Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
61/17.3JAGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA BOLIEIRO
Descritores: DOLO DIRECTO
DOLO NECESSÁRIO
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
PRINCÍPIOS DO ACUSATÓRIO OU DO CONTRADITÓRIO
MAUS TRATOS
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
CONCEITO DE MAUS TRATOS FÍSICOS OU PSÍQUICOS
PESSOA PARTICULARMENTE INDEFESA
RELEVÂNCIA TÍPICA
Data do Acordão: 02/12/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE CASTELO BRANCO – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA, EM PARTE
Legislação Nacional: ART.ºS 358.º, N.º 1 E 379.º, N.º 1, ALÍNEA B), AMBOS DO CPP; 152.º-A DO CP
Sumário: I –  A “passagem” do dolo directo da acusação ou da pronúncia para o dolo necessário, não configura alteração não substancial que, como tal, deva ser comunicada à arguida, nos termos previstos no artigo 358.º, n.º 1 do CPP, sob pena de nulidade do acórdão, nos termos cominados pelo artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP.

II – Isto porquanto a consideração da actuação da recorrente a título de dolo necessário, mais não representa do que um minus, relativamente ao quadro factual da acusação/pronúncia (dolo directo) e, por isso, também nele contido, sendo certo que aquela teve conhecimento de todos os elementos constitutivos do crime pelo qual veio a ser condenada e teve possibilidade de os contradizer.

III – A afirmação, feita no acórdão recorrido, de que a arguida actuou sabendo ser consequência necessária da sua conduta a humilhação e sofrimento psíquico das ofendidas, já está logicamente contida na afirmação, constante da pronúncia, de que aquela actuou com intenção de realizar o facto típico.

IV – Como assinala o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 72/05, de 11-02-2005, não pode ver-se na situação indicada em I, II e III uma violação dos princípios do acusatório ou do contraditório constitucionalmente censurável.

V – No tipo do artigo 152.º-A do Código Penal, tutela-se um bem jurídico complexo que radica na dignidade da pessoa humana, pelo que, para constituir maus tratos, a conduta do agente deve consubstanciar uma ofensa que, pelas suas características (a analisar no caso concreto, à luz do específico contexto relacional existente entre o agente e a vítima, correspondente a um dos descritos no corpo do n.º 1 da norma incriminadora), se reflecte negativamente na saúde física, psíquica ou mental da vítima e conduz à degradação da sua dignidade pessoal.

VI – Os actos praticados pelo agressor, que podem ser de várias espécies, são considerados na sua integração num comportamento global dotado de uma unidade de sentido de ilicitude, cujo elemento característico corresponde, precisamente, ao tipo dos maus tratos, previsto no artigo 152.º-A do Código Penal.

VII – Devido ao estado de agitação do ofendido DM, então com cinco anos de idade, apresentando-se muito choroso e irrequieto, em virtude de, no dia seguinte, ter de ser submetido a intervenção cirúrgica, recusando-se a dormir, a arguida TM, por volta das 21h00m, em Março, pegou no ofendido DM, que vestia apenas pijama e calçava meias, abriu uma das portas da instituição, sentou-o nas escadas que dão acesso à rua principal e regressou ao interior da instituição, deixando-o naquele local sozinho e ao frio, durante um período não concretizado, mas que não excedeu dez minutos, em que a criança ficou a chorar e teve medo do que lhe pudesse acontecer.

VIII – Pese embora se tenha traduzido num único comportamento, a apurada conduta da arguida TM exprime uma actuação lesiva da dignidade pessoal e da saúde física, psíquica e mental do ofendido DM e, nessa medida, encerra em si a unidade de sentido de ilicitude que caracteriza o tipo dos maus tratos, previsto no artigo 152.º-A do Código Penal.

IX – Não há intenção educativa que possa legitimamente justificar ou sequer explicar a actuação da arguida TM, a quem, pela função que desempenha na instituição que acolhe o ofendido, era exigível e expectável que adoptasse uma conduta pedagogicamente adequada, dando uma resposta consentânea com as necessidades afectivas, psicológicas e educacionais que o ofendido DM revelava na ocasião dos factos, sem pôr em causa a sua dignidade pessoal e saúde física, psíquica e mental.

X – A situação da ofendida AF, portadora de transtorno do espectro autista, revelando-se, por isso, uma pessoa com comportamentos disfuncionais, por vezes agressiva, que descompensa com facilidade, residente na instituição Casa do MJ, mesmo após a maioridade, por ser uma jovem em perigo, com processo de promoção e protecção pendente, deve ser considerada, para efeitos do tipo incriminador do artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal, pessoa particularmente indefesa, em razão de deficiência.

XI – Devido aos comportamentos a que se alude em X, e a mando da arguida RM, a ofendida AF foi muitas vezes sujeita a castigo alimentar, ingerindo apenas a sopa ou sopa e fruta, ao almoço ou ao jantar, sabendo aquela arguida que, como consequência necessária da sua conduta, humilhava a ofendida AF, de forma reiterada, à frente das restantes crianças e jovens da instituição.

XII – Como refere o tribunal a quo, o castigo aplicado à ofendida AF, não só não se mostra adequado para promover o fim educativo que terá sido visado, como, em face da respectiva natureza (privação de uma parte substancial de uma refeição), sempre consubstanciaria, em qualquer circunstância, um “castigo rigorosamente proibido”. Está em causa a satisfação de uma necessidade básica do ser humano, que não deve ser objecto de qualquer limitação com fundamento nas necessidades educativas que possam ser detectadas.

XIII – Não há intenção educativa que possa legitimamente justificar ou sequer explicar a actuação da arguida RM, a quem, pela função que desempenha na instituição que acolhe a ofendida, sendo profissional da área da psicologia, era exigível e expectável que adoptasse uma conduta ajustada aos cuidados de saúde mental de que a ofendida AF necessitava, bem como pedagogicamente adequada, dando uma resposta consentânea com as especificidades de desenvolvimento neurológico e de ordem psíquica, psicológica e educacional que aquela ofendida revelava à data dos factos, sem pôr em causa a sua dignidade pessoal e a saúde física, psíquica e mental.

XIV – A gravidade do apurado comportamento da arguida RM, que se desdobrou em múltiplas actuações, ainda que em número não concretamente determinado, exprime claramente uma actuação lesiva da dignidade pessoal e da saúde psíquica e mental da ofendida AF, senão mesmo também da própria saúde física, e, nessa medida, contém em si a unidade de sentido de ilicitude que caracteriza o tipo de crime de maus tratos, previsto no artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

XV – Atendendo ao significado que objetivamente encerra (pessoa que está privada de um braço ou de uma das mãos), provoca elevada perturbação psíquica e humilhação, como efetivamente aconteceu, com relevância típica para o crime de maus tratos, porque atentatória do bens jurídicos dignidade pessoal e saúde psíquica e mental, a utilização, pela arguida RM, em diversas ocasiões, a sós e também na presença de outros utentes e funcionárias, da expressão “maneta”, para apelidar alguém que padece de limitações físicas que lhe afectam o membro superior de um dos lados do corpo, como sucede com a ofendida DF, que sofre de hemiparesia (perda parcial das funções motoras de uma das metades do corpo), isto tanto mais que a mesma estava em plena adolescência e se encontrava acolhida em meio institucional, em resultado de uma medida de promoção e protecção, espaço que congrega diversas pessoas – adultos, crianças e jovens – e em que, por natureza, facilmente se propaga a utilização de “alcunhas”, mais ou menos depreciativas, nomeadamente pelos pares ali residentes.

Decisão Texto Integral:









Acordam, em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório 

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco – Juízo Central Criminal de Castelo Branco – Juiz 2, o Ministério Público para julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, as arguidas RM e TM, com os demais sinais dos autos, foram pronunciadas pela prática, em autoria material e concurso efectivo, de, respectivamente, nove e quatro crimes de maus tratos, previstos e punidos pelos artigos 152.º-A, n.º 1, alínea a), e 66.º, n.os 1, alínea a), e 2, ambos do Código Penal.

Realizada a audiência de julgamento, a 1.ª instância proferiu acórdão em que decidiu:

(…)

- Julgar parcialmente procedente a pronúncia e, em consequência, condenar a arguida RM pela prática, como autora material e em concurso efectivo, de dois crimes de maus tratos, previstos e punidos pelo artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal, por referência aos factos em que figuram como ofendidas AF e DF, em penas de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão por cada um desses crimes.

- Condenar a arguida TM pela prática, como autora material, de um crime de maus tratos, previsto e punido pelo artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal, por referência aos factos em que figura como ofendido DM, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

- Proceder ao cúmulo jurídico das duas penas de prisão aplicadas à arguida RM e, em consequência, condenar a citada arguida na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

- Suspender a execução da pena única de prisão aplicada à arguida RM pelo período de 3 (três) anos e 6 (seis) meses.

- Suspender a execução da pena de prisão aplicada à arguida TM pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.

2. Inconformada com a decisão, dela recorreu a arguida TM, que finalizou a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

“1. O presente recurso, como se refere em sede de motivação, vem interposto da matéria de facto e de direito nos termos do disposto no artigo 412º do C.P.P.

