Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1/09.3 GAOLR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: NULIDADE
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO
Data do Acordão: 06/27/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE OLEIROS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 119º, AL. C) E 333º CPP
Sumário: Ao realizar-se o julgamento do arguido na sua ausência, apesar de estar notificado da data da audiência e a esta ter faltado, sendo obrigatória a sua presença, sem que tenham sido tomadas todas as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, ou pelo menos para a tentar, ocorre nulidade insanável, por violação das normas dos art.ºs 61.º, n.º 1, al. a) e 333.º, ambos do Código de Processo Penal, bem como, ainda, 32.º, da Constituição da República Portuguesa, acarretando, necessariamente, a anulação do julgamento (art.ºs 119.º e 122.º, n.º 2 CPP)
Decisão Texto Integral: I – Relatório.
1.1. O arguido A..., entretanto já mais identificado nos autos, submetido a julgamento, sob a aludida forma de processo comum colectivo, acabou absolvido da acusação que contra si deduzira o Ministério Público, imputando-lhe então a autoria material consumada de um crime de abuso sexual de criança, sob a forma continuada, previsto e punido através das disposições conjugadas dos art.ºs 30.º, n.ºs 2 e 3 e 171.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código Penal.
1.2. Porquanto dissentido com o veredicto absolutório, recorre o Ministério Público, sendo que da motivação apresentada ao efeito, extraiu o mesmo a seguinte ordem de conclusões:
1. Tinha o Ministério Público requerido a comparência forçada do arguido em audiência, já que a esta não compareceu, apesar de regularmente notificado.
2. Desiderato era o de, pelo menos, tentar o interrogatório do arguido, além (sobretudo) de recolher material biológico na sua pessoa para comparação com o demais material já recolhido, quer na pessoa da ofendida B..., quer no que tange aos vestígios hematológicos recolhidos ao feto, pois que a ofendida interrompeu voluntariamente a sua gravidez.
3. Tal diligência permitiria completar a prova científica levada a cabo durante a fase de inquérito e, em última análise saber se o feto era ou não resultado das relações sexuais mantidas entre ofendida e arguido e como tal, provar ou não, o crime imputado ao arguido.
4. O paradeiro do arguido era conhecido já que no dia 23 de Novembro de
2011 tinha este sido notificado por órgão de polícia criminal no âmbito de outro processo e na morada constante do TIR.
5. É certo que o Tribunal a quo ordenou a emissão de tais mandados, mas fê-lo às 14:30 horas, do dia 12 de Dezembro de 2011, e, ordenou que fossem cumpridos até às 16:30 horas desse mesmo dia, ou seja, em apenas duas horas.
6. Tal prazo, além de manifestamente escasso, nem sequer permitiu que a GNR pudesse apurar se era verdade, ou não, o que o pai do arguido tinha dito (que este não ia a casa há cerca de uma semana).
7. Além de que, o facto de o pai do arguido afirmar tal, não equivale a que se possa considerar que é desconhecido o paradeiro do arguido e que não é possível a sua detenção.
8. O Tribunal só poderia considerar, como considerou, que nenhuma prova dos factos constantes da acusação – à excepção da data de nascimento da ofendida – se fez em audiência, depois de ter esgotado todas as possibilidades ao seu dispor, nos termos do art.º 340.º, do Código de Processo Penal, de puder ser feita tal prova.
9. Ora, ao indeferir a pretensão do Ministério Público de emissão de novos mandados para deter o arguido e permitir a realização da prova cientifica atrás apontada, violou o Tribunal tal obrigação que sobre si impendia, não esgotando – como devia – todos os seus poderes de investigação, não investigando o Tribunal a totalidade da matéria de facto.
10. Tal vício resulta do texto da decisão recorrida, por si só e em conjugação com as regras de experiência.
11. O Tribunal a quo não esgotou os seus poderes de indagação da matéria de facto, pois, não permitiu na prática a detenção do arguido.
