Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
35/09.8PANZR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
Data do Acordão: 06/27/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA NAZARÉ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ART.ºS 4º A 6º, DO DECRETO-LEI N.º 401/82, DE 23 DE SETEMBRO (REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS)
Sumário: Na hipótese de opção na sentença pela aplicação de uma pena de multa, mostra-se desnecessária a ponderação sobre a aplicabilidade, no caso, do Regime Penal Especial para Jovens, sendo que este pressupõe a cominação de uma pena de prisão.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:                                                                                                                       

                No âmbito do processo comum (tribunal singular) n.º 35/09.8PANZR que corre termos no Tribunal Judicial da Nazaré, Secção Única, em 6/7/2011, foi proferida Sentença, cujo DISPOSITIVO é o seguinte:

                “III – DECISÃO:

Pelo exposto e decidindo, julgo a acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:
1) Absolvo o arguido A... da prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143º, n º 1 do Código Penal;
2) Sem custas quanto a este arguido – art.513.º e 514.º do CPP;
3) Absolvo o arguido B... da prática, em autoria material e na forma tentada, de um crime de coacção, previsto e punido pelos artigos 155.º, n.º 1, al.a), com referência ao artigo 154.º, n.º 1, todos do CP;
4) Condeno o arguido B..., como autor material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143º, n º 1 do Código Penal (factos praticados em 08/02/2009), na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos);
5) Condeno o arguido B..., como autor material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143º, n º 1 do Código Penal (factos praticados em 21/06/2009), na pena de 340 (trezentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos);
6) Operando o cúmulo jurídico, condeno o arguido B... na pena única de 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o montante global de 2.200€ (dois mil e duzentos euros);
7) Condeno o arguido B... nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC’s - cfr. arts.513.º n.º 1 e 514.º n.º 1 do Código de Processo Penal e arts. 74.º, 82.º, 85.º, n.º 1 e 89.º todos do CCJ, à qual acresce 1%, nos termos e para os efeitos do art. 13.º, n.º 3 do Decreto-lei n.º 423/91, de 30 de Outubro e mínimo de procuradoria.
8) Julgo o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante A... . parcialmente procedente, por parcialmente provado, e, em consequência, condeno C... e D... a pagar ao demandante a quantia de 3.000,00€ (três mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos, absolvendo o demandado A... do pedido de indemnização civil contra si deduzido.
9) Julgo o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante Centro Hospitalar de Coimbra, E.P.E parcialmente procedente, por parcialmente provado, e, em consequência, condeno o demandado B... a pagar ao Centro Hospitalar de Coimbra, E.P.E a quantia de 147,00€, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação e até efectivo e integral pagamento, absolvendo o demandado A... do pedido de indemnização civil contra si deduzido;
10) Custas cíveis por demandantes e demandados na proporção do respectivo decaimento, nos termos do disposto no art.446.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável por força do disposto no art.523.º do CPP.

Após trânsito, remeta boletins ao Registo Criminal.

                Notifique.

Após a leitura da sentença, vai proceder-se ao depósito, nos termos do artigo 372º, n º 5 do Código de Processo Penal.”

                                                                                                ****

                Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 13/9/2011, o arguido, defendendo a sua revogação e substituição por outra que o absolva, ou, caso assim não seja entendido, por outra que reduza a pena ao mínimo legal, assim como reduza o montante indemnizatório, extraindo da Motivação as seguintes Conclusões:

                1. O arguido ora Recorrente foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos), e, como autor material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 340 (trezentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que, operado o cúmulo jurídico, se traduziu na pena única de 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o montante global de 2.200€ (dois mil e duzentos euros).

                2. Para tanto, o douto Tribunal a quo deu como provado que:
1) “No dia 08/02/2009, cerca das 4h.30m, junto da porta de entrada da casa de espectáculos designada “Mar Alto”, sita na cidade da Nazaré, o arguido B... dirigiu-se ao queixoso A... . e desferiu-lhe uma cabeçada no nariz, em consequência da qual o queixoso caiu ao chão.
2) Enquanto o queixoso se encontrava no chão, o arguido B... e E... (ambos menores) desferiram-lhe vários pontapés em várias partes do corpo.
3) No dia 21/06/2009, cerca das 4h.30m, junto à rampa de Santo António, sita na cidade da Nazaré, o arguido B..., juntamente com F..., (menor de idade) dirigiu-se ao queixoso, A... . e desferiu-lhe vários murros na face.

                3. O douto Tribunal a quo formou a sua convicção com base na análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente, em conjugação com os documentos juntos aos autos e os depoimentos das testemunhas A... ., ... e ....

               4. Salvo o devido respeito, mal esteve o douto Tribunal a quo no julgamento dos factos, na medida em que a prova testemunhal produzida não podia, com um mínimo de rigor e certeza, fundamentar a condenação do ora Recorrente.

                5. Efectivamente, do depoimento das testemunhas supra mencionadas, não ficou provado que tivesse sido o ora Recorrente a praticar os factos dados como provados em 1), 2) e 3) da Fundamentação, os quais se encontram descritos no n.º 2 das presentes Conclusões.

                6. Os depoimentos das testemunhas A... . e ... são manifestamente contraditórios entre si, senão vejamos:

                7. Relativamente aos factos ocorridos no dia 8 de Fevereiro de 2009, a testemunha A... . refere que o ofendido A... . foi agredido no nariz, com uma cabeçada, pelo ora Recorrente.

                8. Logo de seguida, já não conseguiu concretizar se a cabeçada tinha sido dada no nariz ou na boca.

                9. Esta mesma testemunha referiu que “…mesmo após o ofendido ter caído, E... e o arguido B... continuaram a desferir-lhes pontapés…”.

                10. Para logo de seguida, afirmar que os pontapés foram dados pelo F..., pelo E...e talvez pelo arguído, não tendo a certeza.

                11. Já a testemunha ... refere que as agressões começaram entre o ofendido A... . e o arguido A... ., tendo o ora Recorrente chegado ao local quando o ofendido já se encontrava no chão, conforme demonstra uma parte do seu depoimento, o qual aqui se transcreve:

                Exma. Senhora Procuradora: “…quando diz salvo erro, o Sr. Viu o Sr. B... a agredir o Sr. A... .?”

                Testemunha: “Inicialmente sim.”

                Exma. Senhora Procuradora: “E de que forma?”

                Testemunha: “Com um murro no nariz.”

                Exma. Senhora Procuradora: “Então o Sr. B... . deu um murro no nariz do A... .?”

                Testemunha: “Sim, sim, do A... ..”

           12. De igual modo, também não existe unanimidade relativamente à forma como o ora Recorrente se apresentava, nomeadamente, e atendendo a que os envolvidos se encontravam num baile de Carnaval, se estava, ou não, mascarado.

                13. Se, por um lado, as testemunhas  … e ... afirmaram que as pessoas envolvidas estavam todas mascaradas;

                14. Já a testemunha A... . referiu que o Recorrente não estaria mascarado na cara.

                15. Salvo melhor entendimento, resulta assim evidente que não foi possível determinar quem é que começou por agredir quem; quem é que agrediu quem; quem foram as pessoas envolvidas nas agressões, se estavam ou não mascarados.

                16. Acresce que, por várias ocasiões, a testemunha A... . referiu que já não se lembrava dos acontecimentos.

                17. Também quanto aos factos ocorridos a 21 de Junho de 2009, considera o Recorrente que o douto Tribunal a quo realizou uma avaliação errada dos mesmos.

                18. Ao não ter considerado a existência de agressões mútuas entre o ofendido A... . e o Recorrente, as quais foram consequência de uma troca de palavras não concretamente apuradas.

                19. Também quanto a estes factos houve manifesta oposição entre os depoimentos das testemunhas A... . e ..., tendo o primeiro afirmado que foi o B... que iniciou as agressões contra o ofendido, enquanto o segundo referiu ter visto outro rapaz a agredir o A... . e que o arguido B... não o agrediu.

                20. Apesar de todas estas contradições, o douto tribunal a quo considerou ambos os depoimentos como credíveis e peremptórios.

                21. Em face do exposto, a prova produzida, pela sua contrariedade, nunca poderia fundamentar a condenação do Recorrente, pelo que se impunha ao douto Tribunal a quo uma decisão oposta à que resulta da sentença recorrida.

                22. Pelo que, necessariamente, terá que se considerar que o douto Tribunal a quo violou o disposto no artigo 32.º da CRP, o n.º 5 do artigo 97.º e o artigo 127.º, ambos do CPP, e a al. a) do n.º 3 do artigo 143.º, do C. Penal.

                23. Também aqui terá que se referir que, do texto da douta sentença recorrida, resulta a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude a al. a) do n.º 2 do artigo 410.º, do CPP.

                24. Por mero dever de cautela, sempre se dirá igualmente que, a ter cometido os crimes de ofensas à integridade física simples, o douto Tribunal a quo não considerou as circunstâncias atenuantes que se impunham, nomeadamente,

                25. Os 17 anos de idade do Recorrente; o facto de se encontrar a estudar numa escola profissional, sita na Maia; de estar a residir actualmente com os seus tios maternos em Matosinhos; e o facto do ofendido ter sido agredido por outras pessoas.

                26. Tivessem estes factos sido considerados, que necessariamente o Recorrente não podia ser condenado, em cúmulo jurídico, numa pena única de 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o montante global de 2.200€ (dois mil e duzentos euros), a qual se revela manifestamente desproporcional e contrária aos princípios estabelecidos na lei penal.

                27. Igualmente desproporcional foi também a condenação dos progenitores do ora Recorrente no pagamento ao demandante da quantia de três mil euros, atendendo a que esse foi o valor peticionado contra os dois arguidos do processo e, conforme melhor consta na douta sentença recorrida, as agressões não foram “…perpetradas exclusivamente pelo arguido B...…”.

                28. Com efeito, considera o ora Recorrente que o douto Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 40.º, n.º 2 do artigo 71.º e n.º 1 do artigo 72.º, todos do Código Penal, e artigos 6.º e 8.º, do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro.

                                                                                                ****

                O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso do arguido, em 10/10/2011, defendendo a sua improcedência e apresentando as seguintes Conclusões:

                1. Nestes autos, o arguido/recorrente, inconformado com a decisão que o condenou na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos), como autor material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal (factos praticados em 08.02.2009), e na pena de 340 (trezentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos), como autor material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143.º, n.º1, do Código Penal (factos praticados em 21.06.2009), operando o cúmulo jurídico, na pena única de 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o montante global de 2.200€ (dois mil e duzentos euros).

2. Alega, em síntese, que:

                “3. O douto Tribunal a quo formou a sua convicção com base na análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente, em conjugação com os documentos juntos aos autos e os depoimentos das testemunhas A... ., ... e ....

                4. Salvo o devido respeito, mal esteve o douto Tribunal a quo no julgamento dos factos, na medida em que a prova testemunhal produzida não podia, com um mínimo de rigor e certeza, fundamentar a condenação do ora Recorrente.

                5. Efectivamente, do depoimento das testemunhas supra mencionadas, não ficou provado que tivesse sido o ora Recorrente a praticar os factos dados como provados em 1), 2) e 3) da Fundamentação, os quais se encontram descritos no n.º 2 das presentes Conclusões.

                6. Os depoimentos das testemunhas A... . e ... são manifestamente contraditórios entre si, senão vejamos:

(…)

                15. Salvo melhor entendimento, resulta assim evidente que não foi possível determinar quem é que começou por agredir quem; quem é que agrediu quem; quem foram as pessoas envolvidas nas agressões, se estavam ou não mascarados.

                (…)

                17. Também quanto aos factos ocorridos a 21 de Junho de 2009, considera o Recorrente que o douto Tribunal a quo realizou uma avaliação errada dos mesmos.

(…)

                22. Pelo que, necessariamente, terá que se considerar que o douto Tribunal a quo violou o disposto no artigo 32.º da CRP, o n.º 5 do artigo 97.º e o artigo 127.º, ambos do CPP, e a al. a) do n.º 3 do artigo 143.º, do C. Penal.

                3. Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos da Douta sentença proferida nestes autos em 06.07.2011:

                - (dá-se aqui por reproduzido o teor dos factos n.ºs 28 a 54, mais à frente descritos).

                4. A convicção do Tribunal quanto aos factos provados e não provados resultou da análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, segundo as regras de experiência comum e a livre convicção da entidade competente (artigo 127.º do CPP) em conjugação com os documentos juntos aos autos.

