Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2219/09.0TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
PRESUNÇÃO DE CULPA
ACTIVIDADE PERIGOSA
SEGURO
CLÁUSULAS ABUSIVAS
Data do Acordão: 06/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.ª SECÇÃO DA VARA MISTA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO, 227.º; 493.º, N.º 2; 570.º DO CC. ARTIGO 6.º DO DL N.º 446/85 ; ARTIGOS 176.º DO DL N.º 94-B/98, DE 17-04; 2.º DO DL N.º 176/95, DE 26-07
Sumário: 1. A “actividade perigosa” referida no artigo 493.º, n.º 2 do Código Civil constitui um conceito indeterminado, a apreciar caso a caso, em função das especificidades concretamente provadas, tendo em vista quer a actividade levada a cabo, em si mesma considerada, quer quanto aos concretos meios e condições de que o agente se serviu para a executar.

2. Deve ser considerada actividade perigosa a abertura de uma vala para instalação de condutas de gás, com uma profundidade de cerca de 80 cm e largura de 30 cm, não sinalizadas e sem dispor de qualquer tipo de protecção e em que, obrigatoriamente, os transeuntes que passavam pelo local, tinham que atravessar pela frente duma máquina e da respectiva pá, passando sobre a vala aberta.

3. Para ilidir a presunção de culpa era necessário mostrar que se empregaram todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos causados.

4. É nula a cláusula que exclui das garantias do contrato de seguro os danos resultantes da inobservância das disposições legais e camarárias relativas à execução dos trabalhos, bem como as medidas de segurança que a lei ou a natureza dos mesmos exija.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

            A... instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra B..., SA, C..., Ldª e E..., SA.

Peticiona a condenação solidária dos réus:

- no pagamento da quantia de €27.725,92, acrescida de juros de mora que se vierem a vencer, à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento;

- no custo de todos os tratamentos médicos, cirúrgicos e de fisioterapia e reabilitação, que as lesões provocadas pelo acidente ajuizado exigirem, recomendarem ou sejam necessárias à qualidade de vida do autor, bem como as correspondentes despesas, designadamente com transportes necessários às deslocações, medicamentos e tratamentos impostos pelas lesões de que padece, para além do dever de o indemnizar de todos os danos que, eventualmente, venham a decorrer do agravamento das lesões actualmente existentes.

Alega que no dia 28 de Junho de 2006, cerca das 10 horas e 50 minutos, na Rua da Primavera, na Pedrulha, em Coimbra, a 3ª Ré encontrava-se a efectuar obras no passeio e na estrada, obras essas que estavam a ser efectuadas em nome, por conta e no interesse das 1ª e 2ª rés. Essas obras consistiam na abertura de valas, com profundidade aproximada de cerca de 50 centímetros a 1 metro para instalação de condutas de gás. Tais obras não estavam sinalizadas, apesar da perigosidade própria de tais trabalhos.

Porque não existia qualquer tipo de sinalização quanto às obras, apenas quando o autor estava a passar por elas é que se apercebeu das mesmas. E quando estava a passar no local, para ajudar uma senhora idosa, saltou para a agarrar e bateu com a cabeça na pá da máquina que tinha a sua pá levantada, tendo caído na vala. Logo, a culpa pela produção do acidente foi unicamente da 3ª ré.

Em consequência o autor sofreu fractura bimaleolar à esquerda e traumatismo crânio-encefálico, tendo sido submetido a cirurgia, com internamento e submetido a vários tratamentos.

Apesar destes tratamentos e intervenções cirúrgicas, o autor apresenta, actualmente, diversas sequelas do acidente e uma incapacidade geral para todas as actividades de, pelo menos, 5%.

Por outro lado, as lesões que sofreu determinaram e determinam-lhe uma Incapacidade Genérica Temporária Total de 72 dias, à qual deverá acrescer mais 30 dias para eventual extracção do restante material de osteossintese e uma incapacidade Genérica Temporária Parcial durante 301 dias, uma Incapacidade Temporária Total para as Actividades Escolares durante 72 dias, ao qual deverão acrescer mais 30 dias para eventual extracção do restante material de osteossintese; e uma incapacidade Geral Permanente Parcial que se estima, pelo menos, em 5% a partir da data de consolidação.

Mais alega que, sendo estudante do ensino secundário, esteve impedido de estudar e realizar os seus exames no final do ano lectivo 2005/2006, o que o obrigou a realizar mais um ano do ensino secundário para aceder ao ensino superior. À data do sinistro desenvolvia, ainda, uma actividade profissional em “part time”, onde auferia cerca de €350 mensais. Para retomar essas actividades o autor teve um esforço acrescido.

Sofreu em consequência diversas despesas no valor global de € 225,92. Por outro lado, contabiliza os danos patrimoniais futuros em €12.500, em face da IPP de que ficou portador.

Peticiona, também, a condenação das rés no pagamento de uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, no valor que computa de €15.000,00 (dores, incómodos, cicatrizes, deformação no membro inferior esquerdo e desgosto pela incapacidade de praticar as actividades que antes desenvolvia).

Por fim, alega que as lesões por si sofridas irão exigir no futuro e demandarão a realização de uma nova cirurgia, com internamento, tratamentos, medicamentos e fisioterapia.

A ré C... Lda alegou que a obra estava devidamente sinalizada e cumpria todas as regras de segurança, sendo os sinais visíveis por todos os que se aproximavam do local, de tal modo que não permitiam qualquer dúvida quanto à existência e tipo dos trabalhos que estavam a ser efectuados.

Quando o autor passou, a máquina com a qual embateu estava imobilizada, para dar passagem a uma senhora que efectuou o trajecto sem qualquer dificuldade.

No que concerne aos danos, parte dos mesmos emergem de uma entorse no pé pré-existente, que não tinha ficado adequadamente tratada.

Alega, ainda, que à data da prática dos factos a sua responsabilidade estava transferida para a Companhia de Seguros L....

A ré E..., SA aceita a transferência da responsabilidade que foi operada através da celebração do contrato de seguro titulado pela apólice nº (...), sendo por força do mesmo, aplicada uma franquia de 10% do valor da indemnização, no mínimo de € 500,00.

Do contrato de seguro ficaram excluídos os danos resultantes da não observância de disposições legais e/ou regulamentos, nomeadamente sobre prevenção e segurança, bem como os danos consequenciais, seja qual for a sua causa ou natureza, ainda que o dano directo se encontre abrangido, nomeadamente ficam excluídas as perdas de exploração, os lucros cessantes e/ou custos de paralisação.

Nessa medida, sendo a causa do sinistro a falta de sinalização das obras a ora ré E... não responde pela indemnização que venha a ser devida.

Por outro lado, alega que o local das obras e as respectivas máquinas eram visíveis a uma distância seguramente superior a 20 metros.

No momento em que o autor chegou ao local as máquinas encontravam-se imobilizadas, tendo a giratória o seu braço suspenso. Ali se encontravam alguns transeuntes que aguardavam instruções dos empregados da 3.ª ré para passar. O autor, que conhecia o local e sabia das obras que ali decorriam, surgiu a correr e passou por entre essas pessoas, atravessando as obras, demasiado próximo da referida máquina, razão pela qual foi embater com a cabeça no balde dessa máquina, perdendo o equilíbrio e caindo ao chão.

Conclui afirmando que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do autor.

A ré C..., SA suscitou a sua ilegitimidade, na medida em que inexiste um nexo causal entre qualquer facto ou actuação (ilícita) por si perpetrado e o alegado dano.

Alegou, ainda, que celebrou um contrato de empreitada com a 1.ª ré nos termos do qual se obrigou a construir e manter determinadas infra-estruturas de gás em vários concelhos da zona centro do país, incluindo o concelho de Coimbra. Após, subcontratou parte dos trabalhos que lhe tinham sido adjudicados à 3.ª R., aí se incluindo a construção e manutenção das infra-estruturas de gás no local onde o acidente terá alegadamente ocorrido. Era, pois, à 3ª ré que competia executar a obra, com total autonomia, bem como o cumprimento e observância de todas as regras de segurança exigíveis.

Conclui, afirmando que a eventual responsabilidade civil decorrente de quaisquer danos originados pela execução da obra em apreço deverá ser assacada ao seu efectivo executante, que é a 3.ª ré, tal como resulta da cláusula 8.1. das Condições Gerais de Adjudicação que integram o Contrato de Subempreitada celebrado.

No que respeita ao sinistro e danos invocados pelo autor, a ré C... alegou que a obra se encontrava devidamente sinalizada.

Requereu, também, a admissão do incidente de intervenção acessória provocada da J..., SA, com a qual celebrou um contrato de seguro.

Foi admitido o incidente de intervenção da J..., Companhia de Seguros, SA, que apresentou a sua contestação, alegando que, se houver lugar ao pagamento de indemnização por parte da C..., a responsabilidade da J... será deduzida do valor da franquia, que se cifra em 10% do montante a pagar, no mínimo de € 500,00.

O autor apresentou articulado de réplica, sustentando a legitimidade passiva da 2ª ré, que a 3ª ré estava a efectuar as obras em nome, por conta e no interesse, para além do mais, da ora 2ª Ré, que tinha dado tal obra de sub-empreitada à 3ª ré, razão pela qual responde nos termos do disposto no artº 500º do CC. Nega que o autor, antes do acidente, tivesse uma lesão, que se tenha agravado.

Os Hospitais da Universidade de Coimbra, EPE peticionaram a condenação dos réus no pagamento da quantia de €5.090,30, referente à assistência que lhe foi prestada nos HUC na sequência do sinistro em causa nos autos. A intervenção espontânea dos HUC foi admitida.

A ré C... Lda contestou o pedido formulado pelos Hospitais da Universidade de Coimbra, EPE.

Foi elaborado despacho saneador, tendo sido julgada a 1ª ré ( B..., SA) parte ilegítima, razão pela qual foi a mesma absolvida da instância.

Procedeu-se à selecção dos factos assentes e dos que se encontram controvertidos, sem reclamação.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova testemunhal nela produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação, tal como consta de fl.s 432 a 440, sem que lhe tenha sido formulada qualquer reclamação.

