Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1259/03.7TACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: RECURSO
NOTIFICAÇÃO
Data do Acordão: 10/30/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE –BAIXO VOUGA – JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 411º Nº 6 CPP
Sumário: 1,- O requerimento de interposição de recurso ou a motivação são notificados aos demais sujeitos processuais depois do despacho de admissão desse mesmo recurso;
2.- Não tendo o recurso sido admitido não há lugar àquela notificação.
Decisão Texto Integral: Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

1.

Por requerimento de 20-6-2013 (fls. 3919/3920) o arguido A... arguiu a nulidade da não notificação do requerimento de interposição de recurso para o S.T.J. do acórdão desta relação de 27-2-2013, recurso este interposto pelos co-arguidos B.... C... e D... , do despacho de não admissão deste recurso, da reclamação desta decisão e do indeferimento da reclamação, proferida pelo S.T.J.

Por despacho de 26-6-2013 foi o pedido indeferido.

2.
Inconformado, o arguido reclamou para a conferência nos seguintes termos:
«1. O Despacho ora posto em crise pronunciou-se quanto ao requerimento de arguição de nulidade/irregularidade do processado, de fls 3919 e 3920;
2. A Ex.ª Sr.ª Desembargadora Relatora indeferiu o requerido, sustentando-se no nº 6 do art. 411.º do CPP, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei nº 20/2013, de 21/02;
3. Todavia, com a devida vénia, do dispositivo em questão não resulta o efeito que o despacho em questão pretende que tenha;
4. Antes de mais, a nova redacção do preceito em causa não deve considerar-se ser de aplicação imediata;
5. Na verdade, o nº 2 do art. 5º do CPP prevê circunstâncias em que a "nova" lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência, nomeadamente quando dessa aplicabilidade imediata possa resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação ao seu direito de defesa, ou quando ocorra quebra de harmonia e unidade dos vários actos do processo;
7. Como é referido no douto despacho ora reclamado, o arguido reclamante fundamenta a nulidade exactamente na violação dos princípios do contraditório e da máxima garantia de defesa;
8. Sendo certo que o arguido desde o início do já longo processo sempre foi notificado de todos os actos processuais, o facto de tal deixar de se verificar neste momento implicaria a óbvia quebra de harmonia e unidade dos vários actos do processo;
9. Assim, em nosso entender, salvo melhor opinião, a nova redacção do nº 6 do art. 411º do CPP não é de aplicação imediata, devendo observar-se o regime excepcional previsto no referido nº 2 do art. 5º;
10. Mas, ainda que assim não se entenda, sem conceder, mesmo de acordo com a "nova" redacção do nº 6 do art. 411º do CPP, à luz dos mesmos princípios e da letra e espírito da lei, o arguido sempre teria de ser notificado dos actos em questão;
11. Dispõe o nº 6 do referido art. 411º que "o requerimento de interposição ou a motivação são notificados aos restantes sujeitos processuais afectados pelo recurso, após o despacho a que se refere o nº 1 do art. 414º";
12. Dispõe o nº 1 do art. 414º que "interposto o recurso e junta a motivação ou expirado o prazo para o efeito, o juiz profere despacho e, em caso de admissão, fixa o seu efeito e regime de subida";
13. O despacho a proferir pode ser de admissão ou de não admissão do recurso, no entanto em parte alguma de tais preceitos se refere a desnecessidade de notificar os co-arguidos, quer da interposição do recurso quer do despacho que sobre a mesma venha a recair, independentemente do seu sentido;
14. Antes pelo contrário! O que a lei prevê é que após prolação do despacho de admissão ou de não admissão do recurso tais actos (interposição de recurso ou a motivação e o despacho) "são notificados aos restantes sujeitos processuais";
15. Também não se vislumbra em parte alguma da lei que, como é dito no despacho ora reclamado, "o requerimento de interposição de recurso ou a motivação são notificados aos demais sujeitos processuais depois do despacho de admissão desse mesmo recurso", interpretação com a qual o arguido, ora reclamante, não se pode conformar e que deve ser revogada por V.ªs Ex.ªs Sr.s Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra, em conferência;
16. Assim, revogando o despacho ora posto em crise, deverão, ainda, V.ªs Ex.ªs decidir-se pela existência das nulidades/irregularidades arguidas no requerimento de fls.3919 e 3920, para cujos fundamentos se remete, com as legais consequências».

