Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3943/15.3T8LRA-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: CUSTAS
TAXA DE JUSTIÇA
DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE
REFORMA
RECLAMAÇÃO DA CONTA
MEIO PROCESSUAL
Data do Acordão: 03/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 4
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.6 Nº7, 31 RCP, 527, 616 CPC
Sumário: 1 – A decisão jurisdicional a conhecer da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a que alude o artigo 6º, nº 7 do R.C.P., deve ter lugar na decisão que julgue a acção, incidente ou recurso, e no momento em que o juiz se pronuncie quanto à condenação em custas, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do n.C.P.Civil.

2 – Apenas pode ocorrer posteriormente, nos casos em que seja requerida a reforma quanto a custas ou nos casos em que tenha havido recurso da decisão que condene nas custas, conforme artigo 616º do mesmo n.C.P.Civil, mas sempre antes da elaboração da conta.

3 – Consequentemente, a reforma ou a reclamação da conta não é o meio processual adequado para suscitar a questão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Decisão Texto Integral:





            Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 - RELATÓRIO
           “G (…) Lda.” propôs Acção Declarativa Comum em 26 de Novembro de 2015 contra “L (…)” e a “C (…)”, atribuindo à acção o valor de € 1.008.434,79.
            Após a entrada da mesma as partes lograram alcançar um acordo extrajudicial, o que motivou que a Autora nos autos apresentasse o competente requerimento de desistência do pedido, a 29 de Janeiro de 2016, à qual se seguiu a competente sentença, a 23 de Fevereiro de 2016, que, atento o objecto da acção e os interesses em causa, foi confirmada e tida como válida e juridicamente relevante, sendo ainda as custas julgadas a cargo da mesma Autora.
            A 11 de Maio de 2016, a Autora foi notificada para proceder ao pagamento da conta de custas, no total de € 5.406,00, dos quais € 1.632,00 já se encontravam liquidados, no prazo de 10 dias, com dilação de 5 dias.
            Notificada dessa conta, veio a Autora dela reclamar, referindo – em síntese – que a mesma se “encontra isenta de erros materiais”, mas que estão verificados os requisitos para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos e pelos motivos previstos no artigo 6º, nº7, do RCP.
            Foi lavrada cota, nos termos do artigo 31º, nº4, do RCP, pugnando pela boa elaboração da conta.
O Digno Magistrado do Ministério Público teve vista no processo, havendo-se pronunciado no sentido do indeferimento da reclamação da conta, por esta não ser o meio processual próprio para requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Na sequência foi proferido despacho judicial, acompanhando a antecedente posição do MºPº, mormente considerando que em função do princípio da economia e utilidade dos actos processuais, plasmado no artigo 130º do n.C.P.Civil, “constituiria um acto perfeitamente inútil elaborar-se conta de custas, para ser depois dada sem efeito – ou ser mandada reformar – na sequência do requerimento da parte, o qual podia ter sido apresentado antes da elaboração da conta”, termos em que se indeferiu a reclamação de conta em referência.

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Inconformada com esta decisão, apresentou a Autora recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso é apresentado com base no artigo 644º, nº2 g) do C.P.C e no artigo 31º, nº6 do Regulamento de Custas Processuais;
2. Após a entrada da petição inicial em Tribunal, a 26 de Novembro de 2015 as partes lograram alcançar acordo extrajudicial, o que motivou a desistência do pedido mesmo antes de ser apresentada qualquer contestação;
3. Não houve lugar a quaisquer diligências de prova, audiências, inquirições, nem qualquer intervenção do tribunal antes da data da sentença de confirmação da desistência;
4. Apresentada a conta final de cerca de 5.406,00€ a recorrente apenas se pode sentir inconformada e injustiçada, pela desproporção existente entre a conta e os recursos e tempo efectivamente gastos;
5. O juiz a quo indeferiu através de despacho a reclamação contra conta de custas apresentada a 19 de Maio de 2016;
6. O artigo 6, nº7 do RCP não estipula prazo nem modo para requerer a dispensa do remanescente das custas;
7. A ratio da norma é evitar casos de disparidade clara entre o expediente do Tribunal e a conta de custas, por uma questão de Justiça Material, e do cumprimento dos princípios da proporcionalidade e adequação, e ainda do livre acesso à justiça, todos plasmados na CRP;
8. “sempre que ocorra uma desproporção que afecte claramente a relação sinalagmática que a taxa pressupõe entre o custo do serviço e a sua utilidade para o utente, impõe-se ao juiz o uso da faculdade conferida pelo nº7, do art.6º do RCP com vista a dispensar, total ou parcialmente, o pagamento da taxa de justiça remanescente”
Termos em que, e nos melhores de direito, deverá ser anulada a decisão de indeferimento da reclamação de conta de custas, e proferido despacho nos termos e para os efeitos do artigo 6º, nº7 do Regulamento de Custas Judiciais, sendo certo que a causa é de valor superior a 275.000,00€, tendo em conta o que efectivamente foi feito nos autos fazendo-se a habitual e necessária justiça!»
                                                           *
Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
                                                           *
Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2 – AS QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do N.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível elencaro o seguinte:

- a  reclamação de conta (cf. art. 31º do RCP) é o meio processual próprio para requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, nos termos do disposto do artigo 6º, nº7 do mesmo RCP?

- o referido artigo 6º, nº7 do RCP deve ser interpretado no sentido de evitar casos de disparidade clara entre o expediente do Tribunal e a conta de custas, por uma questão de Justiça Material, e do cumprimento dos princípios da proporcionalidade e adequação, e ainda do livre acesso à justiça, todos plasmados na CRP?

                                                           *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede.                                                    

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4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1 – Sustenta nesta sede recursiva a Autora/recorrente o desacerto da decisão, nomeadamente quanto à não aplicação do nº7 do art. 6º do Regulamento das Custas Processuais (na redação do DL nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, doravante designado por  “R.C.P.”).

Efetivamente, à luz desta norma, com referência à taxa de justiça (a qual “corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento” – cf. nº1 do mesmo art. 6º) que seja devida, “Nas causas de valor superior a € 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”  

Mas será que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ex vi do previsto no art. 6º, nº7 do R.C.P., só poderá ocorrer, oficiosamente ou a requerimento das partes, em momento anterior à contagem do processo?

E será que a reclamação da conta não é meio processual próprio para se formular a pretensão da redução ou dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente?

A decisão recorrida caucionou o entendimento da impropriedade deste meio processual (o da “reclamação da conta”), em consequência do que considerou que a pretensão de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ex vi do previsto no art. 6º, nº7 do R.C.P., depois da contagem do processo e notificação da parte para proceder ao pagamento da conta de custas, era manifestamente extemporânea.

Esta decisão louvou-se profusamente em aresto do Tribunal da Relação de Lisboa, que transcreveu na sua parte mais relevante, e cujo sumário é o seguinte:

« - Da interpretação conjugada do art.º 6º nºs 1 e 7 com os art.ºs 3º nº 1, 14º nºs 1, 2 e 9, 30º nº 1 todos do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-A anexa ao mesmo regulamento, decorre que a pretensão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ser formulada pela parte - caso não seja conhecida antes oficiosamente pelo juiz, nomeadamente quando da prolacção da sentença - em momento anterior à elaboração da conta de custas.

- Existem razões preponderantes para que a decisão sobre a dispensa do remanescente da taxa de justiça deva ser tomada antes da elaboração da conta, nomeadamente o princípio da economia e utilidade dos actos processuais, que tem afloramento no art.º 130º do CPC, nos termos do qual “não é lícito realizar no processo actos inúteis”.

- A reforma ou a reclamação da conta não é o meio processual adequado para suscitar a questão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça porquanto a reforma se destina a reformar a conta que “não estiver de harmonia com as disposições legais” (art.º 31º nº 2 do RCP) e a reclamação da conta visa corrigir erros materiais ou a elaboração de conta efectuada pela secretaria sem obedecer aos critérios definidos no art.º 30º nº 3.

- Esta interpretação do art.º 6º nº 7 do RCP não coloca em causa o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art.º 20º da Constituição da República Portuguesa.»[2]

Que dizer?

Em nosso entender – e releve-se o juízo antecipatório! – a Recorrente não aduz argumentos consistentes nem convincentes para que se possa concluir pelo desacerto de uma tal linha de entendimento.

Na verdade, limita-se a sublinhar que a taxa de justiça remanescente apurada/liquidada e para cujo pagamento foi notificada (€ 3.774,00, de uma conta total de € 5.406,00), representa um montante desproporcionado face aos meios judiciais e tempo despendidos na circunstância, quando é certo que “O artigo 6, nº7 do RCP não estipula prazo nem modo para requerer a dispensa do remanescente das custas”.