No seguimento do que foi proferida a sentença de fl.s 442 a 496, na qual se decidiu o seguinte:

“Em face do exposto, julgo a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e em consequência condeno:

- absolve-se a 2ª ré C... do pedido contra ela deduzido;

- a 3ª C... Ldª e 4ª ré E..., SA, solidariamente no pagamento ao autor da quantia de €15.225.92, acrescida de juros de mora calculados à taxa de 4% desde a citação até integral pagamento;

- a 3ª e 4ª ré, solidariamente no pagamento ao autor da quantia que se vier a liquidar em execução de sentença em virtude da cirúrgica que o autor venha a realizar para remover na totalidade o material de osteossíntese, bem como dos tratamentos e deslocações que com a mesma se atenham;

- a 3ª e 4ª ré, solidariamente no pagamento aos HUC da quantia de €5.090,30,acrescida de juros de mora calculados à taxa de 4% desde a citação até integral pagamento;

- a 3ª ré no pagamento ao autor da quantia de €9,000,00, acrescida de juros de mora calculados à taxa de 4% desde a citação até integral pagamento.

A quantia indemnizatória cuja responsabilidade pelo pagamento recai sobre a E..., SA será deduzida (rateadamente) do valor da franquia estipulado no respectivo contrato de seguro.

*

Custas a cargo da autora e da 3ª e 4ª ré na proporção de ¼ para aquela e ¾ para estas.”.

            Inconformadas com a mesma, interpuseram recurso as rés E... e C... L.da, recursos, esses, admitidos como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo (cf. despacho de fl.s 575), concluindo as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

            (Recurso da ré E...):

A Atenta a matéria dada como provada, o Tribunal recorrido entendeu que o recorrido não teve qualquer responsabilidade por ter batido com a cabeça na pá da máquina (ou melhor nem ajuizou sobre tal eventual responsabilidade).

B Considerou também o Tribunal recorrido que a actividade da segurada da ora recorrente é uma actividade perigosa e, consequentemente, cabia àquela fazer a prova de que não teve culpa na produção das lesões de que o recorrido foi vítima, prova essa que considerou não ter ocorrido.

C Considerou, por último, o Tribunal recorrido que a cláusula constante das condições gerais e especiais acordadas entre as partes contratantes do contrato de seguro que exclui das garantias do contrato os danos resultantes da inobservância das disposições legais e camarárias relativas à execução dos trabalhos, bem como as medidas de segurança que a Lei ou a natureza dos mesmos exija deve ser considerada nula e não aplicável nos autos.

D Ora de todas essas decisões discorda a ora recorrente, tal como discorda dos valores indemnizatórios atribuídos ao recorrido, e, por tudo isso, interpõe o presente recurso.

E Dos factos provados resulta sem margem para dúvidas que o recorrido seguia a pé em direcção ao local onde a segurada da ora recorrente se encontrava a trabalhar, sendo tal local, tais obras e as máquinas que no local se encontravam visíveis a quem quer que fosse a uma distância superior a 20 metros.

F O recorrido apercebeu-se antes de passar por tais obras das mesmas, percepção que naturalmente se tem de estender ás máquinas que ali se encontravam e designadamente a máquina onde o recorrido acabou por embater e ainda a uma senhora idosa que estava a passar também no local.

G Resulta também provado que a máquina em questão não estava em funcionamento e a sua pá se encontrava na posição de levantada.

H Tal sucedia precisamente porque, como não podia deixar de ser, os trabalhadores da segurada da ora recorrente fizeram tal máquina cessar o seu funcionamento para a senhora idosa passar, tendo tal pessoal levantado a pá da máquina exactamente com esse objectivo.

I É evidente que nenhuma razão haveria para a cabeça do recorrido embater na pá da máquina, a não ser a imprevidência deste, seja a resultante de se ter desequilibrado como alegara na sua petição seja o seu desleixo ao passar junto á máquina e á respectiva pá que já antes dessa passagem vira.

J É forçoso concluir de toda a factualidade dada como provada que o recorrido não passou pela máquina e pela sua pá sem nesta ter embatido exclusivamente por culpa sua. Qualquer pessoa, tendo visto como o recorrido viu a máquina e a pá desta levantada, tinha obrigação de passar por ela sem deixar a sua cabeça embater na pá.

O recorrido tinha obrigação de continuar o seu trajecto de forma a que a sua cabeça não embatesse na pá.

L As Rés provaram que agiram com o maior cuidado e com a prudência de um bom pai de família, já que, perante a presença de uma senhora que queria passar naquele local - o que, naturalmente acabou por fazer sem qualquer acidente ou embate no que quer que fosse – a máquina em questão foi parada e a sua pá foi levantada, proporcionando a tal senhora condições óptimas para tal passagem.

M Assim não se percebe como pode o tribunal recorrido considerar que não foi o recorrido o exclusivo culpado pela produção do acidente dos autos. Aliás, estranhamente, o Tribunal recorrido nem sequer se preocupou em formular qualquer juízo sobre a conduta do recorrido. Não indagou, como se impunha que indagasse, por que razão a cabeça do recorrido foi embater na pá da máquina e nenhuma outra cabeça das muitas pessoas que por ali passaram não foram embater naquela pá, nem aliás em qualquer outra pá ou máquina.

N A sentença recorrida deveria pois ter ajuizado acerca do comportamento do recorrido, e, nesse juízo critico do seu comportamento, considerar que a culpa pelo batimento da sua cabeça na pá da máquina apenas a ele se deve e só por ele podia ter sido evitada.

O A actividade da construção civil não é por si só uma actividade perigosa, como bem se assinala na douta sentença recorrida, sendo que a actividade da segurada da ora recorrente no caso dos autos era a abertura de um buraco para a instalação de condutas de gás, a qual de forma manifesta nada tem de perigoso.

P No caso concreto dos autos no momento em que o acidente ocorreu a segurada da ora recorrente tinha suspendido a sua actividade e, por isso mesmo, os transeuntes não estavam sujeitos a qualquer perigo dela decorrente, cabendo-lhes tanta atenção quanto a necessária para, por exemplo, deslocar-se num passeio público em que, como tantas vezes sucede, estão implantados postes de iluminação pública ou postes semafóricos.

Q O que a segurada da ora recorrente não previu, nem tinha obrigação de prever, é que o recorrido não soubesse direccionar o seu corpo, como os restantes transeuntes fizeram e levasse como efectivamente levou a sua cabeça a embater na pá da máquina.

R Entende, pois, a ora decorrente que a sua segurada, no momento do acidente, não exercia sequer qualquer actividade, pois, como se referiu, suspendeu-a, para evitar os riscos acrescidos que, se não tivesse suspendido os trabalhos, os transeuntes sentiriam, pelo que no caso concreto não devia o Tribunal recorrido considerar a actividade da sua segurada como perigosa.

S Seja como for, a verdade é que a sua segurada provou ter empregue todas as providências exigidas pelas circunstâncias para evitar os eventuais perigos resultantes da sua actividade. De facto, com excepção da falta de sinalização das obras, o que, no caso, não se revelou importante, pois as mesmas eram facilmente visíveis a mais de 20 metros e o próprio recorrido as avistou, não se vê que outra atitude ou providência para além das que acima referimos, poderia a segurada ter adoptado.

T A cláusula que a decisão recorrida considerou nula não é pré formulada nem é insusceptível de ser modificada, já que, não sendo, como não é, uma cláusula que faça parte das que constam á partida dos chamados contratos de adesão, antes é estipulada por mútuo acordo das partes, e, por isso, é uma cláusula particular deste contrato e não de todos os contratos que a ora recorrida celebra com as mesmas garantias deste com outros segurados. Não faz assim parte do clausulado pré-estabelecido.

U O risco assumido pela ora recorrente e, consequentemente, o correspondente prémio a pagar pela sua segurada, teve em consideração que das suas garantias estavam excluídas as indemnizações de danos previstos nessa cláusula, o que, significa que sabendo ambas as partes que era obrigação da segurada, no exercício da sua actividade, respeitar as regras impostas, não pela ora recorrente, mas pela Lei do País, seja por via da legislação ordinária seja pela legislação regulamentar, os danos decorrentes de violação desses preceitos não estavam cobertos pelo seguro.

V Tal condição particular não modifica a natureza dos riscos cobertos, nem prejudica injustamente a segurada. Esta pagou o prémio correspondente ao risco que transferiu para a seguradora e que, de modo consciente e livre, aceitou não abranger as situações previstas na aludida cláusula. Injusto é sim obrigar a ora recorrente a suportar um risco, in casu, até uma certeza de indemnização, sem receber o correspondente prédio da contraparte. Não viola tal cláusula o princípio da boa-fé, pois de boa-fé foi ela aceite e negociada por ambas as partes e o demonstrativo disso é que a sua segurada não alegou a nulidade de tal cláusula nestes autos.

X Entende, pois, a ora recorrente que a cláusula em causa não deve ser considerada nula e, pelo contrário, deve ser julgada válida.

Z Considera por isso a ora recorrente que a responsabilidade pela produção do acidente dos autos coube exclusivamente ao recorrido, nenhuma parcela de responsabilidade podendo ser assacada à sua segurada.

AA A não ser entendido desse modo e a considerar-se que a responsável pelos danos sofridos pelo recorrido foi a sua segurada, então a ora recorrente entende que as indemnizações atribuídas àquele devem ser inferiores aos valores fixados pelo Tribunal a quo.

AB Quanto aos danos não patrimoniais afigura-se à ora recorrente que o valor atribuído é excessivo. Considera-se razoável, atentos os danos sofridos, as intervenções a que foi sujeito, o período de tempo em que esteve total ou parcialmente incapaz e o demais com interesse para fixação do quantum indemnizatório, o valor de € 6.000,00.

AC Atento o exposto, entende a ora recorrente que deve ser proferida decisão a julgar a acção improcedente, e, por força disso, devem os réus ser absolvidos do pedido.

