Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
160/08.2TAFND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: SENTENÇA
EXAME CRÍTICO
ENUMERAÇÃO DOS FACTOS
Data do Acordão: 01/19/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE FUNDÃO – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 368º CPP
Sumário: 1. Para se cumprir a exigência normativa do exame crítico das provas torna-se necessário saber o porquê, a razão de ser da formação da convicção do tribunal.
2. Enumerar os factos é especificá-los ou contá-los um a um, o que corresponde a dizer que o tribunal tem de especificar todos e cada um dos factos alegados pela acusação e pela defesa, bem como os que tiverem resultado da discussão da causa, relevantes para a decisão, como provados ou não provados.
3. Essa exigência legal visa assegurar que todos esses factos foram objecto de investigação e apreciação pelo tribunal.
4. Deste modo, fórmulas genéricas e imprecisas, tais como «não se provaram os restantes factos», são ineficazes, porque não dão a indispensável garantia de que todos os factos relevantes alegados, que não surgem descriminados na decisão sobre a matéria de facto, foram objecto de apreciação nos termos legais.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:
1. No 2.º Juízo do Tribunal Judicial do Fundão, após julgamento em processo comum singular, o arguido J..., casado, residente em Castelo Branco, foi condenado, pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime falsidade de testemunho p. e p. no art. 360.º, n.ºs 1e 3, do Código Penal, na pena de 360 (trezentos e sessenta) dias de multa, à razão diária de € 7,50 (7 euros e cinquenta cêntimos).
*
2. Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença, tendo formulado na respectiva motivação as seguintes conclusões:
I.ª - O presente recurso é extensivo à impugnação da matéria de facto e de direito, mas que por desnecessidade de repetição de toda a matéria de facto impugnada com base no suporte fonográfico dá-se aqui por reproduzida com referência dos diferentes art.°s da motivação;
2.ª - A condenação do recorrente/arguido, como resulta da matéria de facto e fundamentação da sentença, teve por base o seu depoimento, prestado nos autos do Processo 55/06.4GCFND, que correu os seus termos no 2.° juízo do Tribunal da Comarca do Fundão, julgado confuso, contraditório, além de vago, e pouco preciso, e consequentemente, inverosímil, conclusão que se extrai das declarações pelo mesmo prestadas, e das respostas titubeantes, vagas e pouco claras umas vezes, ausência de resposta noutras, referindo não saber ou desconhecer o que lhe era perguntado, esclarecendo alguns factos, para logo de seguida não conseguir esclarecer outros que terão ocorrido no encadeamento lógico e sequencial dos primeiros, o que se verificou desde o início do seu depoimento e não apenas quando instado pelo Digno Procurador-Adjunto;
3.ª - Aquele depoimento encontra-se transcrito nos autos, transcrição que, salvo o devido respeito por melhor opinião, constitui uma lamentável peça jurídica, apresentando constantes falhas de passagens, erros ortográficos, pontuações despropositadas ou em falta, que desvirtuam e descontextualizam grande parte dos depoimentos, ou pelo menos lhe retiram dinâmica e coerência, sendo que, pelo menos as falhas de passagem configuram irregularidade que ora se arguiu nos termos e para os efeitos do disposto no art. 123.°, do CPP;
4.ª - Ora com base nesta transcrição não é possível identificar qualquer contradição no depoimento prestado pelo arguido e consequentemente formular o anátema de falsidade que sobre ele recaiu como resulta da sentença condenatória embora se reconheça que a transcrição está sujeita ao princípio da livre apreciação da prova (art. 127.°, do CPP), princípio que, na valoração daquela transcrição, transita para esta Veneranda Relação;
5.ª - Apesar do sobredito, não se vislumbram as alegadas contradições nomeadamente o facto do arguido ter dito inicialmente que viu a pistola e depois ter dito que afinal o que viu era o coldre;
6.ª - Esta explicação nada tem de contraditória embora tenha surgido num contexto confuso - instâncias do procurador - pois o recorrente quando inquirido sobre aquela factualidade e já sob tensão e advertência daquele, que foi uma constante ao longo do seu depoimento, respondeu que naquele momento não via a arma o que foi interpretado pelo Tribunal como a negação e consequente contradição com o que anteriormente afirmara;
7.ª - Com efeito e de uma leitura mais atenta e demorada da transcrição o recorrente explicava que efectivamente não vira a arma no porta luvas quando o coldre ali foi colocado apesar de presumir que ela ali estivesse;
8.ª - Só assim se compreende e é possível conciliar esta parte do seu depoimento com a parte inicial em que afirmara categoricamente que vira o C... verificar a arma no coldre retirando e pondo a mesma e no final do seu depoimento, para espanto do Ilustre Procurador e também do Tribunal, reiterou o que inicialmente afirmara que naquele dia viu a arma, vide respectivamente fls. da transcrição;
9.ª - Ora com base na referida transcrição constata-se que a matéria de facto constante aos pontos 2.1.6; 2.1.8; 2.1.10 e 2.1.11, foi incorrectamente julgada pelo que estamos perante não qualquer contradição mas, outrossim, erro notório na apreciação da matéria de prova, ex. vi., al. c), do n.° 2, do art.°410.°;
10.ª - Quanto aos pontos 2.1.3 e 2.1.7 da matéria de facto quando interpretada no sentido que o recorrente no dia e hora descrito no despacho de pronúncia não foi visto no “PD…”, pelas testemunhas AC…, AL… e CL…, não significa que o mesmo ali não tenha estado, como resulta da transcrição e da gravação daqueles no respectivo CD da audiência efectuada nestes autos no dia 22.06.2010 e cujos depoimentos se encontram transcritos sob o art. 30.° da motivação cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido;
11.ª - Do teor daqueles depoimentos resulta inequivocamente que na verdade nenhuma das testemunhas referiu ter visto o recorrente naquele dia no “ PD...”; todavia esta constatação não é prova da sua ausência, é apenas prova que aquele não foi visto por estas testemunhas...;
12.ª - Pois, igualmente esclareceram que era de noite e que logo após o incidente do desaparecimento da pistola começou a sair muita gente para o exterior da discoteca e que ali já permaneciam aquando da chegada das testemunhas AC… e AL…, sendo que este era o único que conhecia o recorrente, embora apenas de vista, mas sabendo que era seu colega;
13.ª - Também identificaram fisicamente o exterior da discoteca onde é feito o parqueamento de automóveis, que se caracteriza por ser em patamar, tendo vários níveis, e todos eles reconheceram que do telheiro que dá acesso ao interior da discoteca - entrada -, era impossível identificar as pessoas que se encontrassem afastadas daquela entrada circunstância que era agravada pelo facto de ser de noite;
14.ª - Ora evidentemente que nenhuma das testemunhas guardas da GNR poderia ter visto o recorrente naquela noite pois aquele discordando do procedimento levado a cabo pela testemunha CV… ausentara-se do estabelecimento na companhia da testemunha PS… e aí permaneceram junto à viatura do CV…até ao encerramento do estabelecimento conforme resulta dos demais depoimentos têm que ser conjugados com os demais depoimentos sobre esta questão concreta, incluído o do próprio recorrente, constantes do CD respeitantes às suas declarações prestadas nos dias 22.06.2010; 29/06/2010 e 05/07/2010 e todos reproduzidos sob o art. 35.° da motivação destas alegações e respectiva transcrição;
15.ª - Logo a única testemunha que poderia ter visto o recorrente era a testemunha CV… durante o período de tempo em que este se manteve no interior da discoteca, apesar de ter afirmado não o ter visto, admitiu contudo que seria difícil, senão impossível, afirmar que aquele ali não pudesse ter estado, uma vez que no interior estariam seguramente mais de 250 pessoas o que dificultava qualquer reconhecimento, de pessoas como o recorrente que nem sequer era cliente habitual da casa, devido à confusão e agitação que entretanto se estabeleceu no interior…;
16.ª - É certo que dos pontos 2.1.3 e 2.1.7 da fundamentação da matéria de facto provada não resulta que o recorrente ali não tenha estado, apenas consta que as testemunhas aludidas não o viram:
17.ª - Porém não é menos verdade que este facto contribuiu decisivamente para a convicção do Tribunal uma vez que, como se comprova, não existe factualidade, inequívoca, que permita infirmar, sem margem para qualquer dúvida, que o recorrente no dia 05 de Novembro de 2010, entre as 2H00 e pelo menos as 4H00, não esteve na discoteca “PD…” acompanhado pelos seus amigos CV… e PS…;