Sucede que, salvo o devido respeito, a questão nuclear em causa era precisamente a de conseguir-se assentar positivamente na propriedade e tempestividade da pretensão de requerer a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, tal como formulada nos autos, não a justeza material da solução constante do artigo 6, nº7 do RCP,… ou o ser legítimo à Autora ora Recorrente invocar a aplicação correspondente.

Sendo certo que o argumento da falta de estipulação de prazo e modo no normativo em causa, se afigurava, à partida e por si só, insuficiente e mesmo inconcludente…  

De referir que o douto aresto invocado na decisão recorrida, teve ele próprio presente – e, nessa medida, ponderou! – os argumentos de sinal contrário (não olvidando os que tinham apoio jurisprudencial), nomeadamente:

- que se a norma em causa não prevê expressamente o momento em que as partes podem requerer a dispensa em causa, da sua adequada interpretação resulta que a decisão do Juiz (ainda que oficiosa), deve ser anterior à elaboração da conta, em ordem a que nesta já possa figurar (ou não), o remanescente da taxa de justiça;

- que a unidade do sistema jurídico (cf. art. 14º, nº 9 e 15º, nº2 do mesmo R.C.P.) inculca a interpretação que a notificação para efectuar o pagamento pressupõe que já haja decisão sobre se deve ou não ser pago o remanescente nos termos do nº7 do art. 6º do dito R.C.P.;

- que não merece acolhimento o argumento de que só após a elaboração da conta é que se fica a conhecer o valor exato dos montantes em causa, donde só nessa altura se estava em condições e havia necessidade de requerer a dispensa em causa; é que, tendo o A. pago a taxa de justiça, sem qualquer liquidação da secretaria, e apenas tendo em conta o valor da acção, a tabela I-A anexa ao R.C.P. e o art. 14º deste mesmo Regulamento, também caso não tenha sido determinado, oficiosamente pelo juiz, na sentença, a dispensa total ou parcial do remanescente da taxa de justiça, nos termos do nº 7 do art. 6º, quando da notificação da decisão final, a parte condenada em custas tem todos os dados para saber qual a taxa de taxa de justiça que será então devida e que será incluída na conta de custas, porquanto tal taxa de justiça tem então necessariamente por

referência o valor da ação e a tabela I-A anexa ao RCP (cfr. parte final do nº 1 do art. 6º do R.C.P.);

            - que, à luz do princípio da economia e utilidade dos atos processuais (que tem

afloramento no art. 130º do n.C.P.Civil, nos termos do qual “não é lícito realizar no processo atos inúteis”), constituiria um ato perfeitamente inútil elaborar-se a conta de custas, para depois ser dada sem efeito – ou ser mandada reformar – na sequência de requerimento da parte, o qual podia ter sido apresentado antes da elaboração da conta;

- que não consta da previsão do art. 31º do R.C.P. (com a epígrafe de “Reforma e reclamação”) que a reforma ou a reclamação da conta incluam a possibilidade de apreciar a questão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, donde, a reforma da conta deve determinar-se apenas quando a conta “não estiver de harmonia com as disposições legais” (cfr. art. 31º, nº2), o que não abrange o requerimento de dispensa do remanescente da taxa de justiça; por outro lado, a reclamação da conta visa corrigir a elaboração de conta que tenha sido efetuada pela secretaria sem obedecer aos critérios definidos no art. 30º, nº3, onde não se inclui a referida questão da dispensa do remanescente da taxa de justiça.

Esta foi, em síntese, a linha de força em que assentou a decisão recorrida, a qual entendemos não se mostrar infirmada em sede recursiva, sendo certo que a ela aderimos também por razões que decorrem das normas de processo civil que a esta mesma questão são atinentes.

Senão vejamos.

É insofismável nos autos que nenhuma das partes, designadamente a Autora ora recorrente, requereu no seu articulado ou ainda antes da prolação de qualquer uma das decisões, que o juiz tivesse em consideração na condenação em custas, o disposto no art. 6º, n.º 7 do R.C.P..

E, igualmente, também nenhuma das partes, nem o Ministério Público, requereram a retificação ou reforma da decisão condenatória em custas nos termos do disposto nos arts. 614º e 616º do n.C.P.Civil, com fundamento na necessidade de aplicação do disposto naquele artigo 6º, nº 7 do R.C.P., ou por razões de ordem constitucional.