AD A assim não ser entendido deve a sentença recorrida ser substituída por outra que diminua a indemnização global a que a ora recorrente foi condenada e com excepção da destinada ao Hospital ao montante de € 6.225,92, valor a que haverá que reduzir a franquia.

AE A sentença recorrida não fez a melhor e mais correcta aplicação do direito, tendo violado o disposto nos arts. 483º, 487º, nº 2, 488.º, 493.º, 496.º, 562.º, 564.º e 566.º do C. Civil e os Dec-Lei 446/85 de 25/10 e 72/2008 de 16/04 .

Termos em que o presente recurso deve ser julgado provado e procedente e por via disso, revogada a sentença recorrida e substituída por outra que absolva a ora recorrente do pedido, ou caso assim não seja entendido, por outra que reduza o valor indemnizatório atribuído ao Autor, nos termos requeridos.

Assim se fará

JUSTIÇA!

            Recurso da ré C... L.da):

I. Quanto à matéria de facto, a recorrente defende que não deveria ter sido dado como provado que as obras consistiam na abertura de uma vala, com profundidade de cerca de 80 centímetros (facto provado 6); a recorrente defende ainda que deveria ter sido considerada provada a adequada sinalização dos trabalhos que estavam em curso (facto provado 8).

II. Quanto à profundidade da vala, a recorrente entende que da prova produzida resulta uma profundidade não superior a 7 cms, tendo em conta que os trabalhos se limitavam à reposição do pavimento, devendo ser alterado o facto provado 6.

III. Quanto à sinalização, a recorrente entende que deveriam ter sido dados como provados os quesitos 13.º e 14.º e como não provado o quesito 5.º (entretanto convertido em facto provado 8 da sentença).

IV. De acordo com a indicação que ficou a constar da ata da audiência de discussão e julgamento, os depoimentos das testemunhas foram gravados através da aplicação informática Sistema Habilus, sistema em uso no Tribunal a quo que permite a audição individualizada de cada um dos depoimentos.

V. A impugnação da matéria de facto assenta no depoimento das testemunhas M..., manobrador da máquina com cuja pá o recorrido embateu, e N... , trabalhador da recorrente que também estava presente na ocasião do acidente, testemunhos que se revelaram claros, elucidativos e isentos.

VI. Tendo sido dado como provado que o local de obra e as máquinas eram visíveis a quem quer que fosse a uma distância superior a 20 metros, que o autor antes de passar por tais obras se apercebeu das mesmas e ainda que antes do autor se aproximar do local das obras a máquina da recorrente havia cessado o seu funcionamento, estando imobilizada a sua pá, na posição de levantada, para uma senhora idosa passar, deve concluir-se que o acidente não se ficou a dever à falta de sinalização da obra mas sim à falta de atenção e cuidado com que seguia o próprio sinistrado.

VII. Caso o recorrido seguisse com a atenção e diligência normalmente exigíveis a quem circula na via pública, o mesmo teria podido evitar facilmente o obstáculo e transitar sem que se verificasse qualquer sinistro.

VIII. Não configura atividade perigosa (nos termos e para os efeitos da presunção de culpa do art. 493.º, n.º 2 do CCiv) a repavimentação de uma vala com 30 cms de largura com recurso a uma retroescavadora com pá, já que essa atividade não permite antecipar a ocorrência de danos com maior probabilidade quando comparada com qualquer outro trabalho típico de construção.

IX. Mesmo que os trabalhos executados pela recorrente devessem ser considerados perigosos, também os danos não resultariam dessa perigosidade mas, principalmente, da falta de atenção do recorrido.

X. De todo o modo, dado que houve culpa do recorrido, também a recorrida não poderia ser condenada com base em presunção, nos termos do art. 570.º, n.º 2 do CCiv.

XI. O contrato de seguro implica a transferência de responsabilidade do segurado para a seguradora, não existindo no caso dos autos qualquer fundamento para que o segurado seja condenado a pagar a indemnização em solidariedade com a seguradora.

XI. A douta sentença recorrida fez incorreta aplicação do art. 493.º, n.º 2 do CCiv e violou o art. 570.º, n.º 2 do CPC.

Nestes termos e nos melhores de direito deverão V. Ex.as, Venerandos Juízes Desembargadores, conceder provimento ao presente recurso com as devidas e legais consequências, com o que farão

Justiça!

           

Contra-alegando, o autor, relativamente ao recurso da ré E..., alega a sua extemporaneidade, com o fundamento em que o respectivo requerimento deu entrada em juízo no dia 12 de Fevereiro de 2013, quando o prazo para o fazer terminou no dia 11 desse mesmo mês.

Quanto ao mais, pugna pela manutenção da decisão recorrida, com o fundamento em que sendo a actividade levada a cabo pela sua segurada de qualificar como perigosa, não foi ilidida a presunção de culpa daí resultante, não se podendo imputar ao autor qualquer parcela de culpa na produção do acidente.

De igual modo considera dever ser considerada nula a cláusula do contrato de seguro com base na qual a ré seguradora se pretende eximir a responsabilidades e, por último, defende a adequação e proporcionalidade da quantia que lhe foi atribuída a título de indemnização por danos não patrimoniais.

No que concerne ao recurso interposto pela 3.ª ré, C... L.da, defende o autor que a prova foi bem apreciada, devendo ser mantida a matéria de facto considerada como provada e não provada em 1.ª instância, improcedendo o recurso, nessa vertente e não ser de lhe imputar nenhuma parcela de culpa na produção do evento danoso e que a actividade por esta desenvolvida é de considerar como perigosa, concluindo dever ser mantida, na íntegra, a decisão recorrida.

Desde logo, em sede de questão prévia, importa averiguar da tempestividade do recurso interposto pela ré E....

Alega o autor que o mesmo deu entrada no dia 12 de Fevereiro do ano em curso, quando o prazo para o fazer terminara no dia anterior.

Conforme “histórico” dos autos, a sentença recorrida foi notificada às partes em 07 de Janeiro de 2013, via Citius, pelo que se presume notificada às partes em 10 desse mês, cf. artigo 25.º-A, n.º 5, da Portaria n.º 114/2008, de 6/2.

Dispunha a ré E... do prazo de 30 dias para interpor o seu recurso (dado que apenas recorre de direito) – artigo 685.º, n.º 1, do CPC.

No entanto, contrariamente ao que refere o autor, a ré E... enviou as respectivas alegações e conclusões de recurso, via e.mail, com data de 11 de Janeiro, como resulta da referência n.º 3497484 do Citius (o que, aliás, já é mencionado no despacho de fl.s 575, que o admitiu em 1.ª instância).

Ou seja, o recurso entrou no último dia do prazo.

De resto, ainda que tivesse entrado no dia 12 de Fevereiro, teria de se considerar que entrara no 1.º dia útil após o terminus do prazo o que acarretaria não o seu não recebimento mas sim o cumprimento do disposto no artigo 145.º, n.º 6, do CPC.

Consequentemente, o recurso interposto pela ré E... é tempestivo, pelo que dele se conhecerá.

            Colhidos os vistos legais, há que decidir.        

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

            Recurso da E...:

            A. Se a actividade que era levada a cabo pela 3.ª ré não se pode qualificar como “actividade perigosa”;

            B. Mesmo que assim se entenda, se esta provou ter empregue todas as providências exigidas pelas circunstâncias para evitar os eventuais perigos daí resultantes, cabendo a responsabilidade pela produção do acidente exclusivamente ao autor;

            C. Nulidade da cláusula que exclui das garantias do contrato de seguro em causa os danos resultantes da inobservância das disposições legais e camarárias relativas à execução dos trabalhos, bem como as medidas de segurança que a lei ou a natureza dos mesmos exija;

            D. Montante da indemnização a atribuir ao autor a título de danos não patrimoniais.

            Recurso da ré C... L.da:

            E. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos quesitos 4.º, 5.º, 13.º e 14.º, da base instrutória;

            F. Se configura actividade perigosa, a actividade que estava a levar a cabo;

G. Se a culpa na produção do acidente ficou a dever-se ao autor, pelo que a ora recorrente não pode ser condenada com base em presunção, nos termos do artigo 570.º, do Código Civil e;

H. Se inexiste qualquer fundamento para a sua condenação solidária com a co-ré seguradora no pagamento da indemnização, dada a existência de contrato de seguro.

            É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1. O autor nasceu no dia 5.10.87 (al. A).

2. À data do sinistro a 3ª ré tinha celebrado um contrato de responsabilidade civil de empresas de construção com a 4.ª R., titulado pela apólice nº (...), da qual consta uma franquia de 10% do valor da indemnização, com o mínimo de 500 euros (doc. de fls. 103 e ss) – al. B).

Tal contrato garante (condições particulares) “as indemnizações que, ao abrigo da lei civil, sejam exigíveis ao segurado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados a terceiros, decorrentes de lesões corporais e/ou materiais, em consequência do exercício da sua actividade de empresa de construção civil, nomeadamente: pela execução dos trabalhos próprios da sua actividade; pela utilização das máquinas necessárias à sua actividade; pelos actos ou omissões do segurado, seus administradores, gerentes, empregados, assalariados ou mandatários, quando ao seu serviço e no desempenho das missões que lhes forem confiadas; pelas instalações, locais ou terrenos utilizados pelo segurado para o exercício da sua actividade e dos quais o segurado seja proprietário, arrendatário ou usufrutuário; por incêndio ou explosão originados pelo desenvolvimento da sua actividade.” (cl. 20º)

No artº 2 (condições particulares), sob a epígrafe “Exclusões” está previsto que “Para além das exclusões constantes das condições gerais da apólice ficam igualmente excluídos: (…) os danos resultantes da inobservância das disposições legais e camarárias relativos à execução dos trabalhos bem como as medidas de segurança que a lei ou a natureza dos mesmos exija”.

No artº 4º, al. t) das condições gerias estão excluídos os “danos consequenciais, seja qual for a sua causa ou natureza, ainda que o dano directo se encontre abrangido pela apólice. Nomeadamente ficam excluídas da garantia as perdas de exploração, lucros cessantes e/ou custos de paralisação.”

