.da’, com sede em Coimbra.

7 – Pelo exercício daquela actividade aufere a remuneração mensal fixa de 804,80 euros, a que acrescem subsídios diversos.

8 – Nos primeiros 3 meses deste ano de 2015, e ainda por força daquela actividade, auferiu o rendimento médio mensal de 1.363 euros líquidos.

9 – Vive sozinho em casa própria, encontrando-se a amortizar o empréstimo contraído para a respectiva aquisição, sendo que os encargos mensais de tal amortização ascendem a 417 euros.

10 – Não tem qualquer filho a cargo.

11 – Possui veículo automóvel próprio.

12 – Tem como habilitações o 5.º ano (antigo), correspondente ao actual 9º ano de escolaridade.

13 – Possui boa imagem no meio laboral onde se inscreve.

14 – É titular de carta de condução desde 1981.

15 – Não possui antecedentes criminais.

16 – No âmbito destes autos foi-lhe imposta, em sede de suspensão provisória do processo, e além do mais, a obrigação de não conduzir veículos com motor em via pública ou equiparada, pelo período de 4 meses.

17 – Não obstante conhecer tal decisão, o arguido conduziu veículos a motor durante o período supra referenciado.


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Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para além ou em contradição com os anteriores.

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Fundamentação:

Fundou-se a convicção do tribunal, desde logo, e quanto aos factos vertidos no libelo, na confissão do arguido, a qual não nos mereceu reserva, no talão comprovativo do resultado do exame de pesquisa de álcool no sangue (fl. 5), bem como no CRC de fl. 225.

Para a matéria atinente à situação sócio-económica do arguido foram relevantes as suas próprias declarações, em conjugação com o depoimento da testemunha H... , seu colega de trabalho, bem como os documentos de fls. 246 a 251 e 256 a 258, dos quais se alcançaram os valores apurados quanto ao vencimento do arguido e encargos inerentes à amortização do empréstimo contraído para a aquisição de habitação.

Mais reconheceu o arguido ter conduzido veículos automóveis no período da suspensão provisória fixada em sede de inquérito».


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II- O Direito

As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.

Questões a decidir:

a) Apreciar se o despacho de fls. 156, proferido pelo MP para o arguido justificar a circunstância de ter conduzido veículos motorizados, infringindo a injunção de não conduzir pelo período de 4 meses, durante a suspensão provisória do processo, notificado ao defensor, deveria ter sido também notificado ao arguido e se a sua omissão implica nulidade processual.

b) Apreciar se existe nulidade da sentença por o tribunal a quo não se ter pronunciado sobre a nulidade suscitada pelo arguido ao opor-se que os autos seguissem a forma de processo sumaríssimo, alegando a falta de notificação do arguido, para se pronunciar sobre o não cumprimento da injunção de proibição de conduzir veículos motorizados.

c) Apreciar se existe fundamento para alterar a matéria de facto constante do ponto 17 dos factos provados, relevância de conduzir fora do território nacional e cumprimento da injunção de proibição de conduzir veículos motorizados.

Apreciando:

a) Da nulidade por falta de notificação ao arguido, para justificar o não cumprimento da injunção imposta duranta a suspensão provisória do processo.

Consubstanciando a factualidade imputada ao arguido a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos art. s 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do CP, o MP propôs ao arguido a suspensão provisória do processo, mediante as injunções do cumprimento de 4 meses de proibição de conduzir veículos motorizados e o pagamento de 400,00€ aos Bombeiros Voluntários de S. Pedro do Sul. 

Obtendo a concordância do JIC, o MP, em 5/3/2014, por despacho de fls. 35 e 36, determinou a suspensão provisória com aquelas injunções, pelo período de 6 meses, tendo sido notificado o arguido para entregar a carta de condução nos respectivos serviços da Delegação da Procuradoria da República.

Notificado o arguido procedeu à entrega em 28/3/2014 de documento que substituiu carta de condução, emitido em 14/3/2014 como 2.ª via, por motivo de extravio desta.