                                         A) MATÉRIA DE FACTO

2. No que respeita à matéria FACTUAL dada como PROVADA, considera-se que, atentas as provas produzidas e constantes dos autos, há factos que não deviam ter sido dados como provados, a saber, (…)., 43., (…). do pondo II, Fundamentação de facto, Factos Provados, do douto acórdão, os quais aqui se dão por reproduzidos para os devidos e legais efeitos.

(…)

13. Ponto 43.º - Não foi feita qualquer prova de que a Arguida terá ficado a vigiar o Ofendido D através de uma janela, sem que este pudesse perceber a sua presença, nem testemunhal nem documental, logo, deveria ser considerado como não provado. Assim como, não foi feita prova de que o D tivesse ficado na rua a chorar e por um período de tempo, que não excedeu os dez minutos, sendo que as cinco testemunhas supra referidas que dizem ter presenciado os factos indicam períodos de tempo diferentes.

(…)

                                       B) MATÉRIA DE DIREITO

19. Atento ao teor do acórdão recorrido e face à prova dada como provada, o Tribunal a quo condenou a aqui Recorrente pela prática de um crime de maus-tratos p.p pelo art.º 152-A nº1 al. a) do Código Penal, por referência aos factos em que figura como ofendido, DM, a dois anos a seis meses de prisão suspensa por igual período.

20. Ora, atenta a matéria factual que a Recorrente considera provada nos termos supra indicados e mesmo tendo em atenção os factos dados como provados e não provados pelo Tribunal a quo, entende-se, salvo melhor e douta opinião, que o Tribunal não procedeu à adequada qualificação jurídica dos factos bem como se considera excessiva a pena aplicada à Recorrente.

IMPUNIBILIDADE DA RECORRENTE

21. Foi a aqui Recorrente condenada pela prática de um crime de maus tratos p.p pelo art.º 152-A nº1 al. a) do Código Penal.

Ora, o legislador quis tutelar com a presente norma, o respeito pelo desenvolvimento harmonioso da personalidade humana e pelo seu bem-estar social, físico, psíquico e mental, (vide entre outros Acórdão do STJ de 2/7/08) ou, conforme refere Plácido Conde Fernandes, “a saúde, enquanto manifestação de dignidade da pessoa humana e da garantia da integridade pessoal contra os tratos cruéis, degradantes ou desumanos, num bem jurídico complexo que abrange a tutela da saúde física, psíquica emocional e moral

22. São elementos objetivos deste tipo de crime, a existência de uma específica relação entre o arguido e a vítima e a existência de agressões físicas ou psicológicas.

Ora, no que diz respeito ao primeiro elemento do tipo, diga-se que se trata de um crime específico na medida em que só pode ser cometido por quem se encontrar numa especial relação com a vítima.

Em relação ao segundo elemento, entenda-se as ofensas à integridade física “tout court”, ou seja, as ofensas realizadas no corpo e na saúde de alguém, e, por seu turno, os maus tratos psíquicos traduzem-se em humilhações, ameaças, provocações, molestações, vexames, etc.

23. Tal conforme é mencionado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa “trata-se de um crime específico que, no caso de maus tratos físicos, não passa de um crime de ofensas à integridade física automatizado em função da particular relação existente entre o agente e a vítima, havendo uma relação de concurso aparente entre os dois tipos de ilícito “(vide Ac. da Relação de Lisboa de 24/05/11).

Ora, para a materialização do crime sub-iudice é exigido, é necessário que o agente conheça o tipo de crime e a vontade de o realizar e a especial vontade de cometer o facto criminoso.

24. Por outro lado, diga-se também, que nem todos os denominados maus tratos merecem a tutela do direito no sentido de incriminar a conduta do infrator.

Ora e tal conforme é indicado no Acórdão STJ “castigos moderados aplicados a menor por quem de direito, com fim exclusivamente educacional e adequados à situação, não são ilícitos” (vide Ac. STJ de 5/4/06).

Efetivamente e tal conforme é mencionado no referido aresto jurisprudencial “o conceito de maus tratos da norma penal abrange os maus tratos físicos, considerados como aqueles que afetam a integridade das pessoas aí mencionadas, os maus tratos psíquicos, considerados como aqueles que afetam a auto estima e a competência social do dependente, entre os quais se incluem as humilhações, provocações e molestações e ainda os tratamentos cruéis, estes considerados como aqueles que seja desumanos, de forma inadmissível

25. Ora no caso em apreço estamos a analisar os factos ocorridos entre a Recorrente e o ofendido D, e não podemos deixar de ter em atenção, os factos relacionados com a Recorrente e dados como provados nos pontos 82º a 89º que aqui se dão por reproduzido.

26. Ora atento ao teor dos factos que a Recorrente considera como provados e como não provados, tal conforme o supra indicado, resulta à saciedade que jamais à mesma pode ser imputado, a prática de um crime de maus tratos, pelo que, deve ser absolvida, em virtude do seu comportamento e na versão dos factos supra indicados, não consubstanciar a prática do ilícito que lhe foi imputado no Acórdão recorrido.

Sem prescindir

27. Caso assim não se entenda, e atenta à matéria dada como provada e não provada no Acórdão, também se entende que o comportamento da Recorrente não é enquadrável na prática de um crime e maus tratos nos termos do artigo 152º-A nº1, al. a) do Código Penal.

28. Ora, no caso em apreço e nos factos dados como provados, não há qualquer elemento que possa indicar que o ofendido tenha sido humilhado, provocado, molestado e que tenha ficado com qualquer sequela, a nível físico de tal comportamento.

29. Se o comportamento descrito na versão do douto Acórdão tivesse causado ao ofendido qualquer sofrimento, dor, ou fosse por ele entendido como uma humilhação, certamente que teria sido por si comentado, não só com a professora primária ou com a psicóloga que dá apoio na Instituição o que de facto não sucedeu, conforme aliás resulta dos seus depoimentos, como também pela funcionária IS que na data dos factos consigo lidou e vivenciou, ou seja o comportamento da Recorrente não pode ser qualificado como cruel, indigno, causador de humilhação ao ofendido, o comportamento da Recorrente pode ser censurável, conforme o aliás por esta admitido e também entendido pela Direção da Instituição, contudo, o mesmo não é suscetível da prática de um crime de maus tratos. Trata-se de uma brincadeira infeliz que a Recorrente teve com o ofendido, ocorrida num dia, a qual não lhe causou dor, trauma ou indignação, nem tão pouco foi praticado com esse intuito.

30. Diga-se, ainda a este propósito, que convém referir o seguinte:

a) A Recorrente nunca deixou o ofendido sozinho, pois ficou a vigia-lo da janela (ponto 43 dos factos), para além do Tribunal a quo e tal como é indicado no Acórdão sub-iudice ter considerado que as testemunhas A e R sempre se mantiveram na rua à espera que a Tânia abrisse a porta, razão pela qual nunca poderia haver o perigo de fuga do ofendido D.

b) Por outro lado e tal conforme resulta dos factos dados como provados, a Recorrente manteve-se ao serviço da Instituição, tendo sempre sido tida pelos seus superiores hierárquicos e membros da Direção uma profissional dedicada, zelosa e competente, sendo também considerada pelas pessoas com quem priva, uma pessoa sensível, carinhosa, educada, séria, responsável, trabalhadora e honesta, para além de manter um bom relacionamento com as crianças e jovens institucionalizados na Casa do MJ, ou seja, estamos na presença de uma pessoa de inegáveis qualidades humanas e profissionais, incapaz de cometer o crime que lhe está a ser imputado… aliás, é também aqui no mínimo estranho que o referido menor continue a manter uma boa relação com a Recorrente… ou seja e tal conforme o por esta indicado, os factos em apreço, não constituíram mais do que uma brincadeira, infeliz é certo, mas sem qualquer intensão de ofender seja a que titulo for a saúde física e/ou mental do ofendido, não tendo provocado qualquer mazela ou sequela seja a que titulo for. Caramba… a Recorrente não é nenhuma criminosa…na sua perspetiva não cometeu o crime que lhe foi imputado!

Pelo que se entende e salvo melhor e douta opinião, que a Recorrente e por este motivo deve ser absolvida.

Mais

31. Caso se entenda que os factos em apreço não são enquadráveis no artigo 152º-A, nº 1, al. a do Código Penal, mas sim no disposto no artigo 143º do C.P, ou seja, crime de ofensas à integridade física, então também se dira que não tendo sido formalizada qualquer queixa nos autos pelo responsável do ofendido D, ou seja, a pessoa que detém as responsabilidades parentais, tal determina que esteja precludido o direito de queixa, por caducidade do seu exercício (Vide entre outros Ac. Rel. De Évora de 28/01/2011), pelo que e também por este motivo, deve a Recorrente ser absolvida.

(…)

4. Também inconformada com o acórdão, dele recorreu a arguida RM, que finalizou a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

“1. Na comparação entre os factos constantes da acusação pronúncia e os que o tribunal colectivo considerou provado, verifica-se que do dolo da acusação se passou no acórdão para o dolo necessário.

2. Houve para tanto no acórdão alteração dos factos descritos na acusação e respectiva qualificação jurídica, sendo certo que o tribunal não recorreu ao mecanismo previsto no art.º 358.º do Código de Processo Penal.