3. A 2ª ré transferiu para a J..., SA, através da sua Apólice de Responsabilidade Civil n.º (...), a responsabilidade adveniente de danos causados a terceiros por obras realizadas, da qual consta uma franquia de 10% do valor da indemnização, com o mínimo de 500 euros (doc. de fls. 201 e 202) - al. C).

4. No passado dia 28 de Junho de 2006, cerca das 10h e 50m o autor deslocava-se a pé na Rua da Primavera em direcção ao Largo, na Pedrulha, local onde a 3ª Ré se encontrava a efectuar obras no passeio e na estrada (artº 1º e 2º).

5. A 3ª ré naquele local estava a executar as obras de construção de extensões de redes secundárias e ramais de distribuição de gás natural no âmbito de um contrato de subempreitada que tinha celebrado com a 2ª ré (artº 3º)

6. Essas obras consistiam na abertura de uma vala, com profundidade aproximada de cerca de 80 centímetros e largura de 30 cm, com vista à instalação de condutas de gás (artº 4º).

7. O local de obra e as máquinas eram visíveis a quem quer que fosse a uma distância superior a 20 metros (artº 18º).

8. As obras não estavam sinalizadas, nem dispunham de qualquer tipo de protecção (artº 5º).

9. Quando os transeuntes passavam pelo local das obras tinham que atravessar pela frente da máquina e da respectiva pá, passando sobre a vala aberta com cerca de 30 cm de largura e depois prosseguiam por um passadiço de terra, com cerca de 60 cm de largura, situado entre o local em que estava a ser aberta a vala e um murete, e que acompanhava tal vala (artº 6º).

10. No dia e hora referido em 1º não se encontrava qualquer funcionário de qualquer das rés a alertar para tal situação (artº 7º).

11. O autor antes de passar por tais obras apercebeu-se das mesmas (artº 9º).

12. Antes do autor se aproximar do local das obras a máquina da 3ª ré havia cessado o seu funcionamento, estando imobilizada a sua pá, na posição de levantada, para uma senhora idosa passar (artºs 8º e 16º).

13. Quando o autor estava a passar no local onde a máquina que encontrava, e pela sua frente, sobre o local onde estava aberta a vala, bateu com a cabeça na pá da supra referida máquina, que se encontrava levantada e imobilizada e, após isso, caiu naquela vala (10º e 15º).

14. Em consequência o autor sofreu fractura bimaleolar à esquerda e traumatismo crânio-encefálico, tendo sido transportado por uma ambulância do INEM para os Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) (artº 18º e 19º).

15. Em 03.07.2006 o autor foi operado, tendo-lhe sido efectuada redução da fractura e osteossíntese com placa 1/3 de cana e parafusos e imobilização com tala gessada (artº 20º e 20º).

16. O autor esteve internado nos HUC desde a data do acidente (28.06.2006) até ao dia 07/07/2006, dia em que teve alta de enfermaria, com indicação de deambular em descarga com apoio de canadianas e retirar pontos de sutura aos 15 dias após operatório e ir à consulta externa dos HUC (artº 22º).

17. Entre o dia 10 de Julho de 2006 e 19 de Julho de 2006 o autor efectuou tratamento de desinfecção e penso, data em que lhe foram retirados os pontos (artº 23º).

18. No dia 27 de Julho de 2006, o Autor efectuou consulta de traumatologia de consulta externa de ortopedia, nos HUC, tendo aí efectuado nova consulta no dia 05 de Setembro de 2006, quando lhe foi removida a tala gessada (artº 24º).

19. O autor compareceu na consulta externa dos HUC nos dias 19 de Dezembro de 2006 e 24 de Abril de 2007, efectuando sempre exames radiológicos (artº 25º).

20. O autor foi internado e foi submetido a cirurgias no dia 21 de Janeiro de 2009 e 22.01.2009, tendo-lhe sido efectuada extracção parcial de material de osteossintese, uma vez que, por haver parafuso moído, não foi possível remover a placa (artº 26º).

21. O autor esteve internado nos HUC desde 21.01.2009 até ao dia 23.01.2009, dia em que teve alta de enfermaria, com indicação de deambular com apoio de canadianas, sem esforço durante 3 semanas, fazer pensos e retirar pontos de sutura decorridos 12 a 14 dias do pós-operatório e ser observado em consulta externa dos HUC (artº 27º).

22. Em 17 de Março de 2009 foi observado nos HUC, tendo ficado com novo controle clínico e radiológico marcado para Setembro de 2009, para provável proposta de internamento para extracção do restante material de osteossintese (artº 28º).

23. O autor apresenta, actualmente, na porção média da região inter-parietal cicatriz medindo dois centímetros de comprimento por um centímetro de largura, no terço médio e inferior da face lateral da perna esquerda cicatriz com características operatórias, nacarada, medindo onze centímetros de comprimento (artº 30º).

24. A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo autor ocorreu em 24.4.2007 (artº 33º).

25. O autor ficou portador de Incapacidade Temporária Geral Total no período de 45 dias, aos quais acrescerão mais 15 dias para eventual extracção do restante material de osteossíntese (artº 34º).

26. O autor sofreu uma incapacidade Temporária Geral Parcial durante 255 dias (artº 35º).

27. O autor sofreu um período de incapacidade total para as actividades escolares até ao final do ano lectivo que estava em curso (artº 36º).

28. O autor ficou a padecer de uma incapacidade Geral Permanente Parcial de 2 pontos (artº 37º).

29. Na altura do acidente o autor era estudante do ensino secundário (artº 38º).

30. O Autor esteve absolutamente impedido de estudar e realizar os seus exames no final do ano lectivo que estava em curso à data do acidente - 2005/2006 (artº 39º).

31. Tal obrigou o autor a realizar mais um ano do ensino secundário para aceder ao ensino superior (artº 40º).

32. O autor frequentou e concluiu o curso de História na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (artº 41º).

33. O autor foi trabalhador-estudante desde Junho de 2007 a Dezembro de 2008, nos Cinemas (...), em Coimbra, onde trabalhava 25 horas semanais (artº42 º).

34. O autor, para efectuar os tratamentos médicos a que foi sujeito na sequência do acidente ajuizado, efectuou deslocações, no montante de €177,27 (artº 43º).

35. E procedeu ao pagamento de consultas e taxas moderados nos HUC e no Centro de Saúde, no montante de € 32,45 (artº 44º).

36. O autor comprou canadianas, no valor de €16,20 (artº 45º).

37. O autor tem de fazer um esforço acrescida no exercício de qualquer actividade que exija boa mobilidade, força dos membros inferiores e permanência em pé (artº 46º).

38. O autor, no exercício da sua actividade nos cinemas (...) sentia fortes dores, que aumentavam com o final do dia de trabalho (artº 47º).

39. O que continuará a ocorrer em actividades profissionais futuras, sempre que tenha necessidade de permanecer em pé (artº 48º).

40. O autor poderá ter que ser submetido a intervenção cirúrgica para extracção do restante material de osteossíntese (artº 49º).

41. Em resultado do acidente supra descrito, o autor no período de internamento e tratamento sofreu dores quantificáveis no grau 4 numa escala de sete graus (artº 50º).

42. Quando o autor esteve internado e acamado nos HUC e na sua própria residência, necessitou do auxílio de terceiros – em especial de sua mãe – para, designadamente, se vestir, fazer a sua higiene (artº 51º).

43. O autor sente desgosto e sofrimento por ter ficado com cicatrizes e uma deformação no membro inferior esquerdo (artº 52º).

44. O autor, até à data do acidente, jogava futebol com os amigos e outros jogos de contacto, andava de skate e ia dançar com os seus amigos, bem como ia correr com os amigos, o que deixou de fazer (artº 53º).

45. O que lhe causa um prejuízo de afirmação pessoal fixável no grau 3 numa escala de sete graus (artº 54º).

46. Em virtude do acidente em discussão nos autos, ocorrido no dia 28.6.2006, os HUC prestaram assistência autor, cujo valor ascende à quantia de €5.090,30 (artº 56º).

            Não obstante a ordem de interposição dos recursos e as várias questões que nos mesmos são afloradas, importa, previamente, decidir o recurso interposto pela 3.ª ré, no tocante à fixação da matéria de facto atinente.
            Pelo que iniciaremos a nossa análise dos aludidos recursos, apreciando a questão acima elencada em E.
           
Recurso da ré C...:
E. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada – relativamente aos quesitos 4.º, 5.º, 13.º e 14.º da base instrutória.

            Alega a recorrente C... L.da que em face dos depoimentos prestados pelas testemunhas M... e N..., não se devia ter dado como provado o constante do facto provado 6, no tocante à abertura de valas com uma profundidade de cerca de 80 cm; deve considerar-se como não provado o quesito 5.º e provados os quesitos 13.º e 14.º.

            Por seu turno, o autor, ora recorrido, defende que se devem manter as respostas que foram dadas a tais quesitos em 1.ª instância, aditando a favor da sua tese os depoimentos das testemunhas F..., G..., H...e I....

            Posto isto, e em tese geral, convém, desde já, deixar algumas notas acerca da produção da prova e definir os contornos em que a mesma deve ser apreciada em 2.ª instância.

Toda e qualquer decisão judicial em matéria de facto, como operação de reconstituição de factos ou acontecimento delituoso imputado a uma pessoa ou entidade, esta através dos seus representantes, dependente está da prova que em audiência pública, sob os princípios da investigação oficiosa (nos limites e termos em que esta é permitida ao julgador) e da verdade material, se processa e produz, bem como do juízo apreciativo que sobre a mesma recai por parte do julgador, nos moldes definidos nos artigos 653, n.º 2 e 655, n.º 1, CPC – as já supra mencionadas regras da experiência e o princípio da livre convicção.

Submetidas ao crivo do contraditório, as provas são pois elemento determinante da decisão de facto.

Ora, o valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte dos factos em apreço, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade.

Por outro lado, certo é que o juízo de credibilidade da prova por declarações, depende essencialmente do carácter e probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos e qualidades, como regra, não são apreensíveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto directo com as pessoas, razão pela qual o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.