12. Padece, assim, a sentença recorrida do vício a que alude o art.º 410.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal.
13. Na verdade, conforme acórdão proferido pelo TRC, no processo n.º 887/01.7 TAPBL, in recurso n.º 4.280/02, emerge tal vício, quando:
1. Há uma lacuna ao não se apurar o que é evidente que se podia apurar;
2. O Tribunal não investiga a totalidade da matéria de facto, podendo fazê-lo;
3. Inexiste uma relação adequada entre a situação de facto reconstruída e a previsão legal.”
14. Ao não esgotar os seus poderes de indagação incorreu o Tribunal no apontado vício, devendo o julgamento ser anulado e determinado o reenvio para novo julgamento de toda a matéria fáctica objecto do processo, conforme art.ºs 426.º e 428.º, ambos do Código de Processo Penal.
15. Mostram-se violados os art.ºs 333.º; 323.º, al. b) e 340.º, todos do Código de Processo Penal, ao não diligenciar o Tribunal nos termos requeridos pelo Ministério Público, para garantir a presença do arguido em julgamento quando ainda não estavam esgotadas as possibilidades de o fazer.
16. Além disso, a falta das apontadas diligências e que foram oportunamente requeridas pelo Ministério Público equivale TAMBÉM a omissão, por parte do Tribunal, das medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a comparência do arguido, ou pelo menos para a tentar, o que consubstancia nulidade insanável, por violação das normas dos art.ºs 61.º, n.º 1, al. a) e 333.º, ambos do Código de Processo Penal, bem como, ainda, 32.º, da Constituição da República Portuguesa, acarretando, necessariamente, a anulação do julgamento (cfr. art.ºs 119.º e 122.º, n.º 2, ainda do Código de Processo Penal).
17. Na verdade, facultar um prazo de 2 horas para o órgão policial concretizar a detenção do arguido é o mesmo que não tentar tal detenção, pois a tal se reconduziu, na prática, o procedimento adoptado pelo Tribunal a quo.
18. Tal declaração de nulidade implica a invalidade da audiência de julgamento e dos actos que dela dependem (designadamente, o acórdão), devendo o mesmo Tribunal, proceder à respectiva repetição (art.º 122.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal).
19. No mesmo sentido, ainda, os acórdãos do TRC, de 30 de Setembro de 2009, acessível em www.dgsi.pt/jtrc, e, do STJ, de 24 de Outubro de 2007, além citado, bem como o Parecer de 7 de Abril de 2010, da PGD de Lisboa, disponível na respectiva base de dados.
Terminou pedindo que se decida em conformidade com o expendido.
1.3. Cumprido o estatuído no art.º 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e após pronúncia da M.ma Juiz de Círculo acerca da nulidade suscitada, foi proferido despacho admitindo o recurso interposto.
1.4. Cumpridas as formalidades devidas, os autos foram remetidos a esta instância.
1.5. Aqui, no momento processual a que alude o art.º 416.º, do diploma adjectivo penal, a Ex.ma Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer conducente a idêntico provimento da impugnação.
1.6. Acatado o subsequente art.º 417.º, n.º 2, o arguido não respondeu.
1.7. No exame preliminar a que alude o n.º 6 do mesmo inciso, consignou-se que nenhuma circunstância impunha a apreciação sumária do recurso, ou obstava ao seu conhecimento de meritis, donde que a dever prosseguir, com a recolha de vistos – o que sucedeu –, bem como submissão à presente conferência.
Urge então ponderar e decidir.
*
II – Fundamentação de facto.
2.1. O acórdão recorrido teve por provado que:
(Da acusação pública):
B... nasceu a … de 1995.
(Outros factos):
São conhecidos ao arguido os seguintes antecedentes criminais:
- Por sentença transitada em julgado a 14.09.2010, relativamente a factos praticados a 22 de Maio de 2008, integrantes da prática de um crime de furto qualificado na forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 202.º, als. d) e f), 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2 e) e 30.º, todos do Código Penal, e 4.º, do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23.09, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sob regime de prova.
