Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1348/15.5T8PBL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
INJUNÇÃO
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 05/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - POMBAL - JUÍZO EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.10, 703 CPC, DL Nº 269/98 DE 1/9
Sumário:
1. O disposto no n.º 2 do art.º 703º do CPC (normativo introduzido pelo DL n.º 38/2003, de 08.3, por aditamento ao art.º 46º do CPC de 1961) ampliou o âmbito do título executivo, de modo a considerar nele compreendidos - qualquer que seja a sua natureza - os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, sendo, deste modo, possível ao exequente requerer a execução de tais juros moratórios - mas já não dos juros convencionais - mesmo quando o título executivo (judicial ou extrajudicial) seja omisso quanto à respectiva obrigação acessória, decorrente directa e automaticamente da lei.
2. A execução fundada em requerimento de injunção tem como limite o somatório da quantia pedida no requerimento de injunção e taxa de justiça paga pelo requerente da injunção, dos juros de mora, à taxa legal, desde a data da apresentação do requerimento de injunção e dos juros à taxa de 5 % ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória (art.ºs 559º e 703º, n.ºs 1, d) e 2 do CC e 13º, n.º 1, d) e 21º, n.º 2 do Regime jurídico aprovado pelo DL 269/98, de 1.9).
Decisão Texto Integral:
Apelação 1348/15.5T8PBL-A.C1

Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Maria João Areias
Alberto Ruço

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Sumário do acórdão:

1. O disposto no n.º 2 do art.º 703º do CPC (normativo introduzido pelo DL n.º 38/2003, de 08.3, por aditamento ao art.º 46º do CPC de 1961) ampliou o âmbito do título executivo, de modo a considerar nele compreendidos - qualquer que seja a sua natureza - os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, sendo, deste modo, possível ao exequente requerer a execução de tais juros moratórios - mas já não dos juros convencionais - mesmo quando o título executivo (judicial ou extrajudicial) seja omisso quanto à respectiva obrigação acessória, decorrente directa e automaticamente da lei.
2. A execução fundada em requerimento de injunção tem como limite o somatório da quantia pedida no requerimento de injunção e taxa de justiça paga pelo requerente da injunção, dos juros de mora, à taxa legal, desde a data da apresentação do requerimento de injunção e dos juros à taxa de 5 % ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória (art.ºs 559º e 703º, n.ºs 1, d) e 2 do CC e 13º, n.º 1, d) e 21º, n.º 2 do Regime jurídico aprovado pelo DL 269/98, de 1.9).
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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Na Comarca de Leiria (Pombal – Instância Central – Secção de Execução), Banco C (…) S. A., instaurou execução sumária para pagamento de quantia certa contra N (…).
Em 13.01.2016, foi proferido o seguinte despacho:
«Insuficiência parcial do título executivo
Dispõe o artigo 10º, n.º 5, do Código de Processo Civil que toda a execução tem de ter por base um título executivo e que é esta que determina os fins e os limites da acção executivo.
O título dado à execução é um requerimento de injunção em que foi aposta fórmula executória, admissível como título executivo, por força do disposto na al. d) do n.º 1 do art.º 703º do Código de Processo Civil e art.ºs 14º e 21º do anexo ao DL n.º 269/98, de 01.9.
Consideram-se abrangidos pelo título os juros de mora, à taxa legal, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 703º do Código de Processo Civil e juros à taxa de 5 % a contar da data da aposição de fórmula executória (art.º 13º, n.º 1, al. d), do anexo ao DL n.º 269/98, de 1.9).
Em decorrência do disposto nos art.ºs 13º, n.º 1, al. d) e 21º, n.º 2, do anexo ao DL n.º 269/98, de 1.9, a execução fundada em requerimento de injunção tem como limite o somatório das seguintes importâncias:
- Quantia pedida no requerimento de injunção e taxa de justiça paga pelo requerente da injunção;
- Juros de mora desde a data da apresentação do requerimento de injunção;
- Juros à taxa de 5 % ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória;
O exequente foi notificado para, querendo, se pronunciar quanto à insuficiência parcial do título, concretamente no que respeita à taxa do juro e à taxa de justiça da execução, e respondeu o seguinte:
“O contrato cujo incumprimento originou ter sido instaurada a Injunção a que foi conferida força executória e que, consequentemente, originou a instauração da presente execução, previa juros à taxa nominal de 12,82 %, acrescida em caso de mora – o que foi o caso – de sobretaxa de 4 %, ou seja uma taxa global de 16,82 %, conforme mencionado quer na Injunção quer no requerimento executivo.
