Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2965/11.8TAVNG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: PERDA DE INSTRUMENTO DO CRIME
Data do Acordão: 01/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - VARA DE COMPETÊNCIA MISTA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ART.º 35º, N.º 1, DO DECRETO-LEI N.º 15/93, DE 22/01
Sumário: Se o produto estupefaciente apreendido, transportado em veículo automóvel, atendendo ao seu peso e volume, era facilmente transportável, por qualquer outra forma, não sendo a utilização da viatura essencial para o cometimento do ilícito, por não ser indispensável ao transporte ou à ocultação de tal produto, constituindo apenas mero meio de transporte do arguido, seu proprietário, não pode concluir-se que tal viatura seja instrumento do crime e que exista uma relação de causalidade entre a sua utilização e a prática do crime, não havendo, por isso, lugar à declaração da perda de tal veículo a favor do Estado.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

No processo comum n.º 2965/11.8TAVNG da 1ª Secção da Vara de Competência Mista de Coimbra, após a realização da audiência de julgamento, foi proferido acórdão que decidiu:
a) condenar o arguido A... pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, com referência às Tabelas II-A e I-C anexas, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;
b) condenar o arguido B... pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, com referência às Tabelas II-A e I-C anexas, na pena de 6 (seis) anos de prisão;
c) absolver os arguidos C... e D... da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01
d) declarar perdidos a favor do Estado, os 950 euros apreendidos ao arguido A.... e, o telemóvel e o veículo com a matrícula 6BB-K66 apreendidos ao arguido B....
***

Os arguidos B...e A.... não se conformaram com a decisão proferida em 1ª instância, e dela interpuseram recurso, tendo extraído das respectivas motivações as seguintes conclusões:

O arguido B...:
1- A factualidade provada permite concluir que o arguido:
"No dia 27.10.10 o arguido B... combinou com o arguido A.... entregar-lhe produto estupefaciente, que este lhe tinha solicitado, a troco do seu pagamento em dinheiro. Deslocou-se para o efeito a Coimbra. Aquando da detenção pelos inspectores da P.J, o arguido, B..., detinha, no interior do veículo de matrícula …, de que é proprietário, 1300 comprimidos de MDMA, com o peso líquido global de 31,171 gramas, que se encontravam colocadas no interior de uma embalagem de café Sical, quatro embalagens cilíndricas de cor preta que continham 38,202 gramas líquidas de MDMA; no interior de uma caixa preta para relógios, uma embalagem de MDMA com o peso líquido de 14,150 gramas e uma embalagem com 250 comprimidos de 2C-B, com o peso líquido global de 14,293 gramas,"
"Os arguidos B...e A...sabiam que não lhes era lícito receber, comprar, por à venda, vender, possuir, deter, adquirir, guardar, transportar, distribuir ou ceder MDMA, 2C-B e cannabis (folhas/sumidades), substâncias cuja natureza estupefaciente e características psicotrópicas bem conheciam e destinavam à venda a terceiros e quiseram fazê-lo, agindo da forma descrita.
Agiram os arguidos B...e A...voluntária, livre e conscientemente, em conjugação de esforços e vontades, como forma de melhor levarem a cabo tal actividade ilícita, sabendo as respectivas condutas proibidas e punidas por lei."
2- Face à factualidade provada de que o arguido detinha nas circunstâncias de tempo, modo e lugar, o produto estupefaciente apreendido, aliadas ao facto de à data da prática dos factos o arguido ser consumidor de produtos estupefacientes, nomeadamente "canábis e MDMA", sem terem sido apuradas quaisquer outras vendas, para além daquela que foi dada como provada e não chegou a ser concretizada face à intervenção do O.P.C (a forma como vinham acondicionados os produtos estupefacientes, no interior da viatura, num saco de café Sical, atrás do banco do pendura, e no interior de um saco transparente, e ao facto da transacção ser efectuada em plena via pública tendo o arguido utilizado o seu telemóvel, para o contacto como o adquirente dos referidos produtos), sem o suporte de qualquer tipo de organização, conjugado com o facto do acto ilícito se subsumir ao dia da detenção ­- interpretada à luz do espírito do sistema global, tendo-se presentes as implicações do princípio da proporcionalidade, tem de se concluir que se está perante uma actividade de tráfico de menor gravidade relativamente à ilicitude típica do Art. 25° do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Na verdade, para além do produto estupefaciente que detinha, nada mais foi apreendido ao recorrente como ligado à actividade ilícita, designadamente objectos relacionados com o manuseamento do produto ou proventos da sua venda.
O acto ilícito apurado subsume-se ao dia da detenção, sendo certo que, o tribunal limitou-se a presumir que a venda do aludido produto estupefaciente em face da sua quantidade e natureza, permitiria aos arguidos A...e B...auferir lucros avultados.
Certo é, que não apurou qualquer outra venda por parte deste arguido, e o valor apurado desta, seriam 2.300 euros, o que não pode qualificar-se como sendo um montante elevado. Tanto mais que, o tribunal valorou as declarações prestadas pelo arguido, tendo este referido, que o lucro que iria obter na referida transacção seriam as 14 grs de MDMA , que estavam no interior de uma caixa.
Acresce ainda que, haveria que atender à qualidade dos produtos estupefacientes, apreendidos, Haxixe e MDMA, que, não são considerados "drogas duras", e pese embora seu consumo tenha efeitos nefastos para os seus utilizadores, são incomensuravelmente menores, aos provocados pelas chamadas "drogas duras", (cocaína e heroína), sendo também menores, os lucros auferidos com a sua venda. Tal circunstancialismo, deveria ser conjugado, com a sua situação actual, confessou os factos que lhe eram imputados, com relevo para a descoberta da verdade material.
O arguido assumiu todos os actos que praticou esclarecendo a participação de cada um dos co-arguidos nos presentes autos, a forma como obteve o estupefaciente apreendido, o preço de venda e o lucro que iria auferir.
Mostrou-se arrependido, e encontra-se abstinente do consumo de substâncias estupefacientes, está detido há cerca de 9 meses, e mantém no E.P. um comportamento isento de reparos, era primário e não tem processos pendentes. Factos que na perspectiva do recorrente constituem factores que mitigam a ilicitude do crime praticado.
Estes factores aliados, ao apoio familiar de que dispõe, concretizado nas visitas regulares dos seus familiares (pai e tio materno) e quando for restituído à liberdade será acolhido no seio familiar, dispondo de trabalho como servente de mecânico, na oficina de que é proprietário o tio materno, conforme atesta o contrato de trabalho junto aos autos, atenuam as exigências de prevenção especial.
Acresce ainda que, não são conhecidos quaisquer sentimentos de rejeição no meio onde reside, o que atenua as exigências de prevenção geral.
Pelo que, face ao aduzido, ao reduzido tempo que durou a actividade ilícita, um único dia, um único acto, à qualidade da droga transaccionada, ao lucro obtido e ao modus operandi utilizado, entende o arguido ser de integrar a sua conduta no dispositivo do artigo 25º do citado diploma.
Violou-se o disposto no artigo 25 do D.L 15/93 de 22-01.
3- A determinação da medida da pena parte do postulado de que as finalidades de aplicação das penas são, em primeiro lugar, a tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, constituindo a medida da culpa o limite inultrapassável da medida da pena.
4- Na determinação concreta da medida da pena, o julgador atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (art. 71º do C.P.), ou seja, as circunstâncias do complexo integral do facto que relevam para a prevenção e para a culpa.
5- Ponderada a globalidade da matéria factual provada, a conduta do arguido deveria ser subsumível à previsão dos disposto no artigo 25 n.º 1 do DL 15/93 de 22-01
6- Face aos critérios legais (arts 70º e 71º) o recorrente deveria ser punido atento às razões aduzidas na motivação do recurso ora interposto, com relevo para a sua idade e abandono da prática do ilícito, em medida não superior a 3 anos e 6 meses de prisão, pena esta que atento à sua condição pessoal, (primário, confessou os factos com relevância para a descoberta da verdade material, mostrou-se arrependido, dispor de apoio familiar e emprego garantido, ter uma imagem positiva no meio onde reside, ter mantido desde os 15 anos de idade hábitos de trabalho regulares, inicialmente em Portugal e aos 21 anos na Holanda onde desempenhou várias actividades, e demais circunstancialismo referido no relatório social, nomeadamente, a conclusão de que o mesmo em meio livre beneficiará de condições de suporte familiar, habitacional e laboral, que lhe facilitarão o seu processo ressocializador, processo para o qual B... está motivado e demonstra reunir condições/capacidades pessoais para assumir, deveria, a pena anteriormente sugerida ser suspensa por igual período.
Na verdade, como se refere no acórdão de 19-12-07, processo n.º 4088/07-3a, in CJSTJ 2007, TOMO 3, pág. 262, a medida constitui uma chamada à razão do condenado reforçada pelo facto de poder vir a executar no futuro, a prisão, para que não volte a incorrer em nova situação criminal, sendo também uma pena de correcção, de ajuda social e sócio-pedagógica.
Sendo certo que todo o juízo de prognose sobre um futuro comportamento comporta inevitavelmente algum risco, o mesmo será, porém mitigado com a imposição de sujeição a regras de conduta e a regime de prova; a suspensão da execução da pena, associada a tal sujeição e ao regime de prova, a efectivar de acordo com o que vier a ser determinado pelo I.R.S, contribuirá para a ressocialização do arguido.
Nesta perspectiva, crê-se ser fundada a esperança de que a socialização em liberdade possa ser lograda e não saírem defraudadas as expectativas comunitárias de reposição/estabilização da ordem jurídica, da confiança na validade da norma violada e no cumprimento do direito, nem será demasiado arriscado conceder uma oportunidade ao arguido, suspendendo a execução da pena, por haver condições para alcançar a concretização da socialização em liberdade, enfim, a finalidade reeducativa e pedagógica, que enforma o instituto, e que face ao disposto no n.º 5 do artigo 50º, terá a duração igual à da pena de prisão a contar do trânsito desta decisão.
A carência de continuação de prisão efectiva não se apresenta manifesta, sendo de conceder uma oportunidade ao arguido, constituindo a substituição da pena um sério aviso e uma solene advertência no sentido de que o recorrente terá de pautar a sua vida de acordo com a lei.
7- Nos termos do artigo 52º, n.º 1, al. a) do C.P, ao arguido deveria ser imposto como regra de conduta a obrigação do arguido começar a trabalhar, aceitando o contrato de trabalho que lhe foi proposto, facto dado como provado, dedicando-se a essa actividade, bem como comprovar nos autos, o pagamento da quantia de 1000 euros ao Instituto de toxicodependência, por forma a sensibilizar o arguido, das consequências, que o consumo de drogas provoca nos seres humanos.
A suspensão deveria ser acompanhada de regime de prova, nos termos do artigo 53º do CP.
8- A decisão recorrida violou, nessa parte, os arts 50º, 52º, 53º, 70º e 71º do C P.
9- Sem prescindir, e mesmo entendendo que da conjugação dos factos provados e não provados, a conduta do arguido se subsume ao ilícito p.p no artigo 21º n.º 1 do DL 15/93 de 22-01, haveria, atento ao circunstancialismo favorável apurado, designadamente, o já referido no ponto 2 das conclusões do recurso, e pontos 9 do Item A, 4 e 5 do item B e 1 do item C da motivação do recurso, seria justa, adequada e proporcional a pena de 4 anos e 4 meses de prisão, que pelas razões aduzidas nos pontos 5 e 6 das conclusões, deveria ser suspensa na sua execução, sujeita a imposição das regras de conduta aí mencionadas e que se dão por reproduzidas, sujeita a regime de prova.
10- Na verdade, a dar como provado toda a factualidade apurada, não se pode olvidar, que o arguido assumiu a prática do actos ilícitos cometidos, que esta assunção de culpas, foi acompanhada pelo arrependimento demonstrado em Tribunal, e que as suas declarações foram relevantes para a descoberta da verdade material, não se limitou a colocar a responsabilidade nos co-arguidos, pelo contrário, esclareceu a participação de cada um deles nos factos de que vinha acusado, explicitou ao tribunal a forma de aquisição do produto, quem lhe entregou, a quem destinava qual o lucro que iria obter, clarificou o conteúdo das transcrições das conversas interceptadas, e procurou com verdade explicar ao tribunal as questões que lhe foram colocadas.
As referidas declarações foram tidas em conta pelo tribunal, uma vez que, não só não foram contraditadas por qualquer outro meio probatório como corroboradas pelos existentes nos autos.
Apurou-se um único acto de execução ilícito, que face à intervenção da P.J, não foi concretizada.
As drogas transaccionadas não estão qualificadas como "drogas duras", atento aos efeitos menos nefastos que produzem a quem as consome.
A sua comercialização proporciona lucros menos elevados aos obtidos com a comercialização da heroína e cocaína.
O arguido, não fazia desta actividade modo de vida, a sua conduta constitui um acto isolado no seu percurso de vida, caracterizado pelos hábitos de trabalho.
Dispõe de apoio familiar e tem condições no exterior que lhe permitem integração laboral, o que, permite concluir que, no caso em apreço, existe um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, sendo que a simples ameaça da pena será suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização (em liberdade) do arguido. Deveria ainda o arguido ser sujeito a regime de prova, cujo plano de readaptação individual do arguido, teria subjacente a continuidade da abstinência do consumo de drogas e a ocupação laboral certa e remunerada e ainda a imposição das regras de conduta supra indicadas.
11- A decisão recorrida violou, nessa parte, os arts 50º, 52º, 53º, 70º e 71º do C.P.
12- O Tribunal entendeu declarar perdida a favor do estado, a viatura de marca Audi, ­matrícula holandesa, propriedade do arguido B..., uma vez que, existia uma ligação funcional e instrumental entre o objecto e a infracção, de sorte que a prática desta tenha sido especificadamente conformada pela utilização do objecto.
13- No que concerne ao veículo automóvel em referência, pese embora no interior da viatura fosse encontrado produto estupefaciente, e mesmo que se entenda, que no caso concreto, "Sem a utilização daquele veículo o crime em apreço não teria sido cometido ou, pelo menos, não teria sido cometido nas circunstâncias de acção em que o foi (facilidade, rapidez, maior eficiência na execução dos factos e maior possibilidade de fuga à acção da justiça e maior dificuldade para a descoberta do crime, já que a mobilidade que uma viatura concede permite alterar em qualquer momento o local em que a venda iria ter lugar)", haveria que atender, ao princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18 n.º 2 da C.R.P- desdobrado nos princípios da adequação (as medidas restritivas devem ser o meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei), da exigibilidade (as medidas restritivas não devem ser excessivas em relação aos fins obtidos).
14- Ora, no caso concreto, a viatura foi utilizada esporadicamente para o transporte do referido produto, podendo tal situação ter ocorrido, quer com a utilização de outra viatura, quer através de qualquer outro meio de transporte. Acresce ainda, que tal como decorre da matéria de facto provada, essa utilização ocorreu uma única vez.
A viatura Audi A3, é uma viatura do ano de 2001, que foi adquirida pelo arguido em 19­-01-10, o produto estupefaciente não estava oculto na referida viatura, isto é, não existia na viatura qualquer alteração efectuada no seu interior destinada ao seu transporte.
Consta do auto de apreensão que os produtos estupefacientes, estavam acondicionados numa embalagem de café Sical, atrás do banco do pendura, numa caixa preta destinada a acondicionar relógios e num saco plástico no interior de uma mochila, na mala da viatura. Os referidos produtos só estavam no interior da viatura, porque sendo propriedade do arguido, o mesmo optou por esse meio de transporte, para se deslocar à cidade de Coimbra, e consigo trazer, os referidos produtos. Todavia, o valor da mesma é muito superior ao valor da transacção efectuada, e atento ao facto de tal situação ter ocorrido uma única vez, tendo o tribunal dado como provado, que o arguido tinha hábitos de trabalho, pois que, exerce actividade profissional remunerada desde os 15 anos de idade, estando a trabalhar desde os 21 na Holanda, o que faz presumir, que a viatura supra citada foi adquirida com os rendimentos obtidos com o seu trabalho, salvo o devido respeito, parece desproporcional, a perda da mesma, uma vez que a utilização do veículo em causa nos contactos tendo em vista a venda de produtos estupefacientes apenas se suporta na factualidade descrita quanto ao dia em que foi apreendido.
Razão, pela qual, se entende não dever a mesma ser declarada perdida a favor do Estado.
15- Violou-se o disposto nos artigos, 35º do D.L 15/93 de 22-01, 109º, n.º 1 do C.P, 18º n.º 2 e 62º da C.R.P
Pelo que, deve ser revogada nos termos sobreditos
*