A... nasceu com um problema de saúde e é hemofílico. Este factor parece não ter condicionado o seu desenvolvimento físico, mas limitou-o em certas actividades.
Durante a infância, o pai adoptou uma atitude permissiva e a mãe assumiu comportamentos mais autoritários, contrastando com a passividade do progenitor. O arguido ficava com a avó paterna, enquanto os pais trabalhavam.
O arguido iniciou a escolaridade obrigatória em idade regular.
Teve dificuldades de integração revelando comportamentos rebeldes e pouca motivação para a escolaridade.
Reprovou no quarto ano de escolaridade. Com cerca de onze anos passou a estudar na Escola Secundária de Oleiros. Nesta fase os seus comportamentos começaram a agravar-se, faltava às aulas e acompanhava jovens com problemas de inserção social. A mãe era chamada frequentemente à escola devido aos comportamentos anti-sociais do A….
Na escola de Oleiros não conseguiu terminar o quinto ano de escolaridade. Pediu aos pais para passar a estudar, em Castelo Branco, no sentido de alterar os seus comportamentos de rebeldia. Em Castelo Branco, agravou os seus comportamentos desviantes, tendo mesmo provocado estragos na residência onde estava hospedado. Com dezasseis anos ainda voltou para a escola de Oleiros mas não se conseguiu integrar, afirmando que os colegas do quinto ano de escolaridade eram muito mais novos.
Os pais do arguido separaram-se há cerca de dois anos.
Discutiam com frequência e não revelaram capacidades para gerir os recursos económicos do agregado. O pai ainda emigrou para o Brasil e Argélia mas não conseguiu alterar a situação económica. Passou a residir com uma companheira.
Depois da separação, o arguido e o irmão mais novo, ficaram a residir com o pai.
Alguns meses mais tarde A… , devido aos seus comportamentos desviantes, passou a residir com a mãe na zona de Almada.
Nesta altura, agravou os seus comportamentos desviantes, começando a consumir estupefacientes com regularidade.
Na sequência de vários desentendimentos com a mãe, começou a viver em parte incerta. Nos últimos meses, tem permanecido alguns períodos em … .
O arguido não dispõe de competências pessoais e profissionais.
Recebe uma pensão de € 200,00, devido a problemas de saúde, tendo necessidade de injecções específicas, por causa daqueles.
Consome pontualmente álcool.
Na comunidade de Oleiros, o arguido é associado a pequenos furtos e parcialmente rejeitado por não revelar hábitos de trabalho.
O arguido não trabalha e não estuda, porque não quer.
2.2. Por outro lado, o mesmo acórdão considerou como factos não provados – além dos factos que se encontram em contradição com os provados –, os seguintes:
(Da acusação pública):
No decurso do Verão de 2008, B... veio a reencontrar o arguido, um velho amigo de escola, que residia no R/c do mesmo prédio onde aquela morava, no 3.º andar, com a sua mãe e o companheiro desta, na cidade de Castelo Branco.
Começaram a conversar e a trocar os primeiros beijos.
No decurso deste relacionamento amoroso, em data não concretamente apurada, mas durante o mês de Agosto ou Setembro de 2008, a B... e o arguido iniciaram o seu relacionamento sexual, com introdução do pénis do arguido na vagina da ofendida, recorrendo ao uso de preservativo.
Relações sexuais estas que mantiveram por diversas vezes e a partir de 9 de Janeiro de 2009, na residência do arguido, sita Rua … , área da comarca de Oleiros.
O arguido agiu de uma forma consciente, bem sabendo que a ofendida B... era menor de 14 anos.
Actuou, também, de uma forma livre e voluntária, bem sabendo que o seu comportamento ofendia a autodeterminação sexual da criança, sendo, por isso, proibido e punido por lei.