18.ª - Todavia é certo que aqueles depoimentos foram completamente descredibilizados pelo Tribunal “a quo”, com base no sofisma que eram muito confusos, inverosímeis e, sobretudo, contraditórios, pelo que, naturalmente, nenhum dos factos constantes daquelas transcrições teve qualquer relevância;
19.ª - Mas uma vez mais se prova que não existe qualquer contradição entre os diferentes depoimentos (descredibilizados), analisados individualmente e por confronto com outros, pelo que impõe-se que aquela factualidade constante dos pontos 2.1.3 e 2.1.7 seja conjugada com os aludidos depoimentos e que assim obrigam à reformulação da redacção daqueles pontos;
20.ª - Na fundamentação da sentença condenatória escreveu ainda a Mm.a Juíza: “...Não pode deixar de se salientar que a sequência lógica dos factos apresentada pelo C... a partir do momento em que começa a procurar a arma, e mais precisamente, no que respeita à colaboração que lhe foi prestada pelos seus amigos, entra em nítida contradição com o depoimento da testemunha PS…, já para não falar das declarações do arguido quando prestou depoimento como testemunha no aludido processo que deu origem a este, e cuja transcrição consta dos autos...”;
21.ª - No entanto as referidas contradições não estão identificadas como obrigatoriamente deveriam estar, o que inviabiliza que o recorrente se possa pronunciar e apreciar criticamente o juízo valorativo que sobre as mesmas o Tribunal plasmou na sentença condenatória.
22.ª - É certo que a Mm.a Juíza refere que as contradições se iniciaram a partir do momento em que o CR… começa a procurar a arma, e mais precisamente, no que respeita à colaboração que lhe foi prestada pelos seus amigos...mas isto não é bastante, teria que identificar as presumidas contradições, reportando-as e revelando-as com base nas passagens constantes da gravação áudio dos correspondentes depoimentos;
23.ª - Não é assim possível ao recorrente identificar aquelas contradições e muito menos proceder à análise detalhada do exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, justamente porque não sabe onde estão aquelas contradições ... pois dizer que as contradições se iniciaram a partir de determinado ponto o que poderá consubstanciar eventual nulidade nos termos do disposto na al. a), do n.° 1, do art. 379.° do CPP, com referência ao n.° 2, do art. 374.°, do mesmo normativo;
24.ª - Todavia da transcrição da prova gravada daqueles depoimentos e constantes do art. da motivação deste recurso, naquela parte concreta mencionada na sentença não se vislumbra qualquer contradição entre aqueles dois depoimentos, o que consubstancia novamente erro na apreciação da prova;
25.ª - Ou seja estamos perante uma decisão cuja convicção condenatória foi unicamente alicerçada em juízos subjectivos pois demonstra-se pelo exame do registo áudio e transcrição do depoimento do recorrente junta aos autos únicas provas produzidas em sede de Julgamento que as alegadas contradições são inexistentes;
26.ª - Não se nega que partes dos diferentes depoimentos tenham sido algo confusos, pelo conjunto de razões referidas, nomeadamente sob os art.°s 16.º, 21.°, 44.°,75.º e 77.° da motivação deste recurso, que se dão aqui por reproduzidas, e que as pequenas discrepâncias são de pormenor; só no pormenor é que foi e é possível identificar algumas pequenas diferenças nos relatos dos acontecimentos narrados pelas testemunhas versus depoimento do recorrente;
27.ª - É certo que o art. 127.°, do CPP, refere que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador; todavia este princípio não é absoluto, sob pena de se cair no puro arbítrio, no capricho, no preconceito; tem que forçosamente ser conjugado com o que objectivamente resultou das provas carreadas para o processo de forma a sindicar a convicção do julgador, permitindo assim exteriorizar e controlar a actividade valorativa que aquele conjunto de provas lhe mereceu designadamente em sede de recurso;
28.ª – “In casu” sucede que a valoração que o Tribunal fez daqueles depoimentos foi absolutamente negativa, descredibilizando-os porque contraditórios e por conseguinte mentirosos e falsos, registe-se que todos, e não só o do recorrente...!!!;
29.ª - Todavia quando em sede de fundamentação da sentença a Mm.ª Juíza procede à identificação das passagens contraditórias (algumas apenas de forma genérica) daquelas transcrições não se vislumbram que existam, como se refere nestas conclusões, pelo que existe notório erro na apreciação desta parte da prova;
30.ª - Ora isto basta para abalar o juízo feito pelo Tribunal e por conseguinte ser a douta decisão condenatória proferida revogada e ser o recorrente absolvido do crime em que foi indevidamente condenado, independentemente de todas as valorações de cariz puramente subjectivo que o Tribunal fez dos depoimentos do recorrente e testemunhas CR…, PS… e CM…;
31.ª - Com a decisão condenatória, não só os pontos, designadamente, 2.1.6; 2.1.8; 2.1.10 e 2.1.11, da matéria de facto foram não só incorrectamente julgados como igualmente se deixa demonstrado que houve erro na apreciação da prova, encontrando-se violado o princípio da presunção de inocência;
32.ª - Tendo optado, e bem, a Mm.a Juiz “a quo” pela aplicação de pena de multa, a cujos fundamentos se adere na sua integralidade, já não se aceita que a mesma pena tenha sido elevada para além do metade do seu limite máximo previsto para aquele ilícito (600 dias), pois que os princípios orientadores que devem presidir na determinação da medida da pena devem ser a necessidade a proporcionalidade e a adequação;
33.ª - Quanto ao primeiro princípio supra formulado, não há dúvida que o mesmo não oferece contestação uma vez que o cometimento do crime pressupõe a necessária reacção penal; porém, esta há-de ser temperada por juízos de proporcionalidade e adequação e por isso, uma vez mais bem, o Mm.° Juiz optou pela condenação em pena de multa pois em abstracto esta realiza as finalidades da prevenção geral e especial, ex. vi., art. 70.° do Cód. Penal;
34.ª - Todos estes princípios se conjugam com os demais critérios enunciados no citado art. 71.° do Cód.° Penal sobretudo a culpa, o grau de ilicitude, ou seja o dolo, e ainda os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram bem como a conduta (iter criminis) anterior, devendo na sentença serem referidos os fundamentos da medida da pena;
35.ª - Mesmo que se julgue que em “abstracto”, isto é, partindo do pressuposto que o recorrente praticou o crime (que todavia acreditamos que não suceda pelo conjunto de razões e fundamentos apresentados), com dolo directo e intenso a sua motivação para o crime manifestamente fútil como é referido na sentença ainda assim não pode aquela pena concreta deixar de ser julgada pesadíssima;
36.ª – Porém, não é menos verdade que do cometimento daquele crime não resultou qualquer prejuízo para a realização e boa administração da Justiça, uma vez que o seu depoimento foi completamente descredibilizado no processo 55/06.4GCFND do 2.° juízo, não tendo assim tido qualquer influência naquela decisão que aliás foi absolutória;
37.ª – Também em termos de prevenção geral e especial, deve o recorrente beneficiar de um juízo de prognose favorável futuro, face à ausência de antecedentes criminais;
38.ª – Pelo exposto, e concluindo, deve aquela pena, na eventualidade de se manter a decisão condenatória, o que acreditamos firmemente e convictamente que não venha a suceder, ser reduzida para um limite ajustado àquele circunstancialismo, e que não deverá ultrapassar os 120 dias;
39.ª – Já quanto ao valor diário daquela multa, consideramos o mesmo ajustado à prática jurisprudencial que vem sendo aplicada.
40.ª – Ao aplicar a pena de 360 dias, a Mm.ª Juíza “a quo” violou manifestamente o disposto no art. 71.º do Cód. Penal.
*
3. O Ministério Público rematou a resposta ao recurso nos termos infra transcritos:
1. O arguido Goulão agiu de forma livre e consciente apenas com o intuito de fornecer um álibi ao amigo CD…;
2. Não tendo estado com aquele e a testemunha PS… na discoteca no dia e hora dos factos constantes da pronúncia;
3. Tal conclusão sobressai das versões contraditórias, inverosímeis e impossíveis que se descrevem nos autos;
4. Seria impossível o arguido não ter sido visto e identificado se lá tivesse estado;
5. A sentença está devidamente fundamentada e obedece aos requisitos insertos no art. 374.º do Código de Processo Penal;
6. Não foi violado qualquer preceito ou princípio legal.
7. O qauntum da multa mostra-se justo e adequado.
Assim, e pelo exposto, deverá ser mantida a decisão recorrida e improcedente o recurso, fazendo-se justiça.
*
4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, em parecer a fls. 413/415, pugna de igual modo pela improcedência do recurso.
*