3. Dito de outra forma, não se provou a acusação quanto aos elementos subjectivos do crime (e nomeadamente os constantes dos pontos 26, 27, 49, 50 e 87) — o que implica necessariamente a absolvição da arguida.

4. O crime de maus tratos, previsto e punido pelo art.º 152.º-A do Código Penal, pressupõe que a vítima esteja a cargo ou à guarda do agente e seja de menor idade ou particularmente indefesa.

5. A ofendida AF é já de maior idade e era de maior idade à data em que pelo menos parte dos factos pode ter ocorrido; o simples facto de ser autista, atentas as diversas doenças do espectro autista e o seu impacto de indivíduo para indivíduo, não implica por si só essa caracterização; o facto de ter sido considerada “criança ou jovem em perigo”, o que levou à sua institucionalização, não permite também caracterizá-la assim, pelo menos sem factos que mostrem que, apesar de institucionalizada e já de maior idade, continua a ser uma jovem em perigo.

6. Uma vez que se não fez a prova de um único dos factos referentes a essa ofendida ter ocorrido antes da sua passagem à maioridade, e na dúvida de quando aconteceram, terá essa dúvida de ser resolvida a favor da arguida e ela ser absolvida do crime.

7. O simples facto de se aplicar um castigo alimentar consistente em, a certas refeições não concretamente determinadas, servir apenas sopa ou sopa e fruta a uma jovem obesa, ou em situação de pré-obesidade, ou pelo menos com excesso de peso, não pode só por si implicar a prática de um crime, pelo menos sem a prova de factos que esclareçam em que circunstâncias foi, ou o que a menor comeu nas outras refeições do dia.

8. Qualquer castigo implica um modicum de sofrimento para quem o recebe e a aplicação de castigos alimentares a uma jovem com excesso de peso para a punir por comportamentos agressivos para com outros utentes (sendo que a própria ofendida reconheceu quando ouvida que às vezes bate à N, à Ná e à R) não parece excessiva e muito menos criminosa.

9. Não foi determinado o porquê de em relação a essa ofendida em concreto constituir humilhação (e de relevância criminal) e causar “sofrimento psíquico” um castigo alimentar, na perspectiva até do nexo causal entre o acto e o dano.

10. A própria AF, ouvida em julgamento, negou o castigo.

11. A expressão “maneta” dirigida pela arguida à AF, em data, local e circunstâncias não determinadas, desacompanhada destas circunstâncias e do impacto produzido na ofendida, é penalmente inócua.

12. Do depoimento desta resulta que ela nem sequer se lembra de a arguida lhe ter dirigido tal expressão, o que demonstra pelo menos que a não considerou ofensiva.

13. Como é recorrente na acusação, falha que contaminou o acórdão recorrido, não são contextualizados os “factos” com o modo, o porquê (à excepção de que a AF estaria a ser castigada por comportamentos agressivos) ou as circunstâncias, nem são localizados no tempo e no espaço. Note-se que nem sequer foi estabelecido que os factos ocorreram no espaço físico da Casa do MJ.

14. Esta falta impossibilitou à arguida uma defesa cabal e fere o processo de nulidade, como sucessivamente alegado ao longo do processo. Quanto à ofendida DF, e como resulta da transcrição do seu depoimento, sem se referir à arguida e colocada perante três reacções possíveis dela à expressão “maneta” ou “perneta maneta” (ficava aborrecida, ficava a pensar nisso, achava mal que lhe dirigissem aquelas palavras), escolheu a menos inofensiva de todas (ficava a pensar), sem que lhe tenha imputado um único episódio em que a arguida a tivesse tratado assim e não mostrando por isso ter sofrido qualquer sofrimento infligido pela arguida.

15. A ofendida AF, no depoimento acima transcrito qualifica a arguida como sua amiga, reconhece alguns comportamentos violentos (bate às vezes à N, à Ná e à R), nega que só lhe dessem sopa, não mostra sequer ter sofrido castigos alimentares, não mostra ter noção de que alguma vez só comesse sopa e fruta. Mas, sobretudo, não mostra ter tido qualquer tipo de sofrimento psíquico ou humilhação em consequência de qualquer comportamento da arguida.

16. Dos depoimentos conjugados da arguida e das duas ofendidas, acima transcritos, não resulta por isso ter aquela tido qualquer intenção de lhes causar sofrimento psíquico ou humilhação, ou ter representado essas consequências, ou elas terem sentido, por actuação da arguida qualquer sofrimento psíquico ou qualquer humilhação, pelo que devem ser considerados não provados os factos constantes dos pontos 16, 17, 33 e 34 da matéria de facto assente.

(…)

18. Viola o douto acórdão recorrido os artigos 283.º, 3, b), e 358.º do Código de Processo Penal, assim como os artigos 14.º, 2 e 152.º-A do Código Penal.

Termos em que deverá a arguida ser absolvida dos crimes de que foi acusada e pelos quais foi condenada”.

(…)

Cumpre agora decidir.

                                                             *

II – Fundamentação 

Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do CPP que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões formuladas na motivação, as quais delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar[1], sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso[2].

Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência das recorrentes com a decisão impugnada, são as seguintes as questões a decidir:

Recurso da arguida TM

- A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto e a consequente modificação daquela decisão e necessária absolvição da recorrente.

- A incorrecta qualificação jurídica dos factos.

(…)

Recurso da arguida RM

- Nulidade prevista no artigo 283.º, n.º 3, alínea b), do CPP.

- Nulidade do acórdão por violação do disposto no artigo 358.º do CPP (alteração não substancial não comunicada).

(…)

- A incorrecta qualificação jurídica dos factos.

(…)

                                                        *

2. O acórdão recorrido.

2.1. No acórdão proferido pela 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):

“1. A Casa do MJ é uma instituição particular de solidariedade social.

2. O Lar de Infância e Juventude, actualmente denominado Casa de AR, é uma valência dessa instituição destinada a crianças e jovens em risco.

3. Em Julho de 2017, residiam no referido lar vinte e sete crianças e jovens com idades compreendidas entre os três e os vinte anos.

4. A arguida RC é licenciada em psicologia.

5. A arguida RC iniciou funções na Casa do MJ, como psicóloga, em Novembro de 2003.

6. No dia 15 de Junho de 2004, a arguida RC assumiu a direção técnica da Casa do MJ, exercendo essas funções até ao dia 15 de Julho de 2017, data em que lhe foi imposta a medida de coacção de proibição do exercício da função de Directora Técnica e psicóloga da Casa do MJ.

7. No âmbito das suas funções de Directora Técnica e psicóloga, a arguida RC estava incumbida de supervisionar o Lar Residencial, coordenando funcionários e utentes e fazendo a gestão do Lar Residencial e dos projectos de vida das crianças.

8. No ano de 2012, a arguida TM iniciou funções na Casa do MJ como prestadora de serviços.

9. No dia 15 de Janeiro de 2017, a arguida TM celebrou contrato de trabalho a termo certo pelo período de doze meses, automaticamente renovável por mais dois períodos de igual duração, tendo em vista o exercício das funções de educadora social.

10. A arguida TM é licenciada em serviço social.

11. No âmbito das suas funções, a arguida TM estava incumbida do acompanhamento técnico de crianças e jovens e era também responsável pela articulação com as famílias das crianças e jovens residentes no Lar.

12. A ofendida AF, que conta, actualmente, vinte anos de idade, vive na Casa do MJ desde o mês de Junho de 2004 e padece de transtorno do espectro autista, revelando-se, por isso, uma pessoa com comportamentos disfuncionais, por vezes agressiva, que descompensa com facilidade.

13. Durante uma parte do período em que a arguida RC exerceu a direcção técnica da Casa do MJ, a ofendida AF tomava as suas refeições na ponta da última mesa do refeitório, existindo um intervalo de duas ou três cadeiras entre a ofendida e os restantes jovens, com fundamento no facto de a ofendida, por vezes, atirar pratos e outros objectos na direcção dos mesmos.

14. Devido aos comportamentos a que se alude em 12. e a mando da arguida RC, a ofendida AF foi muitas vezes sujeita a castigo alimentar, ingerindo apenas a sopa ou sopa e fruta ao almoço ou ao jantar.

15. A arguida RC instruiu as funcionárias e alguns utentes da Casa do MJ a defenderem-se da ofendida AF, com indicações para que, caso a mesma revelasse um comportamento agressivo, fosse usada a força física como forma de defesa.

16. A arguida RC sabia que, como consequência necessária da sua conduta indicada em 14., humilhava a ofendida AF, de forma reiterada, à frente das restantes crianças e jovens da instituição.

17. Sabia a arguida RC que submetia a ofendida AF, residente na instituição por ser uma jovem em perigo, com processo de promoção e protecção pendente, de forma reiterada, a sofrimento psíquico e humilhação, o que se verificou.

(…)

29. A ofendida DF, que contava, à data da audiência de julgamento, quinze anos de idade e vive na Casa do MJ há cerca de quatro anos, padece de hemiparesia, o que lhe provoca falta de mobilidade num dos lados do corpo.