O arguido A....:
I- Os factos dados como provados que legitimaram a condenação pelo crime de tráfico de estupefacientes, não possuem sustentação probatória suficiente.
II- Assentam única e exclusivamente nos resultados das escutas telefónicas, em especial nos diferentes autos de transcrição, e nas declarações incriminatórias de co-arguido, meios de prova insuficientes para a conclusão da verificação da referida factualidade
III- Apesar das transcrições das escutas telefónicas serem um meio de prova com força probatória plena, apenas fica plenamente provado a autoria do documento e nunca o seu conteúdo
IV- A presunção de inocência dos arguidos, garantida pela lei fundamental, não pode ser afastada apenas com base nas escutas telefónicas e nas declarações incriminatórias de co-arguido.
V- Atendendo à excepcionalidade do regime jurídico das escutas telefónicas resultante também da limitação que estas impõem no direito ao silêncio do arguido e nos vários direitos fundamentais que com ela são restringidos, obriga a que estas não possam autonomamente demonstrar a veracidade de determinado facto incriminatório. Têm sempre se ser corroboradas com outros meios de prova.
VI- E apesar de serem corroboradas pelas declarações de co-arguido atendendo à parcialidade e à fragilidade que este meio de prova comporta, no nosso entender, são insuficientes para ser dada como provada a prática pelo crime de tráfico de estupefacientes, nos termos configurados em douto acórdão.
VII- Tal insuficiência resulta da estrutura essencialmente acusatória, constitucionalmente imposta, no nosso processo penal, que impede também que seja possível a condenação do arguido quando ainda permanecem dúvidas sobre a existência e prática dos factos que lhe são imputados. Dúvidas que quanto a nós, se encontram na douta decisão judicial.
VIII- Por outro lado, resultou dos depoimentos das testemunhas apresentadas pela defesa, séria contradição (supra transcrita), que não foram tidos em conta pelo Tribunal, nomeadamente, na finalidade dos € 950.00 que o arguido A.... tinha cm sua posse aquando da detenção, declarando a decisão ora em crise como perdida a favor do Estado tal quantia. O QUE NÃO SE ADMITE, uma vez que foi produzida prova mais do que suficiente em audiência de discussão e julgamento de que a referida quantia não era do arguido A...., mas sim dos seus pais, cujo destino seria pagar a reparação da viatura supra mencionada, resultando, pelo menos a dúvida, sendo que naquele dia e hora também o mecânico se encontrava em Coimbra para receber o pagamento, dúvidas e mais dúvidas que operam efectivamente "contra Réu"
IX- O arguido A... deve, no nosso entender, ser absolvido do crime de tráfico de estupefacientes pois não existe material probatório suficiente que sustente a factualidade que foi dada como provada.
X- Mostrando-se violados as regras processuais penais que determinam o princípio da imediação, da livre apreciação da prova, da presunção de inocência, da excepcionalidade da intercepção telefónica, da interpretação restritiva da mesma.
XI- Também as mais elementares regras de experiência de vida que nos indicam que o co-arguido é parte interessada, por vezes na absolvição, outras na condenação do seu co-arguido, como no caso, em que a estratégia do co-arguido B… impunha uma completa aceitação do teor da Douta Acusação, não importando o que tivesse que dizer, fazendo jus à sabia expressão popular "perdido por um perdido por mil" tanto que logra-se a redução da medida concreta da pena por força de uma extravagante confissão, que arrasou com a defesa do arguido A..., mas que arrasou também com a verdade material,
XII- MAS CONSUBSTANCIANDO UMA VERDADEIRA INJUSTIÇA, enorme, grande, muito grande, creiam, no que ao arguido A.... diz respeito,
ASSIM,
Salvo o devido respeito, das presentes conclusões e da análise do argumentário do presente resultará, salvo devida e Douta opinião de Vossas Excelências em contrário:
I - a absolvição do ora Recorrente;
II- e a restituição aos legítimos proprietários (pais do Arguido A....) a quantia de €950,00;
III- O que se requer e roga, em anulação da Douta decisão ora em crise e a substituição de outra onde resultem acolhidos os princípios de direito penal e da Constituição da Republica Portuguesa.

Com a Motivação juntou o recorrente A.... um Parecer Jurídico de dois Professores Universitários.
*
Respondeu a Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, defendendo a improcedência de ambos os recursos.
Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.
Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, respondeu o arguido A.... mantendo os fundamentos invocados na motivação do recurso.
Os autos tiveram os vistos legais.
***

II- FUNDAMENTAÇÃO

Consta do acórdão recorrido (por transcrição):
Da discussão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
No dia 27.10.10 o arguido B... combinou com o arguido A.... entregar-lhe produto estupefaciente, que este lhe tinha solicitado, a troco do seu pagamento em dinheiro.
No desenvolvimento e preparação de tal entrega o arguido A.... e B... privilegiavam os contactos telefónicos, através dos respectivos telemóveis.

Assim, no dia 28/10/10, o arguido A... - após contactos telefónicos mantidos nesse sentido, nos dias 27 e 28/10/2010, com o arguido B..., através dos telemóveis … -, proveniente da zona do Porto, deslocou-se para Coimbra, ao volante do veículo automóvel de matrícula … , propriedade da sua mãe, a fim de contactar com o arguido B...e dele receber, tal como combinado, produto estupefaciente, para, subsequentemente, o transportar no aludido veículo de regresso ao Norte do País, concretamente à área metropolitana do Porto, a fim de o vender.

O arguido B... fez-se transportar até à cidade de Coimbra no veículo com a matrícula … , sua propriedade, onde aguardou pela chegada do arguido A.....

Cerca das 23h, do mencionado dia 28/10/10, o arguido B..., que se encontrava acompanhado pelos arguidos D... e C…, e fazendo-se transportar no veículo de matrícula … , conduzido pelo primeiro, dirigiu-se para junto do Café …, em Coimbra, artéria onde se encontrou com o arguido A..., que ali se encontrava apeado.

Após manterem os dois um breve contacto, enquanto o arguido B...procurava local para estacionar o veículo … , o arguido A.... caminhou, um pouco, pela aludida artéria, em direcção à referida viatura, sendo, todos, nesse momento, interceptados e detidos por elementos da Polícia Judiciária.

Nas aludidas circunstâncias de tempo e lugar, os arguidos tinham na sua posse:

- o arguido A...., tinha na sua posse a quantia de 950 euros em notas do Banco Central Europeu, um saco de plástico transparente contendo no seu interior 9,403 gramas líquidas de canabis (folhas/sumidades) e cinco sacos de plástico transparentes, contendo no seu interior cerca de 4,239 gramas líquidas de MDMA.

- o arguido B..., detinha, no interior do veículo de matrícula … , de que é proprietário, 1300 comprimidos de MDMA, com o peso líquido global de 31,171 gramas, que se encontravam colocadas no interior de uma embalagem de café Sical, quatro embalagens cilíndricas de cor preta que continham 38,202 gramas líquidas de MDMA; no interior de uma caixa preta para relógios, uma embalagem de MDMA com o peso líquido de 14,150 gramas e uma embalagem com 250 comprimidos de 2C-B, com o peso líquido global de 14,293 gramas.

Nas aludidas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido B...tinha, ainda, consigo, diversos documentos relativos a movimentos bancários da e através da Western Union, relativos a envios de dinheiro e transferências de dinheiro, e um telemóvel da marca Samsung, modelo E1120, com o IMEI … , com cartão da Vodafone, a operar com o n.º … , bem como dois bilhetes de avião da Royal Air Maroc, com destino a Casablanca e Tanger, em seu próprio nome e no de … , um certificado relativo a uma viatura de marca Mercedes com matrícula … e em seu próprio nome e diversos papéis com inscrições de contactos telefónicos e anotações relativas ao tráfico de estupefacientes, entre eles um papel do qual constava o “nome” camala e a anotação “MD” e “255”.

O arguido D... tinha na sua posse vários pedaços de canabis, resina, com o peso líquido global de 5,982 gramas e um telemóvel de marca Nokia, modelo 1800.
O arguido C... tinha na sua posse a quantia de 85 euros em notas do Banco Central Europeu, cerca de 0,556 gramas líquidas de canabis, resina e um telemóvel da marca Sony Ericson, modelo W910i.

Os arguidos A...e B... destinavam o produto estupefaciente que, respectivamente, detinham, à venda a terceiros, na sequência do plano entre ambos traçado.

A venda do aludido produto estupefaciente, em face da sua quantidade e natureza, permitiria aos arguidos A...e B...auferir lucros avultados.
O dinheiro apreendido ao arguido A.... destinava-se ao financiamento da projectada aquisição de produto estupefaciente.

O telemóvel apreendido ao arguido B..., para além de outras finalidades, era utilizado pelo arguido para efectuar contactos no desenvolvimento da mencionada actividade ilícita.

Os arguidos B...e A...sabiam que não lhes era lícito receber, comprar, por à venda, vender, possuir, deter, adquirir, guardar, transportar, distribuir ou ceder MDMA, 2C-B e cannabis (folhas/sumidades), substâncias cuja natureza estupefaciente e características psicotrópicas bem conheciam e destinavam à venda a terceiros e quiseram fazê-lo, agindo da forma descrita.

Agiram os arguidos B...e A...voluntária, livre e conscientemente, em conjugação de esforços e vontades, como forma de melhor levarem a cabo tal actividade ilícita, sabendo as respectivas condutas proibidas e punidas por lei.

A cannabis detida pelos arguidos D...e C...era destinada exclusivamente ao consumo dos próprios.