                5. Quanto aos factos ocorridos em 08.02.2009, o arguido B..., no uso do direito ao silêncio, não prestou declarações, no entanto, atentas as declarações da testemunha A... . – que se encontrava com o ofendido no momento da prática dos factos, tendo assim conhecimento directo dos factos, e de forma isenta, calma e credível, confirmou os factos tal qual constam dos pontos 1) e 2) dos factos provados, esclarecendo ainda que a contenda se iniciou com o arguido B... e, posteriormente, apareceu E... e o arguido A... . e, mesmo após o ofendido ter caído,  E... e o arguido B... continuaram a desferir-lhes pontapés.

                6. Também ... foi peremptório a afirmar que B... desferiu vários pontapés no corpo do ofendido.

                7. A testemunha ..., de forma isenta e credível, referiu que no momento em que saiu do “Mar Alto” viu um miúdo a queixar-se de uma perna e que vinha um rapaz para lhe dar um soco, tendo-se colocado entre ambos, não conseguindo porém identificar a pessoa em questão.

                8. Relativamente aos factos ocorridos em 20.06.2009, o arguido/recorrente admitiu ter agredido o ofendido A... . no dia e local mencionados em 4) dos factos provados.

                9. Tal depoimento foi corroborado pela testemunha A... ..

                10. Do depoimento de A... . foi ainda possível concluir que foi o arguido B... que iniciou as agressões contra o ofendido (considerando ainda que a versão apresentada pelo arguido ao afirmar não se recordar quem iniciou as agressões não mereceu qualquer credibilidade).

                11. Inexiste, pois, qualquer contradição entre os depoimentos das testemunhas dos autos.

                12. Na verdade, foi possível concluir que o arguido/recorrente praticou os factos ocorridos em 08.02.2009, atentas as declarações das testemunhas A... . e ... que, de forma credível e isenta, declararam ter presenciado (especialmente a testemunha A... .) as agressões perpetradas por aquele contra o ofendido A... ..

                13. A existir “inexactidões”, apenas as humanamente expectáveis, decorridos dois dos factos e da “agitação” habitual que rodeia uma situação de agressão física colectiva, quanto à cronologia dos factos constantes da acusação pública.

                14. No que concerne aos factos ocorridos em 20.06.2009, o arguido/recorrente confessou os mesmos.

                15. Não foi produzida qualquer prova – ao contrário do que pugna o recorrente – de que o mesmo foi anteriormente agredido pelo ofendido A... ..

                16. Acresce que não podemos olvidar que o arguido/recorrente, ouvido em declarações finais, conforme 00:10 a 00:44 do depoimento do arguido, na sessão de 20.06.2011, declarou:

                Mma. Juiz: “Quer dizer mais alguma coisa em sua defesa que ainda não tenha dito?”

                B...: “Eu gostava de dizer que independentemente das razões que levaram tanto à primeira como à segunda agressão, estou arrependido pelo que fiz.”

                Mma. Juiz: “Independentemente do quê?”

                B...: “Das razões que aconteceram na primeira ou segunda confusão.”

                Mma. Juiz. “Mais alguma coisa?”

                B...: “Não, é só.”

                17. Ora, do que se pode arrepender o arguido senão, como não pode deixar de se entender, de ter praticado os factos ocorridos em 08.02.2009 e em 21.06.2009.

18. Ora, esgotada toda a actividade probatória, inexiste qualquer dúvida irremovível e fundada, não puramente subjectiva, quanto ao facto de o arguido ter praticado os factos pelos quais vinha acusado, no que concerne aos dois crimes de ofensa à integridade física.

19. Por se constatar inexistir qualquer dúvida insanável relativamente ao facto tipificado como crime, mas, outrossim, que foi produzida prova em sede de audiência de discussão e julgamento que o arguido praticou os factos considerados provados, deve manter-se a decisão proferida pela Mma. Juiz a quo.

20. Por tudo o que deixamos exposto, deverá ser negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida que não viola nem posterga qualquer princípio ou norma jurídica, nomeadamente as invocadas pelo arguido/recorrente.

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                O recurso foi, em 4/1/2012, admitido.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 24/1/2012, emitiu douto parecer no qual, em geral, acompanhou a resposta apresentada pelo Ministério Público junto da 1ª instância, sem embargo de considerar que o recurso merece parcial provimento, em virtude de existir uma omissão de pronúncia, por não ter sida ponderada a aplicação, ou não, do regime especial para jovens, previsto no DL n.º 401/82, de 23/9.

Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o respectivo direito de resposta.

Colhidos os vistos, teve lugar a legal conferência, cumprindo apreciar e decidir.


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II. Decisão Recorrida:

I. RELATÓRIO

                O Ministério Público acusou para julgamento, em processo comum perante Tribunal Singular, os arguidos:
- B..., solteiro, estudante, filho de C... e de D..., residente na Rua … , Matosinhos;
- A..., solteiro, estudante, residente na Rua … , Nazaré;

                              

                a) Imputando ao arguido B..., a prática dos factos constantes da acusação de fls.161 a 165, integrativos da prática:

- em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal – adiante designado pela sigla C.P;

- em autoria material e na forma tentada, de um crime de coacção agravada previsto e punido pelo disposto no artigo 155.º, nº 1, al. a), com referência ao artigo 154.º, n.º 1, do CP;

                b) Imputando ao arguido A..., a prática de um crime de ofensas à integridade física simples, prevista e punida pelo disposto no artigo 143.º do CP.


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                A... ., na qualidade de demandante, deduziu pedido de indemnização civil contra C... e D..., na qualidade de ascendentes e detentores do poder paternal do arguido B... e contra o arguido A..., pedindo uma indemnização por danos não patrimoniais no valor total de 3.000,00€ - cfr. fls.191.

                O Centro Hospitalar de Coimbra, E.P.E, na qualidade de demandante civil, deduziu pedido de indemnização cível contra os arguidos pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 147,00€, a título de encargos com a assistência prestada ao ofendido A... ., nos termos do n.º 2 do Artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 218/99, de 15 de Junho e Portaria 132/2009, de 30/01 – cfr. fls.178.
*

                A acusação e os pedidos de indemnização cível foram recebidos por despacho de fls.200, que designou igualmente data para realização da audiência de julgamento.

Ambos os arguidos apresentaram contestação e arrolaram testemunhas – cfr. fls.232 e 235.

C..., na qualidade de demandado e em representação do arguido B... contestou o pedido de indemnização civil contra si deduzido.
*

Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento com observância de todo o formalismo legal, conforme consta das respectivas actas.


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Inexistem nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento de mérito da causa.
      *

                II. FUNDAMENTAÇÃO:

A) Factos provados

Produzida a prova e discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:
4) No dia 08/02/2009, cerca das 4h.30m, junto da porta de entrada da casa de espectáculos designada “Mar Alto”, sita na cidade da Nazaré, o arguido B... dirigiu-se ao queixoso A... . e desferiu-lhe uma cabeçada no nariz, em consequência da qual o queixoso caiu ao chão.
5) Enquanto o queixoso se encontrava no chão, o arguido B... F... e E... (ambos menores) desferiram-lhe vários pontapés em várias partes do corpo.
6) No dia 21/06/2009, cerca das 4h.30m, junto à rampa de Santo António, sita na cidade da Nazaré, o arguido B..., juntamente com F..., (menor de idade) dirigiu-se ao queixoso, A... . e desferiu-lhe vários murros na face.
7) Em consequência dos factos descritos em 1) e 2), A... . sofreu na face traumatismo da pirâmide nasal com edema, no membro superior esquerdo edema da mão e equimose na região dorsal de cinco por três centímetros e no membro inferior esquerdo edema marcado do joelho, lesões essas que lhe determinaram 30 dias para consolidação, com 20 dias de afectação para a capacidade de trabalho geral e 20 dias com afectação para o trabalho profissional.
8) Em consequência dos factos descritos em 3), A... . sofreu traumatismo da face e dentes incisivo e canino inferior direitos, traumatismo do maxilar inferior à esquerda com crepitação à palpação do maxilar, fractura da mandíbula à esquerda e parassinfisária à direita, edema facial esquerdo, ferida gengival inferior direita suturada com pontos e limitação acentuada da abertura da boca, as quais lhe determinaram 130 dias para consolidação, com 30 dias de afectação para a capacidade de trabalho geral e 30 dias com afectação para o trabalho profissional.
9) Com a conduta supra descrita, o arguido B... quis e conseguiu molestar fisicamente o queixoso.
10) O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era e é proibida por lei.

Mais se provou que:
11) Aos arguidos não são conhecidos antecedentes criminais.
12) O arguido B... nasceu em 1992 e é filho de C... e de D....
13) O arguido B... é estudante do 10.º ano de escolaridade em escola profissional sita na Maia.
14) Reside desde Março de 2010 com os tios maternos, em Matosinhos.
15) O arguido A... . vive com a mãe.
16) Possui o 9.º ano de escolaridade.
17) Frequenta o curso de nadador salvador, pelo qual não recebe qualquer compensação.
18) É considerado pelos seus familiares como pessoa calma e pacífica.
19) Em consequência dos factos descritos em 1) e 2), o ofendido foi transportado para o Hospital de Santo André, sito em Leiria, e depois transferido para o Centro Hospitalar de Coimbra, E.P.E.
20) Em consequência dos factos descritos em 3), o ofendido foi transportado para o Centro de Saúde da Nazaré, após o que foi transferido para o Hospital de Santo André, e depois para o Hospital da Universidade de Coimbra.
21) Os cuidados médicos prestados ao ofendido no Centro Hospitalar de Coimbra referido em 16) ascenderam ao montante de 147,00€.
22) Em consequência dos factos descritos em 1) a 3) o demandante sentiu dores.
23) Em consequência dos factos descritos em 1) e 2) o demandante teve dificuldades em respirar pelo nariz.
24) Na sequência dos factos descritos em 3) o ofendido esteve hospitalizado no Hospital da Universidade de Coimbra até 23/06/2009.
25) Após ter tido alta médica e em consequência das lesões descritas em 1) e 2), o demandante permaneceu em casa durante cerca de 15 dias.
26) …E apenas voltou a sair à noite no dia 21/06/2009.
27) Após o referido em 3), o demandante teve dificuldades em se alimentar e sentiu dores em todo o corpo.
28) Em consequência dos factos descritos em 1) a 3) o demandante sentiu medo de sair à rua e receio pela sua integridade física.
29) …E sentiu-se vexado.
30) O ofendido padece de doença crónica incapacitante susceptível de se agravar por sobrecarga mecânica ou traumática.


B) Factos não provados

Não se provou que:

a) Nas circunstâncias de tempo, lugar e modo descritas em 2) e enquanto o queixoso se encontrava no chão, o arguido A... . desferiu-lhe vários pontapés em várias partes do corpo.

b) E desferiu-lhe ainda um pontapé na cabeça que fez com que o ofendido perdesse os sentidos.

c) Com a conduta supra descrita, o arguido A... . quis e conseguiu molestar fisicamente o queixoso.

d) O arguido A... . agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era e é proibida por lei.

e) Nas circunstâncias de tempo, lugar e modo descritas em 3) o arguido B..., dirigindo-se ao queixoso A... ., disse-lhe: “Se não tiras a queixa e se eu tiver que pagar alguma coisa apareces a boiar no mar.”

f) O arguido B... proferiu a expressão referida em e) com firmeza e seriedade e com intenção de fazer convencer o queixoso que viria a efectivar o prometido, caso o mesmo não retirasse a queixa apresentada respeitante aos factos descritos em 1), querendo desta forma provocar-lhe receio, medo e inquietação com vista a afectar e prejudicar a sua liberdade de determinação e acção, o que só não logrou conseguir por razões alheias à sua vontade.

g) Nas circunstâncias descritas em e) a f), o arguido B... agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era e é proibida por lei.


C) Motivação da decisão de facto

A convicção do Tribunal quanto aos factos provados e não provados resultou da análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, segundo as regras de experiência comum e a livre convicção da entidade competente (artigo 127.º do Código de Processo Penal) em conjugação com os documentos juntos aos autos.

No que respeita aos factos ocorridos em 8/2/2009, o arguido B..., no uso do direito ao silêncio que lhe assiste, não prestou declarações.