            Secundando esta posição, vieram os arguidos E...e F... dizer:
«1. O nº 2 do art. 50 do CPP prevê circunstâncias em que a "nova" lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência, nomeadamente quando dessa aplicabilidade imediata possa resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação ao seu direito de defesa ou quando ocorra quebra de harmonia e unidade dos vários atos do processo.
2. Aliás, como tem vindo a ser entendido pela jurisprudência, nomeadamente:
- Ac. de 14.05.2009, Procº n° 1496/02.lTAFAR.Sl em que foi relator Fernando Fróis;
- Ac. de 18.02.2009, Procº nº 08P1957, em que foi relator Henriques Gaspar;
- Ac. de 04.02.2009, Procº nº 08P4137, em que foi relator Fernando Fróis;
- Ac. de 05.11.2008, Procº nº 08P2867, em que foi relator Fernando Fróis;
- Ac. de 29.10.2008, Procº nº 08P1309, em que foi relator Raúl Borges;
- Ac. de 02.09.2008, Procº nº 08P1883, em que foi relator Fernando Fróis,
todos disponíveis em www.dgsi.pt.
3. Assim, é também nosso entendimento, salvo melhor opinião, que a nova redacção do nº 6 do art. 411º do CPP não é de aplicação imediata, devendo observar-se o regime excepcional previsto no referido nº 2 do art. 5º, e que, como tal, assiste razão ao requerente devendo conhecer-se as nulidades/irregularidades arguidas».

3.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência cumpre decidir.
 
*

Conforme o referido, por requerimento de fls. 3919/3920, apresentado em 20-6-2013, o arguido A...requereu o seguinte:
«Requerimento de arguição de nulidade/irregularidade
A..., co-arguido nos autos à margem referenciados, vem expor e requerer …
1. Veio, fortuitamente, ao conhecimento do ora requerente que os co-arguidos B..., C...e D... haviam interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão proferido por esse Venerando Tribunal da Relação de Coimbra em 27 de Fevereiro do corrente ano de 2013;
2. Tal acórdão havia-se pronunciado quanto às nulidades invocadas pelos arguidos relativamente ao acórdão proferido em 26 de Setembro de 2012;
3. Dos referidos acórdãos, bem como das respectivas peças processuais que os provocaram (reclamação e pedido de reforma e requerimento de arguição de nulidades), foi o ora requerente devidamente notificado, conforme melhor se constatará pela simples consulta dos autos;
4. Quanto ao referido requerimento de arguição de nulidades o ora requerente foi notificado ao abrigo do disposto no art. 670º do CPC, para responder, querendo, no prazo de 10 dias;
5. O ora requerente foi, ainda, notificado dos despachos de não admissão dos recursos interpostos pelos supra referidos arguidos e por E... e F..., também co-arguidos (despachos de 23 de Janeiro de 2013);
6. No entanto, ora requerente, co-arguido, não foi, em momento algum, notificado da interposição do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça referido em 1 e 2;
7. Não tendo sido, igualmente, notificado do respectivo despacho de não admissão, ou sequer da correspondente reclamação pela sua não admissão;
8. Não foi, também, notificado da decisão de indeferimento da citada reclamação proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça;
9. O facto de o ora requerente, co-arguido, não ter sido notificado dos actos referidos nos nºs 1, 2 e 6 a 8 do presente requerimento, determina a nulidade dos mesmos (cfr. art.s 118º e 120º do CPP).
10. Na verdade, dessa omissão resulta óbvia violação do Princípio do contraditório e da estrutura contraditória que enformam o direito português (v.g. art. nº 32º, nº 5 da CRP);
11. Atente-se, ainda, ao princípio da máxima garantia de defesa do arguido;
12. Veja-se, ainda a este propósito, com o devido respeito, o que vai dito no nº 6 do art, 411º do CPP: "O requerimento de interposição ou a motivação são notificados oficiosamente aos restantes sujeitos processuais afectados pelo recurso ..":
13. Ainda que se entenda, sem conceder, que a omissão de notificação dos actos em questão constitui mera irregularidade, os mesmos não deixam de estar feridos de invalidade, nos termos do disposto no art.123º do CPP;
14. Note-se, ainda, com a devida vénia, que o conhecimento dos actos referidos em 9 apenas adveio ao co-arguido, ora requerente, por causa fortuita, no dia 19 de Junho do corrente ano de 2013, pelo que está o mesmo em tempo para a arguir;
15. Termos em que devem V.ªs Ex.ss, Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra decidir-se pela nulidade dos actos em questão, ou, caso assim não se entenda, sem conceder, pela verificação das alegadas irregularidades, com as legais consequências.».