E, após ter sido conferida fórmula executória à Injunção referida à dita taxa acresce a sobretaxa da sanção pecuniária compulsória de 5 %, a que alude o art.º 829º-A, n.º 4, do Código Civil, conforme aliás expressamente referido na petição da presente execução, que aliás corresponde à taxa a que alude o art.º 13º n.º 1, alínea d), aplicável por força do art.º 21º, nº 2, do Regime aprovado pelo DL 269/98, de 1.9.
Logo é manifesta (…) a suficiência do título executivo no que respeita aos juros referidos e ao imposto de selo que, nos termos da lei, sobre eles incide.
E, no que respeita à taxa de justiça constante do requerimento executivo ela é da responsabilidade dos executados e corresponde a custas, donde também (…) constituir a mesma, como igualmente a taxa de justiça da Injunção, força executiva para efeitos de instauração da execução.
Assim, (…) não existe qualquer insuficiência parcial do título executivo.”
Resumidamente, o exequente alicerçou a sua pronúncia em dois argumentos:
1. A taxa de juro devida é aquela que resulta do contrato cujo incumprimento esteve na origem da injunção, acrescida da taxa de 5 % do art.º 829º-A, n.º 4, do CC;
2. A taxa de justiça da execução é da responsabilidade dos executados e corresponde a custas pelo que tem força executiva.
Apreciando.
Conforme acima referido, o título executivo é um requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória e a execução fundada em requerimento de injunção tem como limite o somatório da quantia pedida no requerimento de injunção e taxa de justiça paga pelo requerente da injunção, dos juros de mora desde a data da apresentação do requerimento de injunção e dos juros à taxa de 5 % ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória.
Analisado o título executivo dado à execução, constato que o valor da quantia pedida no requerimento de injunção e da taxa de justiça paga pelo requerente da injunção ascende a € 7 435,22.
Os juros de mora devidos desde a data da apresentação do requerimento de injunção, vencidos até à instauração da execução, terão de ser contabilizados nos termos do disposto no art.º 559º do Código Civil, uma vez que o título executivo é um requerimento de injunção e não um contrato em que tenha sido estabelecida taxa diversa, e ascendem a € 1 050,30
A este valor acrescem juros à taxa de 5 % ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória, vencidos até à instauração da execução, que contabilizam € 1 248,71.
Assim, o valor da execução ascende a € 9 734,23.
No que respeita à taxa de justiça da execução, importa atentar em que as custas com a execução, incluindo os honorários e despesas do Agente de Execução, são pagas através do produto dos bens penhorados, podendo o executado pagá-las voluntariamente (artigos 541º e 846º, n.º 1, do CPC).
Caso o exequente venha a suportar com o processo custas que não sejam da sua responsabilidade apenas poderá imputá-las à executada em sede de custas de parte (artigos 25º e 26º do Regulamento das Custas Processuais).
Resumindo, as custas processuais da execução não integram a dívida exequenda. Têm uma razão de ser diferente e são tituladas de modo diferente.
E repare-se que pode vir a ser o exequente a suportá-las, no momento em que instaura a execução naturalmente que ainda não sabe quem as vai suportar.
Assim, não tem o exequente (ainda) título executivo para peticionar a taxa de justiça devida pela execução.