O arguido A.... frequentou o ensino até ao 8º ano de escolaridade, tendo então ficado retido e depois abandonado a escola. Nesta altura inicia o consumo de estupefacientes (haxixe e drogas sintéticas.
Iniciou o seu percurso laboral no sector da construção civil, como electricista e depois efectuou trabalhos temporários e sem regularidade na Inglaterra, França, Noruega e Holanda. Em Portugal dedicou-se a trabalhos de montagem de som, luz e como DJ em festivais de Verão.
Recorria com frequência ao apoio económico da sua mãe, que sempre o sensibilizou para deixar os consumos de substâncias estupefacientes, nunca tendo estado verdadeiramente motivado.
Mantém consumos regulares de haxixe e esporádicos de outras drogas e apresenta um discurso resistente à intervenção terapêutica.
No meio prisional recebe visitas da mãe, da tia e da madrinha, sendo a mãe que lhe garante condições de suporte no exterior.
No EP mantém um comportamento ajustado às regras.

O arguido B..., por falta de disponibilidade de tempo dos seus pais, foi criado pelos seus avós e tio materno desde o seu nascimento, sendo o relacionamento familiar equilibrado, afectivamente gratificante e voltado para a transmissão de valores morais e sociais ajustados.
O arguido abandonou a frequência escolar aos 14 anos, depois da conclusão do 6º ano de ensino básico.
Iniciou a sua vida profissional activa aos 14/15 anos, como aprendiz de mecânico na oficina de mecânica do seu tio materno.
Aos 21 anos deslocou-se para a Holanda, onde trabalhou em estufas e mais recentemente numa plataforma petrolífera (por um período de 6 meses). Depois de se instalar na Holanda iniciou o consumo de drogas, com excepção de heroína, mas aos 24 anos iniciou um percurso de abstinência dessas mesmas substâncias.
Na data em que os factos ocorreram o arguido encontrava-se em Portugal de férias (desde Agosto de 2010).
Recebe visitas regulares dos seus familiares (pai e tio materno) e quando for restituído à liberdade será acolhido no seu familiar constituído pela sua avó materna, com 71 anos de idade, reformada da função pública e ainda com uma vida pró-activa e sociável.
O seu tio materno está disponível para lhe proporcionar trabalho como servente de mecânico, na oficina de que é proprietário.
No EP o arguido B... regista um comportamento adequado e um relacionamento interpessoal dentro de padrões ajustados.
O arguido beneficia de uma imagem positiva no meio social da residência da sua família.

O arguido B... confessou a prática dos factos e verbalizou arrependimento.

O arguido D... faz parte de uma família onde sempre terá existido afectividade e o seu processo de desenvolvimento processou-se de forma bastante normativa. Sempre manteve contacto com a sua família alargada e reside com o seu avô paterno, de 82 anos, reformado do exército e com uma tia paterna, desde os 27 anos de idade, quando regressou de Inglaterra. Tem dois irmãos, uma irmã com 23 anos e um irmão com 18 anos, com quem mantém uma relação próxima.
Não completou o 10º ano de escolaridade, que não completou. Frequentou cursos profissionais em informática, processamento de dados, metalúrgica e metalo-mecânica. De 2002 a 2008, em Inglaterra, tirou diversas formações: Engenharia Técnica de Computação – novel 3, Consultadoria de Gestão e Negócios, Curso Técnico Profissional em Engenharia Mecânica e Tecnologias Avançadas.
Começou a sua carreira profissional com 19 anos, na MAHLE e Norton Áudio, Lda. Exerce há cerca de 3 meses a profissão de gestor comercial de uma empresa que trabalha para a SOMITEL.
No meio de residência a família é bem conhecida e respeitada.

O arguido C...residia com a sua mãe até ir viver com a namorada, em Almeirim. Tem duas irmãs, uma operária fabril e outra estudante. O seu pai explora um supermercado e a mãe é professora.
Está a iniciar o exercício de uma actividade profissional, como funcionário num estabelecimento comercial, em Lisboa e está a viver com a sua namorada em Almeirim. A sua namorada é vitrinista.
Completou o 12º ano de escolaridade.

O arguido B..., C...e D...não registam antecedentes criminais.
O arguido A.... foi condenado pela prática de um crime de tráfico para consumo de estupefacientes, por factos de 2006, por sentença proferida em 26.1.2010, transitada em 3.3.2010, tendo-lhe sido aplicada a pena 90 dias de multa, encontrando-se a cumprir a pena de prisão subsidiária de 60 dias.
*
Factos não provados:
· Que, para além dos factos que resultaram provados, os arguidos, em 2010, tenham combinado dedicarem-se à comercialização de produto estupefaciente, designadamente MDMA, canabis e 2C-B, na zona Norte e Centro do país, nomeadamente no Distrito do Porto, maxime na área metropolitana desta cidade e na zona e cidade de Coimbra.
· Que os arguidos D... e C...tenham colaborado no transporte das substâncias estupefacientes que vieram a ser apreendidas na posse do arguido B... e que tivessem participado na sua comercialização.
· Que os arguidos D... e C…, quando acompanhavam no dia 28.10.2010 o arguido B..., estivessem a colaborar com este na entrega de produto estupefaciente ao arguido A....
· Que o produto estupefaciente apreendido na posse dos arguidos D...Paulo e C...estivesse destinado a ser transaccionado.
*
III. Convicção do Tribunal:
A convicção do Tribunal relativamente à conduta dos arguidos no dia em que foram detidos e no dia que lhe antecedeu resultou em primeiro lugar das declarações prestadas pelo arguido B..., que confessou a prática dos factos.
Este arguido esclareceu ter sido contactado por um indivíduo de nome … (que os inspectores da PJ reconhecem existir, muito embora não totalmente identificado no âmbito dessa investigação), tendo sido nessa altura (Agosto 2009) que este o instou quanto à possibilidade de lhe arranjar estupefacientes. Mais tarde este arguido informou-o dos preços e acabaram por acordar uma transacção de estupefacientes que iria ter lugar no dia em que ocorreu a detenção.
Indicou o preço, o seu lucro (quantidade de estupefacientes que estava acondicionada à parte: 14 grs de MDMA e 250 grs de comprimidos), o B...do papel que lhe foi apreendido com a indicação “Camala” se reportar ao negócio que iria ser concretizado.
As conversas telefónicas que foram interceptadas e com as quais o arguido foi confrontado, denunciam as conversas que o arguido B... manteve nesse dia e no anterior, das quais resulta (e foi confirmado pelo arguido em audiência de julgamento) que inicialmente a transacção teria lugar na cidade do Porto. Foi o arguido B...que optou por não ir ao Porto por razões ligadas unicamente ao funcionamento do seu carro. A possível deslocação à Figueira da Foz para jantar seria puramente incidental e lúdica e não o objectivo do encontro.
Estas declarações, em que o arguido assumiu todos os actos que praticou e mencionou a participação do arguido A..., foram corroboradas pelo teor das escutas telefónicas, lidas em audiência de discussão e julgamento. O conteúdo das mesmas foi explicitado por este arguido, explicação essa que se mostra plausível, quer à luz da conduta que os arguidos apresentaram, quer pela apreensão que veio a ser efectuada.
A quantidade de cannabis apreendida na posse do arguido A...destinava-se a ser vendida ao arguido B...pelo preço de 30 €, sendo que tal encomenda foi efectuada por telefone, conversa essa que foi registada.
Como dissemos já, a participação do arguido A...resultou das declarações prestadas pelo co-arguido, das conversas telefónicas, das deslocações efectuadas pelos arguidos antes da intervenção policial e que foram registadas pela Polícia Judiciária (tal como resulta dos RDE e dos depoimentos prestados pelos senhores inspectores), deslocações essas que estão em consonância com o que os arguidos haviam combinado (pelo telefone).
Salienta-se a conversa em que o arguido B... diz “essa merda anda comigo” querendo com isso aludir ao produto estupefacientes, como disse.
Nessa medida, ou melhor, em consequência da credibilidade das declarações prestadas pelo arguido B... e em face dos demais meios de prova, não se conferiu semelhante credibilidade às declarações prestadas pelo arguido A.....
Este arguido (A....) afirmou que o dinheiro que lhe foi apreendido se destinava ao pagamento da reparação do carro que conduzia e que havia sido adquirido pela sua mãe, … (tal como resulta do registo de propriedade). Esta situação foi corroborada por estes (ouvidos como testemunhas, arrolados pelo arguido), bem como pela testemunha proprietária de uma oficina ….. Ainda que o veículo tenha sido reparado e ainda que o valor da mesma estivesse parcialmente por liquidar, os pais deste arguido não saberiam mais do que isso (sendo perceptível que se encontravam condicionados no depoimento que prestaram), ou seja, que o dinheiro apreendido na posse do arguido A.... se destinava ao pagamento do produto estupefaciente. Assim entende o Tribunal, porque assim fora combinado telefonicamente e porque na sequência do combinado o arguido B...trazia tal substância para entregar ao arguido A.... (que lhe veio a ser apreendida), tendo ambos os arguidos mantido um contacto breve quando o arguido A.... chegou à Praça da República e o arguido B... ali se encontrava apeado à sua espera.
De forma idêntica a cannabis destinava-se a ser vendida ao arguido B.... como já se mencionou, sendo totalmente desconsiderado o facto referido por este arguido quanto ao destino da mesma (consumo numa festa na Figueira da Foz, em local que não soube precisar, festa essa que nunca foi mencionada nas conversas telefónicas e que não foi confirmada pelo arguido B....).
Salienta-se que o telefone apreendido ao arguido B.... foi utilizado pelo mesmo nas conversas que manteve com o A...., como o mesmo reconhece (cfr. fls. 590 a 603).
Salienta-se também a contradição em que este arguido entrou relativamente ao tempo que demorava a consumir as quantidades de estupefaciente que lhe foi apreendido.
O facto do dinheiro apreendido (950 euros) não corresponder ao preço das substâncias estupefacientes que o arguido A...iria adquirir ao arguido B.... não foi cabalmente explicado. A esse respeito podem ser colocadas algumas hipóteses, nenhuma delas confirmadas em audiência de discussão e julgamento. Por um lado, o arguido B.... disse que estava a contar receber 2.300 euros pela quantidade que trazia e que se não lhe fosse entregue a totalidade do dinheiro não entregaria a totalidade do produto. Por outro lado, o arguido A...negou que o dinheiro tivesse aquele destino.
Muito embora não se possa concluir como se iria realizar a transacção apenas com aquela quantidade, nenhuma dúvida ficou que o dinheiro se destinava ao pagamento do produto (ou parte dele) que o arguido B.... trazia.