O arguido actuou sempre facilitado pela confiança que a ofendida nele depositava e pela ausência dos respectivos progenitores no apartamento, onde o arguido vivia, confiando, dessa forma, que não seria descoberto.
Apesar de ter ofendido, por variadas vezes, a autodeterminação sexual da B..., fê-lo no quadro de uma solicitação de uma mesma situação exterior que diminuiu consideravelmente a sua culpa.
2.3. Por fim, tem o teor que segue a motivação probatória também constante do elencado acórdão recorrido:
A convicção do Tribunal fundou-se:
O arguido não compareceu nem voluntária nem coercivamente à audiência de julgamento.
As testemunhas B... e a mãe não compareceram à mesma audiência.
Em termos de prova constituenda, apenas depôs a testemunha … , militar da GNR, na altura, em Oleiros, que, na companhia de outro colega, se deslocou até … , a residência conhecida do arguido, também na altura. Relatou as circunstâncias que motivaram a deslocação, com base da queixa apresentada pela mãe da B...: «A B... saiu de sua casa, em Castelo Branco, onde residia com a mãe, para se refugiar junto do A… a residir na localidade de … – Oleiros –, situação que ocorreu em 9 de Janeiro de 2009 e da qual a mãe deu conta formalmente no próprio dia, na PSP daquela cidade. No dia 12 de Janeiro de 2009, sabedora do paradeiro da filha, pediu auxílio na GNR de Castelo Branco, solicitando que, em razão da idade da B... – 13 anos – a auxiliassem por forma a que a pudesse levar de novo para casa.
Por ter sido indicada a casa do A… sita em … como sendo o local onde a B... se encontrava alojada, a GNR de Castelo Branco solicitou a colaboração do Posto de Oleiros, por ser o competente.
Foi precisamente em casa do rapaz que foram encontrar a menor escondida dentro de um armário lava-loiça, sito na cozinha.
A atitude da B... ilustrou de forma clara a intenção em não ser localizada e consequentemente de não ser transportada de regresso à casa de família».
Tal como consta do auto de fls. 3, e a testemunha em apreço confirmou na audiência, o arguido A... deu a entender suspeitar que a B... estivesse grávida, desconhecendo a testemunha – ainda que suspeitasse que pudesse ser o arguido, atentas as circunstâncias envolventes – quem seria o responsável.
É certo que, como resulta dos autos, entretanto veio ao conhecimento do MP de Castelo Branco que B... se encontrava grávida de seis semanas e ia no dia 6 de Abril de 2009 proceder à interrupção voluntária da gravidez no Hospital Amato Lusitano, em Castelo Branco.
Então, por determinação judicial, foi efectuada a colheita aos restos ovulares ou produto abortivo para posteriores exames ou análises de comparação na realização de perfil de DNA (vd. fls. 33-36).
Foram também feitas tentativas de localização do arguido A..., por parte da Polícia Judiciária, para obtenção dele de uma amostra de referência; condição necessária para efeitos de comparação, à semelhança do que foi feito à B... (cfr. fls. 39-40).
Não o lograram e quando o mesmo foi presente a Tribunal não foi recolhida a necessária amostra.
De igual modo, também na fase do julgamento tal se não logrou, pelas circunstâncias espelhadas em acta.
Ora, por causa das insuficiências probatórias mencionadas, não poderia o tribunal, com a necessária certeza, dar por assente o que se consignou como não provado.
Ora, o princípio in dúbio pro reo, enquanto expressão, ao nível da apreciação da prova do princípio político-jurídico da presunção de inocência, traduz-se, precisamente, na imposição de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido – a dúvida resolve-se a favor do arguido.
Tal princípio Seguimos, de muito perto, a síntese conclusiva de Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de inimputáveis e in dúbio pro reo, pág. 165 e seguintes.