Face ao exposto e ao abrigo das disposições legais citadas, e o disposto no n.º 3 do artigo 726º do Código de Processo Civil, indefiro parcial e liminarmente o requerimento executivo, prosseguindo a execução para pagamento da quantia de € 9 734,23, acrescida de juros vincendos. (…)»
Inconformada, a exequente apelou formulando a seguinte conclusão:
O despacho recorrido fez errada interpretação e aplicação do disposto no art.º 21º, n.º 2 e no art.º 13º, n.º 1, alínea d), do Regime aprovado pelo DL 269/98, de 1.9, violando expressamente o disposto nos art.ºs 559º, n.º 2, 806º, n.º 1 e n.º 2, parte final, e no art.º 820º-A, n.º 4, do Código Civil (CC), sendo certo que, dando aos citados preceitos do Regime aprovado pelo DL 269/98, de 01.9, interpretação constante do despacho recorrido constitui violação do princípio da segurança jurídica consagrado na Constituição da República Portuguesa, pelo que julgando-se procedente e provado o presente recurso se fará correcta e exacta interpretação e aplicação da lei.
O executado, citado para os termos do recurso e da causa, não se pronunciou.
Perante a dita conclusão, que delimita o objecto do recurso, importa decidir, apenas, se, na execução fundada em requerimento de injunção, a taxa de juro devida é a que resulta do contrato cujo incumprimento esteve na origem da injunção (acrescida da taxa de 5 % do art.º 829º-A, n.º 4, do CC) ou se, pelo contrário, são apenas devidos os juros de mora, à taxa legal (art.º 559º do CC), desde a data da apresentação do requerimento de injunção e os juros à taxa de 5 % ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória.
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II. 1. Para a decisão do recurso releva apenas o que consta do antecedente relatório.
2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.
Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (art.º 10º, n.º 5 do Código de Processo Civil/CPC).
À execução apenas podem servir de base: a) As sentenças condenatórias; b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo; d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva (art.º 703º, n.º 1 do CPC). Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante (n.º 2).
3. Nos termos do Anexo ao regime de procedimentos aprovado pelo DL n.º 269/98, de 01.9 Que aprovou o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, no âmbito do procedimento de injunção, o requerido é notificado, além do mais, da indicação de que, na falta de pagamento ou de oposição dentro do prazo legal, será aposta fórmula executória ao requerimento, facultando-se ao requerente a possibilidade de intentar acção executiva (art.º 13º, n.º 1, c)), e de que, na falta de pagamento da quantia pedida e da taxa de justiça paga pelo requerente, são ainda devidos juros de mora desde a data da apresentação do requerimento e juros à taxa de 5 % ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória (art.º 13º, n.º 1, d)) Norma em sintonia com o art.º 829º-A, n.º 4 do Código Civil, que preceitua: “Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5 % ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.”.
Se, depois de notificado, o requerido não deduzir oposição, o secretário aporá no requerimento de injunção a seguinte fórmula: 'Este documento tem força executiva (art.º 14º, n.º 1). Aposta a fórmula executória, a secretaria disponibiliza ao requerente, preferencialmente por meios electrónicos, em termos a definir por portaria do Ministro da Justiça, o requerimento de injunção no qual tenha sido aposta a fórmula executória (n.º 5).
A execução fundada em requerimento de injunção segue, com as necessárias adaptações, a forma de processo comum (art.º 21º, n.º 1). A execução tem como limites as importâncias a que se refere a alínea d) do artigo 13º (n.º 2).
4. O regime do citado n.º 2 do art.º 703º do CPC foi introduzido, inicialmente, pelo DL n.º 38/2003, de 08.3 (aditamento ao art.º 46º do CPC de 1961).
Foi assim ampliado o âmbito do título executivo, de modo a considerar nele compreendidos - qualquer que seja a sua natureza - os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, sendo, deste modo, possível ao exequente requerer a execução de tais juros moratórios - mas já não dos juros convencionais - mesmo quando o título executivo (judicial ou extrajudicial) seja omisso quanto à respectiva obrigação acessória, decorrente directa e automaticamente da lei. Vide Carlos Lopes do Rego, Comentários ao CPC, 2ª edição, 2004, Almedina, 2004, pág. 84.