Por último, no que concerne aos arguidos D...e C...não foi produzida prova quanto à participação destes nos factos.
A circunstância destes dois arguidos acompanharem o arguido B.... quando este iria efectuar a transacção com o arguido A...não pode significar mais do que isso mesmo. De todo o modo, a prova produzida traduziu apenas essa realidade. Que se tinham encontrada em Coimbra e que se tratou de um encontro social, sem nada que o relacionasse com a transacção de estupefacientes. Nesse sentido as declarações prestadas pelo arguido B...., D...e C...e mesmo dos agentes da PJ, que nunca adquiriram no decurso da investigação qualquer referência a estes dois arguidos e que aludiram ao facto das substancias apreendidas na posse destes dois arguidos se destinarem notoriamente ao consumo dos próprios, como os mesmos referiram.
Valoraram-se, assim, os depoimentos dos inspectores da PJ( ), que participaram na abordagem, detenção e apreensão, bem como na vigilância que a antecede, sempre em contacto com os colegas que estavam a ouvir os contactos telefónicos entre os arguidos. Destes depoimentos salienta-se o local onde o arguido A...tinha acondicionado e escondida a substância apreendida (na zona genital).
Em conjugação com estes elementos de prova valorou-se o relato de diligência externa de fls. 329 e 330, o auto de revista pessoal de fls. 331, os testes rápidos de fls. 332 e 333, o auto de busca e apreensão de viatura de fls. 335, o documento de fls. 336 a 339, o auto de revista e apreensão de fls. 342, fls. 343 e 344, o auto de busca e apreensão de fls. 345 e 346, os teste rápidos de fls. 347 a 350, 351 a 380, 381 a 388 (fotos), o auto de revista pessoal de fls. 391, o teste rápido de fls. 392, o auto de revista pessoal de fls. 397, o teste rápido de fls. 398, o auto de apreensão de fls. 503, 504 a 507, os autos de exame efectuados aos veículos de matrícula … e … , os autos de transcrição de intercepção telefónica de fls. 590 a 603, os exames toxicológicos realizados no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, constantes de fls. 944, 946, 948, 950, 952, 954, 956.

A situação pessoal encontra-se descrita nos relatórios sociais e foi mencionada pelo arguido Diogo.
As testemunhas … e … , amigas do arguido B...., referiram a sua personalidade, os seus hábitos de trabalho. … , tio do arguido, descreveu a relação que mantém com o arguido, que educou como se de filho se tratasse, bem como o facto do mesmo poder trabalhar na oficia de que é proprietário (tal como emerge do contrato de trabalho, que em audiência juntou aos autos). Referiu também os hábitos de trabalho que lhe reconhece, o apoio que a família que dispensa.
…. , todos amigos do arguido D..., vieram descrever a sua personalidade, bem como os seus hábitos de trabalho.
Os antecedentes criminais e sua ausência estão documentados nos CRC juntos aos autos.

Refere-se, em último lugar que, parte dos factos que foram considerados como não provados estão em oposição com aqueles que resultaram provados. Sobre os demais não se fez prova ou aquela que se fez é inconsistente, como supra se refere.
Os restantes factos não especificamente dados como provados ou não provados, ou são a negação de outros especificamente considerados provados ou não provados ou são irrelevantes para a decisão, por serem conclusivos ou encerrarem questões de Direito.
***

APRECIANDO

O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que os recorrentes extraem das respectivas motivações, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
Atendendo ao texto das motivações e respectivas conclusões, nos presentes recursos, tal como vêm sintetizadas pelos recorrentes, são suscitadas as seguintes questões:

a) pelo arguido B...:
- errada subsunção jurídica dos factos [por entender que deveria ter sido condenado não pelo crime p. e p. no artigo 21º do DL n.º 15/93, mas pelo artigo 25º do mesmo diploma legal (crime de tráfico de menor gravidade)];
- medida da pena e forma de execução (atendendo à moldura penal abstracta do referido ilícito, de 1 a 5 anos de prisão, deveria ser punido com pena não superior a 3 anos e 6 meses, suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova);
- sem prescindir – integrando a conduta do arguido a previsão do disposto no artigo 21º do DL 15/93 de 22-01, contesta, a medida da pena aplicada e a forma da sua execução (a manter-se a condenação pelo artigo 21º, entende que o tribunal deveria ter-lhe aplicado a pena de 4 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova);
- perda da viatura automóvel.

b) pelo arguido A....:
- os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e o de erro notório na apreciação da prova, previstos nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 410º do CPP.
***
A- Recurso do arguido B…

1- da subsunção jurídica dos factos
Discorda o recorrente B...da qualificação jurídica efectuada pelo tribunal a quo, por entender que a sua conduta integra um dos tipos privilegiados do crime de tráfico de estupefacientes, o de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25º, al. a) do DL 15/93, de 22-01.
Para tanto alega que «Face à factualidade provada de que o arguido detinha nas circunstâncias de tempo, modo e lugar, o produto estupefaciente apreendido, aliadas ao facto de à data da prática dos factos o arguido ser consumidor de produtos estupefacientes, nomeadamente "canabis e MDMA", sem terem sido apuradas quaisquer outras vendas, para além daquela que foi dada como provada e não chegou a ser concretizada face à intervenção do O.P.C (a forma como vinham acondicionados os produtos estupefacientes, no interior da viatura, num saco de café Sical, atrás do banco do pendura, e no interior de um saco transparente, e ao facto da transacção ser efectuada em plena via pública tendo o arguido utilizado o seu telemóvel, para o contacto como o adquirente dos referidos produtos), sem o suporte de qualquer tipo de organização, conjugado com o facto do acto ilícito se subsumir ao dia da detenção ­- interpretada à luz do espírito do sistema global, tendo-se presentes as implicações do princípio da proporcionalidade, tem de se concluir que se está perante uma actividade de tráfico de menor gravidade relativamente à ilicitude típica do Art. 25° do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro.».
*
Foi o recorrente condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do referido diploma, com referência às Tabelas I-C e II-A anexas ao mesmo.
Ora, conforme o citado artigo 21º, são várias as actividades que constituem o crime de tráfico de estupefacientes: “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III (…)”.

Quanto aos tipos privilegiados do crime de tráfico:
- o crime de tráfico de menor gravidade previsto na alínea a) do artigo 25º do DL n.º 15/93 pressupõe que a ilicitude do facto se mostre consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das substâncias;
- o crime de traficante-consumidor previsto no artigo 26º do mesmo diploma tem como requisito essencial que o agente, ao praticar qualquer dos factos referidos no artigo 21º, tenha por finalidade exclusiva conseguir produto estupefaciente para uso pessoal.

No que ao tráfico de menor gravidade respeita, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores é concordante, no fundamental, assim sintetizada: “a constatação da menor ilicitude terá de resultar de uma avaliação global da situação de facto, em que assumem relevo, entre outros eventuais factores, a quantidade e a qualidade dos estupefacientes comercializados, os lucros obtidos, o grau de adesão a essa actividade como modo de vida, a afectação ou não de parte dos lucros ao financiamento do consumo pessoal das drogas, a duração e a intensidade da actividade desenvolvida, o número de consumidores contactados e a posição do agente na rede de distribuição clandestina dos estupefacientes.
É a partir da ponderação conjunta desta pluralidade de factores que se deverá elaborar um juízo sobre a verificação da menor ilicitude do facto.”- Ac. STJ de 15-4-2010, in www.dgsi.pt.