30. Ciente dessa deficiência, desde o momento em que começou a lidar com a ofendida DF e até à data em que a Polícia Judiciária se deslocou às instalações da Casa do MJ, a arguida RC dirigiu-se à ofendida, em diversas ocasiões em que se encontrava a sós com a mesma e também na presença de outros utentes e funcionárias, chamando-lhe “maneta”.

31. Outros utentes e funcionárias da instituição apelidavam também a ofendida DF de “maneta”, o que a deixava profundamente triste e a fazia chorar quando se encontrava sozinha.

32. Apesar disso, a ofendida DF não disse à arguida RC, nem às outras funcionárias para pararem de a tratar dessa forma.

33. Nas circunstâncias mencionadas, a arguida RC sabia que, como consequência necessária da sua actuação, ao dirigir à ofendida DF a expressão atrás mencionada, a humilhava e lhe causava sofrimento psicológico.

34. A arguida RC sabia que, ao agir da forma descrita, submetia a ofendida DF, residente na instituição por ser uma jovem em perigo e especialmente vulnerável, com processo de promoção e protecção pendente, a um sofrimento psíquico e humilhação, o que se verificou.

(…)

39. O ofendido DM, que conta, actualmente, oito anos de idade, reside na Casa do MJ.

40. No dia 20 de Março de 2016, por volta das 21h00, o ofendido DM, então com cinco anos de idade, encontrava-se muito choroso e irrequieto em virtude de, no dia seguinte, ter que ser submetido a uma intervenção cirúrgica, recusando-se a dormir.

41. Devido ao estado de agitação em que o ofendido se encontrava, a arguida TS decidiu colocá-lo na rua sozinho.

42. Para o efeito, a arguida TS pegou no ofendido DM, que vestia apenas um pijama e calçava umas meias, abriu uma das portas da instituição, sentou-o nas escadas que dão acesso à rua principal e deixou-o nesse local sozinho e ao frio, regressando ao interior da instituição.

43. Em consequência, o ofendido DM ficou a chorar na rua durante período de tempo que não foi possível concretizar, mas que não excedeu dez minutos, enquanto a arguida o vigiava através de uma janela, sem que o ofendido pudesse perceber a sua presença.

44. Nessa ocasião compareceu no local a testemunha AG que confrontou a arguida TS com o que estava a suceder e com o frio que se fazia sentir.

45. Em consequência dos factos praticados pela arguida TS, o ofendido DM teve medo do que lhe pudesse acontecer e sentiu frio.

46. A arguida TS sabia que, assim, submetia necessariamente o ofendido DM, residente na instituição por ser uma criança em perigo, com processo de promoção e protecção pendente, a um sofrimento psíquico e físico atento o frio que se fazia sentir, o que se verificou.

(…)

66. A determinada altura, a ofendida AF tomava medicação que lhe aumentava o apetite.

67. A ofendida AF era acompanhada em consultas de nutrição por ter excesso de peso.

(…)

82. A arguida TS iniciou actividade laboral como operadora de call center, mantendo o exercício dessa actividade durante o período de quatro anos.

83. No ano de 2012, a arguida TS começou a trabalhar, em part-time e a recibos verdes, na Casa do MJ.

84. No ano de 2017, a arguida celebrou contrato de trabalho a termo certo, renovável anualmente, auferindo o vencimento de € 666,61 por mês em consequência do exercício das funções de educadora social.

85. A arguida TS sente-se motivada e realizada pessoal e profissionalmente, manifestando gosto pelo exercício da sua actividade profissional.

86. A arguida TS mantém um bom relacionamento com as crianças e jovens institucionalizados na Casa do MJ, sendo o seu trabalho reconhecido pela restante equipa técnica.

87. A arguida é tida, pelos seus superiores hierárquicos e pelos membros da Direcção da Casa do MJ, como uma profissional dedicada, zelosa e competente.

88. A arguida TS é considerada, pelas pessoas com quem priva, como uma pessoa sensível, carinhosa, educada, séria, responsável, trabalhadora e honesta.

89. Em data recente, foi diagnosticada surdez súbita à arguida TS, tendo a mesma perdido a audição do ouvido direito e encontrando-se medicada para o efeito”.

(…)

2.2. Quanto a factos não provados, escreveu-se o seguinte no acórdão recorrido (transcrição):

“Após a realização da audiência de julgamento nos presentes autos, não ficaram provados quaisquer outros factos relevantes para a decisão a proferir, não se tendo demonstrado, designadamente:

(…)

3. Nas circunstâncias indicadas em 14. dos factos considerados provados, a arguida RM utilizava a justificação de que tal dieta tinha sido imposta à ofendida AF pela nutricionista.

(…)

51. Por ter excesso de peso, a ofendida AF tinha instruções para fazer parte das suas refeições, em geral ao jantar, à base de sopas e saladas”.

(…)

                                                          *

3. Apreciando.

3.1. Das nulidades invocadas no recurso da arguida RM.

3.1.1. Alega a recorrente que na acusação não são contextualizados o modo, o porquê (à excepção de que a A estaria a ser castigada por comportamentos agressivos) ou as circunstâncias das imputadas condutas, nem são localizados no tempo e no espaço, como nem sequer foi estabelecido que os factos ocorreram no espaço físico da Casa do MJ.

Esta falta, que contaminou o acórdão recorrido, impossibilitou à arguida uma defesa cabal e fere o processo de nulidade, nos termos previstos no artigo 283.º, n.º 3, alínea b), do CPP, como sucessivamente foi alegado ao longo dos autos.

Pois bem.

A disposição legal invocada – artigo 283.º, n.º 3, alínea b), do CPP –, estabelece que a acusação contém, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.

A nulidade assim cominada (ou a falta de fundamento da acusação pública) apenas pode ser conhecida pelo juiz de julgamento se o processo não tiver comportado a fase da instrução, caso contrário, é na instrução que tal suposta nulidade ou falta de fundamento deve ser conhecida, ficando precludida a sua arguição em momento posterior, se o arguido a não invocar (assim, cf. Acórdão da Relação do Porto de 24-05-2017[3]).

Se o arguido a tiver invocado e houver lugar à fase de instrução, a invalidade deve ser conhecida na decisão instrutória, nos termos previstos no artigo 308.º, n.º 3 do CPP.

No caso sub judice, realizou-se instrução a pedido da arguida RM, a qual, no respectivo requerimento (RAI), veio arguir a nulidade da acusação, prevista no citado artigo 283.º, n.º 3, alínea b) (cf. RAI de fls.956 a 969).

Arguição que foi apreciada na decisão instrutória proferida nos autos, em que se concluiu pela não verificação da nulidade assim suscitada (cf. fls.1510-v.º a 1513), do que não houve recurso, nem podia haver (cf. artigo 310.º, n.º 1 do CPP).

Assim, face ao exposto, estando prejudicada qualquer apreciação, neste acórdão, da referida invalidade, não se toma conhecimento da questão da nulidade prevista no artigo 283.º, n.º 3, alínea b), do CPP, suscitada no recurso da arguida RM.

                                                          *

3.1.2. Alega a mesma recorrente que do dolo directo que lhe foi imputado na acusação e na pronúncia se passou, no acórdão recorrido, para o dolo necessário: não quis a arguida humilhar e causar sofrimento psíquico à ofendida A, mas sabia ser consequência necessária da sua conduta essa humilhação e sofrimento; não quis a arguida humilhar e causar sofrimento psíquico à ofendida D, mas sabia ser consequência necessária da sua conduta essa humilhação e sofrimento.

Tal implica uma alteração dos factos descritos na acusação e da sua qualificação jurídica, sendo certo que o tribunal a quo não recorreu ao mecanismo previsto no artigo 358.º do CPP.

Vejamos, então.

É verdade que, na pronúncia (nesta parte, remetendo para a acusação, nos termos previstos no artigo 307.º, n.º 1 do CPP), consta alegada factualidade que, nas condutas que a recorrente RM praticou, relativamente às ofendidas AF e DF, materializa o dolo directo (cf. pontos 26 a 27 e 49 a 50 da acusação).

Por sua vez, no acórdão recorrido, os factos que foram levados aos pontos 16 a 17 e 33 a 34 traduzem o dolo necessário da recorrente.

A este respeito, o artigo 14.º, n.º 1 do Código Penal estabelece que age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar.

Segundo o n.º 2 do mesmo normativo, age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta.

Por fim, o n.º 3 estabelece que, quando a realização de um facto for representada como uma consequência possível da conduta, haverá dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização.

Como se vê, estamos perante formas de actuar com dolo e, como tal, qualquer conduta que, sob o ponto de vista subjectivo, se subsuma numa das modalidades previstas no artigo 14.º, será sempre dolosa.

Dito isto.

Quando não se prova o dolo directo descrito na acusação ou na pronúncia e se apura, por exemplo, que o agente actuou com dolo necessário, tal não significa que tenha ocorrido alteração da qualificação jurídica, prevista no artigo 358.º, n.º 2 do CPP

Por outro lado, a “passagem” do dolo directo da acusação ou da pronúncia para o dolo necessário do acórdão recorrido, também não consubstancia alteração não substancial que, como tal, devesse ser comunicada à arguida, nos termos previstos no artigo 358.º, n.º 1 do CPP, sob pena de nulidade do acórdão, nos termos cominados pelo artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP.