5. No caso em análise, o título executivo é um requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória e a execução fundada em requerimento de injunção tem como limite o somatório da quantia pedida no requerimento de injunção e taxa de justiça paga pelo requerente da injunção, dos juros de mora desde a data da apresentação do requerimento de injunção e dos juros à taxa de 5 % ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória (art.º 13º, n.º 1, d) do citado regime jurídico).
Não se questiona que o valor da quantia pedida no requerimento de injunção e da taxa de justiça paga pelo requerente da injunção ascende a € 7 435,22.
Como bem se refere na decisão sob censura, os juros de mora devidos desde a data da apresentação do requerimento de injunção, vencidos até à instauração da execução, terão de ser contabilizados nos termos do disposto no art.º 559º do CC, uma vez que o título executivo é um requerimento de injunção e não um contrato em que tenha sido estabelecida taxa diversa, e ascendem a € 1 050,30.
A este valor acrescem juros à taxa de 5 % ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória (computados, à data da instauração da execução, em € 1 248,71).
Nesta conformidade, é correcto o valor da execução fixado na decisão recorrida (€ 9 734,23).
6. Na verdade, como se referiu, formado/gerado o título executivo - qualquer que seja a sua natureza - apenas se poderá atender (e executar) aos juros de mora, à taxa legal (art.º 559º, n.º 1 do CC), da obrigação dele constante, e não aos juros convencionais.
E a lei estabelece claramente os juros a considerar para os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva - como no caso em apreço -, considerando abrangidos pelo título os juros de mora, à taxa legal, da obrigação que dele emerge (art.ºs 703º, n.º 1, d) e 2 do CPC).
Este específico regime normativo em matéria de juros dos títulos executivos previstos da lei processual civil não se poderá afastar pelo simples factos de terem sido fixados, no contrato subjacente (referido na petição da Injunção), juros moratórios de taxa superior aos juros legais.
Tal taxa, e ainda que se trate de uma obrigação pecuniária (na previsão do art.º 806º do CC), releva, apenas, para o cômputo da quantia pedida no requerimento de injunção.
A partir daí, releva o enquadramento traçado pelo art.º 703º do CPC, com as consequências daí decorrentes, inclusive, no que concerne aos juros moratórios abrangidos pelo título executivo - juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, e não os juros convencionais; o credor exequente pode pedir a execução de tais juros, desde que legais, ficando de fora (a menos que constem do título) os juros convencionais, sendo que a possibilidade de executar os juros legais ainda que não constem do título também decorre desta norma, directa e automaticamente. Cf. , ainda, o acórdão da RP acórdão da RG de 14.6.2017-processo 670/12.7TTBRG.1.G1, publicado no “site” da dgsi.
Podendo-se porventura dizer que a afirmação do citado n.º 2 do art.º 703º do CPC poderá configurar desvio ao princípio da literalidade do título.
7. Esta, parece-nos, a vontade real do legislador, clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal (art.º 9º do CC) Vide, nomeadamente, Manuel de Andrade, Ensaio Sobre a Teoria da Interpretação das Leis, Arménio Amado – Editor Sucessor, Coimbra, 1987, pág. 65 e Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 58. e que traduz a extensão da eficácia executiva aos juros de mora tanto nos títulos judiciais como nos extrajudiciais, introduzida pela reforma de 2003 Vide António Abrantes Geraldes, Exequibilidade da sentença condenatória quanto aos juros de mora, in CJ-STJ, IX, 1, pág. 62., não se vendo como afirmar que a mesma possa envolver interpretação do referido Regime aprovado pelo DL 269/98, de 1.9, em “flagrante violação do princípio da segurança jurídica expresso na Constituição da República Portuguesa.
Naturalmente, nenhuma dúvida se suscita quanto aos “juros compulsórios” incluídos no âmbito do título executivo (art.º 13º n.º 1 alínea d), do referido Regime aprovado pelo DL 269/98, de 1.9), atendidos na decisão sob censura.
8 Soçobra, desta forma, a “conclusão” da alegação de recurso.
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III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela exequente/recorrente.
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22.5.2018


Fonte Ramos ( Relator)
Maria João Areias
Alberto Ruço