5. Notificado nos termos e para os efeitos consignados no art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido respondeu, reiterando, no fundamental, as posições expressas na motivação do recurso.

*

6. Colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
*

II. Fundamentação:
1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:
Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).
Apreciadas as conclusões do recurso interposto pelo arguido J..., as questões suscitadas circunscrevem-se ao seguinte quadro:

A) Irregularidade das transcrições relativas ao depoimento do arguido, enquanto testemunha no âmbito do processo n.º 55/06.4GCFND;
B) Nulidade da sentença, nos termos conjugados dos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal;
C) Alterabilidade da matéria de facto provada;
D) Se a sentença padece do vício de erro notório na apreciação da prova;
E) Se foi violado o princípio constitucional da presunção de inocência;
F) Se alterada a matéria de facto, em consonância com os desígnios do recorrente, este deve ser absolvido do crime que lhe está imputado e pelo qual foi condenado em 1.ª instância;
G) Medida da pena, caso se não verifique, em função da alteração da matéria de facto proposta pelo recorrente, a absolvição do arguido.

*
2. Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):
2.1.1. No âmbito do processo n.° 55/06.4GCFND, que correu termos pelo 2.° Juízo deste Tribunal, foi julgado o arguido CR…, agente da PSP e amigo de longa data do aqui arguido J..., pela prática de um crime de detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos, p. e p. pelo art. 89.° da Lei n.° 5/2006, de 23/02, com referência à alínea c), do n.° 1 do art. 2.° da mesma lei.
2.1.2 Aquele arguido foi absolvido do crime pelo qual estava acusado, por sentença já transitada em julgado, tendo ficado demonstrados, entre outros, os seguintes factos:
“§1. No dia 5 de Novembro de 2006, cerca das 2H45, o arguido encontrava-se no interior das instalações da discoteca denominada “PD…”, sita na E.N.18, em Alpedrinha, área desta comarca, quando detectou a falta de uma arma de defesa da sua propriedade, uma pistola de calibre 6,35 mm, marca “Tanfoglio Giuseppe”, n.° 042678, com um cano, em bom estado de funcionamento, não sabendo se a perdeu dentro do estabelecimento, se no seu exterior.
§3. No circunstancialismo de tempo e de lugar descritos em §1., o arguido não se encontrava no exercício das suas funções, nem estava especificamente autorizado por motivo legítimo de serviço, nem autorizado pela autoridade legalmente competente para transportar e deter num estabelecimento de diversão nocturna a referida arma, tanto mais que, naquele momento, se encontrava no gozo de um dia de folga”.
2.1.3 Na fundamentação da matéria de facto, o tribunal referiu que “Não foi dado qualquer crédito à testemunha J..., amigo do arguido, que o estaria a acompanhar e assim se declarou presente no local, quando nenhuma das restantes testemunhas o viu na ocasião”.
2.1.4 Com efeito, o arguido J... foi ali inquirido como testemunha, em sede de audiência de julgamento, no dia 18/06/2008, tendo prestado juramento legal e advertido que incorria na prática de um crime se faltasse conscientemente à verdade.
2.1.5 A transcrição do seu depoimento encontra-se de fls. 25 a 81 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2.1.6 Do teor da transcrição junta aos autos é manifesto que o arguido prestou um depoimento confuso, contraditório, sem conhecimento de causa ou razão de ciência e, consequentemente, inverosímil, donde se conclui que não presenciou os factos em discussão, tal qual lhe foi apontado, à data, pelo Mm° Juiz que presidiu à audiência de julgamento.
2.1.7 De igual forma, as testemunhas que, inequivocamente, presenciaram os factos ali em julgamento, não viram o arguido naquelas circunstâncias de tempo e lugar, sendo certo que o C... esteve sempre sozinho no decorrer das diligências para a recuperação da arma.
2.1.8 O arguido prestou assim um depoimento falso, no intuito de obstar à realização da justiça, ou seja de impedir a condenação do seu amigo C... no crime pelo qual estava acusado, ou seja de ter transportado para o interior da discoteca a sua arma de defesa pessoal.
2.1.9 Aquando da sua inquirição como testemunha no referido julgamento, afirmou o arguido J... ter presenciado o seu amigo C...a guardar a arma pessoal no interior do carro.
2.1.10 O arguido prestou, assim, depoimento falso perante magistrado, bem sabendo que este era competente para receber tal depoimento como meio de prova.
2.1.11 Sabia que estava obrigado ao dever de falar com verdade e que, ao mentir, como fez, prejudicava a boa administração da justiça.
2.1.12 Agiu livre, voluntária e conscientemente, com intenção de responder com falsidade às questões que lhe foram formuladas.
2.1.13 Sabia o arguido que tal comportamento era proibido e punido pela lei penal.
2.1.14 Aquando da sua inquirição como testemunha no julgamento supra mencionado, afirmou ainda o ora arguido ter visto o seu amigo C...guardar a arma no coldre, e este no porta luvas da porta do condutor, depois de saírem todos do bar “Roxane” em Castelo Branco, e quando já se encontravam no interior do carro.
2.1.15 O arguido é delinquente primário, não tendo passado criminal.
2.1.16 É agente da GNR, encontrando-se actualmente em situação de reserva e auferindo de vencimento € 1.200,00 (mil e duzentos euros). É casado, a esposa está desempregada, auferindo de subsídio de desemprego a importância de € 500,00 (quinhentos euros) mensais, tem ainda a seu cargo dois filhos menores, respectivamente, com 13 e 8 anos de idade, e paga de prestação do empréstimo contraído para aquisição de habitação própria a quantia de € 500,00 (quinhentos euros).
2.1.17 Possui como habilitações o 9.° ano de escolaridade.
2.1.18 Não tem outros processos pendentes.
*
3. Quanto aos factos não provados, consta da sentença:
Não resultaram provados quaisquer outros factos do despacho de pronúncia, da contestação do arguido ou da discussão da causa, nomeadamente:
2.2.1 Que a confusão que o depoimento prestado pelo arguido quando depôs como testemunha no julgamento realizado no Proc. 55/O6.4GCFND, que correu termos pelo 2.° Juízo deste Tribunal, revela, tenha sido consequência das sucessivas e constantes perguntas que lhe foram feitas sobre pormenores, sobretudo pelo Ministério Público, os quais já havia esclarecido anteriormente de forma clara e precisa.
2.2.2 Que a transcrição que foi efectuada dos depoimentos prestados no aludido processo em que o ora arguido depôs como testemunha apresente falhas, pontuações desproporcionadas ou em falta, que desvirtuam e descontextualizam grande parte dos depoimentos, ou pelo menos, lhe retiram dinâmica, coesão e coerência.
2.2.3 Que a convicção do Mmo. Juiz que presidiu ao referido julgamento de que o ora arguido não teria estado no local, a discoteca “PD…”, nem presenciado os acontecimentos, tenha resultado exclusivamente dos depoimentos prestados pelas testemunhas AC…, AL… e CL…, as quais declararam não tê-lo aí visto.
*
4. Relativamente à motivação da decisão de facto, ficou consignado:
Nos termos previstos no art.127.º do Código de Processo Penal, o Tribunal aprecia livremente a prova, segundo a sua convicção e as regras da experiência.
“O julgador ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observar as regras da experiência comum, utilizando como método de avaliação critérios objectivos genericamente susceptíveis de motivação e controlo” (“Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1165/96, de 19/11).
No douto aresto da Relação do Porto de 24.09.2008, disponível in www.dgsi.pt/jtrp. afirma-se a propósito de tal princípio o seguinte:
“A livre apreciação da prova não deve ser entendida como operação subjectiva, pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas, de difícil ou impossível objectivação, mas valoração racional e crítica, de acordo com as regras da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para efectiva motivação da decisão”.
A convicção deve assim ser racional, objectivável e motivável.
Debruça-se detalhadamente sobre tal questão, o douto aresto da RC de 04.03.2009, o qual não se resiste aqui a citar, por se aderir inteiramente às considerações aí expendidas.
“Considerando que os factos são acontecimentos que, no instante imediatamente posterior à sua ocorrência, deixam de existir, dado que depois do acontecer o que resta são apenas dados, comprovações, registos desta sua ocorrência, que irão formar, na grande maioria das vezes, toda a prova possível de ser produzida, ou seja, aquilo que chega ao conhecimento do juiz não é o facto em si, mas um registo do seu acontecimento, que se apresenta - quase sempre - contaminado por deformações oriundas dos sentidos, dos valores e de processos psíquicos daqueles que com ele têm contacto. “Afirmar que un enunciado fáctico está probado, ou que constituye una prueba, significa que ha sido verificada, que su verdad ha sido comprobada; de manera que la expresión “probar un hecho” no es mas que una elipsis, una forma de decir probar la hipótesis de que los hechos han sucedido”.
Na lição de Jürgen Habermas, para quem a “verdade” não se descobre, mas que se constrói através da argumentação, a verdade sobre um facto é um conceito dialéctico, construído com base na argumentação desenvolvida pelos sujeitos do processo. A perspectiva actual da verdade, não se encontra no objecto, nem mesmo no sujeito, mas naquilo que os sujeitos produzem a partir de certos elementos comuns (linguagem). Agora, o sujeito deve interagir com os demais sujeitos, a fim de atingir um consenso sobre o que possa significar conhecer o objecto e dominar o objecto; não é mais a subjectividade que importa, mas sim a intersubjectividade. Nas palavras de Enrico Altavilla, a realidade tem sempre, portanto, um valor subjectivo, e por conseguinte, relativo, porque é uma projecção do mundo exterior que chega ao nosso eu, deformado por nossos sentidos e por todos os processos psíquicos. Para Marinoni e Arenhart, a reconstrução de um fato ocorrido no passado sempre vem influenciada por aspectos subjectivos das pessoas que assistiram ao mesmo, ou ainda do juiz, que há-de valorar a evidência concreta. Há sempre uma interpretação formulada sobre tal facto - ou sobre a prova directa dele derivada - que altera o seu real conteúdo, acrescentando-lhe um toque pessoal que distorce a realidade. Mais do que isso, o julgador (ou o historiador, ou, enfim, quem quer que deva tentar reconstruir fatos do passado) jamais poderá excluir, terminantemente, a possibilidade de que as coisas possam ter-se passado de outra forma.
(...)
O julgador deve, pois, mais do que esgrelhar a consciência das testemunhas procurar encontrar uma correspondência entre aquilo que lhe foi dado para provar -enunciado fáctico - para dessumir a solução de direito do caso e a realidade - verdade -que poderá estar subjacente a esse enunciado, sendo certo que a “verdade” que encontrará mais não será que a melhor aproximação possível com a realidade ocorrida no mundo dos factos. O julgador deve, por imposição legal, justificar ou tentar demonstrar, argumentando, que a solução encontrada é aquela que mais se aproxima da realidade ocorrida. Mas já não será permitido, fora de um processo (endoprocessual) argumentativo coerente e adequado, justificar opções probatórias assumidas resultantes de impressões e convicções intimistas ou preconcebidas. Se não é vedado, antes é inevitável e se constitui como requisito infranqueável, que o julgador, no seu múnus de apreciação da prova, transporte para a sua actividade cognitiva o cabedal de conhecimentos e a especial mundividência de que se encontra armado e que constituem o cadinho da sua experiência técnica e do arsenal jurídico imprescindível ao acto de julgar, já não será, no entanto, ajustado que julgue segundo impressões ou juízos particulares ao arrepio ou contra aquilo que os elementos de prova evidenciam. Não pode o julgador, porque lhe “pareceu” ou ficou com a impressão que determinado grupo de testemunhas orientou a prova de determinada maneira, julgar contra o que objectivamente foi dito e confirmado por esse conjunto de pessoas sob pena de abjurar o princípio da livre apreciação da prova (motivada). O julgador não pode deixar de se movimentar no âmbito da actividade probatória que lhe é dado experienciar e conhecer devendo do que dela resulta extrair a solução de facto que melhor corresponde à realidade trazida ao seu conhecimento. Ao perspectivar, mediar ou avaliar a objectividade dos elementos de prova com os tons do seu subjectivismo o julgador introduz factores de perturbação no sentido de previsibilidade que uma actividade probatória cingida induz e acrisola em qualquer dos destinatários da decisão (motivada) que lhe incumbe proferir e que eles irão receber.
As realidades com que se configura um suposto de facto legal podem ser decompostas em três tipos: factos externos, factos internos ou psicológicos e conceitos que hão-de ser preenchidos pelo juiz mediante juízos de valor. Os factos externos são acontecimentos que se produzem na realidade sensível, seja com intervenção humana seja sem a intervenção humana. A prova que se produz num procedimento judicial destina-se a justificar, confirmar ou infirmar, um enunciado assertivo que havia sido formulado com base numa produção de prova de “contexto de descobrimento”. Destinando-se a prova a dar surgimento ou a operar uma representação histórica de um facto passado as reproduções que por intermédio dos distintos meios de prova - testemunhais, de percepção directa do julgador, v.g. inspecção judicial, periciais ou outras - se possam operar contêm sempre um vector de subjectivismo ou de apreciação pessoalística inerente às particulares impressões com que o ser humano é capaz de enquadrar um determinado fenómeno natural ou humano.
(...) A operação intelectual para fixação dos enunciados fácticos em que os pressupostos evidenciadores da ocorrência de um determinado acontecimento exterior se ancoram decorre, na maior parte dos juízos apreciativos da prova, da chamada prova indirecta, isto é, daquela prova que não assegura a “certeza” do facto observado. Do que a possibilidade de aquisição do conhecimento judicial tendente à fixação da matéria de facto resultará, a maior parte das vezes, de uma operação lógica indutiva. Nestes casos a prova dos factos supõe que o juiz reconstrua uma hipótese sobre esses factos que seja explicativa das provas obtidas (ou mais exactamente dos enunciados probatórios).
A obtenção do conhecimento da verdade histórica ou processual dos enunciados fácticos a provar é gerada ou induzida, na maior parte das vezes, mediante presunções, as chamadas presunções hominis ou simples.
“Las presunciones hominis o presunciones simples son un conjunto de razonamientos o argumentaciones mediante las cuales, a partir de hechos conocidos, se concluye afinnando otros desconocidos. (WROBLEWSKI habla de este tipo de presunciones cuando se reconoce como demostrado un hecho que, según las regias de experiência, há existido porque también outro hecho há existido y se bana creditado mediante pruebas concluyentes).