O IMT informou os autos em 23/9/2014 (fls. 75) que o arguido havia requerido duplicado da carta de condução, tendo-lhe sido entregue guia substitutiva da carta de condução em 14/3/2014, válida até 10/9/2014, tendo sido entregue o duplicado ao condutor em 4/6/2014. O mesmo IMT informou que o arguido em 5/9/2014 apresentou pedido de revalidação da carta de condução, mas como estava registado em impedidos não foi validada a guia de substituição.

O MP insistiu solicitação à empresa K... , L.da em 6/10/2014 para juntar aos autos extracto de condução efectuada pelo arguido entre Março e Setembro de 2014, através do seu cartão de condutor (fls. 91 e 93), tendo prestado em 6/10/2014 a informação dos dias em que o arguido conduziu, conforme consta de fls. 92 a 148.

Perante tal informação o MP, por despacho de 20/10/2014 (fls. 156), ordenou a notificação do arguido para justificar o facto de ter conduzido, violando a injunção de proibição de conduzir veículos motorizados, durante o período de suspensão provisória do processo, notificação que foi feita em 3/11/2014 ao defensor do arguido (fls. 157).

O MP em 17/11/2014, por despacho de fls. 159 a 167, considerou que o arguido infringiu grosseiramente e de forma culposa a injunção de não conduzir veículos motorizados durante a suspensão provisória do processo, conduzindo de forma habitual e reiterada entre 3/3/2014 e 27/9/2014.

E, nada tendo dito à notificação que lhe foi feita, ordenou o prosseguimento dos autos, propondo a aplicação, em processo sumaríssimo, a pena de 100 dias de multa à taxa diária de 9,00€ e a sanção acessória de 7 meses de proibição de conduzir veículos motorizados.

O juiz em 20/11/2014 (fls. 177) ordenou a autuação de processo sumaríssimo e ordenou a notificação do requerimento do MP e do despacho ao defensor e por contacto pessoal ao arguido, nos termos do art. 396.º, n.º 1, al. b), 2 e 3, do CPP, tendo vindo o arguido a opor-se em 23/12/2014 (fls. 184 a 192).

Como fundamento da oposição alega o seguinte:

- A notificação do despacho do MP de 20/10/2014 (fls. 156) devia ter sido feita ao arguido.

- O arguido conduziu veículos motorizados fora do território nacional.

- Após ter praticado os factos que lhe são imputados nestes autos perdeu a licença de condução, tendo pedido a 2.ª via e ao mesmo tempo a emissão de carta internacional que lhe permitisse conduzir fora de Portugal.

Conclui o recorrente que a notificação devia ter sido feita ao arguido, recorrendo-se dos art. 113.º n.º 10, 61.º n.º 1 al. a) e b) e 196.º n.º 3 al. c), do CPP e que ao não ser notificado o arguido do despacho do MP de fls. 156 (que apenas notificou o defensor) praticou-se uma nulidade que implica a nulidade dos actos subsequentes.

Vejamos qual a forma de notificação imposta.

Nos termos do art. 113.º n.º 10, do CPP:

«As notificações do arguido …podem ser feitas ao respectivo defensor…. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial…as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado…».     

Como resulta da simples leitura deste preceito legal as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, e à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial devem ser feitas ao arguido e ao defensor.

As restantes notificações do arguido podem ser feitas ao defensor.

Foi o que ocorreu nos autos, nada impondo que tivesse de ser feita também ao arguido, não implicando a sua omissão nulidade processual.

Nesta conformidade, a partir do momento em que o arguido tem defensor, as notificações são realizadas através do defensor, excepto aquelas referidas na 2.ª parte do art. 113, n.º 10, do CPP, que por afectarem direitos fundamentais e a garantia de direitos de defesa do arguido, também têm de lhe ser feitas.