 O arguido A... . negou que tivesse agredido o ofendido, referindo que quando saiu do interior da sala de espectáculos, já o ofendido se encontrava no chão rodeado de senhoras.

No entanto, a testemunha A... . que se encontrava com o ofendido no momento da prática dos factos, com conhecimento directo dos factos e de forma isenta, calma e credível, confirmou os factos tal qual constam dos pontos 1) e 2), esclarecendo ainda que, embora a contenda se tenha iniciado com o arguido B..., posteriormente apareceu E... e o arguido A... . e, mesmo após o ofendido ter caído, ... ., E... e o arguido B... continuaram a desferir-lhe pontapés, referindo até que quando tentou ajudar o amigo, ... . impediu que este chegasse perto do mesmo e tentou bater-lhe.

Porém, no que respeita à intervenção do arguido A... ., a mesma testemunha afirmou que apenas o viu de joelhos junto ao ofendido e de seguida em cima deste, não se recordando se o mesmo o terá agredido, razão pela qual o depoimento de ..., ao afirmar que as agressões também foram cometidas pelo arguido A... . não se mostrou suficiente (na ausência de outras provas) para afirmar a veracidade desse facto, por apresentar uma versão totalmente contraditória às versões apresentadas pelas testemunhas inquiridas sobre tal matéria (impondo-se em consequência se considerassem não provados os factos vertidos nas alíneas a) a c)). No entanto, também ... foi peremptório a afirmar que B... desferiu vários pontapés no corpo do ofendido.

Por seu turno, a testemunha ..., de forma isenta e credível referiu apenas que no momento em que saiu do “Mar Alto” viu um miúdo a queixar-se de uma perna e que vinha um rapaz para lhe dar um soco, tendo-se colocado entre ambos, não conseguindo porém identificar a pessoa em questão porque era baile de Carnaval, estavam mascarados, apenas se recordando que era um rapaz entroncado.

No que respeita aos depoimentos das testemunhas  . e E..., os mesmos não apresentaram qualquer credibilidade, uma vez que a testemunha  … referiu que foi agredido pelo ofendido e pela testemunha A... ., tendo igualmente respondido a tal agressão, após o que regressou ao interior da sala de espectáculos e quando voltou para o exterior já o ofendido se encontrava no chão, ao passo que a testemunha E..., pretendeu demonstrar que quem terá iniciado a contenda foi o próprio ofendido, o qual terá agredido o arguido B..., pretendendo dessa forma isentá-lo de qualquer responsabilidade que lhe poderá vir a ser assacada.

O arguido B... prestou declarações, relativamente aos factos ocorridos em 20/06/2009, admitindo ter agredido o ofendido A... . no dia e local mencionados em 4), o que foi corroborado pela testemunha A... ., mas negou ter dirigido a este a expressão ““Se não tiras a queixa e se eu tiver que pagar alguma coisa apareces a boiar no mar.”, afirmando que quem proferiu tal expressão foi … ., o qual corroborou nesta parte as declarações do arguido, admitindo ter sido ele próprio a proferir tais palavras. Acresce que o depoimento de A... . foi ainda fundamental para concluir que foi o arguido B... que iniciou as agressões contra o ofendido (considerando ainda que a versão apresentada pelo arguido ao afirmar não se recordar quem iniciou as agressões não ter merecido qualquer credibilidade).

Para prova das consequências que as agressões perpetradas tiveram na vida do ofendido foram relevantes os depoimentos das testemunhas  … e … ., avó e mãe do demandante/ofendido, respectivamente, as quais de forma emocionada, mas isenta e credível referiram que aquele, mercê das agressões de que foi alvo sentiu dores e, no que respeita à primeira das agressões, sentiu dificuldades em respirar, afirmando ainda que sentia receio de sair à rua (sendo que após a primeira situação apenas voltou a sair à noite no dia em que foi novamente agredido), pois temia ser novamente agredido sendo que após a segunda agressão, foi obrigado a alimentar-se por uma palhinha por ter o maxilar partido, acrescentando ainda que toda esta situação levou o demandante/ofendido a emigrar para a Suíça com receio que pudesse vir novamente a ser agredido.

No que respeita às condições económicas e pessoais do arguido B..., o tribunal considerou as suas próprias declarações em conjugação com o depoimento da testemunha D... e … , mãe e tio do arguido, respectivamente, tendo estas confirmado que actualmente o arguido reside em Matosinhos com aquele e frequenta um curso profissional.

Relativamente ao arguido A... ., para além das declarações prestadas pelo próprio, o tribunal considerou o depoimento das testemunhas … e … , tia e irmã do arguido, as quais referiram que o arguido é pessoa calma e pacífica.

Teve ainda o Tribunal em consideração os vários documentos juntos aos autos, designadamente relatórios médico-legais de fls. 10 a 17, 71 a 73, 110 a 112, a documentação clínica relativa ao ofendido A... . de fls 89 a 98, factura relativa ao episódio de urgência de fls. 181, declaração de fls. 196 e print de fls.290.

No que respeita aos antecedentes criminais dos arguidos, o tribunal baseou-se no teor dos certificados de registo criminal dos arguidos de fls. 259 e 260.

No que respeita aos factos vertidos nas alíneas e) a g), a convicção do tribunal resultou da circunstância de ter sido produzida prova em sentido contrário àqueles.

D) Fundamentação Jurídica

Do crime de ofensas à integridade física simples, p. e p. pelo art.143.º, n.º1 do Código Penal

O arguido B... encontra-se acusado da prática de dois crimes de ofensa à integridade física simples e o arguido A... . de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º1, do Código Penal.

Dispõe o citado preceito que pratica tal ilícito “quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa”.

O crime de ofensa à integridade física simples surge como o tipo legal fundamental em matéria de crimes contra a integridade física, inseridos no Capítulo III, do Título I – Dos crimes contra as pessoas.

Este preceito prevê o crime de ofensa à integridade física, consagrando a protecção jurídico-penal da integridade física da pessoa humana. Tal protecção encontra consagração constitucional no artigo 25º da Constituição da República Portuguesa.

O bem jurídico protegido é a integridade física da pessoa humana.

Trata-se de um crime material e de dano, uma vez que o tipo legal abrange um determinado resultado que é a lesão do corpo ou saúde de outrem, fazendo-se a imputação objectiva deste resultado à conduta ou omissão do agente nos termos gerais –cfr. art. 10.º do C.P.

O tipo legal fica preenchido mediante a verificação de qualquer ofensa no corpo ou na saúde, “independentemente da dor ou sofrimento causados, ou de uma eventual incapacidade para o trabalho” (Paula Ribeiro de Faria, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I, Coimbra Editora, 1999).

Por ofensa no corpo “poder-se-á entender todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem estar físico de uma forma não insignificante…” (Paula Ribeiro de Faria, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo. I, Coimbra Editora, 1999).

Por lesão da saúde “deve considerar-se toda a intervenção que ponha em causa o normal funcionamento das funções corporais da vítima prejudicando-a”(Maiwald citado por Paula Ribeiro de Faria, in, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I. Coimbra Editora, 1999, p. 207).

Contudo, tal ofensa não poderá ser insignificante, uma vez que é necessário tomar em conta a chamada adequação social da conduta.

Por outro lado, as ofensas devem ser provocadas em pessoa diferente do agente, uma vez que as chamadas auto-lesões não são punidas como ofensa à integridade física, mas eventualmente a outro título.

Finalmente, e atentando agora no tipo subjectivo de ilícito, o crime de ofensa à integridade física exige o dolo em qualquer das suas modalidades (cfr. artigo 14.º do C.P).

Como refere Paula Ribeiro de Faria, ob.cit., “a motivação do agente é irrelevante sob este ponto de vista, embora possa ser tida em conta para efeitos de determinação da medida da pena (a ofensa da integridade física não deixa de ser típica pela circunstância de o autor apenas ter querido brincar com a vítima.”

O dolo é uma entidade complexa portadora de sentidos diversos, consoante a sua valoração é objecto da ilicitude ou da culpa: como forma de realização do tipo de ilícito, traduz-se no “conhecimento e vontade de realização daquele tipo de crime”(neste sentido, Professor Jorge de Figueiredo Dias, in “Direito Penal – Sumários das Lições do Professor Doutor Jorge de Figueiredo Dias à 2.ª turma do 2.º ano da Faculdade de Direito”; como forma de culpa, enquanto modo de formação da vontade que conduz ao facto, o dolo é portador do desvalor de uma atitude pessoal contrária ou indiferente ao dever-ser jurídico-penal.

No caso dos autos resultou provado que no dia 08/02/2009, cerca das 4h.30m, junto da porta de entrada da casa de espectáculos designada “Mar Alto”, sita na cidade da Nazaré, o arguido B... dirigiu-se ao queixoso A... . e desferiu-lhe uma cabeçada no nariz, em consequência do qual queixoso caiu ao chão e enquanto este se encontrava no chão, o arguido B... desferiu-lhe vários pontapés em várias partes do corpo.

Resultou igualmente provado que no dia 21/06/2009, cerca das 4h.30m, junto à rampa de Santo António, sita na cidade da Nazaré, o arguido B... dirigiu-se ao queixoso, A... . e desferiu-lhe vários murros na face.

Em consequência de tais factos o queixoso sofreu as lesões descritas nos pontos 4) e 5) dos factos provados, as quais foram causa directa e necessária de tais factos.

Por outro lado, dúvidas não existem de que o arguido agiu com dolo directo, uma vez que actuou com conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo – cfr. artigo 14.º, n.º1 do C.P.

Em sede de culpa, o arguido é imputável, agiu com liberdade de decisão, pois apesar de saber que a sua conduta era ilícita e poder e dever adoptar conduta conforme ao Direito, incorreu na prática do crime por que veio acusado.

Demonstrada a ilicitude da conduta imputável ao arguido, mediante o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime, e inexistindo qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa conclui-se que o arguido B... cometeu, em autoria material, e na forma consumada dois crimes de ofensa à integridade física, previsto e punível, pelo artigo 143º, n º 1 do Código Penal.

Já no que respeita à responsabilidade criminal do arguido A... ., não se provou que o mesmo tenha desferido vários pontapés em várias partes do corpo do queixoso A... . e que com a sua conduta quis e conseguiu molestar fisicamente o queixoso.

Não se verificando, desde logo, o elemento objectivo do tipo de ilícito em causa e, consequentemente o elemento subjectivo, deve o arguido A... . ser absolvido da prática do crime pelo qual vem acusado.
Do crime de coacção, na forma tentada, p. e p. pelo art.155.º, n.º1, al.a), com referência ao art.154.º, n.º1 do CP
Veio o arguido B... acusado da prática, em autoria material e na forma tentada, de um crime de coacção previsto e punido pelo disposto no artigo 155.º, n.º 1, alínea a), com referência ao artigo 154.º do Código Penal.

Comete o crime de coacção previsto e punido no artigo 154.º, n.º 1 do CP «Quem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa», dispondo ainda o se n.º 2 que «A tentativa é punível»

Por sua vez, preceitua o artigo 155.º, n.º 1, alínea a) que: «Quando os factos previstos nos artigos 153.º e 154.º forem realizados: a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos; (…) o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, no caso do artigo 153.º, e com pena de prisão de um a cinco anos, no caso do n.º 1 do artigo 154.º»

                Assume-se este como o tipo fundamental dos crimes contra a liberdade de decisão e de acção, consistindo o tipo objectivo em constranger outra pessoa a adoptar um determinado comportamento: praticar uma acção, omitir determinada acção, ou suportar uma acção. Para além disso, como crime de execução vinculado que é, exige que os meios de coacção utilizados sejam a violência ou a ameaça com mal importante.

                A propósito da caracterização da coacção dir-se-á ainda que se trata de um crime de resultado. Diz Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, v. I., p. 358 «sendo o bem jurídico protegido a liberdade de acção, a consumação deste crime exige, consequentemente, que a pessoa objecto da acção de coacção tenha, efectivamente, sido constrangida a praticar a acção, a omitir a acção ou a tolerar a acção, de acordo com a vontade do coactor e contra a sua vontade». Basta-se, é certo, com o simples início da execução da conduta, mas em todo o caso, sempre exigirá o início da acção. Se o objecto da coacção for a omissão ou a tolerância de uma acção a coacção, consuma-se no momento em que o coagido é, por causa da violência ou da ameaça, impedido de agir ou de reagir.

                Ao nível do elemento subjectivo o crime de coacção exige o dolo, ainda que na forma eventual.