In casu, tal como resultou provado, na sequência de contactos telefónicos entre os arguidos B...e A.... (no própria dia e no dia anterior), vieram os arguidos a ser interceptados e detidos por elementos da PJ.
Então, tinham os arguidos na sua posse:
«- o arguido A...., tinha na sua posse a quantia de 950 euros em notas do Banco Central Europeu, um saco de plástico transparente contendo no seu interior 9,403 gramas líquidas de canabis (folhas/sumidades) e cinco sacos de plástico transparentes, contendo no seu interior cerca de 4,239 gramas líquidas de MDMA.
- o arguido B..., detinha, no interior do veículo de matrícula Holandesa 6BB.K66, de que é proprietário, 1300 comprimidos de MDMA, com o peso líquido global de 31,171 gramas, que se encontravam colocadas no interior de uma embalagem de café Sical, quatro embalagens cilíndricas de cor preta que continham 38,202 gramas líquidas de MDMA; no interior de uma caixa preta para relógios, uma embalagem de MDMA com o peso líquido de 14,150 gramas e uma embalagem com 250 comprimidos de 2C-B, com o peso líquido global de 14,293 gramas.».

Atendendo aos factos apurados, afigura-se-nos que o modus operandi do arguido B..., nesta sua actividade de tráfico, revela uma actuação individual, resultante de uma encomenda por telemóvel, com a respectiva entrega em local combinado, sem aparente estrutura organizativa.
Por outro lado, terá de se atender à quantidade e qualidade dos produtos apreendidos, na sua maioria comprimidos MDMA (metilenadioxianfetamina), mais conhecida por ecstasy.
Se quanto à qualidade, a “canabis”, a “MDMA” e a “2C-B” (uma anfetamina), são consideradas drogas de menor risco (por comparação com a heroína e cocaína, estas tidas como drogas “duras”), mas com efeitos nocivos para a saúde dos consumidores e de grande danosidade social; a quantidade de tais produtos é muito elevada, não podendo dizer-se que, relativamente aos arguidos, “a ilicitude do facto se mostra consideravelmente diminuída” (pressuposto da aplicação desse tipo privilegiado)». Termos em que, face à factualidade dada como provada, mostra-se correcta a condenação pelo crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1 do citado DL n.º 15/93.
Improcede, nesta parte, a argumentação do recorrente.
*
2- da medida da pena e forma de execução
Sustenta o recorrente que, a manter-se a condenação pelo artigo 21º, o tribunal deveria ter-lhe aplicado a pena de 4 anos e 4 meses de prisão, a qual se mostra proporcional e adequada, e ainda suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova.
Como fundamentos da sua pretensão indica: «primário, confessou os factos com relevância para a descoberta da verdade material, mostrou-se arrependido, dispor de apoio familiar e emprego garantido, ter uma imagem positiva no meio onde reside, ter mantido desde os 15 anos de idade hábitos de trabalho regulares, inicialmente em Portugal e aos 21 anos na Holanda onde desempenhou várias actividades, e demais circunstancialismo referido no relatório social, nomeadamente, a conclusão de que o mesmo em meio livre beneficiará de condições de suporte familiar, habitacional e laboral, que lhe facilitarão o seu processo ressocializador, processo para o qual B... está motivado e demonstra reunir condições/capacidades pessoais para assumir».

O crime de tráfico de estupefaciente é punido, em abstracto, com prisão de 4 a 12 anos, tendo sido aplicada ao arguido B...a pena de 6 anos de prisão.
De harmonia com o disposto nos artigos 70º e 71º do Código Penal a escolha e a medida da pena, ou seja, a determinação das consequências do facto punível, é feita dentro dos limites da lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo ainda atender-se a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o mesmo.
Ora, dentro da moldura penal abstracta, as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depõem a favor ou contra o agente são, designadamente:
- O grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente);
- A intensidade do dolo ou negligência;
- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
- A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Deste modo, o juiz conforme a natureza do facto punível, a sua gravidade e a forma de execução, aplicando o direito, escolhe uma das várias possibilidades legalmente previstas.
Em caso algum, porém, a pena poderá ultrapassar a medida de culpa do agente, concretamente revelada, correspondendo o limite superior da pena ao máximo grau de culpa e, o limite mínimo aquele abaixo do qual se não respeitam as expectativas da comunidade (art. 40º, n.º 2 do C.Penal).
Não pode apenas atender-se à culpa e à sua medida, impôs o legislador que a determinação concreta da pena seja feita também em função da prevenção. O que no entender do Prof. Figueiredo Dias “(…) é perfeitamente compreensível e justificável; através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária de punição do caso concreto e, consequentemente, à realização “in casu” das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limita de forma inultrapassável as exigências de prevenção” (cfr. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime – Notícias editorial – pág. 215).

O Tribunal a quo na determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido ponderou a ausência de antecedentes criminais, ter hábitos de trabalho, estar social e familiarmente inserido, ter confessado a prática dos factos e de ter revelado arrependimento. Ou seja, o acórdão recorrido sopesou todos aqueles factores com influência na medida concreta da pena.
Afigura-se-nos, porém, que face ao circunstancialismo fáctico apurado, a pena poderá ser reduzida para 5 anos de prisão.
*
Da suspensão da execução da pena
Pugna o recorrente pela suspensão da execução da pena que lhe venha a ser aplicada, ainda que “sujeita a regime de prova, a efectivar de acordo com o que vier a ser determinado pelo IRS, tendo em vista a sua ressocialização; admitido, ainda, a imposição de regras de conduta, e deveres, como o pagamento da quantia de 1000 euros ao Instituto de Toxicodependência, por forma a sensibilizar o arguido das consequências que o consumo de drogas provoca nos seres humanos”.
*
De acordo com o preceituado no artigo 50º do Código Penal, o tribunal afirma a prognose social favorável em que assenta o instituto da suspensão da execução da pena, se conclui que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo, para tal, atender à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E só deve decretar a suspensão da execução quando concluir, face a esses elementos que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade. O Tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa. (neste sentido o Ac. do STJ de 11-01-2001, proc. n.º3095/00-5).
Perante o citado normativo os julgadores não podem estribar-se em condições acerca da culpa do arguido, mas somente reportar-se às finalidades preventivas da punição. A suspensão terá de assegurar as finalidades da prevenção geral e as necessidades de prevenção especial ou de reintegração.
Em suma, é necessário que, por um lado se faça uma prognose social favorável quanto ao arguido no sentido de que, perante a factualidade apurada se conclui que o mesmo aproveitará a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, não voltando, com elevado grau de certeza, a delinquir e, por outro lado, que a suspensão cumpra as exigências de reprovação do crime servindo para satisfazer a confiança da comunidade nas normas jurídicas violadas.
A suspensão da execução da pena, não é uma medida de clemência, nem pode ser encarada como tal. É uma forma de cumprimento de uma pena funcionando como medida de substituição que não determinando a perda da liberdade física condiciona a vida daqueles a quem é aplicada durante todo o período em que é fixada.

Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2007, de 4.9, o artigo 50º, n.º 1 do C. Penal passou a prever a possibilidade de suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos (quando anteriormente a suspensão apenas era permitida relativamente a penas não superiores a 3 anos), tendo o período de suspensão duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão (n.º 5).

Embora tendo presente as fortes exigências de prevenção geral, atendendo a que este tipo de crime preocupa toda a sociedade, face aos malefícios decorrentes do consumo de drogas (para a saúde e para a família) e às condutas ilícitas ao mesmo associadas, como sejam a prática de crimes contra o património; resulta também da decisão recorrida, que o arguido não tem antecedentes criminais, encontra-se inserido em termos familiares e social, tem perspectivas de trabalho na empresa de um tio e, embora durante cerca de 3 anos tenha sido consumidor de drogas (excepto heroína, quando se deslocou para a Holanda), há cerca de 2 anos e meio iniciou um percurso de abstinência dessas substâncias. O arguido conta 27 anos de idade.
Assim sendo, tendo em conta que o nosso sistema jurídico-penal é eminentemente ressocializador, afigura-se-nos que pode formular-se quanto ao recorrente B...uma prognose favorável, no sentido de que não voltará a delinquir.
A suspensão da execução da pena ficará sujeita a regime de prova, nos termos dos artigos 53º e 54º do CP, mediante um plano de reinserção social executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, tendo em vista a sua reintegração social e a continuação do percurso de abstinência de substâncias aditivas.
Acresce que, tal como foi sugerido pelo recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 51º, n.º 1, al. c) do CP, por forma a sensibilizá-lo para os malefícios decorrentes do consumo de drogas, deverá proceder ao pagamento da quantia de 1000 euros ao Instituto Português da Droga e de Toxicodependência (IPDT).
*
3- perda da viatura automóvel
Insurge-se o recorrente com o facto da viatura Audi A3 ter sido declarada perdida a favor do Estado porquanto, em seu entender, como decorre do artigo 35º do DL n.º 15/93, “a perda dos objectos do crime só será admissível quando se verifique a existência ou preexistência de uma ligação funcional e instrumental entre o objecto e a infracção, de sorte a que a prática desta tenha sido especificadamente conformada pela utilização do objecto”.