Neste sentido o Ac. do TRC de 11/9/2013 – Proc. 22/11.6PFCBR.C1, in inwww.dgsi.pt/jtrc e Ac. do TRP de 17/6/2015 – Proc. 750/12.1GBMTS-A.P1, in www.dgsi.pt/jtrp.

Pelo exposto não se verifica a nulidade apontada.


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b) Da nulidade da sentença por o tribunal a quo não se ter pronunciado sobre a nulidade de falta de notificação do arguido ao opor-se que os autos seguissem a forma de processo sumaríssimo.

O Ministério Público concluiu que o arguido não cumpriu a injunção de proibição de conduzir veículos motorizados.

Nessa conformidade optou pelo prosseguimento dos autos, propondo em processo sumaríssimo a pena de 100 dias de multa e 7 meses de proibição de conduzir veículos motorizados. 

Quando o juiz em 20/11/2014 (fls. 177) ordenou a autuação de processo sumaríssimo e ordenou a notificação do requerimento do MP e do despacho ao defensor e ao arguido, nos termos do art. 396.º, n.º 1, al. b), 2 e 3, do CPP, veio a opor-se em 23/12/2014 (fls. 184 a 192).

Como fundamento da oposição alega o seguinte:

- A notificação do despacho do MP de 20/10/2014 (fls. 156) devia ter sido feita ao arguido, o que constitui nulidade.

- O arguido conduziu veículos motorizados fora do território nacional.

- Após ter praticado os factos que lhe são imputados nestes autos perdeu a licença de condução, tendo pedido a 2.ª via e ao mesmo tempo a emissão de carta internacional que lhe permitisse conduzir fora de Portugal.

O juiz, face à dedução de oposição, limitou-se a remeter os autos para outra forma processual em 8/1/2015 (fls. 199).

O MP entendeu não haver qualquer nulidade na notificação e deduziu acusação em 14/1/2015 (fls. 203 e 204), requerendo o julgamento em processo comum com intervenção do tribunal singular, ordenando a notificação, para os termos do art. 398.º, n.º 2, do CPP.

Ora, mal avisado andou o arguido, pois face à notificação que lhe foi feita da acusação, nos termos deste último preceito, cabia-lhe, querendo requerer a abertura da instrução.

Já vimos que não foi cometida nulidade na notificação do arguido para justificar o incumprimento da injunção de proibição de conduzir veículos motorizados.

Era nesta fase da instrução que o arguido podia e devia esgrimir os argumentos de que incorreu em incumprimento de tal injunção ou de que não agiu com culpa.

Os autos foram à distribuição e o juiz, proferiu o despacho a que alude o art. 311.º, do CPP, em 27/1/2015 (fls. 214), tendo o arguido oferecido contestação limitou-se a oferecer o merecimento dos autos e a negar simplesmente a prática dos factos.

Não cabia ao juiz pronunciar-se sobre a nulidade alegada por falta de notificação do arguido para justificar o incumprimento da injunção que determinou o fim da suspensão provisória do processo, uma vez que foi feita ao defensor.

Como já referimos, concluindo o MP, em caso de suspensão provisória do processo e opondo-se o arguido às sanções propostas em processo sumaríssimo, cabia-lhe no seu dever funcional deduzir acusação.

Foi o que fez o MP, requerendo julgamento em processo comum singular (fls. 203 e 204).

O juízo sobre o incumprimento das injunções cabe ao MP, como titular do inquérito, não podendo o juiz de julgamento sindicar as razões da opção do MP.

O arguido podia sim opor-se à opção do MP, requerendo após a notificação da acusação, a respectiva instrução, aqui devendo demonstrar que não tinha havido incumprimento da injunção, beneficiando assim de despacho de não pronúncia.

No mesmo sentido decidiu o Ac. do TRL de 18/5/2010 – Proc. 107/08.6GACCH.L1-5, in www.dgsi.pt/jtrl.

Nesta conformidade, não tinha o juiz de julgamento de se pronunciar sobre a nulidade invocada, pelo que não sofre a sentença da nulidade prevista do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.