Ora, dispõe o art. 613º do mesmo n.C.P.Civil, sob a epígrafe “Extinção do poder jurisdicional e suas limitações”:

«1 - Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.

2 - É lícito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e reformá-la, nos termos dos artigos seguintes.

3 - O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, até onde seja possível, aos próprios despachos.»

Consabidamente, o princípio da extinção do poder jurisdicional encontra a sua razão de ser na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional, estando, por isso, vedado ao juiz alterar o decidido.[3]

Neste quadro e a propósito desta questão já foi doutamente sustentado o seguinte douto aresto:

«As únicas alterações ou modificações que o juiz poderá vir a introduzir na sua decisão, e que são legalmente consentidas, são as que podem resultar da rectificação ou correcção de erros materiais (no caso de não haver recurso, a todo o tempo, cfr. art. 614º, n.º 3 do CPC) ou da reforma da sentença, nos precisos termos em que a mesma é admitida por lei, cfr. art. 616º do CPC.

Fora estes casos, em que o próprio juiz que proferiu a decisão a pode ainda alterar, e ocorrendo erro de julgamento no segmento decisório quanto a custas, pode ainda a parte recorrer nos termos gerais, cfr. art. 616º, n.º 3 do CPC; e não o fazendo, tal decisão quanto a custas fica imutável, não podendo mais ser alterada, quer por vontade das partes ou a pedido do Ministério Público, quer ex officio pelo próprio juiz, cfr. arts. 619º e ss. do CPC.»[4]

O que tudo serve para dizer que, uma vez proferida a decisão sobre custas, sem ter sido feita a ponderação a que alude o artigo 6º, nº 7 do R.C.P. (oficiosamente ou a requerimento das partes), e não tendo sido deduzido pedido de reforma ou recurso contra tal segmento decisório, na linha de entendimento que se está a perfilhar, já não pode em sede de “reclamação da conta” de custas ser feita tal ponderação.

 Acresce que em igual sentido ao perfilhado aponta a melhor posição doutrinária que se conhece, a saber:

 «O juiz deve apreciar e decidir, na sentença final, sobre se se verificam ou não os pressupostos legais de dispensa do pagamento do mencionado remanescente da taxa de justiça. Na falta de decisão do juiz, verificando-se os referidos pressupostos de dispensa do pagamento, podem as partes requerer a reforma da decisão quanto a custas»; «Discordando as partes do segmento condenatório relativo à obrigação de pagamento de custas, deverão dele recorrer, nos termos do artigo 627º, n.º 1, ou requerer a sua reforma, em conformidade com o que se prescreve no artigo 616º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil. Passado o prazo de recurso ou de pedido de reforma da decisão quanto a custas, não podem as partes, por exemplo, na reclamação do ato de contagem, impugnar algum vício daquela decisão, incluindo a sua desconformidade com a Constituição ou com algum dos princípios nela consignados.»[5]

Responde-se assim claramente de forma negativa a esta primeira questão recursiva, sem necessidade de maiores considerações.

                                                           *

4.2. - O referido artigo 6º, nº7 do R.C.P. deve ser interpretado no sentido de evitar casos de disparidade clara entre o expediente do Tribunal e a conta de custas, por uma questão de Justiça Material, e do cumprimento dos princípios da proporcionalidade e adequação, e ainda do livre acesso à justiça, todos plasmados na CRP?

Salvo o devido respeito, esta questão não cobra qualquer razão de ser nem cumpre sentido processual útil nesta sede recursiva.

É que o tribunal a quo, na decisão recorrida, não tomou qualquer posição sobre a interpretação do dito art. 6º, nº7 do R.C.P., nem sobre o âmbito da sua aplicação.