Com efeito, a alteração verificada, relativa à factualidade atinente ao elemento subjectivo, não configura a alteração não substancial a que se refere o invocado artigo  358.º do CPP, uma vez que a consideração da actuação da recorrente a título de dolo necessário, mais não representa do que um minus, relativamente ao quadro factual da pronúncia (dolo directo) e, por isso, também nele contido, sendo certo que a recorrente teve conhecimento de todos os elementos constitutivos do crime pelo qual veio a ser condenada e teve possibilidade de os contradizer.

A afirmação, feita no acórdão recorrido, de que a arguida actuou sabendo ser consequência necessária da sua conduta a humilhação e sofrimento psíquico das ofendidas, já está logicamente contida na afirmação, constante da pronúncia, de que aquela actuou com intenção de realizar o facto típico.

E isto é assim porque, como atrás foi referido, o dolo directo e dolo necessário não são, para o que agora importa, coisas diferentes, mas antes distintos graus de intensidade da mesma realidade – de representação e de vontade de realizar um facto típico –, sendo certo que o dolo necessário constitui, em qualquer caso, um grau menos intenso de vontade (representação do facto como consequência necessária da conduta) do que aquele que está presente no dolo directo (intenção de realização do facto).

Para além disso, como assinala o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 72/05, de 11-02-2005[4], que aqui seguimos de perto, se condenação a título de dolo necessário representa um minus em relação ao que já constava da pronúncia, onde a arguida fora acusada de ter praticado os factos com dolo directo, não pode ver-se nesta situação uma violação constitucionalmente censurável dos princípios do acusatório ou do contraditório.

Acresce que, como também resulta explicitado no acórdão recorrido, a alteração verificada é, na perspectiva dessa decisão, irrelevante para a verificação da factualidade típica, uma vez que, na interpretação que fez do artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal, o tribunal a quo equiparou, e bem, para efeitos de preenchimento dos elementos subjectivos do respectivo tipo legal, o dolo directo e o dolo necessário, referindo que aquele tipo incriminador admite o dolo em qualquer das suas espécies (ou modalidades).

Por fim, a alteração, nos termos descritos, do título subjectivo de imputação do facto não compromete a possibilidade de uma defesa eficaz por parte da arguida, uma vez que, ao ser pronunciada de ter actuado com intenção de praticar o facto descrito no tipo legal de crime, foi-lhe dada oportunidade, para, da forma que julgou mais adequada, se defender de tudo o que essa pronúncia implicava.

Daí que, na linha do entendimento do Tribunal Constitucional, vertido no aresto acima indicado, a norma do artigo 358.º, n.º 1 do CPP, interpretada e aplicada no sentido de que não constitui alteração de factos que exige a comunicação ao arguido nela prevista, quando na sentença se dão por provados factos que integram a prática de um crime sob a forma de dolo necessário e o crime se encontrava imputado na pronúncia a título de dolo directo, não se revela violadora da Constituição, nomeadamente do princípio da plenitude das garantias de defesa, consagrado no seu artigo 32.º

Assim, face ao exposto, há que concluir que a pretensão que a tal respeito foi invocada no recurso da arguida RM, deve improceder.

                                                        *

                                                        *

3.2. Recursos da matéria de facto.

3.2.1. Recurso da arguida TM.

(…)

Esta recorrente alega que, atenta a prova produzida nos autos e que identifica no recurso, os factos constantes dos pontos (…), 43, (…) do elenco de matéria assente do acórdão recorrido, deveriam ter sido julgados não provados.

                                                                          *

                                                           *

b) A matéria do ponto 43, apresenta a seguinte redacção:

Em consequência, o ofendido DM ficou a chorar na rua durante período de tempo que não foi possível concretizar, mas que não excedeu dez minutos, enquanto a arguida o vigiava através de uma janela, sem que o ofendido pudesse perceber a sua presença.

(…)

Assim, a prova referida impõe que se elimine do ponto em questão o segmento “enquanto a arguida o vigiava através de uma janela, sem que o ofendido pudesse perceber a sua presença”. Isto sendo certo que tal eliminação, na medida em que se refere a uma actuação que abona a favor da arguida TM, não poderá operar em seu prejuízo (cf. artigo 409.º do CPP).

(…)

                                                                    *

3.3. Recursos da matéria de direito.

Quer a recorrente TM, quer a recorrente RM, vieram invocar que a matéria provada não preenche todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de maus tratos que lhes foi imputado e por cuja prática foram condenadas pelo tribunal a quo, a primeira por referência aos factos em que figuram como ofendidas AF e DF, consubstanciando a autoria material, em concurso real, de dois crimes de maus tratos, e a segunda por referência aos factos em que figura como ofendido DM, consubstanciando a autoria material de um crime de maus tratos.

Pois bem.

O crime imputado às arguidas encontra-se tipificado no artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal, do qual resulta que quem, tendo ao seu cuidado, à sua guarda, sob a responsabilidade da sua direcção ou educação ou a trabalhar ao seu serviço, pessoa menor ou particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez, e lhe infligir, de modo reiterado ou não, maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais, ou a tratar cruelmente, será punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

A caracterização deste ilícito, seus elementos objectivos e subjectivos, bem jurídico tutelado e outras questões que, a propósito do mesmo, vêm sendo debatidas na doutrina e jurisprudência, como sucede com a que se prende com a desnecessidade, para o preenchimento do tipo, de reiteração da conduta, podendo um comportamento singular assumir relevância típica como crime de maus tratos, encontram-se desenvolvidamente expostas no acórdão recorrido, para o qual remetemos, deixando aqui apenas nota sumária do seguinte:

À semelhança do que sucede com a violência doméstica (artigo 152.º do Código Penal) o tipo incriminador dos maus tratos protege o bem jurídico saúde, tomado na acepção complexa que abrange a saúde física, psíquica e mental, enquanto manifestação da dignidade da pessoa humana e da garantia da integridade pessoal contra os tratos cruéis, degradantes ou desumanos.[5]

O tipo objectivo do ilícito inclui os maus tratos físicos (ou seja, que atingem a integridade física da vítima), os maus tratos psíquicos (que podem consistir em ameaças, injúrias ou outras condutas que, afectando a dignidade pessoal da vítima, se traduzem na violação do bem jurídico protegido, como sucede com as acções intimidatórias, as humilhações e as críticas destrutivas e/ou vexatórias), os castigos corporais, as privações de liberdade, as ofensas sexuais e os tratamentos cruéis (ou tratamentos desumanos, que podem causar lesão física ou intenso sofrimento psicológico ou mental, em proporções que ultrapassam os limites razoáveis exigíveis ao ser humano [6]).

Tipo objectivo que, como acima foi dito, tutela um bem jurídico complexo que radica na dignidade da pessoa humana, pelo que, para constituir maus tratos, a conduta apurada deve consubstanciar uma ofensa que, pelas suas características (a analisar no caso concreto, à luz do específico contexto relacional existente entre o agente e a vítima, correspondente a um dos descritos no corpo do n.º 1 da norma incriminadora), se reflecte negativamente na saúde física, psíquica ou mental da vítima e conduz à degradação da sua dignidade pessoal.

Os actos praticados pelo agressor que, como acima ficou dito, podem ser de várias espécies, são considerados na sua integração num comportamento global dotado de uma unidade de sentido de ilicitude, cujo elemento característico corresponde, precisamente, ao tipo dos maus tratos, previsto no artigo 152.º-A do Código Penal.

Por fim, no que ao tipo subjectivo diz respeito, trata-se de um crime que exige o dolo, relevando, portanto, todas as manifestações que lhe são próprias (cf. artigo 14.º do Código Penal).

Aqui chegados, cumpre analisar as questões concretamente suscitadas em cada um dos recursos.

                                                            *

3.3.1. Recurso da arguida TM.

Diz a recorrente que, atenta a matéria dada como provada e não provada no acórdão recorrido, a sua conduta não é enquadrável na prática de um crime de maus tratos, tipificado no artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

Isto porque, no caso em apreço, não há qualquer elemento que possa indicar que o ofendido DM tenha sido humilhado, provocado, molestado e que tenha ficado com qualquer sequela, a nível físico, de tal comportamento.

Vejamos, então.

Conforme se apurou, no dia 20 de Março de 2016, por volta das 21h00m, o ofendido DM, então com cinco anos de idade, residente na Casa do MJ, estava muito choroso e irrequieto em virtude de, no dia seguinte, ter que ser submetido a uma intervenção cirúrgica, recusando-se a dormir.

Devido ao estado de agitação em que o ofendido se encontrava, a arguida TS decidiu colocá-lo na rua sozinho.

Para o efeito, a arguida TS pegou no ofendido DM, que vestia apenas um pijama e calçava umas meias, abriu uma das portas da instituição, sentou-o nas escadas que dão acesso à rua principal e deixou-o nesse local sozinho e ao frio, regressando ao interior da instituição.

Em consequência, o ofendido DM ficou a chorar na rua durante período de tempo que não foi possível concretizar, mas que não excedeu dez minutos.