Dispõe o artigo 22.º do CP que:

                “1 – Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se.

                2 – São actos de execução:

                a) os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime;

                b) os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou

                c) os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores.”

                Por outro lado, salvo disposição em contrário, a tentativa só é punível se ao crime consumado respectivo corresponder pena superior a três anos de prisão – artigo 23.º, n.º 1 do CP, – com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada (n.º 2). Ora, o art.154.º, n.º2 do CP consagra expressamente a punibilidade da tentativa.

                No caso dos autos, não se provaram qualquer dos factos imputados na acusação susceptíveis de integrar os elementos objectivos e subjectivos do crime de coacção agravado, na forma tentada imputado ao arguido pelo que terá o mesmo de ser absolvido.

Determinação da medida da pena
O crime de ofensa à integridade física simples regulado no art.143.º, n.º 1 do C.P, é punido com prisão até 3 anos ou com pena de multa.

A moldura penal abstracta a ser ponderada é pena de prisão mínima de um mês (art.º 41.º n.º 1 do Código Penal) e máxima de 3 anos ou com pena de multa entre 10 e 360 dias (art.º 47.º n.º 1 do Código Penal).
Em conformidade com o disposto no art. 70º do Código Penal, a escolha da pena deve ser feita, dando preferência à pena não privativa da liberdade sempre que esta se mostre suficiente para promover a recuperação social do delinquente e satisfaça a protecção dos bens jurídicos (cfr. art. 40º, nº 1, do Código Penal).
A necessidade de protecção de bens jurídicos traduz-se “na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo reforço) da vigência da norma infringida” (neste sentido, Professor Jorge de Figueiredo Dias, in “Direito Penal – As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, Reimpressão, Coimbra Editora). Trata-se da chamada prevenção geral positiva ou de integração e que decorre do princípio político-criminal básico da necessidade da pena consagrado no artigo 18.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa.
O sistema jurídico-penal português estabelece uma preferência pelas reacções criminais não privativas da liberdade, pelo que deve dar-se prevalência à pena não privativa da liberdade, desde que esta realize, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição (a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade), nos termos do preceituado nos arts. 40.º e 70.º do Código Penal e na esteira do princípio da necessidade consagrado no art. 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

Estipula o artigo 70.°, do Código Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena de prisão e pena não privativa da liberdade, o tribunal da preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
No âmbito da filosofia subjacente do sistema punitivo do Código Penal, apesar de se aceitar a pena de prisão como pena principal para os crimes de maior gravidade, “(...) afirma-se claramente que o recurso às penas privativas da liberdade só será legítimo quando, dadas as circunstâncias, se não mostrem adequadas as sanções não detentivas”. (M. Maia Gonçalves, in Código Penal Português, 17ª ed., Almedina, 2005, p. 248).
Relativamente ao arguido entende o Tribunal ser suficiente, in concreto, a aplicação de uma pena de multa, não só para evitar que o agente reincida, como também para realizar o limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica.
Uma vez que o C.P adoptou o sistema dos dias de multa, a fixação da medida concreta da pena de multa, nos termos do artigo 47.º, nºs 1 e 2 do C.P, cinde-se em dois momentos:
1. num primeiro momento, determinam-se os dias de multa, atendendo aos critérios estabelecidos no artigo 71.º, n.º 1, do C.P, ou seja em função da culpa e das exigências de prevenção;
2. num segundo momento, procede-se à determinação do quantitativo diário da pena de multa, a fixar em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
Cabe agora proceder à determinação do quantum de pena em que o arguido deverá ser condenado.
Segundo o artigo 71.º, n.º1 do C.P, a determinação da medida da pena deverá ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Qual a função que cabe à culpa e à prevenção no processo unitário de medida da pena?
A prevenção geral positiva fornece-nos uma moldura de prevenção: o limite máximo é constituído pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias; abaixo desse ponto óptimo, outros existem em que aquela tutela é efectivamente consistente e onde a pena ainda desempenha a sua função primordial.
Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos -, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo a medida da pena.
Esta deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia óptima de protecção de bens jurídicos.
A medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa. A função desta consiste numa incondicional proibição do excesso, ou seja, “a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas(Professor Jorge de Figueiredo Dias, in “Direito Penal – As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, Reimpressão, Coimbra Editora). O limite máximo de pena adequado à culpa não pode ser ultrapassado, sob pena de pôr em causa a dignitas humana do delinquente (cfr. artigo 40.º, n.º 2 do C.P).
Estabelecida a forma como se relacionam a culpa e a prevenção no processo de determinação concreta da pena e qual a função que uma e outra cumprem naquele processo, importa eleger a totalidade das circunstâncias do complexo integral do facto que relevam para a culpa e para a prevenção. A esta tarefa chama o Professor Jorge de Figueiredo Dias, “a determinação do susbstracto da medida da pena e àquelas circunstâncias os factores de medida da pena.” (in “Direito Penal – As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, Reimpressão, Coimbra Editora).
Na prossecução desta tarefa é o juiz auxiliado pelo artigo 71.º, n.º2 do C.P, o qual, depois de estabelecer que aquele atenderá, na determinação concreta da pena, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, enumera de forma exemplificativa, alguns dos mais importantes factores de medida da pena de carácter geral, isto é, que podem ser tomados em consideração relativamente a qualquer disposição da parte especial do C.P.

                Importa atender às necessidades de prevenção geral as quais se mostram elevadas, dada a forte incidência que este tipo de crime apresenta na sociedade.

                O grau de ilicitude da conduta em ambos os crimes mostra-se elevada, embora a segunda situação ainda revista uma maior gravidade se atentarmos nas lesões e consequências que advieram para o ofendido e constantes dos factos provados, designadamente o período de doença.

                Por outro lado, as lesões que sofreu o ofendido demonstram uma grande energia criminosa empregue pelo arguido na prática dos factos (em ambas as situações).

                Na primeira situação o arguido praticou os factos com mais dois indivíduos ainda que menores e na segunda situação conjuntamente com um menor.

                O arguido agiu com dolo directo.

                Assim, não obstante a ausência de antecedentes criminais e a circunstância do arguido ter apenas 16 anos de idade à data da prática dos factos, as exigências de prevenção especial mostram-se elevadas, sendo premente imprimir na consciência do arguido que não lhe é permitida adoptar condutas violentas mesmo em caso de conflito ou exaltação, não se descurando, e sopesando-se a seu favor, que se encontra social e familiarmente inserido.

                Face ao exposto, considera-se adequado aplicar ao arguido a pena de 160 dias de multa pelo crime praticado em 08/02/2009 e a pena de 340 dias de multa pelo crime praticado em 21/06/2009.

Segue-se a determinação do quantitativo diário da multa, em função da situação económica e financeira do agente e dos seus encargos pessoais, nos termos do art. 47.º, n.º 2 do CP.

Uma vez que “o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado de forma a fazê-lo sentir esse juízo de censura e também, por essa via, assegurar a função preventiva que qualquer pena envolve”, sem “deixar de assegurar ao condenado um mínimo de rendimento para que ele possa fazer face às suas despesas e do seu agregado familiar” (Ac. da RC, de 7/04/2002, CJ, tomo II, pág. 58), atendendo à situação económica do arguido e que o mesmo é estudante, tem-se por adequado que a cada dia de multa corresponda a quantia de 5,50 €.

Cúmulo Jurídico

Face ao disposto no art. 77.º, n.º 1 do CP, “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena.”

Ora, é precisamente esta situação que se verifica nos presentes autos quanto aos arguidos, pelo que importa, portanto, apurar a pena única a aplicar aos mesmos.

Dispõe, ainda, o art. 77.º, n.º 1 do citado diploma legal que na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

Por outro lado, nos termos do n.º2 do art. 77.º do CP, a pena única aplicada tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo ultrapassar os 900 dias de multa (tratando-se de pena de multa), e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Assim sendo, a pena única a aplicar ao arguido tem de situar-se entre os 340 e 500 dias de multa.

Em conclusão, operando o cúmulo jurídico das penas parcelares com os critérios estabelecidos no art. 77.º do Código Penal, atendendo à personalidade do agente e ao grau de ilicitude dos factos numa perspectiva conjunta, atentas as circunstâncias já explanadas no momento da determinação concreta das penas parcelares, entende o tribunal condenar o arguido na pena única de 400 dias de multa, à taxa diária de 5,50€, o que perfaz o montante global de 2.200,00€, pela prática dos dois crimes de ofensas à integridade física p.e p. pelo artigo 143.º todo do Código Penal.

Dos Pedidos de Indemnização Civel

A... . deduziu pedido de indemnização civil contra C... e D..., na qualidade de ascendentes e detentores do poder paternal do arguido B..., e A.... pelos danos de natureza não patrimonial causados pela conduta ilícita dos mesmos.

O Centro Hospitalar de Coimbra, E.P.E deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos/demandados pelos encargos suportados com a assistência médica prestada ao demandante, em resultado das agressões de que foi vítima no dia 08/02/2009.

Cumpre decidir.

De acordo com o disposto no artigo 129.º do C.P «a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil»

O princípio geral da responsabilidade jurídico-civil por factos ilícitos encontra-se expresso no artigo 483.º do Código Civil, doravante designado por C.C, com a seguinte redacção: «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.»

São pressupostos da obrigação de indemnizar:
a) o facto voluntário do lesante, ou seja, “um facto dominável ou controlável pela vontade” (Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol.I);
b) a ilicitude, que se analisa na violação de “um direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios”;
c) a existência de um nexo de imputação subjectiva entre o facto e o lesante, ou seja, a culpa;
d) a ocorrência de danos na esfera de outrem;
e) e a existência de um nexo de causalidade entre os factos e os danos, no sentido de que apenas relevarão aqueles danos que não se teriam verificado sem a intervenção do lesante (cfr. art.º 563.º do C.C)

Da matéria de facto dada como provada verifica-se a existência de um facto voluntário do agente – as agressões ao ofendido – e ilícito, porque violador da integridade física daquele.

Por outro lado, inexistem dúvidas de que o resultado danoso pode ser imputado, a título de culpa efectiva ao arguido B.... Com efeito, verificou-se uma situação que pode ser imputada a uma característica desvaliosa da personalidade do arguido, tendo este agido com dolo directo.

Finalmente, da conduta do arguido resultaram danos não patrimoniais para o ofendido, porquanto o mesmo sofreu dores, esteve hospitalizado, teve dificuldades em se alimentar e em respirar pelo nariz, permaneceu em casa, sentiu-se vexado e sentiu medo e sofreu os períodos de doença e de incapacidade constantes dos factos provados. 

Assim, afirmam-se os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos prevista no artigo 483.º do C.C, a qual gera obrigação de indemnizar, nos termos dos artigos 562.º e ss do mesmo diploma legal.

No que concerne aos demandados pais do arguido B..., dispõe o art.491.º do CC que «As pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiros, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido»

Como decorre do disposto nos art. 122º, 123º, 1878º, n.º 1, 1881º, n.º 1 e 1885º, n.º 1, do Código Civil, enquanto dure a menoridade - isto é, até aos 18 anos - compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança, educação (física, intelectual e moral - que abrange o poder de correcção) e saúde destes, e representá-los.

Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, “estabelece-se uma mera presunção de culpa das pessoas obrigadas, por lei ou negócio jurídico, a vigiar outras e não a sua responsabilidade objectiva. A lei admite-as a provar que cumpriram o seu dever de vigilância ou, mais do que isso, que os danos não deixariam de se produzir ainda que o tivessem cumprido - Código Civil Anotado", Coimbra Editora, 4ª edição, volume I, pág. 492.

As pessoas atingidas pela obrigação de indemnizar não respondem por facto de outrem, mas por facto próprio, visto a lei presumir que houve falta (omissão) da vigilância adequada (culpa in vigilando).

Tal presunção apenas pode ser ilidida mediante a prova do efectivo cumprimento do dever de vigilância ou mediante a prova de que os danos se teriam produzido ainda que tal dever tivesse sido cumprido.

Em conformidade com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o dever de vigilância começa antes da verificação do facto danoso, com a formação da personalidade do menor e a direcção da respectiva educação. (Acórdãos de 23.08.88, de 05.11.95 e de 06.10.98, em www.dgsi.pt.)