            Sobre o requerido recaiu o seguinte despacho, proferido em 26-6-2013:
«Req. de fls. 3919 e 3920:
o arguido A... veio arguir a nulidade do processado devido ao facto de não ter sido notificado do requerimento de interposição de recurso dos co-arguidos B..., C...e D... do acórdão deste tribunal de 27 de Fevereiro passado, do despacho de não admissão deste recurso, da reclamação da não admissão e do despacho de indeferimento desta reclamação, proferido pelo S.T.J.
Fundamenta a nulidade na violação dos art. 118º e 120º do C.P.P. e dos princípios do contraditório e da máxima garantia de defesa.
Conforme refere o arguido, do acórdão de 27 de Fevereiro foi interposto recurso para o S.T.J. pelos arguidos B..., C...e D..., recurso este que não foi admitido (fls. 3913).
Este despacho não foi notificado ao reclamante.
Ora, dispõe o nº 6 do art. 411º do C.P.P., na redação dada pela Lei 20/2013, de 21/2, que o requerimento de interposição de recurso ou a motivação são notificados aos restantes sujeitos processuais após o despacho referido no nº 1 do art. 414º.
E o nº 1 do art. 414º trata do despacho de admissão do recurso.
Portanto, o requerimento de interposição de recurso ou a motivação são notificados aos demais sujeitos processuais depois do despacho de admissão desse mesmo recurso.
Daqui resulta que não tendo o recurso sido admitido não há lugar àquela notificação.
Aquela norma, na sua atual redação, é de aplicação imediata, conforme determina o nº 1 do art. 5º.
Então, não havendo lugar à notificação do requerimento de interposição do recurso do acórdão de 27 de Fevereiro não há lugar, naturalmente e por decorrência lógica, à notificação do despacho de não admissão daquele recurso, à reclamação da não admissão do recurso e da decisão da reclamação.
Pelo exposto indefere-se o requerido».

*

   Pretendem os arguidos que se proceda às notificações omitidas alegando, primeiro, que a tanto impõe o nº 2 do art. 5º do C.P.P., já que da aplicação imediata da norma invocada no despacho reclamado resulta agravamento sensível da situação processual do arguido, tal como resulta violação dos princípios do contraditório e da máxima garantia.
   
Dispõe o art. 5º do C.P.P., sobre a aplicação da lei processual penal no tempo:
«1 - A lei processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior.
 2 - A lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar:
 a) Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; ou
 b) Quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo.».