Tradicionalmente, sin embargo, se viene exigiendo también que el indício (el hecho conocido del que se parte para “presumir”' outro desconocido) reuna una serie de requisitos sin los cuales el procedimiento presuntivo careceria de capacidad probatória. [...] El primero y principal de estos requisitos es la certeza; el indício o hecho conocido debe estar fehacientemente probado mediante los medios de prueba procesalmente admitidos, lo que excluiria como posibles indícios las meras “sospechas” o “intuiciones” del juez, que no se basan en ningún hecho probado, pero también aquellos hechos de los que sólo quepa predicar su probabilidad y no su certeza incuestionable; otro de los requisitos que, según una opinión clásica, debe reunir el indicio es la precisión o univocidad: el indicio es unívoco o preciso cuando conduce necesariamente al hecho desconocido; es, por el contrario, equívoco cuando puede ser debido a muchas causas, o ser causa de muchos efectos. Este requisito arrastra consigo la distinción entre indicies “necesarios” (los precisos o unívocos) y “contingentes” (los equívocos), que se proyecta sobre la teoria de la prueba exigiendo eliminar la equivocidad de los segundos para poder utilizarlos como elementos de prueba, por ejemplo, mediante el procedimiento de eliminación de hipótesis; e un tercero es el requisito de la pluralidad de indícios hace referencia a la necesidad de que la prueba de un hecho se funde en más de un indício. Además, este requisito suele acompanãrse del de la concordância, queriéndose exigir com ello que los (plurales) indícios confluyan en una reconstrucción unitária del hecho al que se refieran. El requisito de la pluralidad de indícios parece lógico al menos por dos razones: primero, porque es una manera de evitar el riesgo de que en base a un único dato, que, como ya se ha dicho, es esencialmente equívoco, se establezca una conclusión errónea; segundo, porque el procedimiento indiciário o de prueba indirecta es inductivo, por lo que su resultado es de mera probabilidad, de manera que cuantos más indícios apoyen esse resultado más fíable será”.
“O processo de formação da convicção não é um processo linear e passível de ser descrito sem intervenção e apelo a soluções exteriores, porque interiormente acumuladas com o saber e a experiência de quem decide, sendo passível de serem encontradas fissuras ou descompensações intelectivas que, contudo não podem abalar a compreensão de quem analisa e textualiza a explicação crítica apresentada numa decisão. O processo de formação de um juízo de probabilidade acima de uma dúvida razoável (clear, precise and indubitable evidence ou, no standard da common law, beyond any reasonable doubt) acerca da certeza histórica constitui-se como um proceder entretecido e entramado de pontos essenciais, que congraçados com alguns outros de menor densidade real/material, se concitam num núcleo mental arrimado a uma realidade histórica que se nos prefigura como plausível e adequada ao acontecer histórico normal e comum”.
(in www.dgsi.pt/jtrc).
Acrescente-se, que conforme vem sendo sustentado pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, a prova necessária para a convicção do julgador, nos termos definidos no art. 127.° do CPP, pode ser directa, mas também indirecta, desde que conjugada e interpretada no seu todo, não contendendo tal interpretação com quaisquer princípios constitucionais, nomeadamente, com o da legalidade, o das garantias de defesa, ou o da presunção de inocência, consagrados no art. 32.° da CRP, desde que haja uma fundamentação crítica dos meios de prova e um grau de recurso em matéria de facto para efectivo controlo da decisão. Tem sido essa aliás a interpretação reiterada do Tribunal Constitucional.
(Veja-se aliás neste mesmo sentido, e só a titulo de exemplo, os Ac. RC de 16.12.2009 e de 04.03.2009, o Ac. STJ de 23.11.2006, todos publicados em www.dgsi.pt. e na doutrina, entre outros, o Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, I vol., 1974, pág. 202 e seguintes e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal, 3.ª edição, II vol., pág.99 e seguintes).
Ainda quanto à actividade da apreciação da prova, e particularmente, da prova por declarações, diga-se, por último, que a sua credibilidade “depende essencialmente da personalidade, do carácter e da probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos não são em princípio apreensíveis ou detectáveis no mero exame das peças processuais, mas pelo contacto pessoal e directo com as pessoas” (Ac. da RC de 16.12.2009, supra citado).
In casu”, atendeu-se às seguintes provas:
- Desde logo, ao teor da certidão de fls. 1 e seguintes, extraída dos Autos de Proc. Comum Singular que correram termos no 2.° Juízo deste Tribunal sob o n° 55/06.4GCFND, e mais precisamente da acta da audiência de julgamento aí realizado no dia 18/06/2008, em que o arguido prestou depoimento como testemunha de defesa do aí arguido CR…, a qual deu origem aos presentes autos; ao suporte digital (CD) junto com a referida certidão e à transcrição do mesmo junta a fls. 25 e seguintes e elaborada pela empresa “…, Lda.”, dos quais resulta que o depoimento que foi prestado pelo ora arguido no julgamento que teve lugar no aludido processo foi muito confuso, contraditório, além de vago, e pouco preciso, e consequentemente inverosímil, conclusão que se extrai das declarações pelo mesmo prestadas, e das respostas titubeantes, vagas e pouco claras umas vezes, ausência de respostas noutras, referindo não saber ou desconhecer o que lhe era perguntado, esclarecendo alguns factos, para logo de seguida não conseguir esclarecer outros que terão ocorrido no encadeamento lógico e sequencial dos primeiros, o que se verificou desde o início de seu depoimento e não apenas quando instado pelo Digno Procurador Adjunto. Realce-se, a título de exemplo, que no que respeita à arma de defesa pessoal do arguido C..., e que o mesmo terá perdido naquela noite, foram múltiplas e diversas as declarações prestadas pelo arguido J.... Referiu, logo de início, que costuma sempre ver a pistola do amigo no porta luvas, no interior do veículo do mesmo, local onde aquele habitualmente a trazia, e que já viu a referida arma várias vezes, não esclarecendo, no entanto, se naquela noite a viu. Depois, tendo-lhe tal sido perguntado, não soube precisar de que cor era a arma, referiu que naquela noite viu a pistola, para acabar por admitir que “ver não viu”, mas que viu o coldre, e que pensa, que presume, que ela estava dentro do coldre. Logo a seguir - segundos apenas - afirmou que do local onde estava sentado no interior do veículo via a pistola, dentro do coldre. Mais à frente (fls. 55. da transcrição) afirmou que naquele dia viu o arguido meter a pistola dentro do coldre. Não conseguiu, no entanto, dizer em que momento é que isso ocorreu, e em que local se encontrava a arma até então (fls. 61 e 62 da transcrição), para mais tarde afirmar que o arguido guardou a arma no carro, depois de terem saído do RB..., e antes do carro arrancar, mas desconhecendo se o mesmo tinha ou não levado a arma para dentro do referido bar;
- à certidão da sentença proferida no âmbito dos supra identificados autos e constante de fls.15 e seguintes, e na qual se certifica que tal decisão transitou em julgado a 15/07/2008;