Resulta do acórdão recorrido que o tribunal declarou perdido a favor do Estado o veículo com a matrícula … por ter concluído que, a viatura - face ao local de residência do arguido B...(Alcácer do Sal) e ao que este havia combinado com o arguido A...(vender-lhe substâncias estupefacientes, cuja entrega ocorreria em Coimbra), tendo-se o arguido deslocado na referida viatura, onde lhe veio a ser apreendida a quantidade de estupefaciente apurada - “foi instrumento do crime e que entre a sua utilização e a prática do facto ilícito típico existiu uma relação de causalidade adequada. Sem a utilização daquele veículo o crime em concreto não teria sido cometido ou, pelo menos, não teria sido cometido nas circunstâncias de acção em que o foi (facilidade, rapidez, maior eficiência na execução dos factos e maior possibilidade de fuga á acção da justiça e maior dificuldade para a descoberta do crime, já que a mobilidade que uma viatura concede permite alterar em qualquer momento o local em que a venda iria ter lugar).”.

Discordamos de tal conclusão.
Estabelece o n.º 1 do citado artigo 35º (na redacção dada pela Lei n.º 45/96, de 3.9) que «São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos».

Ora, como também vem mencionado na decisão recorrida, o STJ tem enveredado por uma interpretação do n.º 1 do artigo 35º de acordo com a qual “a perda dos objectos do crime só é admissível quando entre a utilização do objecto e a prática do crime, em si próprio ou na modalidade, com relevância penal, de que se revestiu, exista uma relação de causalidade adequada, de forma a que, sem essa utilização, a infracção em concreto não teria sido praticada ou não o teria na forma, com significação penal relevante, verificada.
Trata-se de orientação que tem por fundamento a necessidade de existência ou preexistência de uma ligação funcional e instrumental entre objecto e a infracção, de sorte que a prática desta tenha sido especificadamente conformada pela utilização do objecto, jurisprudência que conforma o texto legal com os princípios constitucionais da necessidade e da adequação, orientação que sufragamos, por isso, sem esquecer que há ainda que ter em atenção o princípio constitucional da proporcionalidade - artigo 18º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa -, princípio que preside a toda a providência sancionatória - a significar que a perda só deve ser declarada, em regra, quando se mostre minimamente justificada pela gravidade do crime e não se verifique uma significativa desproporção entre o valor do objecto e a gravidade do ilícito” – cfr. Ac. STJ, de 13-12-2006, in www.dgsi.pt.

No caso vertente, como resultou provado, muito embora o arguido B...tenha conduzido a sua viatura até Coimbra, transportando na mesma as substâncias estupefacientes que vieram a ser apreendidas, condução essa que terá facilitado a deslocação, tornando-a também mais cómoda, discordamos que a viatura seja instrumento do crime, e que exista uma relação de causalidade entre a sua utilização e a prática do crime, como foi considerado pelo tribunal a quo.
Com efeito, o produto apreendido, atendendo ao seu peso e volume, era facilmente transportável, por qualquer outra forma, não sendo a utilização da viatura essencial para o cometimento do ilícito. Não foi pois, a viatura indispensável ao transporte ou à ocultação de tal produto, constituindo apenas mero meio de transporte do seu proprietário, o arguido B....
Em conformidade, revoga-se o acórdão recorrido na parte em que declarou perdido a favor do Estado o veículo automóvel com a matrícula 6BB-K66, apreendido ao arguido B..., o qual lhe deverá ser entregue.
***

A- Recurso do arguido A....
Pugnando pela sua absolvição, o recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, imputando ao acórdão recorrido os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e o de erro notório na apreciação da prova, previstos nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 410º do CPP.
Como fundamento do invocado vício de insuficiência, alega o recorrente que da audiência de julgamento não resultou provado que:
a) “combinou com o arguido B...., que este lhe iria entregar produto estupefaciente, a troco de pagamento em dinheiro”;
b) “se deslocou a Coimbra com o fim de contactar com o arguido B...e dele receber produto estupefaciente para, subsequentemente, o transportar para a área metropolitana do Porto para a vender”;
c) “detinha a quantia de 950 euros cuja finalidade seria o financiamento da projectada aquisição de produto estupefaciente”,
concluindo que tais factos assentam única e exclusivamente nos resultados das escutas telefónicas, em especial nos diferentes autos de transcrição, e nas declarações incriminatórias de co-arguido, meios de prova insuficientes para a conclusão da verificação da referida factualidade.
No que respeita ao vício de erro notório na apreciação, argumenta o recorrente que não foi produzida prova suficiente e cabal que permita imputar-lhe o crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1 do DL n.º 15/93, porquanto, não se verificou qualquer transacção de produto estupefaciente entre os arguidos e, resultou dos depoimentos apresentados pela defesa séria contradição (que não foi tida em conta pelo tribunal) sobre a finalidade dos € 950,00 que tinha em sua posse aquando da detenção; tendo resultando dos depoimentos que este montante não se destinava à transacção de estupefacientes, mas sim ao pagamento de uma ordem de reparação do veículo com a matrícula 24-59-XX.

Ora, a existência de tais vícios, tem de resultar do próprio texto da decisão recorrida na sua globalidade, sem recurso a elementos externos, ou seja, não pode o tribunal de recurso socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo.
Importará referir que o artigo 410º do CPP, que alude aos vícios da decisão recorrida, está intimamente ligada aos requisitos da sentença previstos no artigo 374º, n.º 2 do mesmo diploma, concretamente à exigência de fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para fundamentar a convicção do Tribunal.
O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada verifica-se quando os factos provados são insuficientes para justificar a decisão assumida, ou quando o Tribunal recorrido deixou de investigar matéria de facto relevante de tal forma que o que foi apurado não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso submetido a apreciação, deixando de observar o dever da descoberta da verdade material.
O Prof. Germano Marques da Silva fala em “lacuna” no apuramento da matéria de facto.
Quanto ao erro notório na apreciação da prova, porque violador dos dados do conhecimento público generalizado, consiste em erro de tal modo evidente que não escapa ao comum dos observadores. Estar-se-á perante tal erro quando da leitura da decisão impugnada, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, se conclua que os factos nela dados como provados não podem ter acontecido ou que os factos dados como não provados não podem deixar de ter acontecido, isto é, quando os factos dados como provados e/ou como não provados se revelam inequivocamente desconformes, impossíveis, ou seja, quando aqueles traduzem uma situação fáctica irreal ou utópica – (acórdão do STJ, de 11-3-2004, proferido no recurso 2674/02 deste TR).

Como resulta da fundamentação da matéria de facto, o Tribunal a quo formou a sua convicção essencialmente “com base nas declarações confessórias do arguido B...e, nas conversas telefónicas que foram interceptadas e com as quais o arguido foi confrontado. Foram tais declarações corroboradas pelo teor das escutas telefónicas, lidas em audiência, tendo o arguido B...explicado o conteúdo das mesmas.
A participação do arguido A...resultou das declarações do co-arguido, das conversas telefónicas (com a respectiva transcrição do seu teor), das deslocações efectuadas pelos arguidos antes da intervenção policial e que foram registadas pela Polícia Judiciária [tal como resulta dos RDE (Relatos de Diligência Externa) e dos depoimentos prestados pelos senhores inspectores], deslocações essas que estão em consonância com o que os arguidos haviam combinado (pelo telefone)”.
Por outro lado, explicou o tribunal, porque não conferiu semelhante credibilidade às declarações do arguido A..., designadamente quanto ao destino da canabis e da quantia monetária (950 euros) que lhe foram apreendidas (e, também quanto a esta última questão, porque não valorou o depoimento das testemunhas arroladas pela defesa) e, bem assim, porque não considerou relevante o facto do dinheiro apreendido não corresponder ao preço das substâncias estupefacientes que o arguido A...iria adquirir ao arguido B....
Acresce, que a fundamentação de facto, quer na enumeração dos factos (provados e não provados), quer na motivação de facto, não apresenta qualquer erro, ou qualquer facto contrário às regras da lógica e da experiência comum, de que qualquer cidadão com formação média logo se aperceba e, é suficiente para a decisão de direito encontrada, pelo que improcedem os alegados vícios.
Acontece, que a recorrente confunde tais vícios com uma diferente convicção probatória sobre a suficiência da prova e a credibilidade dos meios de prova apreciados em julgamento. No fundo, a recorrente impugna a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos ela adquiriu em julgamento, esquecendo-se da regra da livre apreciação da prova prevista no art. 127º do CPP.