O princípio da aplicação imediata da lei processual penal tem, portanto, as exceções prevista no nº 2.
            Mas o cabal entendimento desta norma supõe ter em conta a distinção clássica entre normas processuais materiais e normas processuais em sentido estrito.
            As normas processuais materiais são aquelas que, nas palavras de Paulo Pinto de Albuquerque [1], «representam, em termos materiais, uma verdadeira pré-conformação da penalidade a que o arguido poderá ficar sujeito».
São exemplos destas normas, apontados pela doutrina e/ou jurisprudência e muitos deles já chanceladas pelo Tribunal Constitucional, as que se referem à natureza do crime, ao exercício do direito de queixa, aos prazos de prescrição do procedimento criminal e das penas e respetivas causas de suspensão e interrupção, à execução das penas, à aplicação e duração das medidas de coação, ao exercício do direito ao recurso, à fundamentação das decisões judiciais e as normas relativas à reformatio in pejus em recurso interposto apenas pelo arguido.
Assim, a nova lei que legisle sobre estas matérias não será de aplicação imediata se dessa aplicação resultar desfavorecimento do arguido.

Uma outra possibilidade de obstar à aplicação imediata da lei nova é quando desta aplicação resultar uma quebra da harmonia e unidade dos atos de processo.
E que casos estão aqui contemplados?
Por exemplo, alteração de normas relativas à audiência, quando a audiência já esteja em curso. Assim, uma norma que alterasse as regras do depoimento das testemunhas não se aplicaria de imediato ao caso porque alteraria a tal harmonia e unidade dos atos processuais.

No caso dos autos, o que temos é a alteração de uma norma processual relativa à notificação de terceiros, isto é, de não recorrentes, de um recurso interposto que não veio a ser admitido.
Ora, é evidente que da aplicação imediata do nº 6 do art. 411º do C.P.P., que determina que esta notificação só se fará depois do despacho de admissão, nenhum prejuízo resulta.
            De que modo é que a não notificação de um recurso não recebido prejudica um não recorrente?
            Nós não vislumbramos o prejuízo e o arguido também não o conseguiu identificar.
            E é por manifesta desnecessidade de tal notificação que a lei, sensível aos direitos dos arguidos, manda notificar todos os arguidos dos recursos que sejam admitidos, porque só destes poderá resultar algum prejuízo para a sua posição processual.
            Um recurso não admitido é, digamos, um projeto que morreu antes de ter logrado introduzir qualquer alteração no meio a que se destinava – o processo -, e, portanto, absolutamente irrelevante.
Se assim é, a não notificação desta intenção falhada não tem capacidade de provocar qualquer prejuízo.

            Agora e sobre a harmonia e unidade do processo, também não percebemos onde esta harmonia sai quebrada.
            Ela poderia ser posta em causa se as normas sobre a tramitação dos recursos se aplicassem a recursos admitidos, em marcha, portanto. Mas aqui estaríamos perante recursos válidos.

            Portanto, a norma em causa tem aplicação imediata, de acordo com a regra do nº 1 do art. 5º do C.P.P.

            Sobre o entendimento defendido pelo arguido reclamante, de a nova redação do nº 6 do art. 411º do C.P.P. manter a notificação dos recursos interpostos, mesmo que não admitidos, não é esse o entendimento que perfilhamos.
            Assim, e repetindo o decidido anteriormente, «o requerimento de interposição de recurso ou a motivação são notificados aos demais sujeitos processuais depois do despacho de admissão desse mesmo recurso.
Daqui resulta que não tendo o recurso sido admitido não há lugar àquela notificação.
Aquela norma, na sua atual redação, é de aplicação imediata, conforme determina o nº 1 do art. 5º.
Então, não havendo lugar à notificação do requerimento de interposição do recurso do acórdão de 27 de Fevereiro não há lugar, naturalmente e por decorrência lógica, à notificação do despacho de não admissão daquele recurso, à reclamação da não admissão do recurso e da decisão da reclamação.
Pelo exposto indefere-se o requerido».
*

DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos julga-se improcedente a presente reclamação.

Fixa-se em 3 UC’s a taxa de justiça, a cargo do reclamante.

                                                                                                          Coimbra, 2013-10-30

Olga Maurício (Relatora)
José Calvário

[1] Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pág. 54.