Por outro lado, de acordo com o entendimento largamente maioritário da jurisprudência nacional relativamente à avaliação do cumprimento do dever de vigilância sobre incapaz, faz-se frequente apelo aos deveres de educação. (neste sentido Acórdão do STJ de 20-03-1991, no BMJ 405-220).

A propósito desta questão e pela sua pertinência ao caso dos autos, cita-se  um excerto do Acórdão do STJ (Conselheiro Garcia Marques) de 15.10.2002, Processo 02A2638, disponível em www.dgsi.pt«Como observa Henrique Antunes, "se não se deve dificultar excessivamente a ilisão da presunção de culpa, também não se pode olvidar a posição do lesado, em cujo interesse existe a disciplina da responsabilidade civil". Com efeito, na vigilância, encontra-se compreendida a educação, bastando ao lesado provar a existência do dever de vigilância sem ter de provar a culpa dos pais no defeito de educação que tenha causado o dano. O exercício da vigilância começa antes da produção do resultado danoso.

Ora, é justamente aí que desempenha papel fulcral, a par dos simples conselhos e recomendações - que cabem ainda no exercício da vigilância stricto sensu - a educação do vigilando, como um processo de construção da personalidade e carácter do menor.

Resulta do exposto que não se afigura legítimo desligar a vigilância da educação, não apenas no sentido de o grau da referida vigilância em sentido estrito depender da educação dada, mas também no sentido de a má educação ser igualmente um cumprimento defeituoso do dever de vigilância, fundamento de responsabilidade. Tendo presente a grande dificuldade de fazer prova, em tribunal, quanto aos comportamentos, conselhos e exemplos que formam a educação de um menor, deve entender-se que a comprovação genérica de uma boa educação será, em princípio, suficiente para afastar a responsabilidade. (…) Acresce que a questão da "falta de educação" é particularmente relevante no quadro de situações mais graves, em que o comportamento do incapaz revela um verdadeiro desprezo pelos interesses de outrem. Na verdade, justifica-se a limitação da presunção de culpa na educação a esses actos danosos mais graves e marcadamente intencionais, reveladores da não interiorização de valores relacionais e de respeito pelos outros.»

Encarregados, antes do mais, de ensinar ao incapaz a distinção entre o bem e o mal, os titulares do dever de educar/vigiar são moral e civilmente responsáveis pelos desvios de consciência e de comportamento que permitiram no menor»

No caso dos autos, as agressões cometidas pelo arguido B... são graves, atentas as consequências que delas advieram para o ofendido, e são reveladoras de um desprezo pelos direitos dos outros.

Por sua vez, o demandado C..., em representação do arguido B..., na contestação que apresentou nem sequer alegou quaisquer factos susceptíveis de indiciar a comprovação genérica de uma boa educação do vigilando. Por outro lado, também não logrou ilidir a presunção da culpa in educando, isto é, na formação conveniente da personalidade do menor sujeito ao dever de vigilância.

Se é certo que o grau de autonomia de um menor com 16 anos não se compadece com uma vigilância estrita, o certo é que a natureza dos actos e o elevado grau de dolo por parte do menor indicia a existência de culpa na educação por parte dos seus progenitores, cuja presunção não foi, como se disse, ilidida.

Perante actos desta natureza é legítimo entender que há um defeito de direcção geral sobre a pessoa do menor por parte das pessoas obrigadas à sua vigilância, neste caso, os progenitores, pelo que serão estes os responsáveis pelos danos que o menor B... causou ao demandante A... . ..

Uma vez mais, sublinhe-se que as pessoas obrigadas à vigilância, quando atingidas pela obrigação de indemnização por violação desse dever de vigilância, respondem por facto próprio e não por facto de outrem, uma vez que a lei presume que houve falta da vigilância adequada.

É diversa a responsabilidade do autor da lesão e a responsabilidade das pessoas obrigadas à vigilância. O primeiro responde pelo acto ilícito e danoso que praticou, os segundos respondem pela omissão ou incumprimento do seu dever de vigilância.

Tendo o pedido de indemnização civil sido deduzido contra C... e D..., devem estes ser condenados no pagamento da indemnização por danos não patrimoniais ao demandante A... ..

Relativamente aos danos não patrimoniais, a lei manda ressarcir apenas aqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, havendo, em tal caso, o Tribunal que fixar ao lesado uma compensação em dinheiro, fixada em termos equitativos (cfr. artigo 496.º do C.C).

Também não se duvida que se tratam de danos que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito (cfr. artigo 496.º do C.C), pelo que importa proceder à determinação do montante da compensação.

Tal como é referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Outubro de 1996, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 460, “no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois «visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada», não lhe sendo, porém estranha a «ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente»

O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser fixado segundo critérios de equidade, atendendo à situação económica do responsável e a do lesado e às demais circunstâncias do caso que o justifiquem (cfr. os artigos 496.º, n.º 3 e 494.º, ambos do C.C).

Como referem os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, I Volume, o montante da indemnização “deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom sendo prático, de justa medida das coisas, criteriosa ponderação das realidades da vida.”

Pelo exposto, para permitir compensar a parcela de qualidade de vida equivalente àquela que foi afectada, e atendendo aos danos a ressarcir, à sua natureza e às possibilidades económicas do lesado e do lesante, fixa-se para reparação dos danos não patrimoniais o montante de €3.000,00 de indemnização, procedendo, na íntegra, a pretensão do demandante.

Já no que respeita ao pedido de indemnização cível deduzido pelo Centro Hospital de Coimbra, há ainda que atender ao disposto no art.495.º, n.º2 do CC.

Nos termos do citado preceito legal “(…) têm direito a indemnização aqueles que socorreram o lesado, bem como os estabelecimentos hospitalares, médicos ou outras pessoas ou entidades que tenham contribuído para o tratamento ou assistência da vítima»

No caso dos autos resultou provado que o Centro Hospitalar de Coimbra, E.P.E prestou cuidados médicos ao demandante/ofendido, em consequência das agressões de que este foi vítima em 08/02/2009, os quais ascenderam a 147,00€.

Resultou igualmente provado que as referidas agressões foram praticadas por B.... Não se provou que o arguido A... . participou em tais agressões.

Deste modo, deverá o arguido B... ser condenado a pagar ao Centro Hospitalar de Coimbra, E.P.E, a quantia de 147,00€ a título de encargos com a assistência médica ao demandante, acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, a contar da citação (arts.804.º, 805.º, n.º1 e 559.º, todos do CPC), procedendo quanto a este demandado a pretensão do demandante Hospital.

Por fim, importa ainda referir que o facto das agressões não terem sido perpetradas exclusivamente pelo arguido B... não obsta à sua condenação e dos seus progenitores no pagamento total dos montantes indemnizatórios porquanto, atento o disposto nos arts.497.º e 512.º do CC, estamos perante uma responsabilidade solidária.

Já no que respeita ao demandado A... ., não resultando da factualidade provada a prática de qualquer facto ilícito, falhando, desde logo este pressuposto da responsabilidade civil, deverá o mesmo ser absolvido dos dois pedidos contra si formulados.”

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III. Apreciação do Recurso:

O objecto de um recurso penal é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do C.P.P.

Na realidade, de harmonia com o disposto no n.º1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. – Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).

                São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».

As questões a conhecer são as seguintes:                                                                                                                  1) Saber se deve haver alteração da matéria de facto.

2) Saber se a medida da pena é desadequada.

3) Saber se a indemnização fixada, a título de danos não patrimoniais, deve ser reduzida.

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1) Da impugnação da matéria de facto:

O recorrente pretende invocar um dos vícios oficiosos do artigo 410º, do CPP, assim impugnando a matéria de facto dada como provada, ou pretende reapreciar a matéria dada como provada, nos termos do artigo 412º, n.º 3 do CPP?                                                                                                                                                                   Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, alíneas a). b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, n.º 3, alíneas a), b) e c), todos do CPP.                                                                                                                      ****                                                                                                    Estabelece o art. 410.º, n.º 2, do CPP, que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:                                                                                                                 a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;                                                                                           b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;                                               c) Erro notório na apreciação da prova.                                                                                                        Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos estranhos àquela, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas . e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.                                                                                                        A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.                                                                                                                                             A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.                                                                                                                                                                                             Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.

O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas . e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).                                                                                                                                                                       Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).                                                                                                                                                                                           Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas . e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).                                                                                                                                                                            Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício. 

O erro de julgamento, por seu turno, consagrado no artigo 412º, nº 3, do CPP, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.                                                                                                                                                     Aqui, nesta situação de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.

Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do CPP.       Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.                                                                              E é exactamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º3, do C.P.P.:                                                                                                                                                               «3.Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:            a)- Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;                                                      b)-As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;                                                                    c)-As provas que devem ser renovadas».                                                                                                                 A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.                             Além disso, o n.º 4, do citado artigo 412.º contempla o seguinte:Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”               

Sublinhe-se que, pretendendo o recorrente impugnar a matéria de facto, em termos amplos, tem de respeitar as regras previstas na lei, ou seja, há-de cumprir o ónus de impugnação especificada imposto no art. 412.º, n.º s 3 e 4, do Código de Processo Penal (redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto), de indicação pontual, um por um, dos concretos pontos de facto que reputa incorrectamente provados e não provados e de alusão expressa às concretas provas que impelem a uma solução diversificada da recorrida e às provas que devem ser renovadas - als. a), b) e c) do n.º 3 -, sendo certo que, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas als. b) e c) fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação (n.º 4).                                                                                                                                                                                                   A especificação dos “concretos pontos de facto só se mostra cumprida com a indicação expressa do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que o recorrente considera incorrectamente julgado, sendo insuficiente, tanto a alusão a todos ou parte dos factos compreendidos em determinados números ou itens da sentença e/ou da acusação, como a referência vaga e imprecisa da matéria de facto que se pretende seja reapreciada pelo Tribunal da Relação.                                                                                                                              Como todos sabem, uma vez que o tribunal de recurso não vai rever a causa, mas apenas pronunciar-se sobre os concretos pontos impugnados, é absolutamente necessário que o recorrente nesta especificação seja claro e completo, sem esquecer que, nesta especificação, serão totalmente inconsequentes considerações genéricas de inconformismo sobre a decisão.                                                                                              Tenhamos presente, neste sentido, o Ac. do S.T.J. de 24/10/2002, proferido no Processo n.º 2124/02, em que pode ser lido o seguinte: “(…) o labor do tribunal de 2.ª Instância num recurso de matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir toda a prova (por leitura e/ou audição), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (e eventualmente a partir dos) nos pontos incorrectamente julgados, segundo o recorrente, e a partir das provas que, no mesmo entender, impõem decisão diversa da recorrida – art.º 412.º, n.º 3, als. a) e b) do C.P.P. e levam à transcrição (n.º 4 do art.º 412.º do C.P.P.). Se o recorrente não cumpre esses deveres, não é exigível ao Tribunal Superior que se lhe substitua e tudo reexamine, quando o que lhe é pedido é que sindique erros de julgamento que lhe sejam devidamente apontados com referência à prova e respectivos suportes”.