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c) Da alteração da matéria de facto constante do ponto 17 dos factos provados, relevância de conduzir fora do território nacional e cumprimento da injunção de proibição de conduzir veículos motorizados.

O recorrente pretende justificar que não incorreu em incumprimento da injunção por conduzir fora do território nacional.

A entidade patronal foi notificada, a solicitação do MP para juntar aos autos “extractos dos registos e condução efectuados pelo A.... …no período compreendido entre Março e Setembro de 2014, obtidos através do seu cartão de condutor”.

É o que consta do despacho do MP de fls. 71 e que consta da notificação de fls. 72.

A entidade patronal K... , L.da, sem quaisquer reservas e satisfazendo ao solicitado, pelo ofício de fls. 92, acompanhado da respectiva notificação de fls. 93 juntou os registos de condução efectuados pelo arguido no período que lhe foi indicado.

E dos registos indicados constam os de fls. 95 a 97 relativamente ao camião MV... constando três trajectos (V. Formoso-Salamanca, Souselas-Ciudad Rodrigo e Valongo-Fuentes de Onoro).     

Não vem indicado o nome do condutor nestes trajectos em território nacional, mas apenas do camião MV... adstrito ao arguido.

Com o nome do arguido foram juntos os registos de condução efectuados constantes de fls. 98 a 148.

Está assente que o arguido conduziu de forma regular fora do território nacional, como ele admite.

O arguido para justificar que não incorreu em incumprimento da injunção de proibição de conduzir veículos motorizados pretende que seja dada ao facto 17 a seguinte redacção:

“Não obstante conhecer de tal decisão, o Arguido conduziu viaturas com motor durante o período referenciado, em vias públicas ou equiparadas situadas fora dos limites territoriais da República Portuguesa, com uma carta de condução internacional, sendo que a injunção que lhe havia sido imposta, para efeitos de aplicação do instituto processual penal da suspensão provisória do processo, apenas o inibia de conduzir veículos com motor nas vias públicas ou equiparadas situadas dentro dos limites territoriais da República Portuguesa”.

Nos termos do art. 412.º, n.º 1, do CPP a motivação especifica os fundamentos do recurso, devendo terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido, devendo ainda obedecer às prescrições dos n.ºs 2 a 5.

Em bom rigor o art. 412.º, n.º 3, do CPP impõe o seguinte:

«3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devam ser renovadas».

O recorrente indica o ponto da matéria de facto que considera incorrectamente julgado, isto é, o facto sob o n.º 17 e indica o seu depoimento, no qual admite ter conduzido de forma regular com carta de condução internacional fora do território nacional (passagem 10:17:44 a 10:27:19 e passagem 10:17:44 a 10:27:19, da sessão de 22/4/2015), as declarações da testemunha H..., chefe de horários da empresa onde o arguido trabalha (passagem 10:28:43 a 10:37:58, na sessão de 22/4/2015) e os registos de condução efectuados pelo arguido juntos a fls. 98 a 148.

De facto, os elementos probatórios, designadamente os documentos de fls. 98 a 148, demonstram que o arguido, requereu carta de condução internacional e com ela conduziu veículos motorizados pesados, durante o período em que estava proibido de conduzir veículos motorizados, de forma regular em Espanha e outros países da Europa. 

E só esta factualidade é que deve ser acrescentada ao ponto 17 dos factos provados, pois a restante matéria que pretende acrescentar é notoriamente conclusiva quando refere:

«…sendo que a injunção que lhe havia sido imposta, para efeitos de aplicação do instituto processual penal da suspensão provisória do processo, apenas o inibia de conduzir veículos com motor nas vias públicas ou equiparadas situadas dentro dos limites territoriais da República Portuguesa”.

Ora, esta afirmação é uma conclusão que devemos tirar na aplicação do direito.