, como regra de decisão da prova, é solução que resulta de um conjunto de factores em verificação cumulativa:
- Necessidade de pôr fim ao processo, com decisão definitiva que não represente, do ponto de vista da paz jurídica do arguido, uma demora intolerável;
- A inadmissibilidade da pena de suspeição;
- A opção pelo modus probandi de livre apreciação da prova ou livre convicção do tribunal, necessariamente objectivável e motivável.
- A possibilidade do surgimento de dúvidas, resistentes à prova e impeditivas da tal convicção, na verificação dos enunciados factuais abrangidos pelo objecto do processo;
- A consciência da diferença entre o processo criminal e a lide civilística, que impede a transferência para o primeiro da solução do ónus de prova, típica de um processo de partes;
- A convicção de que o Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente.
Daí que, o princípio in dúbio pro reo, deve ser perspectivado e entendido, como remate da prova irredutivelmente dúbia, destinado a salvaguardar a legitimidade da intervenção criminal do poder público. O Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente.
A data de nascimento da B... resulta da certidão de fls. 163.
Os antecedentes criminais do arguido constam da certidão da sentença (fls. 176 e ss).
A situação pessoal do arguido deu-se por assente com base no relatório social junto ao processo.
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III – Fundamentação de Direito.
3.1. De harmonia com o disposto no n.º 1 do art.º 412.º, do Código de Processo Penal, e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no art.º 410.º do aludido diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ, de 19 de Outubro de 1995, in DR, I.ª Série – A, de 28 de Dezembro seguinte].
In casu, o recorrente suscita da emergência de uma nulidade insanável que, diga-se, mesmo assim não fora, fazia recair sobre este Tribunal Superior – pois que de conhecimento oficioso –, e nos termos sobreditos, o dever de sobre a mesma se pronunciar.
Na verdade:
3.2. Como se escreveu no acórdão do STJ relatado a 2 de Maio de 2007, pelo Ex.mo Conselheiro Pires da Rosa, no âmbito do processo n.º 07P1018, citado no subsequente aresto desse Tribunal, relatado em 24 de Outubro do mesmo ano, pelo Ex.mo Conselheiro Soreto de Barros, no processo n.º 07P3486, ambos acessíveis em www.dgsi.pt:
«O artigo 32.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa incluindo o recurso.
O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório – n.º 5 do art.º 32.º.
Mas o n.º 6 do mesmo normativo constitucional já referido estabelece que a lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento.
O artigo 61.º n.º 1 do Código de Processo Penal, que versa sobre os direitos do arguido, dispõe que o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e, salvas as excepções da lei, dos direitos de:
a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito;
b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte;
(…)
e) Ser assistido por defensor em todos os actos processuais em que participar e, quando detido, comunicar, mesmo em privado, com ele;
f) Ser informado, pela autoridade judiciária ou pelo órgão de polícia criminal perante os quais seja obrigado a comparecer, dos direitos que lhe assistem.
O artigo 332.º n.º 1 do mesmo diploma adjectivo, referindo-se à presença do arguido em audiência, começa por dizer que a sua presença é obrigatória na audiência. Mas, depois acrescenta: “sem prejuízo do disposto nos artigos 333.º, n.ºs 1 e 2, 334.º, n.ºs 1 e 2.”
Examinando o artigo 333.º que se refere à falta do arguido notificado para a audiência, do seu n.º 1 consta: Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde início da audiência.
Daqui resulta que na data designada para a realização da audiência de julgamento, se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o tribunal, ou adia a audiência, ou toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a comparência do arguido na audiência.
Todavia, a audiência só pode ser adiada se o tribunal considerar que a presença do arguido é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material.
Não sendo adiada a audiência, deve o presidente tomar as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a comparência do arguido faltoso.