Quanto à apreciação da prova, actividade que se processa segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção, certo é que em matéria de prova testemunhal (em sentido amplo) quer directa quer indirecta, tendo em vista a carga subjectiva inerente, a mesma não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência e conhecimentos científicos, tudo se englobando na expressão legal “regras de experiência”.

Estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias, nada impede que o tribunal superior, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.

Não se pode olvidar que existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso, ainda que com base nas transcrições dos depoimentos prestados, a qual, como é óbvio, decorre de que só quem o observa se pode aperceber da forma como o testemunho é produzido, cuja sensibilidade se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e observação directa dos comportamentos objectivados no momento em que tal depoimento é prestado, o que tudo só se logra obter através do princípio da imediação considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão.

As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que quando a opção do julgador se centre em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v. g. quando o julgador refere não foram (ou foram) convincentes num determinado sentido) o tribunal de recurso não tem grandes possibilidades de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.

Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, reacções imediatas, o contexto em que é prestado o depoimento e o ambiente gerado em torno de quem o presta, não sendo, ainda, despiciendo, o próprio modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo isso contribuindo para a convicção do julgador.

A comunicação vai muito para além das palavras e mesmo estas devem ser valoradas no contexto da mensagem em que se inserem, pois como informa Lair Ribeiro, as pesquisas neurolinguísticas numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder - “Comunicação Global, Lisboa, 1998, pág. 14.

Já Enriço Altavilla, in Psicologia Judiciaria, vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12, refere que “o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras”.

Então, perguntar-se-á, qual o papel do tribunal de recurso no controle da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento?

Este tribunal poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso, admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz ou seja o processo lógico. Porém, o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação.

Tudo isto, sem prejuízo, como acima já referido, de o Tribunal de recurso, adquirir diferente (e própria) convicção (sendo este o papel do Tribunal da Relação, ao reapreciar a matéria de facto e não apenas o de um mero controle formal da motivação efectuada em 1.ª instância – cf. Acórdão do STJ, de 22 de Fevereiro de 2011, in CJ, STJ, ano XIX, tomo I/2011, a pág. 76 e seg.s).

Tendo por base tais asserções, dado que se procedeu à gravação da prova produzida, passemos, então, à reapreciação da matéria de facto em causa, a fim de averiguar se a mesma é de manter ou de alterar, em conformidade com o disposto no artigo 712, n.º 1, al. a), do CPC., pelo que, nos termos expostos, nos compete apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de 1.ª instância, face aos elementos de prova considerados (sem prejuízo, como acima referido de, com base neles, formarmos a nossa própria convicção).

Vejamos, então, as respostas postas em causa pels ora recorrente, nas respectivas alegações de recurso.

           

Alteração das respostas dadas aos quesito 4.º, 5.º, 13.º e 14.º da base instrutória.

            Como acima já referido, pretende a ora recorrente que sejam dados como não provados os quesitos 4.º e 5.º e como provados os quesitos 13.º e 14.º.

Para melhor esclarecimento e facilitar a decisão desta questão, passa-se a transcrever o teor de tais quesitos:

“4º

Essas obras consistiam na abertura de valas, com profundidade aproximada de cerca de 50 centímetros a 1 metro, com vista à instalação de condutas de gás?

E não estavam sinalizadas, nem dispunham de qualquer tipo de protecção?

13º

A obra estava sinalizada com cancelas ou baús e cones em material reflector que foram colocados ao longo de toda a extensão dos trabalhos?

14º

No início e no final dos trabalhos foram colocados sinais com indicações várias, designadamente “trabalhos na estrada”, sinal de “perigo”, limitação da velocidade a 30 kms/h e passagem estreita?”.

Como consta de fl.s 432 e 433, a M.ma Juiz deu-lhe as seguintes respostas:

“4º - provado que essas obras consistiam na abertura de uma vala, com profundidade aproximada de cerca de 80 centímetros e largura de 30 cm, com vista à instalação de condutas de gás;

5º - provado;

13º, 14º - não provado;”.

Motivou tais respostas da seguinte forma (cf. fl.s 435 a 437):

“Já quanto à ausência de sinalização houve duas versões. As testemunhas M... e N..., ambos funcionários da ré C... Lda, que estavam a executar as obras em curso, afirmaram que tinham colocado sinalização. Porém, as demais testemunhas que conheciam o local e por ali passavam, afirmaram o contrário. A este respeito, para além das demais ( F... e G..., pais do autor e H..., que também ali reside), foi totalmente elucidativo o depoimento de I..., que vive nas imediações e logo acorreu ao local. Esta testemunha afirmou de forma inequívoca que durante o dia não existia qualquer sinalização, apesar de os trabalhos que estavam a ser executados serem visíveis de todos os que ali passavam. Apenas no final do dia, quando os trabalhos paravam é que era colocada sinalização. Ora, muito embora aqueles dois trabalhadores tenham afirmado o contrário, entendemos que tais depoimentos estavam algo condicionados pelo facto de à data estarem a executar os mencionados trabalhos na via pública, valorando-se nessa medida o depoimento que prestaram. Por outro lado, a testemunha I..., não tendo qualquer relação familiar ou outra com o autor, prestou um depoimento credível, que veio a ser corroborado neste aspecto pelas demais testemunhas, supra mencionadas.

Nessa medida, deu-se como provada a inexistência de sinalização de obra durante o período de tempo em que a mesma decorria.

De todo o modo, como já dissemos, o autor sabia da existência das obras, que eram visíveis a vários metros de distância.

Quanto à natureza das obras que estavam a ser executadas mantém actualidade e pertinência a avaliação da prova que foi efectuada a respeito da sinalização. A testemunha I... indicou que a vala teria aproximadamente cerca de 80 cm (que lhe daria pela anca noutros locais onde já tinha sido executada), sendo que a profundidade da mesma foi indicada por outras testemunhas ( H...e G...) em pelo menos 40 cm. Por outro lado, os dois já referidos trabalhadores afirmaram que a vala já não estava aberta naquele local e que ali andavam a realizar trabalhos para alcatroar, sendo o desnível apenas de 4 a 7 centímetros. Ora, quanto a esta questão reitera-se a credibilidade que mereceu a testemunha I..., associada ao facto das lesões sofridas pelo autor (a sua extensão e gravidade) serem compatíveis com uma queda numa vala com a profundidade indicada pela testemunha I... e não com o desnível referido pelos dois trabalhadores.”.

Vejamos, então, se dos depoimentos das testemunhas invocados pela recorrente, bem como dos contra-indicado pelo autor, e sem olvidar as considerações prévias, quanto a tal, já acima explanadas, existem motivos para que as supra mencionadas respostas sejam modificadas ou alteradas.

Compulsados estes depoimentos e documentos referidos na fundamentação da matéria em referência, sufragamos a “leitura” feita no Tribunal recorrido.

Efectivamente e no que toca à questão da profundidade da vala, ambos os funcionários da ré C... M... e N..., referiram que a vala já estava fechada e andavam já na fase do alcatroamento, tendo a respectiva “caixa apenas 4 a 7 cm de profundidade”.

No entanto, as demais testemunhas indicadas pelo autor (seus pais, F... e G...), bem como H... e I..., que vivem nas proximidades e chegaram ao local logo após a ocorrência em apreço nos autos, referiram que se tratava de “valas para o gás”, mencionando a 1.ª a profundidade de cerca de 50 cm e a 2.ª a de cerca de 80 cm.

Depuseram de forma isenta e credível, como se salienta na fundamentação da decisão de facto em 1.ª instância, em termos que aceitamos.

De igual forma no que concernente à sinalização (ou falta dela) também se verifica a mesma dicotomia.

Pelas mesmas razões aderimos à fundamentação aduzida em 1.ª instância, já que as testemunhas H... e I..., foram peremptórios em dizer que inexistia qualquer sinalização, a qual só era colocada no fim do dia, até porque, segundo este, “não havia espaço para pôr grades”, dada a exiguidade do espaço onde decorriam as obras e ali permanecerem a máquina retroescavadora e uma camioneta, sendo esta exiguidade de espaço consensual, como se colhe dos depoimentos de todas as testemunhas (e daí a necessidade de as pessoas terem de passar no local onde encontrava, em laboração, a retroescavadora), pelo que se compreende esta afirmação da testemunha I....

Consequentemente, permanecem inalteradas as respostas que foram dadas aos quesitos em referência, em função do que se mantém a factualidade que foi dada como provada (e não provada) em 1.ª instância, em função do que, improcede esta questão do recurso.

Recurso da E... e C...:

A. Se a actividade que era levada a cabo pela 3.ª ré não se pode qualificar como “actividade perigosa” e;

F. Se configura “actividade perigosa”, a actividade que estava a ser levada a cabo pela C....

O tratamento conjunto destas duas questões radica no facto de terem o mesmo objecto: qualificação dos trabalhos que estavam a ser desenvolvidos como actividade perigosa, ou não, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 493.º, n.º 2 do Código Civil.

            Defendendo os recorrentes que a mesma não se deve qualificar como “actividade perigosa” para tais efeitos e o recorrido, que assim se deve considerar, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, na qual se entendeu que a actividade desenvolvida pela ré C... deve ser considerada como perigosa e sem que as rés tenham ilidido a presunção de culpa que advém de tal qualificação.

            Desde já se diga que a sentença recorrida se encontra bem fundamentada e que a ela se poderia aderir, nos termos do disposto no artigo 713.º, n.º 6, do CPC.

            Ainda assim, não deixaremos de referir o que se segue.

            Dispõe o artigo 493.º, n.º 2, CC que:

“Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.”.

            Como é consabido, em matéria de responsabilidade civil extracontratual prevalece o primado da culpa, sendo ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa – cf. artigos 483.º, n.º 1 e 487.º, n.º 1, ambos do Código Civil.

            Como excepções a esta regra temos os casos de responsabilidade objectiva ou pelo risco e em que exista presunção legal de culpa, por força da qual, nos termos do disposto no artigo 350.º CC, a parte escusa de provar o facto que a ela conduz, competindo-lhe apenas alegar e provar o facto que serve de base à presunção.