Mais, como se observa no Acórdão do S.T.J. de 26/1/2000, publicado na Base de Dados da DGSI (www.dgsi.pt) sob o n.º SJ200001260007483: “Não são os sujeitos processuais (nem os respectivos advogados) quem fixa a matéria de facto, mas unicamente o Tribunal que apura os factos com base na prova produzida e conforme o princípio da livre convicção (artigo 127.º, do Código de Processo Penal), aplicando, depois, o direito aos mesmos factos, com independência e imparcialidade”.                                                                                             Acresce que a exigência legal de especificação das “concretas provas” impõe a indicação do conteúdo específico do meio de prova.                                                                                                                                             Tratando-se de prova gravada, oralmente prestada em audiência de discussão e julgamento, deve o recorrente individualizar as passagens da gravação em que baseia a impugnação, ou seja, estando em causa declarações/depoimentos prestados em audiência de julgamento, sobre o recorrente impende o ónus de identificar as concretas provas que, em sua interpretação, e relativamente ao(s) ponto(s) de facto expressamente impugnados, impõem decisão diversa, e bem assim de concretizar as passagens das declarações (do arguido, do assistente, do demandante/demandado civil) e dos depoimentos (caso das testemunhas) em que se ancora a impugnação.                                                                                                                                                                                      Para atingir esse desiderato, aderimos à posição defendida no Acórdão de 14/7/2010, Processo n.º 508/07.7GCVIS.C1, deste Tribunal da Relação de Coimbra, relatado pelo Exmo. Desembargador Alberto Mira, in www.dgsi.pt, onde se considera que o recorrente, a par da indicação das concretas provas, há-de proceder de uma das seguintes formas:                                                                                                                                                            - Reproduzir o conteúdo da prova que, para o fim em vista (impugnação dos concretos pontos de facto), considere relevante;                                                                                                                                                   - Expor, ainda que em súmula, os segmentos pertinentes das declarações/depoimentos; ou                        - Situar objectivamente o segmento da declaração/depoimento em causa por referência a específicas circunstâncias ocorridas.                                                                                                                                                               Mas tal não basta.                                                                                                                                                           Na realidade, o recorrente deve explicitar por que razão essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida.           Este é o cerne do dever de especificação.                                                                                                                     O grau acrescido de concretização exigido pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, visa precisamente obrigar o recorrente a relacionar o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado, conforme defende Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, pág. 1134/1135.                                                                                                Tudo o que vem de ser exposto significa, pois, que as menções exigidas pelo artigo 412.º, n.º s 3 e 4, do CPP, não traduzem um ónus de natureza puramente secundário ou formal que sobre o recorrente impenda, antes se conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Antes de avançarmos para a análise concreta do caso, importa, ainda, sublinhar que, no domínio da Lei n.º 59/98, de 25-08, impunha o artigo 412.º, n.º 4, do CPP, que as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 se fizessem por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição.                                                           E como decorria da lógica imediata da sequência dos procedimentos, só após a identificação, no recurso, dos suportes técnicos de gravação, haveria que proceder à transcrição do que fosse relevante – não transcrição de toda a prova, mas apenas dos elementos que se mostrassem previamente identificados e referidos pelo recorrente no cumprimento do ónus de especificação que se lhe impunha a referida norma do artigo 412.º, n.º 4.                          A transcrição era um acto posterior que incumbia, não ao recorrente, mas ao tribunal efectuar (cfr. Ac. de Fixação de Jurisprudência n.º 2/2003, de 16-01-2003, in DR, I série-A, de 30-01-2003), nos termos e na medida delimitada previamente pelo recorrente, destinando-se a permitir (rectius, a facilitar) então ao tribunal superior a apreciação, nos limites do recurso, da prova documentada.                                                                                                    A Lei n.º 48/2007, de 29-08, mudou radicalmente o regime de impugnação da matéria de facto e, entre outras alterações, afastou a transcrição da prova, no caso regra de utilização da gravação magnetofónica ou audiovisual (artigo 364.º, n.º 1, do CPP).                                                                                                                                     A prova não deve ser transcrita, devendo o tribunal de recurso, uma vez cumpridas todas as formalidades previstas no artigo 412.º, n.º s 3 e 4, proceder ao controlo dessa prova por via da audição ou da visualização dos registos gravados (artigo 412.º, n.º 6), com base na indicação pelo recorrente das passagens da gravação em que funda a impugnação (artigo 412.º, n.º 4).

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Importa, ainda, sublinhar algo de importante.

Ao alegar o que consta da sua motivação, o recorrente, em resumo, está a impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos aqueles adquiriram em julgamento, esquecendo-se da regra da livre apreciação da prova inserida no artigo 127.º, do C.P.P.

O citado artigo 127.º dispõe que “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.

Prova livre não significa prova arbitrária ou caprichosa, antes quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos. Se o tribunal decidisse como lhe apetecesse não apreciaria livremente as provas, antes estaria a desprezá-las…

Ora, do texto da decisão recorrida, não se extrai que o tribunal tenha procedido a um julgamento arbitrário da prova produzida. E a valoração por este feita não tem que coincidir com aquela que a recorrente pretende ver operada.

A livre apreciação da prova significa, em resumo, que esta deve ser feita de acordo com a convicção íntima do juiz. Aliás, já Chiovenda o afirmava, citando o imperador Adriano, conforme pode ler-se no Digesto 3, 2, De testibus, 22, 5…

 À valoração do tribunal preside um juízo atípico, porque fundando-se nas regras da experiência, isto é em critérios generalizadores e tipificados, índices corrigíveis, critérios definidores de conexões de relevância, orientam os caminhos da investigação e oferecem probabilidades conclusivas, mas sempre tendo presente a individualidade histórica do caso concreto, tal como ela foi adquirida representativamente no processo, pelas alegações, respostas, inquirições e outros meios de prova disponibilizados[1].

E se é certo que o princípio da livre apreciação da prova não pode ser confundido como uma apreciação judicial arbitrária - ou, na expressiva fórmula de Paolo Tonini “o conflito entre a acusação e a defesa não pode ser resolvido com base num acto de fé[2] -, e que a livre convicção do juiz não pode ser meramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável[3], certo é, também, que a “verdade material que se busca em processo penal, não é o conhecimento ou apreensão absolutos de um conhecimento, que todos sabem escapar à capacidade de conhecimento humano; tanto mais que aqui intervêm, irremediavelmente, inúmeras fontes de possível erro, quer porque se trata do conhecimento de acontecimentos passados, quer porque o juiz terá as mais das vezes de lançar mão de meios de prova que, por sua natureza - e é o que se passa sobretudo com a prova testemunhal -, se revelam particularmente fiáveis».[4]

E assim, como ensina o insigne Professor, “a convicção judicial será suficientemente objectivável e motivável quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos, para além de toda a dúvida razoável. Não se tratará, pois, na “convicção”, de uma mera opção “voluntarista” pela certeza de um facto e contra toda a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável pelo menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse».

Consabidamente, a verdade que o direito encerra é a «processualmente demonstrada por recurso às provas carreadas para os autos, sujeita a todos os limites que, por definição, tem o espírito humano na tentativa de conhecer e compreender o real. O conhecimento da verdade (correspondente ao “pedaço de vida” acontecido) «na maioria das situações pressuporia uma impossível incursão na mente humana, empreitada essa, de patente que é, não necessita de ser sublinhada».[5]

Intimamente ligados ao princípio da livre apreciação da prova estão os princípios da continuidade da audiência, ou da concentração, oralidade e imediação da prova.

Quanto aos dois últimos, constituem a um tempo decorrência lógica do princípio da livre apreciação da prova e “conditio sine qua non” para a respectiva admissibilidade. Com efeito, apenas quem tenha assistido à produção da prova e às disposições assumidas pela acusação e pela defesa poderá estar capaz, no fim da discussão, de se considerar convicto de uma determinada verdade, podendo proceder ao julgamento. Paralelamente, a oralidade permite com muito maior probabilidade aceder a um discurso directo, espontâneo, não ensaiado e vivo, o que obviamente contribui para um aumento das possibilidades de descoberta da verdade e de formação de uma correcta convicção.

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Com efeito, perante uma sentença devidamente fundamentada, como é a do caso presente, para que seja a mesma alterada em sede de matéria de facto, impõe-se que sejam rebatidos, com base em razões materiais minimamente persuasivas, os seus fundamentos materiais, o mesmo é dizer, ou a legalidade dos meios de prova utilizados, ou conteúdo das declarações ou de outros meios de prova valorados pela sentença, ou a inconsistência, à luz dos princípios legais atinentes, da análise crítica e da apreciação em que repousa a decisão.                                          Em termos de critérios de valoração da prova, a prova documental e a prova pericial estão sujeitas a critérios legais de apreciação vinculada - cfr., respectivamente, os artigos 169º e 163º do CPP.                                         Já os depoimentos prestados oralmente em audiência (únicos meios de prova cuja valoração, em bom rigor, é questionada, no caso) estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, nos termos previstos pelo artigo 127º do CPP.                                                                                                                                                              A gravação dos depoimentos prestados oralmente em audiência permite, justamente, o controlo, pelo tribunal superior, da conformidade da decisão com as afirmações produzidas em audiência. Mas não substitui a plenitude da comunicação que se estabelece na audiência pública com a discussão cruzada dos meios de prova, a oralidade e imediação, no confronto dialéctico dos depoentes por parte dos vários sujeitos processuais, no exercício vivo do contraditório, na discussão cruzada levada a cabo na plenitude da audiência, pública, de discussão e julgamento.                                                                                                                                                                            E só os princípios da oralidade e da imediação permitem avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Só eles permitem, por último, uma plena audiência desses mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso” – Cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, p. 233-234.                                                                                                                                                            Daí que os julgadores do tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, perante duas versões dos factos, só podem afastar-se do juízo efectuado pelo julgador da 1ª instância, naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou seja quando a convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum – cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, p. 126 e 127, que por sua vez cita o Prof. Figueiredo Dias e Acórdão deste TRC, de 06.03.2002, publicado na CJ, ano 2002, II, 44.                                                                                                                                                                                                                       ****

Revertendo ao nosso caso, o recorrente entende que, face à prova produzida, os factos provados 1 a 7, 16 a 22 e 24 a 26 não devem ser considerados como tal.

Relativamente aos factos ocorridos no dia 8/2/2009, faz apelo ao seguinte:

a) Depoimento da testemunha ... (CD – 15:33.17 a 15:38:31).

b) Depoimento da testemunha A... . (CD – 15:54.49 a 16:27:16);

c) Depoimento da testemunha ... (CD – 16:30:52 a 16.50.07);

d) Depoimento da testemunha E... (CD – 17:42:27 a 18:01:20);

Se bem repararmos, o recorrente, após salientar algumas passagens da gravação da audiência das citadas testemunhas, limita-se a concluir que neles existem contradições.

Começa por afirmar que A... .diz que tudo começou quando, estando a testemunha, o A... . e o ... encostados a um muro, o B... se dirige à testemunha e pergunta-lhe o que é que tinha feito ao  … , porque é que lhe tinha batido. Para logo de seguida emendar o que tinha dito, dizendo que, afinal, o B... se dirigiu logo ao A... ., dando-lhe uma cabeçada, a qual lhe partiu o nariz. No entanto, prosseguindo no seu depoimento, e depois de ter dito que o B... partiu o nariz do A... . na sequência da cabeçada, a testemunha referiu que, afinal, não sabia se a cabeçada tinha sido na boca ou no nariz. Mais disse a testemunha que, após aquela agressão, o ora recorrente e o A... . envolveram-se numa luta, na sequência da qual o A... . caiu. Tendo, entretanto, chegado mais pessoas, nomeadamente, o E..., o ... e o A... ., os quais também deram porrada no A... .. Mais afirmou, conforme melhor consta na douta sentença recorrida, que «…mesmo após o ofendido ter caído, ... ., E... e o arguido B... continuaram a desferir-lhe pontapés…». Contudo, no decurso do seu depoimento, a testemunha também disse que os pontapés foram dados pelo F..., pelo E...e talvez pelo B..., não tendo a certeza. Para maias adiante, quando questionado pela Exma. Senhora Juíza, afirmar que o A... . tinha sido pontapeado pelo ..., pelo E...e pelo B....

Depois, considera que o depoimento da testemunha ... é, muitas vezes, contraditório em relação ao depoimento da anterior testemunha, visto que este disse que entre as 3:00 horas e as 4.00 horas da madrugada, este, o A... . e o A... . saíram do interior do salão do Mar Alto e já no exterior, o ofendido A... . encostou-se a um muro ali existente. Eis senão, quando vindo do interior, o arguido A... ., sozinho, dirige-se ao A... . e pergunta-lhe se havia algum problema. É então, que começa o desacato. Entretanto, afasta-se para apanhar as chaves de casa e, quando volta a olhar, já está o A... . no chão a ser agredido. É nesta altura que chega o recorrente. O A... . caiu ao chão porque tropeçou no lancil do passeio. Antes de cair ao chão, o ofendido A... . não foi agredido pelo B.... Foi o A... . que agrediu o A... .. Já no chão, o ofendido foi agredido pelo A... . e pelo B....

Além disso, o recorrente salienta, ainda, que A... . afirmou que o ora recorrente talvez estivesse mascarado, sendo certo que a cara não estava, ao passo que ... e ... disseram que as pessoas envolvidas nas agressões estavam mascaradas.

Por fim, é sublinhado que a testemunha E... disse que “no interior do Mar Alto, o A... . deu uma cabeçada ao ... .. Já na rua, o A... . e o B... chamaram-se mutuamente «filho da puta», após o que o A... . desfere uma cabeçada no B... e de seguida envolvem-se os dois numa luta.

Avancemos, agora, para os factos ocorridos no dia 21/6/2009.