- também ao depoimento prestado pelas testemunhas de acusação, AC… e AL…, ambos agentes da GNR, que na ocasião supra referida, e no exercício das suas funções, se deslocaram à discoteca “PD…”, e que afirmaram não ter visto aí o arguido destes autos, estando o C... sozinho a proceder à revista às pessoas, o que fazia sem autorização das mesmas, ao que algumas delas se opunham, e não se encontrando junto do mesmo quaisquer outras pessoas que o auxiliassem nessa tarefa, que com ele colaborassem ou que simplesmente aparentassem estar na sua companhia, e tendo a primeira das referidas testemunhas declarado que entrou no interior do estabelecimento e falou com o arguido na área da recepção do mesmo, a qual é um espaço pequeno, nunca deles se tendo aproximado quaisquer pessoas que revelassem estar com o mesmo, e afirmando a segunda delas, a qual conhecia o arguido J..., e sabia ser o mesmo agente da GNR, embora não mantivesse com o mesmo qualquer relação de proximidade, ter ficado posicionado junto à porta do estabelecimento, pelo que, se o mesmo estivesse no interior da discoteca e tivesse posteriormente saído, não deixaria de o ver; igualmente no depoimento prestado pela testemunha CL… empregada de mesa no referido estabelecimento, e que naquela noite se encontrava afazer serviço na recepção, a qual declarou que o arguido C..., o qual conhecia, sendo o mesmo cliente habitual da discoteca, entrou naquela noite no referido espaço, e pouco tempo depois dirigiu-se à recepção dando conta que lhe tinha desaparecido uma arma. Antes de ter sido anunciado tal facto pelo disc-jockey da mesma, procurou ainda aquele a arma no interior do estabelecimento, saiu para a procurar no carro, onde não a encontrou, voltou a entrar e passado um bocado começou a revistar pessoas, no intuito de apurar se alguma delas tinha a arma consigo, ao que algumas reagiram mal, tendo sido nessa altura e perante a confusão que se instalou, que foi chamada a GNR ao local. Afirmou ainda a mesma testemunha que durante todo o tempo em que o C... diligenciou no sentido de encontrar a arma que lhe tinha desaparecido, o que fez sempre sozinho, nunca o viu acompanhado pelo ora arguido ou por quaisquer outras pessoas;
- por último, nas declarações prestadas pelo arguido, mas apenas quanto à sua situação pessoal, profissional e condição social, uma vez que optou o mesmo por não prestar declarações sobre os factos que lhe vinham imputados, e no seu certificado de registo criminal junto a fls.191 dos autos.
Quanto aos depoimentos prestados pelas demais testemunhas arroladas pela acusação, e comuns à Defesa, não foram os mesmos valorados pelo Tribunal, pelas razões seguintes:
Como se refere no despacho de pronúncia as testemunhas em causa são amigos do arguido, havendo a realçar que a segunda delas era o arguido no supra identificado processo em que o ora arguido depôs como testemunha, e no decurso de cujo julgamento foi mandada extrair a certidão que deu origem aos presentes autos. Os laços que unem estas testemunhas e a forma como depuseram permitem concluir que não depuseram os mesmos com objectividade e isenção, já para não falar em verdade. Resumindo os seus depoimentos verifica-se que vieram as mesmas a Tribunal para dizer que o arguido se deslocou à discoteca “PD…” no dia e hora mencionados no despacho de pronúncia, tendo presenciado os factos que aí ocorreram e que envolveram o desaparecimento da arma de uma delas, do C..., pelo que, consequentemente, não faltou o mesmo à verdade no depoimento que prestou no julgamento do processo que deu origem a este.
Precisando, haverá a salientar que os depoimentos prestados por uma e outra das aludidas testemunhas não se revelaram credíveis, não conseguindo convencer o Tribunal da sua “verdade”, desde logo, porque não conseguiram esclarecer o seguinte:
Porque razão, depois de sair do “ RB...”, o C... vai verificar a arma, e porque razão a guarda num porta luvas do veículo aberto, e não fechado, e aí a deixa, quando estaciona o veículo no “PD…”, sabendo que o sistema de fecho das portas apresentava deficiências?
Qual a razão porque o mesmo vindo do referido bar, verifica a arma que estava no porta-luvas da porta do condutor ainda em pé e fora do carro, terminando depois tal operação já sentado? Não é natural, não é lógico, não faz sentido, e só se entende para justificar a versão de que os outros dois ocupantes do veículo o acompanhavam naquela noite, tendo até visto a arma.
Depois de se terem apercebido do desaparecimento da arma, refere a testemunha Paulo Salvador, que ele e o arguido, não acompanharam o C... quando o mesmo se dirigiu à recepção, não colaboraram com ele nas revistas, saíram para o exterior quando as pessoas começaram a reagir e a levantar obstáculos às mesmas, e quando a GNR chegou, eles que exerciam funções na PSP e na GNR, não abordaram os mesmos para explicar o que se tinha passado, nem mesmo quando o C... foi identificado. Ora também isto não faz sentido. Ainda que não concordassem com as revistas que o arguido resolveu fazer, cabia-lhes ter ajudado na resolução do problema, e ter explicado aos seus colegas da GNR o que se estava ali a passar, particularmente, porque também eles, embora pudessem não estar ao serviço, integram forças de segurança.
Não pode ainda deixar de se salientar que a sequência lógica dos factos apresentada pelo C... a partir do momento em que começa a procurar a arma, e mais precisamente, no que respeita à colaboração que lhe foi prestada pelos seus amigos, entra em nítida contradição com o depoimento da testemunha PS…, já para não falar das declarações prestadas pelo arguido quando prestou depoimento como testemunha no aludido processo que deu origem a este, e cuja transcrição consta dos autos.
Por fim, refira-se que também o depoimento prestado pela testemunha AM… que refere ter estado no local e aí ter visto o arguido e os amigos, não revela qualquer credibilidade, apresentando-se o mesmo confuso, muito contraditório, ilógico e mesmo inverosímil. Com efeito, afirmou o mesmo que naquele dia foi à discoteca, exclusivamente, para cobrar uma divida, tendo lá estado cerca de uma hora e tendo visto - esta é pelo menos a 1.ª versão dos factos - no interior do estabelecimento o arguido, o C...“Polícia” e a testemunha PS…, a quem cumprimentou. Declarou o mesmo, não saber se se encontrava lá na referida ocasião a pessoa junto de quem ia tentar cobrar o seu crédito, não tendo procurado obter tal informação durante todo o tempo que lá esteve, que ainda lá estava aquando do “desaparecimento da arma”, tendo optado, após a confusão que se gerou a seguir, por se vir embora sem tentar sequer cobrar a divida.
*
4. Do mérito do recurso:
4.1. Irregularidade da transcrição do depoimento do arguido J..., enquanto testemunha no âmbito do processo n.º 55/06.4GCFND:
Na tese vertida no recurso (maxime 3.ª conclusão), a referida transcrição, constante de fls. 25 a 81 apresenta constantes falhas de passagens, erros ortográficos, pontuações despropositadas ou em falta, que desvirtuam e descontextualizam grande parte dos depoimentos, ou lhe retiram dinâmica e coerência, configurando, pelo menos as falhas de passagens, uma irregularidade prevista no artigo 123.º do Código de Processo Penal.
Percorrendo a transcrição em causa, notam-se, esporadicamente, de longe em longe, reduzidas imperceptibilidades no seu texto, assinaladas a itálico, como se vê de fls. 30, 34, 45, 48, 64, 74, 78 e 79 dos autos, e, aqui e além, sobreposição de vozes, também registadas na mesma forma (cfr. fls. 29, 36, 42, 51, 54, 55, 57, 59, 64, 69, 75, 76, 77 e 79), que podem corresponder, não a deficiência da transcrição, mas sim a incidências decorrentes da prestação dos depoimentos e, consequentemente, do respectivo registo de gravação.
Seja como for, a compreensibilidade dos depoimentos não surge afectado, sendo perfeitamente apreensíveis as questões versadas nos interrogatórios, percebendo-se, sem qualquer esforço, os pontos objecto daqueles e bem assim o sentido das respostas dadas pela então testemunha J... e pelas testemunhas AC…, AL… e CL… .
De qualquer modo, porque o arguido teve conhecimento do auto de transcrição pelo menos em 03-11-2009, data em que lhe foram disponibilizados os autos para consulta (cfr. fls. 200), se existisse irregularidade, a mesma já estaria sanada, face ao disposto no artigo 123.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
*
4.2. Da invocada nulidade da sentença:
Na al. a) do n.º 1 art. 379.º do CPP comina-se de nula a sentença que não contiver as menções referidas no art. 374.º, n.ºs 2 e 3, al. b) do mesmo Código.