Face ao exposto altera-se a redacção do ponto 17 dos factos provados, que passa a ter a seguinte redacção:

«17 – Não obstante conhecer tal decisão, o arguido em 14/3/2014 requereu 2.ª via da carta de condução, com fundamento de extravio, que entregou nos autos em 28/3/2014 e naquela mesma data também requereu carta de condução internacional e com ela conduziu veículos motorizados de forma regular em Espanha e outros países da Europa, conforme registos de condução efectuados pelo arguido juntos a fls. 98 a 148». 

Nos termos do art. 69.º, n.º 1, al. a), do CP é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos, quem for punido, pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

Na sequência da suspensão provisória do processo foi imposta ao arguido a injunção de 4 meses de proibição de conduzir veículos motorizados, abrangendo a proibição veículos ligeiro e pesados.

Não pode e nem foi o sentido da decisão de a proibição ser restrita a veículos ligeiros como pretende o arguido na conclusão 8.ª da motivação de recurso.

Foi esta a condenação imposta nestes autos na sentença recorrida e da mesma natureza e com o mesmo âmbito foi imposta a injunção aplicada na sequência da suspensão provisória do processo, ficando o arguido proibido de conduzir veículos motorizados.

O art. 69.º, n.º 2, do CP, na anterior redacção estipulava que a proibição de conduzir podia«…abranger a condução de veículos motorizados de qualquer categoria ou de uma categoria determinada».

A actual redacção consigna que «pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria».

Os bens jurídicos protegidos com a norma são a vida, a integridade física e o património de outrem, pelo que dada a natureza do crime em análise, não faria sentido aplicar-se apenas a veículos ligeiros e não a veículos pesados, sendo que a condução destes últimos exige mais cuidados e trazem um perigo acrescido ao trânsito rodoviário, exigindo também cuidados acrescidos. 

A proibição tem um efeito universal, aplicando-se a proibição a todos os veículos motorizados, não permitindo o art. 69.º, n.º 2, do CP a restrição da proibição de conduzir veículos motorizados a uma categoria de veículos motorizados e nem excluir dessa proibição a condução de automóveis pesados utilizados pelo arguido no exercício da profissão.

No mesmo sentido o Ac. do TRE, de 18/2/2014, in www.pgdlisboa.pt; Ac. do TRP, de 16/12/2009, CJ Ano XXXIV, T. V, pág. 204 e Ac. do TRP, de 29/11/2006, CJ Ano XXXI, T. V, pág. 213 e Pinto Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 2.ª Ed., UCE, pág. 264.

Vejamos agora o facto do arguido ter conduzido fora do território nacional.

O arguido na sua motivação de recurso sustenta que não conduziu viaturas com motor nas vias públicas ou equiparadas situadas dentro dos limites territoriais da República Portuguesa, durante o período de tempo em que durou a inibição de conduzir que lhe foi injuntivamente imposta para efeitos de suspensão provisória do processo.

Por outro alega que a condução ocorreu no estrangeiro e fê-lo com uma carta de condução internacional que não estava obrigado a entregar e que não se provou ter sido obtida após a data que lhe foi imposta para entrega da sua licença de condução.

Como tal conclui que deve ser considerada cumprida a injunção imposta no âmbito da suspensão provisória do processo.

Carece de qualquer fundamento legal a pretensão do arguido, pois não deve valer tudo para exercer o seu direito de defesa.

Falta á verdade que cristalinamente resulta dos autos.

Se não vejamos.

Ao arguido foi imposta no âmbito da suspensão provisória do processo a proibição de conduzir veículos motorizados por 4 meses, por decisão de 5/3/2014.

O arguido solicitou 2.ª via da carta de condução em 14/3/2014 e na mesma data solicitou carta internacional!

Esta foi o expediente que o arguido utilizou.

Entregou depois documento substituto da 2,ª via nos autos em 28/3/2014.

O arguido continuou a conduzir o veículo pesado que lhe estava adstrito, em Espanha e outros países da Europa, com a carta internacional., tendo omitido Junto IMT que estava proibido de conduzir, caso contrário não lhe era concedida licença de condução enquanto estivesse impedido de exercer tal direito.

A pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, quando é aplicada visa impedir o arguido do exercício de tal direito, não apenas em território nacional, pois uma vez imposta a injunção de proibição de conduzir todos e quaisquer veículos motorizados deve entregar o título de condução, nos termos do art. 69.º, n.º 3, do CP e 500.º, n.º 2, do CPP.

A secretaria, por sua vez comunica a decisão de proibição ao IMT e este enquanto vigorar o período da pena acessória ou a injunção por si aceite no âmbito de suspensão provisória do processo não concede licença para conduzir.

Depois o n.º 5, do mesmo artigo dispõe que se estivermos perante título de condução emitido em país estrangeiro com valor internacional, a apreensão pode ser substituída por anotação naquele título, pelo IMT, da proibição decretada e se não for viável a anotação é comunicada a decisão ao organismo competente do país que tiver emitido o título, o que confirma a ideia de que o infractor está obrigado a cumprir a proibição de conduzir veículos motorizados, independentemente do país em que conduza. 

É uma limitação temporária ao direito de conduzir aplicada ao cidadão.

Aliás, o próprio cidadão estrangeiro fica obrigado a entregar a carta de condução e a cumprir a pena acessória imposta em Portugal e no estrangeiro, conforme se extrai do art. 500.º, 2, 3 5 e 6, do CPP.

Não faria sentido que uma decisão de cumprimento da proibição de conduzir se não aplicasse a cidadão português nos restantes países europeus em que o arguido continuou a conduzir veículos motorizados pesados.

O arguido no dia 14/3/3014, quando foi requerer a 2.ª via da carta de condução devia ter comunicado ao tribunal o extravio da carta, a qual só lhe deveria ser entregue pelo IMT, depois de decorrido o período de 4 meses de proibição de conduzir.

Já vimos que é irrelevante a condução fora do território nacional.

Estamos perante uma limitação ao direito de conduzir, fixada ao arguido, que deve cumprir pelo período fixado e não limitada ao território nacional.

Da mesma forma não se compreenderia a imposição de cumprimento de injunção ou pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados em Portugal e em país estrangeiro, aplicada a titular de licença emitida em país estrangeiro quando cometa infracção em Portugal (Ac. do TRP de 5/5/2010 – Proc. 339/07.4PAESP.P1, in www.dgsi.pt/jtrp).

Por outro lado, continuando a conduzir normalmente mesmo depois de ter conhecimento da obrigação da injunção imposta no âmbito da suspensão provisória do processo, não cumpriu qualquer dia de proibição de conduzir, pelo que está prejudicada a questão do desconto parcial.

De referir a benevolência do tribunal a quo, pois tendo o arguido inicialmente aceite no âmbito da suspensão do processo a proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses, foi agora condenado no limite mínimo de 3 meses constante da prisão legal do art. 69.º, n.º 1, al. a), do CPP.

Nestes termos, o arguido tem de cumprir integralmente, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos art.s 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do CP, a pena acessória de 3 (três) meses de proibição de conduzir veículos com motor em que foi condenado.


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III- Decisão:

Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra,

a) Alterar a redacção do ponto 17 dos factos provados, que passa a ter a seguinte redacção:

«17 – Não obstante conhecer tal decisão, o arguido em 14/3/2014 requereu 2.ª via da carta de condução, com fundamento de extravio, que entregou nos autos em 28/3/2014 e naquela mesma data também requereu carta de condução internacional e com ela conduziu veículos motorizados de forma regular em Espanha e outros países da Europa, conforme registos de condução efectuados pelo arguido juntos a fls. 98 a 148». 


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b) Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido, mantendo-se integralmente a sentença recorrida.

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Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3UCs.

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NB: Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP.


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Coimbra, 27 de Janeiro de 2014



(Inácio Monteiro - relator)


(Alice Santos - adjunta)