Simplesmente entendeu que era extemporânea, por impropriedade do meio processual (na “reclamação de conta”) formular a pretensão de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ex vi do previsto no art. 6º, nº7 do R.C.P…

A qual, recorde-se, foi formulada pela Autora ora recorrente depois da contagem do processo e notificação dessa parte para proceder ao pagamento da conta de custas…

Ora, consabidamente, “O mecanismo de recurso pressupõe que se aperceba a existência de uma utilidade na posterior intervenção de um tribunal superior. Não foi criado para satisfazer interesses meramente subjectivos do recorrente, para dirimir questões puramente académicas ou para mero conforto moral, sem qualquer repercussão no resultado da lide, antes para alterar ou revogar a decisão final, com o cortejo de efeitos que dela emanam.”[6]

Dito de outra forma: uma lucubração teórica e académica sobre a razão de ser e justificação para a disciplina normativa do art. 6º, nº7 do R.C.P., ainda que inteiramente favorável à aqui Autora/recorrente, em termos de se reconhecer a aplicação, em abstracto, à situação da mesma, não lhe permitiria ganho de causa, no recurso, só por essa via.

Com efeito, se o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva foram colocados em causa não foi pela decisão recorrida, mas apenas pela preclusão do exercício do direito, dado a Autora ora Recorrente não ter formulado a sua pretensão oportunamente.

Ademais, aderimos também inteiramente ao que foi aduzido no aresto supra citado na nota [3] sobre o que com paralelismo aí fora suscitado, a saber:

«(…) o tribunal a quo não procedeu à interpretação e aplicação das citadas normas, em termos de formular um juízo interpretativo sobre as mesmas, quer quanto à dispensa ou não do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quer no que tange ao cálculo da taxa de justiça, em função do valor e complexidade da causa. Como já se disse e aqui se enfatiza, a decisão do tribunal a quo foi prévia à formulação desse juízo, ou seja, entendeu que não teria que o formular porque a pretensão das partes era extemporânea. Nesta medida não tem qualquer fundamento a tese das apelantes de que, na decisão recorrida, se interpretaram as normas em causa no sentido de permitir que a liquidação de custas processuais fosse calculada exclusivamente em função do valor do processo, sem qualquer limite máximo e desproporcionadas em relação ao custo efectivo do serviço de justiça prestado, com violação de princípios fundamentais do Estado de Direito.»

Em todo o caso, em nosso entender seria muito discutível falar-se de violação do princípio da proporcionalidade só com os dados singelos conhecidos do presente caso, mormente desconhecendo-se as capacidades económicas da Autora e considerando, até, o material “ganho de causa” em que se traduziu o invocado acordo extra-judicial que determinou a desistência do pedido pela Autora…

Senão vejamos.

O Tribunal Constitucional já por diversas vezes teve a oportunidade de se pronunciar sobre normas respeitantes à incidência de taxa de justiça, mormente, no que para aqui pode relevar, quanto aos critérios de fixação do seu montante, no confronto com os parâmetros invocados no recurso (cfr., por exemplo, Acórdãos n.ºs 352/91, 1182/96, 521/99, 349/02, 708/05, 227/07, 255/07, 471/07 e 301/09), sempre considerando que, não impondo a Constituição a gratuitidade da utilização dos serviços de justiça, o legislador dispõe de uma larga margem de liberdade de conformação, competindo-lhe repartir os pesados custos do funcionamento da máquina da justiça, fixando a parcela que deve ser suportada pelos litigantes e a que deve ser inscrita no orçamento do Estado. Sem postergar, porém, a vinculação decorrente da tutela do acesso ao direito e à justiça, direito fundamental consagrado no artigo 20.º da Constituição, incompatível com a fixação de taxas de tal forma elevadas que percam um mínimo de conexão razoável com o custo e a utilidade do serviço prestado e, na prática, impeçam pela sua onerosidade a generalidade dos cidadãos de aceder aos Tribunais.

Assim, e sempre que se pronunciou sobre o domínio de regulação em apreço, o Tribunal não afastou a solvabilidade constitucional, em geral, de critério normativo de fixação do montante da taxa de justiça radicado no valor da causa, enquanto padrão de aferição da correspetividade do tributo. Daí que não tenham merecido censura soluções legais de tributação que, mesmo que determinadas em exclusivo por critérios de valor da ação, não conduziram, nos concretos casos em apreço, à fixação de taxa de justiça evidentemente desproporcionada (cfr. Acórdãos n.º, 349/2001, 151/2009, 301/2009 e 534/2011).

 Mas, por outro lado, sempre que o funcionamento do critério tributário assente no valor da ação - maxime a ausência de um teto máximo ou de mecanismos moderadores do seu crescimento linear em ações de maior valor – levou a uma manifesta desproporção entre o valor cobrado de taxa de justiça e o custo implicado no serviço de justiça, o Tribunal considerou as normas que a tal conduziram merecedoras de censura constitucional (cfr. Acórdãos n.º 227/2007, 471/2007, 116/2008, 301/2009, 266/2010, 421/2013, 604/2013, 179/2014 e 844/2014).