Atendendo à matéria que resultou provada, verifica-se que o tribunal a quo enquadrou correctamente a apurada conduta da arguida TM no tipo incriminador do artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal, considerando preenchidos todos os seus elementos objectivos e subjectivos.

Com efeito, não se suscitam dúvidas quanto à relevância típica da relação agente/vítima, face às funções que a arguida TM desempenhava ao serviço da instituição que acolhia o ofendido DM, sendo este menor de idade.

Como também não ocorre qualquer dificuldade relativamente à existência de dolo, na modalidade de necessário, e de todos os demais aspectos integradores do exigido elemento subjectivo, face ao que resulta provado nos pontos 46, 57, 58 e 59.

A questão que se coloca no presente segmento do recurso é, pois, a de saber se a apurada conduta da recorre, descrita nos pontos 41 a 46 da matéria de facto provada, integra o conceito de “maus tratos físicos ou psíquicos”, enquanto elemento do tipo objectivo da incriminação contida no artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal, nos termos atrás enunciados.

Neste contexto, o tribunal a quo começou por assinalar que a actuação da arguida TM terá sido orientada por uma intenção correctiva, já que, apesar de se encontrar ultrapassado o horário apropriado para o efeito, o ofendido DM não queria dormir.

No entanto, as circunstâncias que rodearam a conduta empreendida revelam um grau de gravidade bastante acentuado e, portanto, susceptível de preencher o conceito de maus tratos físicos e psíquicos.

É relevante atender, em primeiro lugar, ao motivo pelo qual o ofendido DM não queria ou não conseguia adormecer na data em que ocorreram os factos.

Efectivamente, no dia seguinte o ofendido ia ser submetido a uma intervenção cirúrgica, o que, mesmo para um adulto, em face do risco associado a qualquer intervenção dessa natureza, é susceptível de provocar inquietação, angústia, nervosismo e, portanto, dificuldade em adormecer.

No caso de uma criança com apenas cinco anos de idade, tais sentimentos são não só mais compreensíveis, como também ainda mais intensos, em face da sua incapacidade para compreender a necessidade de se submeter a um tratamento desse tipo.

Por outro lado, decorre das regras da experiência comum que, no mês de Março, à noite, a temperatura ambiente ainda é bastante baixa, o que significa que não é adequado colocar na rua uma criança com apenas cinco anos de idade, vestida somente com um pijama e calçando apenas meias, atendendo ao desconforto e sofrimento físico que essa actuação lhe provoca.

Mais grave ainda é a colocação de uma criança com essa idade no exterior das instalações da instituição que a acolhe, sozinha e já de noite, em face do sentimento de total desprotecção e isolamento que a mesma não poderá deixar de sofrer.

Concluindo, assim, o colectivo julgador que a medida adoptada pela arguida TM se revela inadequada, desproporcionada e desrazoável, o que significa que integra o conceito de maus tratos físicos e psíquicos que caracteriza o tipo objectivo do crime que lhe foi imputado.

 Ora, as razões de ordem factual e jurídica invocadas pelo tribunal a quo justificam fundadamente a conclusão a que chegou, quanto à qualificação da apurada conduta da arguida TM como de maus tratos.

Pese embora se tenha traduzido num singular comportamento, certo é que a gravidade do mesmo, face ao concreto quadro fáctico que se apurou, exprime claramente uma actuação lesiva da dignidade pessoal e da saúde física, psíquica e mental do ofendido DM e, nessa medida, encerra a unidade de sentido de ilicitude que caracteriza o tipo dos maus tratos, previsto no artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

Não há intenção educativa que possa legitimamente justificar ou sequer explicar a actuação da arguida TM, a quem, pela função que desempenha na instituição que acolhe o ofendido, era exigível e expectável que adoptasse uma conduta pedagogicamente adequada, dando uma resposta consentânea com as necessidades afectivas, psicológicas e educacionais que o ofendido DM revelava na ocasião dos factos, sem pôr em causa a sua dignidade pessoal e saúde física, psíquica e mental.

O que, in casu, não sucedeu, tendo a arguida TM empreendido uma reacção que viola aqueles bens jurídicos tutelados pelo tipo incriminador, é social e eticamente intolerável e merece, por isso, a censura penal inerente ao imputado crime de maus tratos.

Refira-se ainda que o preenchimento do tipo não exige a verificação de um resultado lesivo como o invocado no recurso, pelo que, no caso, não é relevante que o ofendido DM não tenha ficado com qualquer sequela, a nível físico, do apurado comportamento da arguida TM.

Por fim, há que assinalar que, no seguimento do que se disse em 3.2.1. b), a modificação factual operada no ponto 43, eliminando-se o segmento “enquanto a arguida o vigiava através de uma janela, sem que o ofendido pudesse perceber a sua presença” em nada afectou o presente juízo de censura penal, em termos de agravar a situação da recorrente. Dito de outro modo, mesmo que o ponto 43 tivesse permanecido inalterado e se comprovasse a apontada actuação da arguida, de ter vigiado o ofendido através de uma janela, sem que este se pudesse aperceber da sua presença, sempre se entenderia que os factos dos autos integram o conceito de maus tratos físicos e psíquicos e preenchem, assim, o correspondente elemento objectivo do crime previsto e punido pelo artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

Termos em que, pelas razões expostas, a pretensão deduzida pela arguida TM deve improceder.

                                                            *

3.3.2. Recurso da arguida RM.

Esta recorrente alega que a factualidade que se provou quanto à sua actuação não integra a prática dos imputados crimes de maus tratos.

Assim, em relação ao crime que tem por referência a ofendida AF, invoca que esta era já maior de idade à data em que terá ocorrido, pelo menos, parte dos factos, senão mesmo a totalidade (caso se suscite a dúvida, devendo esta ser resolvida a favor da arguida), e a circunstância de ser autista, atentas as diversas doenças do espectro do autismo e o seu impacto de indivíduo para indivíduo, não implica, por si só, a caracterização de pessoa particularmente indefesa.

Por outro lado, sustenta ainda que o castigo alimentar aplicado à ofendida AF consistente em, a certas refeições não concretamente determinadas, servir apenas sopa ou sopa e fruta a uma jovem obesa, ou em situação de pré-obesidade, ou pelo menos com excesso de peso, não pode só por si implicar a prática de um crime, pelo menos sem a prova de factos que esclareçam em que circunstâncias isso sucedeu, ou o que a ofendida comeu nas outras refeições do dia.

No que concerne ao crime que tem por referência a DF, alega a recorrente que a expressão “maneta” que lhe dirigiu, em data, local e circunstâncias não determinadas, desacompanhada do impacto profundo produzido na ofendida, é penalmente inócua.

Vejamos, então.

                                                          *

Ao apreciar a apurada conduta relativa à ofendida AF, descrita nos pontos provados 12 a 17, o tribunal a quo entendeu que, em face do cargo atribuído à arguida RC, na instituição de solidariedade social denominada Casa do MJ, e uma vez que a ofendida AF reside na instituição, não restam quaisquer dúvidas de que se encontra verificada a relação de dependência existencial prevista na norma incriminadora dos maus tratos (artigo 152.º-A, n.º 1 do Código Penal).

A arguida, enquanto psicóloga e directora técnica da instituição, tinha ao seu cuidado a ofendida AF, assim como as restantes crianças e jovens residentes na instituição.

Por outro lado, o colectivo julgador considerou ainda que, embora a prova produzida em sede de audiência de julgamento não tenha permitido determinar o concreto período de tempo durante o qual a ofendida AF foi submetida ao castigo alimentar apurado, certo é que, em face da doença de que padece, se trata de pessoa particularmente indefesa. O transtorno do espectro autista não só perturba a capacidade de apreensão dos factos que lhe dizem respeito e de interpretação do sentido dos mesmos, como limita a capacidade de reacção da ofendida perante agressões ou ofensas que lhe sejam dirigidas.

Ora, analisada a situação da ofendida AF, tal como resultou provada no acórdão recorrido, ou seja, que aquela é portadora de transtorno do espectro autista, revelando-se, por isso, uma pessoa com comportamentos disfuncionais, por vezes agressiva, que descompensa com facilidade, sendo certo que que reside na instituição Casa do MJ, mesmo após a maioridade, por ser uma jovem em perigo, com processo de promoção e protecção pendente (cf. pontos provados 12 e 17), entende a Relação que, ainda que se entenda que a conduta perpetrada pela arguida RC tenha ocorrido durante período de tempo em que a referida ofendida já era maior de idade (recorde-se que RC exerceu as funções de direcção técnica da instituição até 15-07-2017, data em que a jovem AF  contava 18 anos de idade), sempre a deficiência de que a mesma padece, com os contornos identificados no ponto assente 12 e que, de acordo com as regras da ciência médica, é determinante da indicada limitação da capacidade de apreensão e interpretação dos factos, assim como da sua capacidade de reacção a actos que atentam contra a sua integridade física e psíquica, naturalmente agravada pela circunstância de tais actos partirem de quem assume uma posição de autoridade, integrada na função de cuidado/vigilância, como é o caso da directora técnica da instituição que a acolhe, no âmbito de processo de promoção e protecção. O que fundamenta a conclusão a que chegou o colectivo julgador, de que AF se encontra na situação de especial fragilidade que caracteriza o conceito de pessoa particularmente indefesa, em razão da apontada deficiência.