Neste caso, o recorrente defende que existiu uma troca de palavras entre si e A... ., cujo teor não foi concretamente apurado, na sequência do que houve agressões mútuas entre ambos, não se logrando apurar quem as iniciou.

Quanto a esta parte, refere estarmos em presença de uma manifesta oposição entre os depoimentos de A... . e ..., tendo este afirmado que viu outro rapaz a agredir o A... . e que o arguido B... não o agrediu.

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Aqui chegados, será que estamos perante uma prova que possa impor uma alteração da matéria de facto?

a) Factos de 8/2/2009:

Em primeiro lugar, o depoimento de ... nenhum relevo especial assume, na medida em que explicou ser incapaz de identificar os intervenientes nos factos que presenciou, tendo em conta que as pessoas estavam mascaradas, adiantando que se limitou a defender um indivíduo franzino do ataque de um indivíduo entroncado.

Em segundo lugar, as contradições apontadas ao depoimento de A... ., quanto aos factos ocorridos em 8/2/2009, não existem.

Na verdade, a referida testemunha não disse, primeiro, que B... se dirigiu a si, para, logo de seguida, emendar e dizer que se dirigiu, logo, ao A... ..

Com efeito, A... . referiu, isso sim, que B... se movimentou em direcção ao muro onde se encontravam ..., A... . e ele próprio, tendo dirigido uma pergunta, directamente, ao A... ..

Mais disse, de modo espontâneo, que o recorrente “não deu tempo de responder a nada”, logo desferindo uma cabeçada em A... . que lhe “partiu o nariz”.

É verdade que, na sequência, acrescentou “no nariz ou na boca”, resultando da gravação que fez um gesto para a parte do corpo que pretendia mostrar ao tribunal, após o que acaba por admitir que a agressão visou a “parte frontal do rosto”.

  Nada de incongruente surge, pois, aqui, sendo natural que quem assiste a uma agressão tenha uma certa dificuldade em descrever exactamente a zona do corpo em causa.

Por sua vez, após ter dito não ter a certeza de que o recorrente havia dado pontapés no ofendido, precisou que tal tinha acontecido, na sequência de perguntas da Meritíssima Juiz.

Não estamos, portanto, “perante tantos ditos e desditos” da testemunha, como alude o recorrente, antes em presença de algo que tem de ser visto com normalidade (falta de exactidão em tudo o que é dito). Como é consabido, os depoimentos de quem é interrogado numa audiência de julgamento estão longe de obterem a perfeição, sendo frequentes as quebras de raciocínio do emissor da mensagem, motivadas muitas vezes por ruídos de comunicação.

Por via disso, há que dedicar especial atenção, a fim de apreender o que é essencial em detrimento do que é acessório.

Não se vislumbra que tal não tenha sido feito pelo Tribunal a quo.

Em terceiro lugar, não se nega que os depoimentos de ... e de E... são opostos ao de A... ..

Simplesmente, aqui estamos no âmbito da credibilidade de cada um deles.

Ora, quando a atribuição de credibilidade a uma dada fonte de prova se baseia numa opção do julgador assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só pode exercer censura crítica se ficar demonstrado que o caminho de convicção trilhado ofende patentemente as regras da experiência comum, o que não é o caso.

Quanto muito, os depoimentos de ... e E... podem permitir uma outra apreciação da prova, mas, de modo algum, devem impor uma alteração da matéria de facto, uma vez que estão desacompanhados de outros elementos.

É preciso reter que o arguido A... . negou a prática de qualquer agressão a A... ., não fazendo, assim, sentido, o depoimento de ..., quando este afirma que foi aquele quem agrediu primeiro o ofendido, até porque E... coloca o enfoque da agressão numa atitude do ofendido em relação a B....

Por outro lado, as únicas lesões relevantes para os autos dizem respeito a A... ..

Como é evidente, não é a circunstância de haver duas versões dos mesmos factos que, por si só, pode conduzir a uma dúvida razoável, como veremos mais à frente.

b) Factos de 20/6/2009:

No que tange aos acontecimentos desta data, o ora recorrente prestou declarações (não o fez quanto aos factos de 8/2/2009) e admitiu as agressões, ainda que num contexto de agressões mútuas na sequência de uma troca de palavras não concretamente apuradas.

                Simplesmente, nenhuma prova indicou de que tivesse sido vítima de quaisquer agressões por parte de A... ..

                Também aqui, o depoimento de A... . (registo dos 24:36 aos 29.49) foi bem claro, quanto ao sucedido, estando bem expresso na sentença recorrida o motivo pelo qual o arguido não mereceu credibilidade.

                O recorrente invoca, também, nesta parte, o depoimento de ... (registo dos 12:26 aos 12.58, ao que podemos acrescentar dos 15:30 aos 17.13), afirmando que tal testemunha disse ter visto outro rapaz a agredir o A... . e que o arguido B... não o agrediu.

                Aqui, apenas devemos constatar que esta testemunha não viu qualquer agressão do ora recorrente, numa situação em que este próprio admitiu ter ofendido corporalmente A... ., sendo isso suficiente para perceber a razão pela qual o depoimento de ... mereceu uma credibilidade reduzida.

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                E não se argumente que deve ocorrer alteração da matéria de facto, em obediência ao princípio in dubio pro reo, corolário do princípio da presunção de inocência do arguido, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da CRP. 

Há que deixar, desde já, bem claro que não assiste qualquer razão ao recorrente, a menos que o citado princípio seja interpretado de uma forma incorrecta.

Não estamos perante qualquer violação do princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da CRP.

De acordo com Cavaleiro Ferreira, «Lições de Direito Penal», I, pág. 86, este princípio respeita ao direito probatório, implicando a presunção de inocência do arguido que, sendo incerta a prova, se não use um critério formal como resultante do ónus legal de prova para decidir da condenação do arguido que terá sempre de assentar na certeza dos factos probandos. O julgador deve decidir a favor do arguido se, face ao material probatório produzido em audiência, tiver dúvidas sobre qualquer facto.                                                                                          Como todos sabem, um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido, conforme ensina Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, I, pág. 213 – já Ulpiano dizia “é melhor um crime impune do que um inocente castigado”.                                                                                                                                Ora, o alegado processo não pode ser uma válvula de escape para um “buraco negro”, devendo assentar em alicerces bem precisos e fundamentados. Todavia, não é qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido. Na realidade, a dúvida tem que assumir uma natureza irredutível, insanável, sem esquecer que, nos actos humanos, nunca se dá uma certeza contra a qual não haja alguns motivos de dúvida – cfr., a este propósito, Cristina Monteiro, “In Dubio Pro Reo”, Coimbra Editora, 1997.         Lendo a fundamentação da decisão ora em crise, facilmente é constatado que o tribunal a quo não ficou com qualquer dúvida sobre a matéria de facto.

A fundamentação de facto acima transcrita é consistente e racional.

O princípio geral do processo penal ora em análise é aplicável apenas nos casos em que, apesar de toda a prova recolhida, continuam os factos relevantes para a decisão a não poderem considerar-se como provados por continuar a subsistir dúvida razoável do Tribunal.

O princípio in dubio pro reo, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos.                                                             É, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.

Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio.

A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.          

No caso vertente, o Tribunal “a quo” não se quedou por um non liquet de facto, ou seja, não permaneceu na dúvida razoável sobre os factos relevantes à decisão, pelo que não há lugar a qualquer aplicação do princípio in dubio pro reo (a dúvida reside apenas no recorrente e não no Tribunal).

A fundamentação do Tribunal a quo é cristalina.                                                                                                      A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do Tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida meramente possível, hipotética.

Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, (tal como sucede com a livre convicção) argumentada, coerente, razoável – neste sentido cfr. Jean-Denis Bredin, Le Doute et L’intime Conviction, Revue Française de Théorie, de Philosophie e de Culture Juridique, Vol. 23, (19966), p. 25.                      Assim, para a revogação da sentença importaria demonstrar, não só duas versões diferentes do mesmo facto, mas duas versões sérias, razoáveis e plausíveis e que, em tal contexto o tribunal acolheu aquela que desfavorece o arguido.                                                                                                                                             O que, como se viu, não sucede com a análise feita pelo recorrente, sem qualquer conteúdo probatório susceptível de pôr em causa os meios de prova e análise critica em que repousa a decisão impugnada.

Posto isto, nenhum fundamento existe para considerar existir erro de julgamento.

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                2) Da Medida da pena:

Façamos uma breve análise sobre as finalidades legais das penas com reflexos no seu doseamento e nos critérios legais concretos a observar neste doseamento.

Como dispõe o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. As finalidades das penas, na previsão, na aplicação e na execução, são assim na filosofia da lei penal vigente a protecção de bens jurídicos e a integração do agente do crime nos valores sociais afectados.

Na protecção de bens jurídicos está ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem tais bens e valores (prevenção geral) como também a realização de finalidades preventivas que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes (prevenção especial negativa).

As finalidades das penas na sua vertente de prevenção positiva geral e de integração ou prevenção especial de socialização conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.

No caso concreto a finalidade de tutela e protecção de bens jurídicos há-de constituir o motivo fundamento da escolha do modelo e da medida da pena, da tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afectados.

Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser em cada caso prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.

Nos limites da prevenção geral de integração e de prevenção especial de socialização será encontrada a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa que, nos termos do artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal, constitui limite inultrapassável da prevenção a realizar através da pena (cfr. nomeadamente Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1ª edição, pags. 238 a 255).

Postas estas considerações gerais, que devem estar presentes no juízo conducente à pena concreta e adequada, o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, preceitua, na senda do citado artigo 40.º, que a determinação concreta da pena, dentro dos limites legalmente definidos, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e o n.º 2 do mesmo artigo determina que o tribunal atenda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, enumerando algumas a título exemplificativo, circunstâncias estas que nos darão a medida das exigências de prevenção em concreto a realizar porque indicadoras do grau de violação do valor em causa e da prognose de no futuro o agente se poder determinar com o respeito pelo valor penalmente protegido (a necessidade da pena revela-se desse modo em função da menor ou maior exigência do exercício da prevenção e da reintegração).

Em resumo, tendo como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, ou seja, tendo como primeira referência a culpa, a fixação da medida da pena perseguirá concomitantemente a prevenção (que, neste contexto, exige fixação de pena que seja entendida pela sociedade como a necessária à tutela do direito e adequada à confiança na aplicação da justiça) e, sempre, objectivos pedagógicos e ressocializadores, tudo tendo em vista a protecção de bens jurídicos e a reinserção social do agente. 

Dispõe o art. 70º, do Código Penal, que quando, como é o caso, forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

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O recorrente defende que se justifica uma redução da pena, tendo em consideração, designadamente, a sua idade (nasceu a 18/10/1992).

Acontece que, na sentença recorrida, não foi ponderada a possibilidade de aplicação, ou não, do regime especial para jovens, previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro.

Por isso mesmo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto entende que, ao não se pronunciar sobre tal matéria, isto é, ao não ter justificado porque não beneficiou o recorrente do aludido regime, a sentença tem de se considerar nula nessa parte, de acordo com o artigo 379.º, n.º 1, c) e n.º 2, do CPP, impondo-se por isso a sua reforma, sem que isso acarrete a anulação do julgamento.

Salvo o devido respeito, não perfilhamos tal posição.

Sobre esta matéria, acompanhamos o que consta do Acórdão do STJ, de 9/3/2005, relatado pelo Exmo. Conselheiro Henriques Gaspar, Processo P05P060, in www.dgsi.pt, em que pode ser lido o seguinte:

O regime penal relativo a jovens, previsto no Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro - diploma que constitui a legislação «especial» prevista no artigo 9º do Código penal - tem como principal fundamento o reconhecimento da especificidade da delinquência dos jovens adultos, consagrando a ideia de evitar na maior medida possível, a aplicação de penas de prisão a jovens adultos.

Por isso, a disposição essencial do artigo 4º ao prever a atenuação especial da pena de prisão aplicável, «quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado».

A lei geral, no entanto, aplicar-se-á em tudo quanto não for contrariado pelo diploma - artigo 2º.

A necessidade de recorrer às possibilidades abertas pelo diploma, e, consequentemente, o exigência sobre a formulação de um juízo sobre as vantagens em recorrer às medidas previstas para evitar a aplicação, tanto quanto possível, de penas de prisão a jovens adultos, só se justifica, pois, quando o tribunal, por aplicação da lei geral, entendesse que a pena de prisão seria a adequada para satisfazer as necessidades da punição.