Feito este breve enquadramento, e revertendo agora ao caso vertente, centremo-nos para tanto nos ensinamentos que se podem retirar do constante do Acórdão nº 421/2013, integrante do último elenco de situações descritas: no caso ajuizado não decorre a conclusão pela evidência de um excesso entre a taxa de justiça globalmente exigida (€ 5.406,00), e o custo e utilidade do serviço de justiça.

Desde logo porque não nos encontramos perante montante tributário cujo cálculo seja marcado pela ausência de um limite máximo ao regime de tributação crescente em função do valor da ação, sempre que excedido concreto montante, isto é, perante lide de muito elevado valor que revestiu tramitação encurtada face ao que seria de esperar do seu curso até final, como foi manifestamente o caso no processo em que foi proferido o Acórdão nº 421/2013 - ação no valor de dez milhões de euros que terminou com a homologação da desistência do pedido, apresentada ainda antes de decorrido o prazo da contestação.

Dito de outra forma: diferentemente do caso sobre que versou o referenciado aresto, no recurso em apreço não estamos perante ação de muito elevado valor (é ele de € 1.008.434,79) e, se é certo que por efeito da ultrapassagem do montante correspondente ao limiar superior previsto –  € 275.000,00 – à luz da “Tabela I” do R.C.P. estava consentida a elevação ilimitada do valor tributário, ocorre uma moderação de tal pela via da determinação limite do acréscimo de 3 UC, no caso da “Coluna A”, por cada € 25.000,00 ou fração, estipulado na parte final do “Anexo I”, para além, obviamente, do disposto no art. 14ºA do mesmo R.C.P. a que foi dada observância (dispensa da segunda prestação da taxa de justiça, por a acção ter terminado antes da oposição da Ré)…

Aliás, a dissemelhança entre os dois processos encontra expressão patente nos quantitativos de montante tributário em valoração: € 5.406,00, nos presentes autos; € 123.903,43, no processo julgado no Acórdão nº 421/2013.

Improcede, pelo exposto, também a argumentação constante desta questão recursiva.

Termos em que improcede, sem necessidade de maiores considerações o recurso.

                                                           *

            5 - SÍNTESE CONCLUSIVA

I – A decisão jurisdicional a conhecer da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a que alude o artigo 6º, nº 7 do R.C.P., deve ter lugar na decisão que julgue a acção, incidente ou recurso, e no momento em que o juiz se pronuncie quanto à condenação em custas, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do n.C.P.Civil.

II – Apenas pode ocorrer posteriormente, nos casos em que seja requerida a reforma quanto a custas ou nos casos em que tenha havido recurso da decisão que condene nas custas, conforme artigo 616º do mesmo n.C.P.Civil, mas sempre antes da elaboração da conta.

III – Consequentemente, a reforma ou a reclamação da conta não é o meio processual adequado para suscitar a questão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.   

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

            Pelo exposto, decide-se a final julgar improcedente o recurso, mantendo o sentido da decisão recorrida que julgou improcedente a reclamação de conta, por extemporânea a pretensão através da mesma formulada.

Custas pela Autora/recorrente.

                                                           *

Coimbra, 14 de Março de 2017

                                              

Luís Filipe Cravo ( Relator )

Fernando Monteiro

António Carvalho Martins


[1] Relator: Des. Luís Cravo
   1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
   2º Adjunto: Des. Carvalho Martins

[2] Trata-se do acórdão de 15.10.2015, proferido no processo nº6431-09.3TVLSB-A.L1-6, acessível em www.dgsi.pr/jtrl.
[3] Neste sentido, ALBERTO DOS REIS, in “Código de processo Civil Anotado”, Vol. V, a págs. 126-127.
[4] Trata-se do acórdão do STA de 29.10.2014, no proc. nº 0547/14, acessível em www.dgsi.pt/jsta.
[5] Assim SALVADOR DA COSTA, in “Regulamento das Custas Processuais”, anotado, 2013, 5ª edição, a págs. 201 e a págs. 354 e 355, respetivamente.
[6] Citámos A. ABRANTES GERALDES, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Livª Almedina, 2013, a págs. 64.