Esta disposição está intimamente ligada à do art. 127.º do CPP, nos termos do qual “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.

O julgador é, assim, livre ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja «vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório». Prof. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, Vol. I, pág. 211.

No entanto, a livre convicção do juiz não se confunde com a sua convicção íntima, caprichosa e emotiva, dado que é o livre convencimento lógico, motivado, em obediência a critérios legais, passíveis de motivação e de controlo, na esteira de uma “liberdade de acordo com um dever”, que o processo penal moderno exige, dever esse que axiologicamente se impõe ao julgador por força do princípio do Estado de Direito e da Dignidade da Pessoa Humana.
A livre convicção não pode ser vista em função de qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios, mas antes deve perspectivar-se segundo as regras da experiência comum, num complexo de motivos, referências e raciocínio, de cariz intelectual e de consciência, que deve de todo em todo ficar de fora a qualquer intromissão interna em sede de conhecimento.
Isto é, na outorga, não de um poder arbitrário, mas antes de um dever de perseguir a chamada verdade material, verdade prático-jurídica, segundo critérios objectivos e susceptíveis de motivação racional. Cfr., Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Vol. I, pág. 202-206.
Vigorando na nossa lei adjectiva penal um sistema de persuasão racional e não de íntimo convencimento, instituiu o legislador mecanismos de motivação e controle da fundamentação da decisão de facto, dando corpo ao princípio da publicidade, em termos tais que o processo - e, portanto, a actividade probatória e demonstrativa -, deva ser conduzido de modo a permitir que qualquer pessoa siga o juízo, e presumivelmente se convença como o julgador. Cfr. Prof. Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, pág. 302.
A obrigação de fundamentação respeita à possibilidade de controle da decisão do julgador, a viabilizar a exigível sindicabilidade da decisão e a reforçar a sua compreensibilidade pelos destinatários directos e da comunidade em geral, como elemento de relevo para a sua aceitação e legitimação.
É, pois, na fundamentação da sentença, sua explicitação e exame crítico que se poderá avaliar a consistência, objectividade, rigor e legitimidade do processo lógico e subjectivo da formação da convicção do julgador. Não é suficiente a mera indicação das provas, sendo necessário revelar o processo racional que conduziu à expressão da convicção.

«Com efeito, só assim o decisor justifica, perante si próprio, a decisão (o momento da exposição do raciocínio permite ao próprio apresentar e conferir o processo lógico e racional pelo qual atingiu o resultado), e garante a respectiva comunicabilidade aos respectivos destinatários e terceiros (dando garantias acrescidas de que a prova juridicamente relevante foi não só correctamente recolhida e produzida, mas também apreciada de acordo com cânones claramente entendíveis por quem quer).
Assim que baste que apenas um dos referidos passos do juízo devido seja omitido, para que se esteja a prejudicar a tutela judicial efectiva que tem de ser garantida como patamar básico da convivência social, impossibilitando ou diminuindo a justificação e compreensibilidade do decidido» Paulo Saragoça da Mata, A livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Organizadas pela Faculdade da Universidade de Lisboa e pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, com a colaboração do Goerthe Institut, Almedina, pág. 261-279. .
Só motivando nos moldes descritos a decisão sobre matéria de facto, mesmo vendo a questão do prisma do decisor, é possível aos sujeitos processuais e ao tribunal de recurso o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da referida convicção, para que seja permitido sindicar se a prova não se apresenta ilógica, arbitrária, contraditória ou violadora das regras da experiência comum.
A análise crítica da prova não terá, no entanto, de ser exaustiva, mas apenas a suficiente para se poder concluir que a decisão assentou na prova produzida e não é fruto de qualquer discricionariedade ou arbitrariedade.
Assim, o dever de indicação e exame crítico das provas, como elemento da fundamentação da decisão de facto, não exige, naturalmente, uma assentada do depoimento das testemunhas, ou seja, que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas ouvidas, ainda que de forma sintética.
Como não impõe uma fundamentação formalmente distinta para cada um dos arguidos ou uma fundamentação autónoma para cada um dos factos.
Em síntese conclusiva, dir-se-á, pois, que a exigência normativa do exame crítico das provas torna insuficiente a referência àquilo em que o tribunal se baseou, tornando-se necessário saber o porquê, a razão de ser da formação da convicção do tribunal.
Na invocação da nulidade, o arguido retirou da motivação da decisão de facto o extracto que melhor parece servir-lhe para o efeito invocado.
Assim, citou apenas o segmento constante de fls. 292 da sentença, do seguinte teor: «Não pode ainda deixar de se salientar que a sequência lógica dos factos apresentada pelo C... a partir do momento em que começa a procurar a arma, e mais precisamente, no que respeita à colaboração que lhe foi prestada pelos seus amigos, entra em nítida contradição com o depoimento da testemunha Paulo Salvador, já para não falar das declarações prestadas pelo arguido quando prestou depoimento como testemunha no aludido processo que deu origem a este, e cuja transcrição consta dos autos», referindo que as presumíveis contradições aí referenciadas não estão devidamente concretizadas, com base nas passagens constantes da gravação áudio dos correspondentes depoimentos.
Todavia, omitiu a restante exposição dos motivos probatórios exarada na sentença recorrida, onde estão satisfatoriamente contidos os motivos de facto que fundamentaram o decidido.
Conforme expressa fundamentação, supra reproduzida, o tribunal a quo motivou, suficientemente, as razões que determinaram a formação da sua convicção. Fê-lo ao longo de fls. 290/293, não se limitando a uma simples enunciação ou especificação dos meios de prova que considerou relevantes e decisivos, mas procedendo também a uma análise crítica das provas, da qual decorre perfeitamente reconstituído o “iter” que conduziu ao juízo de valoração.
Assim, no que agora importa considerar, o tribunal aferiu criticamente, inter alia, a relevância positiva dos seguintes elementos de prova: certidão de fls. 1 e ss., extraída dos autos de processo comum singular n.º 55/06.4GCFND e, mais precisamente, da acta da audiência de julgamento realizada no dito processo, no decurso da qual o ora arguido prestou depoimento como testemunha, certidão essa que esteve na origem dos presentes autos; aquele depoimento, transcrito a fls. 25/81; os depoimentos das testemunhas AC… e AL…, ambos agentes da GNR, e CL…, empregada de mesa na discoteca “PD…”.
Mas na lógica interna da decisão, a fundamentação sobre a prova dos factos não se acolheu exclusivamente ao conteúdo daqueles meios de prova. Dela resultam também os motivos porque o tribunal não valorou os depoimentos das testemunhas PS…, CG… e AM… . É o que impressivamente resulta da parte final de fls. 291 e de fls. 292/293.
Pelo exposto, temos como evidente que a fundamentação contida na sentença é bastante para atingir os objectivos da lei, supra referidos.