            Não se define no supra transcrito artigo 493.º, n.º 2, o que deva entender-se por “actividade perigosa”, pelo que é matéria a apreciar em cada caso, segundo as circunstâncias – cf. P. de Lima e A. Varela, in Código Civil, Anotado, Vol. I, 3.ª Edição Revista E Actualizada, Coimbra Editora, 1982, a pág. 469.

            Especificando, A. Varela, in RLJ, ano 121, pág. 51 que “Por exercício de actividades perigosas devem entender-se aquelas operações profissionais que, pela sua especial perigosidade … requerem medidas especiais de prevenção”, ali dando como exemplo o transporte de combustíveis, trabalhos de pirotecnia, fabrico, armazenagem e transporte de explosivos, tratamentos de Raios X, emprego de Raios Laser e o uso da broca em tratamentos de odontologia.

            Também, Pessoa Jorge in Ensaio Sobre Os Pressupostos Da Responsabilidade Civil, Almedina, 1995, a pág. 88, refere que “O facto de o dever de vigilância impor condutas tendentes a evitar a lesão de direito alheio não significa que qualquer actividade, pelo simples facto de ser perigosa, deva ser em absoluto evitada e que a sua prática envolva necessariamente a qualificação de ilícita”.

A prática das actividades perigosas exige maiores cuidados que outras congéneres não reclamariam.

            De referir, ainda, Vaz Serra, Responsabilidade Civil, separata do BMJ n.º 85, pág. 370, que, no seguimento da doutrina italiana, define actividade perigosa como sendo aquela que “… cria para terceiros um estado de perigo, uma probabilidade de receber dano, maior do que a normal derivada de outras actividades, devendo a periculosidade da actividade existir no exercício dela própria, considerada em abstracto, sem se atender à eventual inexperiência de quem a exerce”.

            Na mesma linha se pronuncia M. Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 8.ª edição, Almedina, 2000, a pág. 259, que ali refere “deve tratar-se, pois, de actividade que mercê de qualquer dessas duas razões (da sua natureza ou da natureza dos meios utilizados), tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral”.

            Posição que é, ainda, a expressada por Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português II, tomo 3, pág. 584 e segs.

            Trata-se, pois, de um conceito indeterminado, a apreciar caso a caso, em função das especificidades concretamente provadas, tendo em vista quer a actividade levada a cabo, em si mesma considerada, quer quanto aos concretos meios e condições de que o agente se serviu para a executar, como se refere, v.g., nos Acórdãos do STJ, de 15/11/2011, Processo 5486/09.5TVLSB.L1.S1 e de 21/11/2006, Processo 06A3419, ambos disponíveis in http://www.dgsi,pt/jstj.

           

            Concretamente sobre a perigosidade da actividade de “construção civil em geral”, pronunciou-se recentemente (em 13/11/2012, disponível no mesmo sítio dos ora citados) o STJ, no sentido de a mesma não dever ser considerada, por si só, uma actividade perigosa, só o sendo se se verificarem circunstâncias que potenciem o risco de criar danos a terceiros (podendo entender-se que tal conclusão mais não é do que o corolário do que acima se deixou dito acerca da qualificação de uma actividade como perigosa – análise, em função das circunstâncias concretamente apuradas em cada caso, quer da actividade em si mesma considerada quer dos meios utilizados).

            Especificamente, acerca da abertura de valas numa rua de uma cidade com o auxílio de máquina retroescavadora, se pronunciam os Acórdãos do STJ, acima citados, nos quais se considera (no de 15/11/2011) que “a abertura de uma vala em si mesma, é actividade perigosa, pois cria condições propícias ao desmoronamento de terras e a quedas de consequências danosas imprevisíveis para pessoas e coisas; e este perigo potencia-se quando, como sucedeu no caso ajuizado consistiu na utilização duma máquina escavadora, já que o manuseamento desta se reveste de evidente dificuldade, envolvendo limitações de vária ordem para quem a manobra quando inopinadamente surgem perigos que se torne necessário remover num curto lapso de tempo e numa área mais ou menos restrita.”.

            Ali se acrescentando, que tais perigos aumentavam, dado tratar-se de trabalhos levados a cabo numa zona povoada, o que tudo fazia aumentar “o risco da ocorrência de danos com relevantes implicações na vida de muitas famílias residentes naquela zona (…) e obrigando, por isso, a especiais cautelas.”.

           

            Volvendo ao caso em apreço, é forçoso qualificar a actividade levada a cabo pela 3.ª ré, como “actividade perigosa”, quer considerando esta em si mesma quer os meios e circunstâncias em que a exerceu.

            Efectivamente, estamos em presença da abertura de uma vala para instalação de condutas de gás, com uma profundidade de cerca de 80 cm e largura de 30 cm, não sinalizadas e sem dispor de qualquer tipo de protecção e em que, obrigatoriamente, os transeuntes, que passavam pelo local, tinham (sublinhado nosso) que atravessar pela frente da máquina e da respectiva pá, passando sobre a vala aberta e depois prosseguiam por um passadiço de terra, com cerca de 60 cm de largura, situado entre o local em que estava a ser aberta a vala e um murete e que acompanhava tal vala, como resulta do item 9.º dos factos provados e sem que, aquando da ocorrência do acidente se encontrasse um funcionário da 3.ª ré a alertar para tal situação – item 10.º.

            Do facto de as pessoas que por ali passavam terem, obrigatoriamente de se “meter debaixo do raio de acção” da máquina que era usada para a abertura da vala, resultam elevados perigos, sendo potenciada a hipótese do risco de alguma das pessoas por ela ser atingida ou nela embater, como foi o caso ou, ainda, do perigo de quedas para a própria vala, dado que, realce-se, se trata de obras levadas a cabo em malha urbana e em que as pessoas que por ali transitavam tinham que, obrigatoriamente, atravessar no local onde tais trabalhos estavam a ser feitos, pela frente da máquina e da respectiva pá, o que tudo elevava a possibilidade do risco de ocorrerem acidentes.

Dada a conjugação de todos estes factores, tudo nos leva a concluir estarmos em presença de uma actividade que se tem de qualificar como perigosa, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 493.º, n.º 2 do Código Civil.

            Por isso, também, quanto a estas questões, tem de improceder o presente recurso.

            B. Se mesmo que se entenda que actividade levada a cabo pela 3.ª ré se qualifique como “actividade perigosa”, se esta provou ter empregue todas as providências exigidas pelas circunstâncias, para evitar os eventuais perigos daí resultantes, cabendo a responsabilidade pela produção do acidente exclusivamente ao autor e;

            G. se a culpa na produção do acidente ficou a dever-se ao autor, pelo que a ora 3.ª ré não pode ser condenada com base em presunção de culpa, nos termos do artigo 570.º, do Código Civil.

            No que a tal concerne, alegam as recorrentes que para além da falta de sinalização das obras, o que no caso não se mostrou relevante para a ocorrência do acidente, dado que as obras eram visíveis e o autor as viu, pela 3.ª ré foram praticados todos os actos adequados e suficientes com vista a afastar a possibilidade de virem a ocorrer acidentes, acidente que só se pode assacar à conduta do autor, o qual, só por distracção ou incúria da sua parte, pode ter embatido na máquina, assim ilidindo a presunção de culpa que sobre si impendia.

            Ao invés, na sentença recorrida considerou-se que as rés não ilidiram a referida presunção de culpa, com base nos fundamentos que se passam a transcrever:

“Ora, nos presentes autos provou-se apenas que antes de o autor se aproximar do local das obras a máquina da 3ª ré havia cessado o seu funcionamento, estando imobilizada a sua pá, na posição de levantada, para uma senhora idosa passar.

Coloca-se, então, a questão de saber se as rés ilidiram a presunção de culpa, na medida em que provaram que a máquina tinha cessado o seu funcionamento e tinha a sua pá imobilizada na posição de levantada.

Entendemos que não. Para que assim fosse teriam que ter provado que essa medida era suficiente, porquanto o autor poderia ter efectuado outro percurso, mais afastado da máquina e da sua pá, o que nem sequer foi alegado ou até que a pá da máquina estava imobilizada numa posição fora do alcance do autor e que este só lhe embateu com a cabeça porque saltou, por hipótese. Ou seja, as rés teriam que ter provado factos dos quais resultasse uma actuação diligente efectiva e suficiente para que o evento danoso não se tivesse verificado. Não o fizeram. O facto da pá da máquina estar imobilizada, só por si, não tem a virtualidade de conduzir à ilisão da presunção de culpa, já que estava imobilizada, mas o autor embateu nela com a sua cabeça, o que até nos leva a concluir que estaria no mesmo nível que a sua cabeça.

Concluindo, não foi nos autos ilidida a presunção de culpa que impendia sobre a 3ª ré. E, “estando nós perante deveres de agir para evitar danos para terceiros, ou seja, delitos de omissão, e sendo aqui a violação do dever elemento da ilicitude, a inversão do ónus da prova, como acontece com outras hipóteses de presunção de culpa, faz afinal presumir não apenas a culpa, como também a ilicitude (violação de um dever).” (Sinde Monteiro, RLJ, 131º, pág. 108).”.

                       

            Concordamos em absoluto com tal justificação e conclusão.

            Efectivamente, como acima já referido, a única forma que a ora 3.ª ré tinha para ilidir a presunção de culpa que sobre si impendia era a de “mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir” (aos danos causados), como decorre da parte final do artigo 493.º, n.º 2, in fine do Código Civil.

            Como referido no Acórdão do STJ, acima citado, de 21/11/2006 “As providências a adoptar pelo sujeito para evitar os danos resultantes do exercício de uma actividade perigosa são ditadas pelas normas técnicas ou pelas regras da experiência comum, as quais se aferem pela diligência de um bom pai de família.”.   

            Cabendo-lhe, pois, provar em juízo que adoptou todas as providências exigidas pelas circunstâncias do caso em apreço para evitar que o autor embatesse na pá da máquina, com a consequente queda do mesmo na vala.

            No caso em apreço, era muito simples à 3.ª ré demonstrar que assim procedeu.