Ora, contrariamente ao alegado pelo recorrente, os factos dados como provados possuem sustentação probatória suficiente, sendo de realçar as declarações do arguido B....
Estabelece o artigo 125º do CPP o princípio da admissibilidade de quaisquer provas no processo penal, indicando o artigo 126º aquelas que são proibidas, não constando nesse elenco as declarações dos co-arguidos. Portanto, as declarações de co-arguido constituem um meio de prova válido a apreciar livremente pelo tribunal (artigos 344º, n.º 3 e 127º do CPP).
Este tem sido o entendimento da jurisprudência e da doutrina.
Não desconhecendo que Teresa Beleza afirma ( - in Revista do MP, n.º 74, pág. 39 e segs.) mesmo que o depoimento do co-arguido, não sendo, em abstracto, uma prova proibida no direito português, é no entanto um meio de prova particularmente frágil, que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia; e que Germano Marques da Silva ( - in Curso de Processo Penal, Ed. Verbo, 3ª ed., II Vol., pág. 191.) considera que o valor das declarações do co-arguido «exige uma especial ponderação pelo julgador»…
Como salienta Medina de Seiça ( - in “O conhecimento probatório do co-arguido”, Coimbra Editora, 1999, págs. 206-207.), a propósito da valoração das declarações do co-arguido, “(…) o aplicador, dentro da sua margem de apreciação livre, pode condenar um co-arguido baseado exclusivamente nas declarações de outro arguido. Julgamos, no entanto, que se torna possível, descortinar para além do geral bom-senso (que não sendo critério legal é factor não despiciendo na aplicação do direito), elementos normativos que justificam o apelo à regra da corroboração das declarações do co-arguido na parte respeitante à responsabilidade de outro arguido, corroboração que surge, repetimos, como momento integrador do juízo valorativo dessa informação probatória.”.

In casu, a prova dada como assente teve por base as declarações prestadas pelo arguido B..., as comunicações telefónicas estabelecidas entre os arguidos e, a situação objectiva do encontro dos arguidos tal como haviam combinado, o que foi detectado pelas testemunhas/inspectores da PJ, por terem participado na abordagem e detenção dos arguidos e na apreensão dos produtos estupefacientes.

Acresce que, para além da prova directa do facto, a apreciação do tribunal pode assentar em prova indirecta ou indiciária, a qual se faz valer através de presunções. No recurso a presunções simples ou naturais (art. 349º do Cód. Civil), parte-se de um facto conhecido (base da presunção), para concluir presuntivamente pela existência de um facto desconhecido (facto presumido), servindo-se para o efeito dos conhecimentos e das regras da experiência da vida, dos juízos correntes de probabilidade, e dos princípios da lógica.
Como salienta Vaz Serra ( - in Direito Probatório Material, BMJ, n.º 112, pág. 190.) “Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (...) ou de uma prova de primeira aparência”.
“As presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas; são meios de convicção. Cedem perante a simples dúvida sobre a exactidão no caso concreto” ( - Cavaleiro Ferreira, in Curso de Processo Penal, I, 333 e segs.). Ou seja, na dúvida, funcionará o princípio in dubio pro reo.
Por conseguinte, sendo permitido em processo penal o recurso a prova por presunções, porque não proibida por lei (art. 125º do CPP), “as normas dos artigos 126º e 127º do CPP podem ser interpretadas de modo a permitir que possam ser provados factos sem que exista uma prova directa deles. Basta a prova indirecta, conjugada e interpretada no seu todo”( - Ac. STJ, de 23-11-2006, in www.dgsi.pt.).
Como decidiu o STJ, no Acórdão de 12-9-2007, disponível in www.dgsi.pt:
“I - A prova do facto criminoso nem sempre é directa, de percepção imediata; muitas vezes é necessário fazer uso dos indícios.
II - “Quem comete um crime busca intencionalmente o segredo da sua actuação pelo que, evidentemente, é frequente a ausência de provas directas. Exigir a todo o custo, a existência destas provas implicaria o fracasso do processo penal ou, para evitar tal situação, haveria de forçar-se a confissão o que, como é sabido, constitui a característica mais notória do sistema de prova taxada e o seu máximo expoente: a tortura” (J. M. Asencio Melado, Presunción de Inocência y Prueba Indiciária, 1992, citado por Euclides Dâmaso Simões, in Prova Indiciária, Revista Julgar, n.º 2, 2007, pág. 205).
III - Indícios são as circunstâncias conhecidas e provadas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, se obtém a conclusão, firme, segura e sólida de outro facto; a indução parte do particular para o geral e, apesar de ser prova indirecta, tem a mesma força que a testemunhal, a documental ou outra.”.

No caso sob apreciação, o tribunal a quo formou a sua convicção livremente, de acordo com critérios lógicos e objectivos e com as regras da experiência, considerando, na sua globalidade, indícios precisos e concordantes com a prova produzida em audiência.
Atendeu, assim, o tribunal a provas legalmente admissíveis e valorou-as de harmonia com o critério legal, sendo lícita e válida a decisão de facto que retirou de tal prova; prova que, conforme já mencionado, o tribunal apreciou livremente de acordo com o princípio consagrado no artigo 127º do CPP.
Nos termos expostos, concluímos que não tem razão o recorrente quando põe em causa a materialidade apurada, não se vislumbrando razões que permitam criticar a convicção firmada na decisão recorrida, não tendo havido por banda do tribunal de 1ª instância a violação do princípio da livre apreciação da prova ou qualquer outro, designadamente o da presunção da inocência e o in dubio pro reo invocados pelo recorrente.

De referir ainda uma última questão suscitada pelo recorrente. A saber,
Face à intervenção dos inspectores da PJ, não se verificou qualquer transacção entre os arguidos, pelo que, no entender do recorrente, “sendo o crime p. e p. pelo artigo 21º da Lei da Droga apenas punível na sua forma consumada, não sendo puníveis os actos de execução, desde logo porque o crime é de consumação formal, atento ao perigo abstracto que tal previsão pretende salvaguardar, mas se entende a condenação na forma consumada”.
Em situação semelhante à dos presentes autos , decidiu o STJ, no Ac. de de 16-4-2009, Rel. Cons. Souto Moura, in www.dgsi.pt:
«Aceita-se que a natureza do crime do art. 21º, de perigo abstracto (e não de perigo concreto ou de dano), se traduza numa antecipação da tutela penal, independentemente da efectiva lesão do bem jurídico em causa, a saúde pública, antecipação cifrada na punição dos primeiros actos de execução do agente.
E de facto, para preenchimento do tipo, não se exige o desenvolvimento da acção projectada por esse mesmo agente.
Por outro lado, só pode considerar-se o crime consumado tendo ocorrido o preenchimento do tipo, numa das suas modalidades, não bastando que o agente tenha iniciado um qualquer processo executivo para cometimento do crime, mas inócuo do ponto de vista daquele preenchimento do tipo. A consumação exige pois que se dê por provada, pelo menos uma das ocorrências ali referidas. “Cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qual quer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar, ou ilicitamente detiver” produto estupefaciente.
No que especificamente respeita ao caso dos autos, e ao papel do recorrente, é insofismável que o mesmo – tal como consta dos factos provados - comprou a droga. Ora, a compra e venda tem por efeito a transferência da propriedade da coisa por mero efeito do contrato. Não exige para sua perfeição nem a entrega da coisa nem o pagamento do preço, se bem que o comprador se constitua na obrigação do pagamento desse preço e o vendedor na obrigação de entrega da coisa (artºs 874º e 879º do C.C.).
Além disso, determinou o vendedor – ao combinar com ele um determinado local de entrega da coisa vendida – a conduzi-la até si, fazendo-a assim “transitar”. Tanto basta para que o crime se tenha consumado através do seu comportamento.».

Improcede pois, na totalidade, a argumentação do recorrente A.....
Este tribunal apenas conhece das questões invocadas pelo recorrente, pelo que, não tendo sido suscitadas outras questões (v.g. a medida da pena e a forma da sua execução), improcedendo o recurso, mantém-se quanto ao recorrente o acórdão recorrido.
*****
III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:
1- Conceder provimento parcial ao recurso do arguido B... e, em consequência:
a) alterar a decisão recorrida no que se refere à medida da pena imposta ao arguido fixando-se a mesma em 5 (cinco) anos de prisão;
b) suspender a execução desta pena pelo período de 5 anos, sujeita a regime de prova, mediante um plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, tendo em vista a reintegração social do arguido e a continuação do percurso de abstinência de substâncias aditivas;
c) deverá o arguido proceder ao pagamento da quantia de 1000 euros ao Instituto Português da Droga e de Toxicodependência (IPDT), por forma a sensibilizá-lo para os malefícios decorrentes do consumo de drogas;
d) revogar o acórdão recorrido na parte em que declarou perdido a favor do Estado o veículo automóvel com a matrícula ... , apreendido ao arguido B..., o qual lhe deverá ser entregue;

2- Negar provimento ao recurso do arguido A.....;
3- Manter, no mais, o acórdão recorrido.
*
Sem tributação, quanto ao recorrente B...(artigo 513º, n.º 1 do CPP, na redacção dada pelo DL n.º 34/2008, de 26.02);
Custas a cargo do recorrente A...., fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.
*
Cessando, de imediato, a medida de coacção imposta ao arguido B..., passe os respectivos mandados.
*****
Elisa Sales (Relatora)
Paulo Valério