Dúvidas não há, pois, que, não obstante a considerada maioridade à data dos factos, a ofendida AF é para efeitos do tipo incriminador do artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal, pessoa particularmente indefesa, em razão de deficiência.

 A segunda questão que a recorrente coloca é a de saber se a sua apurada conduta, consubstanciada na sujeição da ofendida ao castigo alimentar descrito no ponto provado 14, integra o conceito de “maus tratos físicos ou psíquicos”, enquanto elemento do tipo objectivo da incriminação contida no artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

Conforme consta no citado ponto 14, devido aos seus comportamentos disfuncionais indicados em 12, e a mando da arguida RM, a ofendida AF foi muitas vezes sujeita a castigo alimentar, ingerindo apenas a sopa ou sopa e fruta, ao almoço ou ao jantar.

No acórdão recorrido, o tribunal a quo entendeu que, em face da factualidade apurada, se afigura também inequívoco que os castigos alimentares aplicados pela arguida RM à ofendida AF assumem a reiteração ou habitualidade que caracteriza o elemento do tipo objectivo de ilícito, inerente ao conceito de maus tratos psíquicos.

É certo que a própria natureza dos factos em apreço não permitiu determinar o número de vezes ou a frequência com que tais castigos foram impostos pela arguida RM à ofendida AF.

Ainda assim, e independentemente disso, o contexto em que tais factos ocorreram é revelador de uma gravidade de tal modo acentuada que fundamenta o preenchimento do conceito de maus tratos psíquicos.

Não poderá deixar de se referir, em primeiro lugar, que o castigo em causa foi aplicado em consequência dos comportamentos que, não obstante devam ser considerados violentos e incorrectos, configuram acções propiciadas pela doença diagnosticada à ofendida AF e que a mesma não consegue dominar.

Por outro lado, a aplicação do castigo alimentar em apreço, no interior de uma instituição onde residem várias crianças e jovens, em pleno refeitório e no horário das principais refeições, é susceptível de provocar sentimentos de humilhação e perturbação emocional, em face da submissão da ofendida, perante terceiros, a um tratamento diferenciado relativamente aos seus pares.

Por fim, apesar de, por definição, qualquer castigo implicar a imposição de uma medida com uma conotação negativa para o respectivo destinatário ou a privação de algo que seja pelo mesmo valorizado, afigura-se manifesto que a eliminação da possibilidade de tomar uma refeição completa, equilibrada e adequada, em face das concretas características do jovem castigado, não pode deixar de ser considerada desajustada.

Com efeito, está em causa a satisfação de uma necessidade básica do ser humano, que não deve ser objecto de qualquer limitação com fundamento nas necessidades educativas que possam ser detectadas.

É certo que a arguida RM agiu com o propósito de corrigir os comportamentos agressivos adoptados pela ofendida.

De todo o modo, conforme salienta Paula Ribeiro de Faria11 [11 Cfr. Acerca da Fronteira entre o Castigo Legítimo de um Menor e o Crime de Maus-Tratos do Art. 152º do Código Penal, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 16, N.º 2, Abril-Junho 2006, Coimbra Editora, pág. 336], “além da legitimidade para educar é necessário que esteja presente uma finalidade educativa e não apenas uma «intenção educativa». O juízo acerca da legitimidade do castigo aplicado deixa-se desdobrar em dois momentos de natureza objectiva que serão a finalidade educativa (a idoneidade ou adequação da acção ao fim educativo visado ou pretendido) por um lado, e a proporcionalidade do castigo (que dependerá sempre da idade do menor, do motivo que determinou o castigo e das características do menor, sem esquecer, como é óbvio, a existência de castigos rigorosamente proibidos qualquer que seja a razão que os determinou), por outro; e em dois momentos de natureza subjectiva, supondo-se a este nível a legitimidade da agente e a sua intenção educativa. Estes são os pilares sobre os quais deverá funcionar o princípio da adequação social no âmbito educativo (…)”.

No caso em apreço, atendendo ao que deixou exposto e acima foi enunciado, o tribunal a quo entendeu afigurar-se inequívoco que o castigo aplicado à ofendida AF, não só não se mostra adequado para promover o fim educativo que terá sido visado, como, em face da respectiva natureza (privação de uma parte substancial de uma refeição), sempre consubstanciaria, em qualquer circunstância, um “castigo rigorosamente proibido”, nos termos definidos pela doutrina que fundadamente e com pertinência citou no acórdão recorrido.

Tendo, por isso, o colectivo julgador concluído que dúvidas não restam de que ao impor, várias vezes, à ofendida AF, o castigo alimentar referido, a arguida RM praticou a conduta típica que caracteriza o crime de maus tratos que lhe foi imputado.

Conclusão que a Relação subscreve, face ao concreto quadro fáctico que se provou e atentas as razões expostas na decisão recorrida, que acima foram transcritas.

Com efeito, a gravidade do apurado comportamento, que se desdobrou em múltiplas actuações, ainda que em número não concretamente determinado, exprime claramente uma actuação lesiva da dignidade pessoal e da saúde psíquica e mental da ofendida AF, senão mesmo também da própria saúde física, e, nessa medida, encerra em si aquela unidade de sentido de ilicitude que caracteriza o tipo dos maus tratos, previsto no artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

Não há intenção educativa que possa legitimamente justificar ou sequer explicar a actuação da arguida RM, a quem, pela função que desempenha na instituição que acolhe a ofendida, sendo profissional da área da psicologia, era exigível e expectável que adoptasse uma conduta ajustada aos cuidados de saúde mental de que AF necessitava, bem como pedagogicamente adequada, dando uma resposta consentânea com as especificidades de desenvolvimento neurológico e de ordem psíquica, psicológica e educacional que aquela ofendida revelava à data dos factos, sem pôr em causa a sua dignidade pessoal e saúde física, psíquica e mental.

O que, in casu, não sucedeu, tendo a arguida RM empreendido uma conduta que viola aqueles bens jurídicos tutelados pelo tipo incriminador, é social e eticamente intolerável e merece, por isso, a censura penal inerente ao imputado crime de maus tratos.

Refira-se, por fim, que, ao contrário do que sustentou a recorrente, os factos imputados na pronúncia e considerados provados pelo tribunal a quo, que esta Relação manteve, nos termos analisados supra, em 3.2.2., encontram-se individualizados e concretizados no elenco da matéria assente, reportando-se ao período temporal ali especificado, sendo que o apurado comportamento global da arguida RC, no que concerne à ofendida AF, se revela dotado da unidade de sentido de ilicitude que caracteriza o tipo incriminador dos maus tratos.

Com efeito, na matéria de facto provada que consta no acórdão recorrido – cf. pontos assentes 1, 5, 6, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 56 –, o balizamento temporal da conduta da arguida RM, assim como os actos (reiteradamente) praticados contra a ofendida AF, o lugar onde ocorreu tal prática (no sentido do espaço institucional Casa do MJ, como claramente resulta da matéria provada que vem descrita no acórdão recorrido, espaço esse sobejamente conhecido da arguida RM, pois ali trabalhou durante cerca de 14 anos) e a motivação que levou a arguida a agir como agiu (motivação expressamente definida nos pontos assentes 14, 16 e 17), encontram-se expostos com o grau de concretização que permitiu àquela o pleno exercício do contraditório e do direito de defesa.

O que, aliás, ficou bem patente nos termos da impugnação que deduziu no presente recurso, em que os comportamentos ilícitos imputados foram escalpelizados e a demonstração considerada pelo colectivo julgador foi detalhadamente posta em causa (ainda que sem sucesso, pelas razões explanadas em 3.2.2.).

Assim sendo, há que concluir que o artigo 32.º, n.os 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa não se mostra violado.

Termos em que, pelas razões acima expostas, a pretensão deduzida pela arguida RC, relativamente à conduta de foi vítima a ofendida AF, deve improceder.

                                                                   *

No que concerne à apurada actuação da RM em que foi visada a ofendida DF, descrita nos pontos assentes 29 a 34, a questão suscitada no recurso consiste em saber se tal actuação, concretizada na utilização da expressão “maneta”, para apelidar a ofendida, não reveste dignidade penal, à luz do conceito de maus tratos psíquicos contido no tipo incriminador do artigo 152.º-A, n.º 1 do Código Penal.

Pois bem.

A apontada conduta da arguida RM insere-se no seguinte quadro factual, dado como assente nos pontos 29 a 34 do acórdão recorrido:

A ofendida DF, que contava, à data da audiência de julgamento, quinze anos de idade, e vive na Casa do MJ há cerca de quatro anos, padece de hemiparesia, o que lhe provoca falta de mobilidade num dos lados do corpo.

Ciente dessa deficiência, desde o momento em que começou a lidar com a ofendida DF e até à data em que a Polícia Judiciária se deslocou às instalações da Casa do MJ (o que, face ao que se provou em 6, teve necessariamente lugar antes de 15 de Julho de 2017), a arguida RM dirigiu-se à ofendida, em diversas ocasiões em que se encontrava a sós com a mesma e também na presença de outros utentes e funcionários, chamando-lhe “maneta”.