            Com efeito, bastaria provar que a máquina ou a respectiva pá estavam numa posição em que seria impossível a um transeunte nelas embater ou que só por sua livre iniciativa é que o autor se colocou no raio de acção da máquina, sem ter necessidade de o fazer.

            Mas a ré não só não logrou demonstrar que a pá da máquina estava numa posição que evitasse que o autor nela embatesse como, ao inverso, se demonstrou que o autor embateu na referida pá, do que importa concluir que esta, apesar de imobilizada, se encontrava a uma altura que possibilitou que o autor nela embatesse, em conjugação com o facto de que o autor (como as demais pessoas que ali transitavam) estar obrigado a atravessar no local das obras, pela frente da máquina e da respectiva pá, a que acresce que as pessoas não eram alertadas para tal situação.

            Como referem P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição Revista E Actualizada, Coimbra Editora, 1982, a pág. 470:

            “Quanto aos danos causados no exercício de actividades perigosas, o lesante só poderá exonerar-se da responsabilidade, provando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar. Afasta-se indirecta, mas concludentemente, a possibilidade de o responsável se eximir à obrigação de indemnizar, com a alegação de que os danos se teriam verificado por uma outra causa (causa virtual …) mesmo que ele tivesse adoptado todas aquelas providências.”.

            Mais recentemente, Nuno M. Pinto Oliveira, in Cadernos de Direito Privado, Número Especial 02/Dezembro de 2012, II Seminário dos Cadernos de Direito Privado “Responsabilidade Civil”, no seu estudo intitulado “Responsabilidade objectiva”, fl.s 107 e seg.s, refere a fl.s 112 que no caso do artigo 493.º, n.º 2, do CC:

            “O lesante só pode praticamente exonerar-se com a alegação e a prova de que não há uma conexão de perigo ou uma conexão de risco entre a actividade desenvolvida e os danos; ora a alegação de que não há uma conexão de risco concretiza-se, sempre ou quase sempre, na alegação e na prova de que há “um caso fortuito” ou um “caso de força maior”.

            Ali acrescentando a pág.s 116 e 117 o seguinte:

            “O art. 493.º, n.º 2, do CC português corresponde palavra por palavra ao art. 2050.º do CC italiano. O fim do art. 2050.º era o de consagrar um princípio geral de responsabilidade pelos danos evitáveis – e, consagrando um princípio geral de responsabilidade pelos danos evitáveis, as causas de exclusão da responsabilidade intermédia do art. 2050.º aproximam-se das cláusulas de exclusão de uma responsabilidade objectiva, sem culpa. O risco da “causa desconhecida” desloca-se do lesado para o lesante: - se aquele que exerce uma actividade perigosa não conseguir fazer a prova de um “caso de força maior”, responde pelos danos decorrentes de “uma causa desconhecida.”.

            Não demonstrando a 3.ª ré que empregou todas as providências adequadas a evitar que o autor embatesse na pá da máquina, nem a inexistência da aludida “conexão de perigo ou de risco” entre as obras que ali levava a cabo e os danos que o autor veio a sofrer, por via de ter embatido na pá da máquina e subsequente queda, não ilidiu a presunção de culpa que sobre si impendia, tal como resulta do disposto no artigo 493.º, n.º 2, in fine, do Código Civil, pelo que sobre ela (e sobre a E..., na qualidade e âmbito do contrato de seguro celebrado) recai a obrigação de indemnizarem o autor pelos danos por este sofridos em consequência do evento danoso que está na génese dos presentes autos.

            Consequentemente, também, quanto a estas questões improcede o presente recurso.

            Recurso da E...:

            C. Nulidade da cláusula que exclui das garantias do contrato de seguro em causa os danos resultantes da inobservância das disposições legais e camarárias relativas à execução dos trabalhos, bem como as medidas de segurança que a lei ou a natureza dos mesmos exija.

            Defende a ora recorrente a validade da cláusula em referência, porquanto a mesma foi objecto de negociação com a sua segurada e a entender-se que o acidente ocorreu por falta de sinalização das obras, a sua responsabilidade está excluída, por força da referida cláusula.

            Sendo de realçar que na contestação, apenas é invocada a causalidade da falta de sinalização de obras (respectivo artigo 18.º) e só nas alegações é que surge a referência ao acordo entre as partes no sentido de incluir tal cláusula no contrato, pretendendo, assim, afastar a sua natureza de “pré-adesão”.

            Por outro lado, não pode deixar de se salientar que a E..., com vista a afastar a responsabilidade da sua segurada, considera que a falta de sinalização não foi causal do acidente (veja-se a conclusão S) do seu recurso), visando imputar a culpa ao autor e, ao mesmo tempo, pretende fundamentar o seu pedido de validade da cláusula em apreço, na falta de cumprimento das regras legais por parte da sua seguradora, por esta não ter sinalizado as obras.

            Na sentença recorrida considerou-se que a cláusula em apreço é nula, sob pena de se desvirtuar e esvaziar o conteúdo e objecto do contrato de seguro em apreço.

            E desde já adiantando a solução, fê-lo bem.

            Efectivamente, como consta do item 2 dos factos provados, entre a E... e a C... foi outorgado o contrato de seguro aí melhor descrito, visando a cobertura dos riscos decorrentes da actividade levada a cabo pela segurada através dos seus gerentes e assalariados.

            Como consta de fl.s 103 e 104, no artigo 2.º das Cláusulas Especiais Aplicáveis, sob a epígrafe “Exclusões”, consta o seguinte:

            “Para além das exclusões constantes das condições gerais da apólice ficam igualmente excluídos:

            (…)

            Os danos resultantes da inobservância das disposições legais e camarárias relativos à execução dos trabalhos bem como as medidas de segurança que a lei ou a natureza dos mesmos exija;”.       

            Mas, como se constata de fl.s 110 e 111, idêntica cláusula consta do item 1.4, al. a), das Condições Gerais do contrato de seguro em apreço.

            Pelo que, teremos de concluir, para o que também releva a configuração gráfica da apólice (pré-impressa), que estamos em face de um contrato de adesão.

            Como refere Almeno de Sá, in Cláusulas Contratuais Gerais E Directiva Sobre Cláusulas Abusivas, Almedina, 1999, a pág.s 166 e 167 devem entender-se como cláusulas contratuais gerais as que “nos surgem como estipulações predispostas em vista de uma pluralidade de contratos ou de uma generalidade de pessoas, para serem aceites em bloco, sem negociação individualizada ou possibilidade de alterações singulares.”.

           

Ora, um dos elementos essenciais do contrato de seguro e que tem a ver com o seu objecto é o risco[1] – evento futuro e incerto cuja materialização constitui o sinistro; risco que assim define/delimita o objecto dum concreto contrato de seguro[2].

Denota isto que as vulgarmente designadas “exclusões”, constantes das condições gerais e especiais, se integram ainda na delimitação do objecto e âmbito do contrato de seguro; e que é necessário ter em conta, na delimitação do objecto do contrato de seguro, tanto as estipulações negociais que indicam, pela positiva, quais os riscos cobertos pelo contrato de seguro como as que, negativamente, limitam o âmbito de cobertura através das designadas exclusões de responsabilidade.

O que, porém, não significa, por estarmos ainda perante cláusulas respeitantes ao objecto do contrato – dispondo-se no art. 4.º, n.º 2, da Directiva 93/13/CEE, de 05/04/93, que “ a avaliação do carácter abusivo das clausulas não incide nem sobre a definição do objecto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração (…), desde que essas clausulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível” – que possam escapar de todo ao controlo da sua natureza/conteúdo abusivo.

Como refere Moitinho de Almeida[3], o art. 4.º, n.º 2, da Directiva explica-se “pelas exigências de certos Estados-membros em que os princípios da economia de mercado constituem um pilar da respectiva ordem jurídica e não porque o legislador comunitário tenha querido impor esses princípios aos Estados-membros em que prevalece a protecção do consumidor. E a informação destes não basta para afastar a natureza abusiva da cláusula”.

Em síntese, as chamadas cláusulas de exclusão de certos riscos ou, mais concretamente, de delimitação dos riscos assumidos são, em princípio, válidas, sem prejuízo de poderem/deverem ser sujeitas ao crivo do regime das cláusulas contratuais gerais (DL n.º 446/85, de 25-10).

Ou seja, têm de ser comunicadas ao tomador do seguro, decorrendo tal dever de informação das regras gerais (art. 227.º do C. Civil), do art. 6.º do DL n.º 446/85 e dos art. 176.º do DL n.º 94-B/98, de 17-04, 2.º do DL n.º 176/95, de 26-07; e, além disso, para a sua validade subsistir não podem ser consideradas proibidas à luz do art. 15.º e ss do DL n.º 446/85.

É justamente nesta 2.ª vertente que a validade sob apreciação se situa.

Diz o art. 15.º do DL 446/85 que são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé; acrescentando-se por sua vez, na Lei do Consumidor (art. 9.º, n.º 2, b), da lei n.º 24/96, de 31-07), que os fornecedores estão obrigados à não inclusão de cláusulas em contratos singulares que originem significativo desequilíbrio em detrimento do consumidor.

Entretanto, a Directiva 93/13/CEE – Directiva relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores – estabelece, no seu art. 3.º, n.º 1, como critério que “uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência da boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato”[4].

Enfim, quando, em resultado de cláusulas de exclusão ou limitativas, a cobertura fique aquém daquela com que o tomador do seguro podia de boa fé contar, tendo em consideração o objecto e finalidade do contrato, tais cláusulas são nulas.

Apesar da delimitação/exclusão dos riscos ser lícita, por assentar na liberdade contratual, é pois preciso apurar se, em concreto e na prática, tal delimitação/exclusão não desvirtua o objecto do contrato; se o contrato não fica esvaziado no seu objecto/risco, o que constituirá uma ilicitude[5]

É o caso – situação pacificamente reputada como abusiva – de num contrato de seguro de incêndio se determinar que ficam excluídas do âmbito da cobertura as mais usuais causa de incêndio – curto-circuito, raio, rebentamento de bombas e foguetes, etc. – podendo assim chegar-se, no limite, a uma situação em que verdadeiramente o contrato de seguro fica sem objecto, pois o que seriam os riscos próprios e típicos de tal seguro de incêndio, a poderem ser consideradas como válidas as exclusões, não se encontrariam cobertos.