*
4.3. Não obstante, por outra ordem de razões, verifica-se efectivamente a nulidade da sentença prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, que é de conhecimento oficioso, como actualmente decorre com suficiente clareza do n.º 2 do mesmo artigo Neste sentido, v. g. Acórdãos do STJ de 31-05-2001, proferido no Proc. n.º 260/01; 08-11-01 (Proc. n.º 3130/01) e 14-05-03 (Proc. n.º 518/03), todos publicados no Boletim Interno do STJ, n.ºs 51, 55 e 71, respectivamente; 02/02/2005, Colectânea de Jurisprudência, tomo I, pág. 188; 18-01-2007 (06P4806); 12-09-2007 (07P2583); e 17-10-2007 (07P3399), in www.dgsi.pt...
Produzida toda a prova em audiência de julgamento, na fase de deliberação, deve o tribunal valorar os factos descritos na acusação/pronúncia, juntamente com os que constam da contestação oferecida pelo arguido e daqueles que resultaram da discussão da causa (art. 368.º, n.º 2 do CPP).
E por isso a sentença, na sua fundamentação fáctica, deve conter a “enumeração dos factos provados e não provados” - art. 374.º, n.º 2 , ainda do referido Código -, os quais, em princípio, terão de compreender, a um ou outro título, todos os factos decorrentes daquela tríplice origem.
Enumerar os factos é especificá-los ou contá-los um a um, o que corresponde a dizer que o tribunal tem de especificar todos e cada um dos factos alegados pela acusação e pela defesa, bem como os que tiverem resultado da discussão da causa, relevantes para a decisão, como provados ou não provados, como, aliás, sempre decorreria do próprio dever de apreciar, descriminada e especificamente (art. 368.º, n.º 2, do CPP), todos esses factos.
Essa exigência legal visa assegurar que todos esses factos foram objecto de investigação e apreciação pelo tribunal.
Deste modo, fórmulas genéricas e imprecisas, tais como «não se provaram os restantes factos», são ineficazes, porque não dão a indispensável garantia de que todos os factos relevantes alegados, que não surgem descriminados na decisão sobre a matéria de facto, foram objecto de apreciação nos termos legais.
Contudo, a razão de ser do art. 374.º, n.º 2, na vertente que ora importa ter em conta, tem de ser conexionada com o fim do processo penal, ou seja, só tem sentido a aplicação daquela da norma enquanto estiverem em causa, como se disse, factos relevantes para a decisão de mérito Cfr., v. g., acórdão do STJ de 29-04-2008, publicado, em sumário, no Boletim Interno daquele Tribunal Superior..
Como reiteradamente vem acentuando o Supremo Tribunal de Justiça, o cumprimento do art. 374.º, n.º 2, do CPP, não impõe a enumeração dos factos provados e não provados que sejam irrelevantes para a caracterização do crime e/ou para a medida da pena Por todos, cfr. o Ac. de 07-01-1999, Proc. n.º 1216/98, publicado no Boletim Interno, elaborado pelos Srs. Juízes Assessores, n.º 27. , sendo certo que essa irrelevância deve ser vista com rigor, em função do factualismo inerente às posições da acusação e da defesa e bem assim aos contornos das diversas possibilidades de aplicação do direito ao caso concreto – seja quanto à imputabilidade, seja relativamente à qualificação jurídico-criminal dos factos, seja quanto às consequências jurídicas do crime, designadamente quanto à espécie e medida da pena –, tendo em conta os termos das referidas posições assumidas pela acusação e pela defesa e os poderes de cognição oficiosa que cabem ao tribunal.
Só pode por isso decidir-se no sentido dessa inocuidade ou irrelevância no caso de a sua verificação resultar suficientemente segura à luz destas considerações, essenciais à prossecução cuidada da justiça penal concreta.
*
A pronúncia a fls. 236 a 239 dos autos está factualmente formulada nos seguintes termos (a numeração pertencem-nos):

«1. No âmbito do processo n.° 55/06.4GCFND, que correu termos pelo 2.° Juízo deste Tribunal, foi julgado o arguido CR …, agente da PSP e amigo de longa data do aqui arguido J..., pela prática de um crime de detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos, p. e p. pelo art. 89.° da Lei n.° 5/2006, de 23/02.
2. Aquele arguido foi absolvido do crime pelo qual estava acusado, por sentença já transitada em julgado, tendo ficado demonstrados, entre outros, os seguintes factos:
«§ 1. No dia 5 de Novembro de 2006, cerca das 2H45, o arguido encontrava-se no interior das instalações da discoteca denominada “PD…”, sita na E.N.18, em Alpedrinha, área desta comarca, quando detectou a falta de uma arma de defesa da sua propriedade, uma pistola de calibre 6,35 mm, marca “Tanfoglio Giuseppe”, n.° 042678, com um cano, em bom estado de funcionamento, não sabendo se a perdeu dentro do estabelecimento, se no seu exterior.
§ 3. No circunstancialismo de tempo e de lugar descritos em § 1, o arguido não se encontrava no exercício das suas funções, nem estava especificamente autorizado por motivo legítimo de serviço, nem autorizado pela autoridade legalmente competente para transportar e deter num estabelecimento de diversão nocturna a referida arma, tanto mais que, naquele momento, se encontrava no gozo de um dia de folga»
3. Na fundamentação da matéria de facto, o tribunal referiu que “Não foi dado qualquer crédito à testemunha J..., amigo do arguido, que o estaria a acompanhar e assim se declarou presente no local, quando nenhuma das restantes testemunhas o viu na ocasião”.
4. Com efeito, o arguido J... foi ali inquirido como testemunha, em sede de audiência de julgamento, no dia 18/06/2008, tendo prestado juramento legal e advertido que incorria na prática de um crime se faltasse conscientemente à verdade.
5. A transcrição do seu depoimento encontra-se de fls. 25 a 81 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6. Do teor da transcrição junta aos autos é manifesto que o arguido prestou um depoimento confuso, contraditório, sem conhecimento de causa ou razão de ciência e, consequentemente, inverosímil, donde se conclui que não presenciou os factos em discussão, tal qual lhe foi apontado, à data, pelo Mm° Juiz que presidiu à audiência de julgamento (fls. 80).
7. De igual forma, as testemunhas que, inequivocamente, presenciaram os factos ali em julgamento, não viram o arguido naquelas circunstâncias de tempo e lugar, sendo certo que o C... esteve sempre sozinho no decorrer das diligências para a recuperação da arma.
8. Ou seja, o arguido prestou um depoimento falso, no intuito de obstar à realização da justiça, ou seja de impedir a condenação do seu amigo C... no crime pelo qual estava acusado, ou seja de ter transportado para o interior da discoteca a sua arma de defesa pessoal.
9. Posto o que, o aqui arguido J..., quando da sua inquirição como testemunha no referido julgamento, afirmou ter estado no exterior da discoteca e presenciado o seu amigo C...a guardar a arma pessoal no interior do carro, o que não é verdade, pois não esteve no local nem, consequentemente, presenciou tais factos.
10. O arguido prestou, assim, depoimento falso perante magistrado, bem sabendo que este era competente para receber tal depoimento como meio de prova.
11. O arguido sabia que estava obrigado ao dever de falar com verdade e que, ao mentir, como fez, prejudicava a boa administração da justiça.
12. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com intenção de responder com falsidade às questões que lhe foram formuladas.
13. Sabia o arguido que tal comportamento era proibido e punido pela lei penal».
Como é dado ver, no quadro factual da pronúncia, a essencialidade das declarações rotuladas de falsas estão definidas nos transcritos pontos 6 e 9, já que constituem elemento típico do crime do crime de falsidade de testemunho imputado ao arguido J..., por evidenciarem, na óptica da acusação, declarações proferidas pelo visado que se afastam do realmente acontecido, ou seja, traduzirem uma desconformidade com qualquer acontecimento real.

Na sentença recorrida, o tribunal a quo deu como provados, nos precisos termos da pronúncia, os factos do ponto 6 desta peça processual.

Todavia, não consagrou como provados ou não provados os factos do ponto 9 da pronúncia.

Apenas inscreveu no acervo factológico provado o ponto de facto individualizado sob o n.º 2.1.9, não definido no espaço e no tempo e sem que algo conste sobre a desconformidade da asserção aí contida com um juízo de existência ou de realidade.

E na matéria de facto não provada, já acima reproduzida, considerou, concretizadamente, apenas os factos descritos na contestação do arguido. Contudo, no que diz respeito à pronúncia, recorreu a um critério genérico, impreciso, referindo tão só «Não resultaram provados quaisquer outros factos do despacho de pronúncia».
Em síntese conclusiva, olvidou o julgador de 1.ª instância, na matéria de facto provada e não provada os referidos factos do ponto 9. da pronúncia, essenciais à qualificação jurídica da conduta imputada ao arguido J…, rectius, à verificação do crime de falsidade de depoimento, previsto no artigo 360.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal.
Daí que a sentença padeça da nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea a) do CPP, por referência ao n.º 2 do artigo 374.º do mesmo diploma, constatação que prejudica o conhecimento das questões, extraídas das conclusões da motivação do recurso, elencadas nas alíneas C), D), E), F) e G) do ponto I da fundamentação deste acórdão.
III - Dispositivo:
Posto o que precede, acordam os Juízes que compõem a 5.ª Secção Criminal da Relação de Coimbra em declarar a nulidade da sentença recorrida, devendo proceder-se à elaboração de nova decisão final que observe o que ficou exposto quanto à fundamentação da decisão de facto.
Sem custas.

***


Alberto Mira (Relator)

Elisa Sales