Inclusivamente, outros utentes e funcionárias da instituição apelidavam também a ofendida DF de “maneta”, o que a deixava profundamente triste e a fazia chorar quando se encontrava sozinha.

Apesar disso, a ofendida DF não disse à arguida RM, nem às outras funcionárias para pararem de a tratar dessa forma.

Na apreciação que fez da referida factualidade, o tribunal a quo entendeu que é manifesta a reiteração da conduta adoptada pela arguida RM, embora a própria natureza dos factos e as circunstâncias em que os mesmos foram praticados não permitam determinar o número de vezes em que a arguida dirigiu à ofendida a aludida expressão, nem concretizar a frequência com que o fazia.

Ainda assim, afigura-se que as concretas circunstâncias em que os factos foram praticados são reveladoras de um grau de gravidade acentuado, o qual impõe a conclusão de que os mesmos integram o conceito de maus tratos psíquicos a que se reporta o artigo 152º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

Neste contexto, importa atender à especial condição da ofendida DF, que padece de hemiparesia.

Trata-se de uma limitação física muito relevante e susceptível de afectar a actividade diária de qualquer pessoa que padeça da mesma limitação.

Mas, para além do impacto físico imediato, decorrente de tal limitação, é evidente que a paralisia parcial de um dos lados do corpo provoca, necessariamente, a qualquer pessoa elevado desconforto emocional, associado a sentimentos de tristeza e angústia.

No caso de uma criança ou de um jovem menor de idade, tais sentimentos são ainda mais intensos, em face da própria circunstância de a respectiva personalidade se encontrar ainda em desenvolvimento, o que significa que não estará ainda dotada dos necessários mecanismos de defesa e de organização, ao nível da obtenção de soluções que permitam colmatar as limitações físicas em causa.

Assim, afigurando-se ao tribunal a quo que a circunstância de qualquer pessoa padecer de uma limitação física com a relevância daquela que afecta a ofendida DF é, só por si, causadora de elevado sofrimento psíquico, entendeu o colectivo julgador que dúvidas não restam de que a alusão a essa limitação por terceiros, com maior ou menor frequência, através da utilização da expressão “maneta” agrava ainda mais esse sofrimento.

No caso em apreço, também o facto de a expressão em causa ser proferida na presença das restantes crianças e jovens residentes na instituição, pelo expectável efeito de imitação que potencia, não pode deixar de revelar o elevado grau de gravidade da conduta adoptada pela arguida RM.

As razões assim expostas, apoiadas na conduta que resultou provada nos autos, nos termos acima descritos, justificam a relevância típica que o tribunal a quo lhe reconheceu.

Na linha do que já se havia adiantado em 3.2.2.b), perante o contexto factual que se apurou, a expressão “maneta”, atendendo ao significado que objectivamente a mesma encerra (pessoa que está privada de um braço ou de uma das mãos), quando utilizada para apelidar alguém que padece de limitações físicas que lhe afectam o membro superior de um dos lados do corpo, como sucede com a ofendida DF, que sofre de hemiparesia (perda parcial das funções motoras de uma das metades do corpo), provoca elevada perturbação psíquica e humilhação.

Isto tanto mais que, conforme atrás foi referido, a ofendida DF, a quem se destinava a referida expressão, estava em plena adolescência e encontrava-se acolhida em meio institucional, em resultado de uma medida de promoção e protecção, espaço que congrega diversas pessoas – adultos, crianças e jovens – e em que, por natureza, facilmente se propaga a utilização de “alcunhas”, mais ou menos depreciativas, nomeadamente pelos pares ali residentes.

O comportamento apurado foi humilhante para a pessoa da ofendida DF, causou-lhe sofrimento psíquico e psicológico, nos termos descritos nos pontos 33 e 34, e claramente consubstancia uma actuação lesiva da sua dignidade pessoal e saúde psíquica e mental, revelando-se, pois, dotado da unidade de sentido de ilicitude que caracteriza o tipo dos maus tratos, previsto no artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

Também aqui a arguida RM empreendeu uma conduta que viola os referidos bens jurídicos tutelados pelo tipo incriminador, sendo social e eticamente intolerável e merecendo, por isso, a censura penal inerente ao imputado crime de maus tratos.

Por fim, à semelhança do que se entendeu quanto à conduta relativa à ofendida AF, na matéria de facto provada que consta no acórdão recorrido – cf. pontos assentes 1, 5, 6, 29, 30, 31, 32, 33, 34 e 56 –, o balizamento temporal da conduta da arguida RM, assim como os actos praticados contra a ofendida DF, o lugar onde ocorreu tal prática (no sentido do espaço institucional Casa do MJ, como resulta da matéria provada que mostra descrita no acórdão recorrido, espaço esse sobejamente conhecido da arguida RM, pois ali trabalhou durante cerca de 14 anos) e a motivação que levou a arguida a agir como agiu (motivação expressamente definida nos pontos assentes 33 e 34), encontram-se expostos com o grau de concretização que permitiu àquela o pleno exercício do contraditório e do direito de defesa, bem patente nos termos da impugnação que deduziu no presente recurso, pelo que também aqui o artigo 32.º, n.os 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa não se mostra violado.

                                                                     *

Em síntese conclusiva, face ao acima exposto e atendendo a que se encontram verificados todos os pressupostos do tipo incriminador do artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal, sem que ocorra qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, é de manter a condenação de ambas as arguidas, pela prática dos imputados crimes de maus tratos, tal como fundadamente decidiu a 1.ª instância.

                                                         *

(…)

                                                          *

III – Decisão

Pelo exposto, acordam as juízas da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em:

1. Conceder provimento parcial ao recurso interposto pela arguida TM e, consequentemente,

1.1. Determinam a modificação da decisão sobre a matéria de facto constante do ponto provado 43, o qual passa a ter a redacção “Em consequência, o ofendido DM ficou a chorar na rua durante período de tempo que não foi possível concretizar, mas que não excedeu dez minutos”, levando-se ao elenco não provado o segmento “enquanto a arguida o vigiava através de uma janela, sem que o ofendido pudesse perceber a sua presença”.

1.2. Revogam o acórdão recorrido na parte em que condenou a arguida TM pela prática, como autora material, de um crime de maus tratos, previsto e punido pelo artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal, por referência aos factos em que figura como ofendido DM, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.

1.3. Condenar a arguida TM pela prática, como autora material, de um crime de maus tratos, previsto e punido pelo artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal, por referência aos factos em que figura como ofendido DM, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 1 (um) ano e 8 (oito) meses.

1.4. Confirmar, quanto ao mais, o acórdão recorrido, na parte respeitante à arguida TM.

2. Conceder provimento parcial ao recurso interposto pela arguida RM e, consequentemente,

2.1. Revogam o acórdão recorrido na parte em que condenou a arguida RM pela prática, como autora material e em concurso efectivo, de dois crimes de maus tratos, previstos e punidos pelo artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal, por referência aos factos em que figuram como ofendidas AF e DF, nas penas de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, por cada um desses crimes, e, em cúmulo jurídico das duas penas de prisão, na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 3 (três) anos e 6 (seis) meses.

2.2. Condenam a arguida RM pela prática, como autora material e em concurso efectivo, de dois crimes de maus tratos, previstos e punidos pelo artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal, por referência aos factos em que figuram como ofendidas AF e DF, nas penas de 2 (dois) anos de prisão, por cada um desses crimes. Em cúmulo jurídico destas duas penas de prisão, condenam a arguida RM na pena única de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, a qual é suspensa na execução pelo período de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses.

2.3. Confirmar, quanto ao mais, o acórdão recorrido, na parte respeitante à arguida RM.

Recursos sem tributação, face à sua parcial procedência (artigo 513.º, n.º 1, a contrario, do CPP).

                                                             *

Coimbra, 12 de Fevereiro de 2020

(O presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pela primeira signatária e assinado electronicamente por ambas as signatárias – artigo 94.º, n.os 2 e 3 do CPP)

                                      

Helena Bolieiro (relatora)

                                           

Rosa Pinto (adjunta)


[1] Na doutrina, cf. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113. Na jurisprudência, cf., entre muitos, os Acórdãos do STJ de 25-06-1998, in BMJ 478, pág.242; de 03-02-1999, in BMJ 484, pág.271; de 28-04-1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág.193.
[2] Cf. Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, publicado no Diário da República, Série I-A, n.º 298, de 28 de Dezembro de1995.
  
  

[3] Aresto proferido no processo n.º 250/12.7TAVFR.P2 e disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>.

[4] Aresto disponível na Internet em <http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/>.
[5] Cf. Plácido Conde Fernandes, “Violência doméstica – novo quadro penal e processual penal”, in Revista do CEJ, n.º 8 (especial), 1.º semestre de 2008, págs.304 a 308.
[6] Cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, vol. I, 2.ª ed., Universidade Católica Editora, 2017, pág.419, anotação ao artigo 25.º da Constituição (Direito à integridade pessoal). Cf. ainda Ireneu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos Homem Anotada, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1999, págs.74-75, anotação ao artigo 3.º da Convenção (Proibição da tortura).