É mutatis mutandis, o caso dos autos, uma vez que estamos em presença de um contrato de seguro de responsabilidade civil resultante da actividade de construção, em que se pretende excluir os danos consequência da inobservância de disposições legais e/ou camarárias, como supra referido.

Hipótese sobre a qual se debruçou o STJ, no seu Acórdão de 14/11/2006, proferido no processo n.º 06A3618, disponível no respectivo sítio da dgsi, no qual se refere que uma tal “cláusula de exclusão, face à sua amplitude, retira, praticamente, a utilidade deste seguro.”.    

            Em idêntico sentido se pronuncia o Tribunal da Relação do Porto, Acórdão de 31/01/2012, Processo n.º 8728/09.3TBVNG.P1 (citado na decisão recorrida), disponível in http://www.dgsi.pt/jtrp, no qual, igualmente se considera este tipo de cláusula, como inserida em contrato de adesão, apoiando-se no defendido por José Vasques, Contrato de Seguro …, pág. 350, em consequência do que as considera nulas por violação do princípio da boa fé, nos termos do artigo 18.º, al.s b) e d), do DL 446/85, de 25/10.

            Como ali se refere, citando-se A. Pinto Monteiro, in Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, 1985, pág.s 373/374 e 377, o que está em causa é o controlo das cláusulas gerais insertas em contratos de adesão “em ordem a salvaguardar princípios elementares da ética contratual, seriamente comprometidos pelo carácter inequitativo ou abusivo de certas cláusulas, determinando que as cláusulas que prejudiquem injustamente a contraparte por violarem o princípio da boa fé e as que conduzam a uma disciplina contratual que contraria grosseiramente o quadro normativo adequado ao tipo contratual escolhido pelas partes, devem ser proibidas ou consideradas nulas.”.

            Ali acrescentando tal autor que se deve privar de efeitos “qualquer cláusula que, contra os princípios da boa fé, prejudique desmedidamente o aderente, sendo exemplos disso a cláusula incompatível com princípios essenciais da regulamentação legal de que se diverge e a que limita de tal forma direitos ou deveres essenciais, resultantes da natureza do contrato, que o fim contratual é posto em perigo.”.

           

            Em conformidade com o disposto no artigo 10.º do referido DL 446/85, as ccg devem ser interpretadas e integradas de harmonia com o disposto nos artigos 236.º e 238.º do Código Civil.

            Ora, atento o supra referido objecto do contrato de seguro em apreço e que uma das causas geradoras de responsabilidade civil das empresas que laboram na área da construção civil é, precisamente, a inobservância das boas práticas e normas legais e regulamentares aplicáveis a cada uma das específicas áreas que integram o conceito amplo de “construção civil”, a ter-se como válida a referida cláusula de exclusão, a responsabilidade da seguradora ficaria reduzida a “quase nada”, excluindo-a relativamente a terceiros e esvaziando de conteúdo útil o objecto e finalidade do contrato.

            Por tudo isto, tem a cláusula em apreço de ser considerada nula, atento o disposto nos artigos 15.º e 18.º, al. b), do DL 446/85, de acordo com os quais são proibidas as ccg contrárias à boa fé e em absoluto proibidas as ccg que excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais, causados na esfera da contraparte ou de terceiros.

            Do que decorre dever ser mantido tal segmento da decisão recorrida.

            Consequentemente, igualmente, quanto a esta questão improcede o presente recurso.

            D. Montante da indemnização a atribuir ao autor a título de danos não patrimoniais.

            Alega a recorrente E... que a indemnização fixada ao autor a este título se afigura excessiva, devendo fixar-se na quantia de 6.000,00 €.

Na sentença recorrida atribui-se-lhe o montante de 15.000,00 €.

Nos termos do disposto no artigo 496, n.º 1, do Código Civil, “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.

Como se colhe do Acórdão do STJ, de 26/6/91, in BMJ 408 – 538, a gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, sem ater a personalidades de sensibilidade exacerbada e a apreciar em função da tutela do direito.

Por outro lado, como se refere, por último, no Acórdão do STJ, de 07/06/2011, Processo 3042/06.9TBPNF.P1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj, importa verificar se os critérios seguidos na fixação desta indemnização, são passíveis de generalização para casos análogos, muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem ser seguidos em situações análogas ou equiparadas, nomeadamente, tendo em vista as lesões sofridas, suas consequências e a idade das vítimas.

Ou, como se refere no Acórdão do mesmo Tribunal, de 26/01/2012, Processo n.º 220/2001-7.S1, disponível no mesmo sítio do anterior deve “ser tratado por igual o que merece igual tratamento”, para o que se deve atender aos valores que vêm sendo fixados como compensação pelos danos não patrimoniais e no qual se referem os que como tal foram concedidos em alguns Arestos de tal Tribunal.

Cotejando os factos apurados, designadamente os que constam dos itens 14 a 17, 20 e 21, 23 a 28 e 37 a 45, verifica-se, em síntese, que autor sofreu fractura bimaleolar à esquerda e traumatismo crâneo-encefálico, foi intervencionado cirurgicamente, com as consequências que daí lhe advieram, tanto a nível físico como psicológico, ali melhor descritas.

A nível das sequelas, há ainda que ter em conta, embora noutra perspectiva, o próprio grau de IPP de que o autor ficou portador.

Tendo em linha de conta os critérios legais aplicáveis e atentas lesões e sequelas de que o autor ficou a padecer, bem como que não se trata de critérios rígidos nem de quantias pré-determinadas nem fixas, somos de opinião que a atribuída a este título se mostra justa, equilibrada e equitativa, sendo, por isso, de manter.

Assim, também, no que se refere a esta questão, improcede o presente recurso.

Recurso da C...:

H. Se inexiste qualquer fundamento para a sua condenação solidária com a co-ré seguradora no pagamento da indemnização, dada a existência de contrato de seguro.

No que a esta questão concerne, alega a ora recorrente que tendo celebrado um contrato de seguro com a co-ré E... e tendo sido considerada nula a cláusula de exclusão de responsabilidade, deve operar a transferência contratual da responsabilidade para a seguradora, o que a exonera da responsabilidade pelo pagamento da indemnização fixada e quantia a pagar aos HUC, com excepção do que se refere à caução.

Na sentença recorrida, por se ter considerado nula a supra referida cláusula de exclusão de responsabilidade, considerou-se que a obrigação de indemnização recaía sobre a 3.ª (ora recorrente) e 4.ª ré ( E...), mas não recaindo sobre esta a responsabilidade pelo pagamento da quantia de 8.000,00 €, que foi arbitrada a título de lucros cessantes (por força da existência de uma cláusula que excepciona tais danos e que não considerada nula, segmento da decisão, este, que não foi objecto de recurso).

Como decorre dos artigos 426.º e seg.s do Código Comercial, a celebração de um contrato de seguro visa transferir para a seguradora o pagamento das indemnizações pelos danos decorrentes dos riscos abrangidos no respectivo contrato.

Assim, tendo a ré C... outorgado com a E... o contrato de seguro referido nos autos, deve ser esta, no âmbito e com respeito pelos riscos que foram contratados, a responder pelo peticionado pagamento.

Ou seja, sobre a E... recai a obrigação do pagamento da indemnização atribuída ao autor e despesas reclamadas pelos HUC, por fazerem parte do objecto do contrato e recaindo apenas sobre a ré C... a obrigação pelo pagamento ao autor da quantia que a este foi arbitrada a título de lucros cessantes, por não abrangida pela apólice em referência.

            Assim, no que a esta questão respeita, procede, parcialmente, o presente recurso, em função do que se altera a decisão recorrida, na parte em que condenou, solidariamente, ambas as rés recorrentes, no pagamento das quantias arbitradas, decidindo-se que as mesmas ficam a cargo da ré E..., com excepção da indemnização arbitrada ao autor, a título de lucros cessantes, a qual fica a cargo da ré C....

Nestes termos se decide:       

Julgar parcialmente procedente a presente apelação e, consequentemente, altera-se a decisão recorrida, na parte em que condenou, solidariamente, ambas as rés recorrentes, no pagamento das quantias arbitradas, decidindo-se que as mesmas ficam a cargo da ré E..., com excepção da indemnização arbitrada ao autor, a título de lucros cessantes, a qual fica a cargo da ré C... e;

Mantendo-a quanto ao mais.

Custas pelas apelantes, na proporção dos respectivos decaimentos, em ambas as instâncias.

           

Arlindo Oliveira (Relator)

Emidio Francisco Santos

Catarina Gonçalves


[1] Os outros elementos serão os intervenientes (seguradora e tomador do seguro), as obrigações dos intervenientes (pagamento do prémio pelo tomador e assunção do risco e realização da prestação pela seguradora) e o interesse.

[2] É de tal modo essencial que o seguro é nulo se a seguradora sabia que havia cessado o risco ou se o segurado já sabia da existência do sinistro.
[3] Contrato de Seguro, pág. 95.
[4] E, segundo Moutinho de Almeida, obra citada, pág. 97, “para apreciar se existe desequilíbrio das prestações gravemente atentatória da boa fé importa ter em consideração todas as circunstâncias que envolvem o contrato, as quais devem ser apreciadas objectivamente, na perspectiva de um observador razoável e com referência não ao momento da celebração do contrato mas daquele em que é feita valer a nulidade do contrato.

[5] Desde logo por violar o art. 9.º do DL 176/95, quando este prescreve que as condições especiais ou particulares não podem modificar a natureza dos riscos cobertos nos termos das condições gerais, tendo em conta a classificação dos ramos de seguros e respectivos riscos.

Embora tendo este DL sido revogado pelos DL 60/2004, de 22 de Março; DL 357-A/2007, de 31 de Outubro e DL 72/2008, de 16 de Abril, manteve-se o mesmo regime.