Nos casos em que o tribunal considere que uma pena de prisão não seria necessária, segundo a lei geral, para satisfazer as necessidades da s penas, e aplique uma pena de multa, não há que fazer apelo, no momento da condenação, ao regime penal dos jovens e às possibilidades que abre quanto à determinação da espécie de pena.

Aliás a pena de multa constitui mesmo uma das medidas de «correcção», prevista no artigo 6º, nº 2, alínea c) do diploma.

A especificidade da pena de multa aplicada a jovens não implica, por seu lado, qualquer juízo específico no momento da escolha da pena, mas apenas na fase da execução, como dispõe o artigo 9º, nº 2 do referido diploma.

Sendo assim, o tribunal a quo não deixou de se pronunciar sobre questão que devesse conhecer.

No mesmo sentido, podemos encontrar o Acórdão do TRG, de 11/1/2010, relatado pelo Exmo. Desembargador Cruz Bucho, Processo 941/09.0GBBMR.G1, in www.dgsi.pt:

“(…) É certo que aquela medida se insere no âmbito do direito penal de menores imputáveis onde assume “predominância absoluta” “a finalidade (re)educativa da sanção” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, cit., pág. 388, §608), o que, como bem assinala o Exmo PGA, no seu douto parecer, não está em causa neste processo porquanto, acrescentamos nós, a opção pela pena de multa –opção que não foi impugnada e com a qual se concorda – afasta a posterior ponderação do regime do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro (cfr. neste sentido os Ac. da Rel. do Porto de 4-10-2006, proc.º n.º 0643243, rel. Isabel Pais Martins, de Lisboa de 2-11-2000, proc.º n.º 0064889, rel. Alberto Mendes e de 12-12-2006, proc.º n.º 9320/2006-5, rel. Vieira Lamin; no que se refere às medidas de correcção, cfr. os Acs da Rel. do Porto de 29-5-2002, proc.º n.º 0240328, rel. Isabel Pais Martins, de 13-12-2000, proc.º n.º0010869, rel. Nazaré Saraiva, Ac. da Rel. de Guimarães, de 11-6-2008, proc.º n.º 961/07, rel. Cruz Bucho, Ac. da Rel. de Coimbra, de 16-12-2009, proc.º n.º 425/08.3PBFIG.C1, rel. Luís Ramos, todos in www.dgsi.pt).”

Salientemos, ainda, o Acórdão do TRP, de 9/6/2010, relatado pelo Exmo. Desembargador Jorge Raposo, Processo 166/07.9FPPRT.P1, in www.dgsi.pt:

“(…) Existem dois argumentos fundamentais no sentido de só se justificar a aplicação do regime penal dos jovens no caso de aplicação concreta de pena de prisão.

Em primeiro lugar, o regime consagrado nos artigos 4º (atenuação especial), 5º (aplicação subsidiária da legislação relativa a menores com menos de 18 anos), e 6º (medidas de correcção a jovens maiores de 18 anos e menores de 21 anos) tem como pressuposto a imposição de uma pena de prisão (até 2 anos nos casos dos artigos 5º e 6º, sendo os art.s 7º a 13º a concretização das medidas de correcção consagradas no seu art. 6º): Ou seja, apenas se impõe a aplicação do regime nas situações em que ao jovem é aplicada pena de prisão

Apesar da expressão “aplicável” constante do art. 4º poder suscitar controvérsia, a pena de prisão a que se refere aquele preceito legal, é a pena concreta a aplicar, como resulta do nº 7 do preâmbulo do diploma legal em questão.

Por outro lado, como também resulta da leitura daquele preâmbulo, o regime especial para jovens procura evitar a aplicação de penas de prisão, com os inerentes malefícios dos efeitos criminógenos da prisão nos jovens adultos.

Como acentua o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.9.06[7], “relativamente aos jovens adultos (art. 2.º do DL 401/82) essa atenuação especial pode fundar-se não só no princípio da culpa (caso em que essa atenuação especial recorrerá aos arts. 72.º e 73.º do CP) como, também ou simplesmente, em razões de prevenção especial (ou seja, de reintegração do agente na sociedade)»

Ora, na pena de multa não ocorrem os riscos inerentes à pena de prisão e não existem especiais razões de reintegração do agente na sociedade que justifiquem um regime especial.

Por fim, sendo certo que a cronologia não é fundamental[8], da alteração da sequência dos procedimentos normais com vista à determinação da pena que a aplicação do regime especial para jovens pressupõe nenhum prejuízo advém. Optando pela pena de multa não há qualquer alteração. Optando o tribunal pela pena de prisão, atendendo às finalidades da punição, tem de ponderar se existem razões de prevenção especial que levem à aplicação do regime especial para jovens e, se assim o julgar, encontra uma sub-moldura penal (especialmente atenuada), de onde parte para a determinação da pena concreta.”

Assim sendo, não existe a invocada nulidade.

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Aqui chegados, há, pois, que tomar posição quanto à pretensão do recorrente.

Relembre-se que este foi condenado, como autor material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143º, n º 1 do Código Penal (factos praticados em 08/02/2009), na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos) e, como autor material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143º, n º 1 do Código Penal (factos praticados em 21/06/2009), na pena de 340 (trezentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que deu origem à pena única de 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o montante global de 2.200€ (dois mil e duzentos euros).

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            No que toca ao número de dias de multa (160 e 340 – 400, em cúmulo jurídico), o Tribunal a quo considerou adequado aplicar as referidas penas, porque “não obstante a ausência de antecedentes criminais e a circunstância do arguido ter apenas 16 anos de idade à data da prática dos factos, as exigências de prevenção especial mostram-se elevadas, sendo premente imprimir na consciência do arguido que não lhe é permitido adoptar condutas violentas mesmo em caso de conflito ou exaltação, não se descurando, e sopesando-se a seu favor, que se encontra social e familiarmente inserido.”

                Pois bem, devemos ter em consideração que, por um lado, as exigências de prevenção geral são consideráveis, tendo em conta a frequência com que disputas pessoais culminam em violência física, sendo certo que a justiça privada não deve ter lugar numa sociedade civilizada, e que, por outro lado, as exigências de prevenção especial assumem uma dimensão mediana, uma vez que o ora recorrente, bastante jovem, não tem qualquer antecedente criminal e está inserido na sociedade.

Acrescente-se que a culpa é elevada, atenta a intensidade do dolo, sendo este directo, as lesões sofridas pela vítima não são para menosprezar, o arguido não demonstrou ter interiorizado o desvalor da sua conduta.

Como todos sabem, a actividade jurisdicional de fixação da medida da pena não é discricionária, mas juridicamente vinculada - assim, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.02.1988, BMJ n.º 374, pág. 229 -, comportando, porém, um momento não quantificável ou silogístico e, como tal, não totalmente explicitável.

Sem dúvida que a conduta do ora recorrente merece censura.

Todavia, estamos perante um indivíduo jovem que responde pela primeira vez em tribunal, pelo que se justifica um cuidado especial na aplicação da medida concreta da pena, de modo a que a finalidade de reintegração do agente na sociedade, de que já falámos, não seja um mero argumento de retórica.

Assim, sopesados que foram todos os critérios e factores legais de determinação da concreta medida da pena, considera-se que as penas aplicadas pecam por excesso, nomeadamente a de 340 dias (quase o máximo legal, a partir do momento em que a opção recaiu numa pena de multa), tanto mais que estamos em face de um delinquente primário.

Impõe-se, pois, uma redução das penas (parcelares e única), a efectuar do seguinte modo:

1) 100 (cem) dias - factos ocorridos em 08/02/2009;

2) 250  (duzentos e cinquenta) dias - factos que tiveram lugar em  21/06/2009;

3) 300 (trezentos) dias – em cúmulo jurídico (face aos princípios indicados na sentença recorrida).

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No que tange ao quantitativo diário da multa, há que atender a alguns aspectos.              

Sempre que esteja definida a pena concreta de multa, como já está, haverá que determinar a respectiva taxa diária.                                                                                                                                                                                 Como defende o Professor Figueiredo Dias (Direito Penal Português, pág. 127), todas as considerações atinentes quer à culpa, quer à prevenção geral quer à especial, devem exercer influência sobre a determinação da pena e, por via disso, sobre os dias de multa, e não sobre o quantitativo diário. Em contrapartida, tudo quanto respeite à situação económica-financeira do condenado deve ser considerado na fase de fixação do quantitativo diário da multa.                                                                                                                                                                                      Como é entendimento corrente, a taxa diária da multa deve ser fixada de uma forma que represente um sacrifício real para o condenado, para que mantenha a sua característica de verdadeira pena, pois de outro modo não será possível, através da sua aplicação, realizar as finalidades da punição.

Na ponderação do quantitativo ajustado ao caso concreto não entram unicamente em linha de conta os rendimentos mensais, apurados ou declarados, mas também todos os outros rendimentos, bens e encargos que definem uma situação económica e que permitem avaliar a repercussão que nela vai ter a pena encontrada, de forma a poder-se concluir se a mesma é, efectivamente e como deve ser, adequada para sancionar a concreta gravidade do facto.                                                                                                                                                                       Ora, relativamente à situação económica e financeira do recorrente, em bom rigor, nada de concreto transparece do teor da sentença. No entanto, está assente que o arguido B... é estudante do 10.º ano de escolaridade em escola profissional sita na Maia e que reside, desde Março de 2010, com os tios maternos, em Matosinhos.

Nada havendo que indicie estarmos perante um caso que fuja à normalidade, encontramo-nos, assim, perante um jovem, ainda estudante, sem rendimentos próprios.

Levando isso em consideração, o tribunal recorrido fixou a taxa diária em € 5,50 (quase o mínimo legal).

Merece isso algum reparo?

Sempre defendemos que cabe à jurisprudência evitar que a aplicação de montantes ridiculamente baixos redunde no descrédito e ineficácia da pena de multa. Porém, a actual situação em que Portugal se encontra (ajuda externa), enquanto facto público e notório, obriga a que, sob pena dos Tribunais se alhearem da realidade, não possam ser esquecidas as dificuldades pelas quais passam os cidadãos em geral, quando chega o momento de fixar o quantitativo diário da pena de multa.

Logo, revela-se mais adequado, nas actuais circunstâncias do nosso País, considerar como adequado o quantitativo diário de € 5.

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                3) Da indemnização:

                Só é admissível impugnação da parte da sentença relativa à indemnização civil se o valor do pedido for superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada for desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada (artigo 400.º, n.º 2, do CPP).

                Ora, o valor do pedido de indemnização civil formulado nos autos (três mil euros – fls. 191 a 195) é inferior à alçada do tribunal (cinco mil euros) – artigo 24.º, n.º 1, da lei 3/99, de 13 de Janeiro -, pelo que não é admissível o recurso no que tange à parte da sentença relativa à matéria civil.

                Assim sendo, nesta matéria, não se admite o recurso interposto, nos termos do artigo 414.º, n.º 2, do CPP.

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IV – DECISÃO:

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em rejeitar o recurso quanto à matéria respeitante à indemnização civil e, no mais, em considerar parcialmente procedente o recurso, indo, por consequência, o arguido B... condenado, como autor material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143º, n º 1 do Código Penal (factos praticados em 08/02/2009), na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros) e, como autor material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143º, n º 1 do Código Penal (factos praticados em 21/06/2009), na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros), o que dá origem à pena única de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de €5 (cinco euros), perfazendo o montante global de € 1500 (mil e quinhentos euros).

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três UC.


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                (elaborado e revisto pelo relator, antes de assinado)

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Coimbra, 27 de Junho de 2012
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      (José Eduardo Martins)

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                     (Maria José Nogueira)
                              


[1] - cfr. Prof. Castanheira Neves, Sumários de Processo Penal, 1967/1968, n.º 4 - Os Princípios de Processo Penal.
[2] La Prova Penale, pág. 9 e segs.
[3] “A liberdade de apreciação da prova não pode estar mais longe das meras conjecturas e das impressões sensitivas injustificáveis e não objectiváveis” - Paulo Saragoça da Mata, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Organizadas pela Faculdade de Direito de Lisboa e pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, Coordenação Científica de Maria Fernanda Palma, Almedina, pág. 231.
[4] Cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Lições coligidas por Maria João Antunes, secção de textos da FDUC, 1988-9, págs. 140.
[5] Paulo Saragoça da Mata, ob. cit., pág. 251.