E, se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes pela ordem referida nas alíneas b) e c) do artigo 341.º, sem prejuízo da alteração que seja necessário efectuar no rol apresentado, e as suas declarações documentadas, aplicando-se sempre que necessário o disposto no n.º 6 do artigo 117.º – cfr. n.º 2 do artigo 333.º.
Sendo, como se referiu, obrigatória a presença do arguido, em audiência, sem prejuízo do disposto no art.º 333.º n.ºs 1 e 2, – v. art.º 332.º n.º 1 do CPP, o mesmo, pode querer prestar declarações (embora a tal não seja obrigado e, sem que o seu silêncio possa ­desfavorecê-lo – art.º 343.º n.º 1 do CPP), mas se prestar declarações, pode querer confessar e, porventura, beneficiar do disposto no art.º 344.º do CPP, caso se verifiquem os respectivos pressupostos legais, e, mesmo se não confessar os factos imputados, se o arguido se dispuser a prestar declarações, cada um dos juízes (e dos jurados quando for caso de tribunal do júri), pode fazer-lhe perguntas sobre os factos que lhe sejam imputados e solicitar-lhe esclarecimentos sobre as declarações prestadas, bem como o Ministério Público, o advogado do assistente (se o houver) e o defensor podem solicitar ao presidente que formule ao arguido perguntas, conforme art.º 345.º n.ºs 1 e 2 do CPP.
Note-se, por outro lado, que se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido, nos termos do artigo 333.º n.º 2 citado, o arguido mantém o direito a prestar declarações até ao encerramento da audiência, como estabelece o n.º 3 deste art.º 333.º.
É certo que o mesmo n.º 3 também acrescenta: “e se ocorrer na primeira data marcada, (o encerramento da audiência), o advogado constituído ou o defensor nomeado ao arguido pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz ao abrigo do n.º 2 do artigo 312.º”
O art.º 312.º n.º 2 do CPP, prevê, além do mais, o caso de designação de data “para audição do arguido a requerimento do seu advogado ou defensor nomeado, ao abrigo do artigo 333.º, n.º 3.”»
O regime assim instituído mostra-se distinto do que advinha da versão inicial do Código de Processo Penal, que, ressalvados os casos previstos no art.º 344.º, n.ºs 1 e 2, obrigava à presença do arguido em julgamento.
Com efeito, a partir da alteração introduzida ao Código de Processo Penal através do Decreto-Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, o que foi viabilizado pela revisão constitucional de 1997 [cfr. artigo 32.º, n.º 6 da Constituição da República], assistiu-se ao alargamento dos casos em que passou a ser possível o julgamento do arguido sem a sua presença [cfr. artigos 332.º, n.º 1, 333.º, n.º 2 e 334.º, n.ºs 1, 2 e 3]. Nesta alteração, visou-se realçar a intenção legislativa de atenuar o rigor imposto na versão inicial do Código de Processo Penal quanto à obrigatoriedade da presença do arguido em julgamento.
Mais tarde, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 320 – C/2000, de 15 de Dezembro, a obrigatoriedade da presença do arguido em audiência sofreu novo abrandamento. A propósito lê-se na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 41/VIII: “Atendendo ao facto de uma das principais causas da morosidade processual residir nos sucessivos adiamentos das audiências de julgamento por falta de comparência do arguido, limitam-se os casos de adiamento da audiência em virtude dessa falta, nomeadamente quando aquele foi regularmente notificado.
Se o arguido já beneficia deste regime processual especial, não pode permitir-se a sua total desresponsabilização em relação ao andamento do processo, razão que se possibilita, por um lado, a introdução da modalidade de notificação por via postal simples … e, por outro lado permite que o tribunal pondere a necessidade da presença do arguido em audiência, só a podendo adiar nos casos em que aquele tenha sido regularmente notificado da mesma e a presença desde o início da audiência se afigure indispensável para a descoberta da verdade material.
Se o tribunal considerar que a presença do arguido desde o início da audiência não é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material … a audiência não é adiada
Antecedendo a ponderação concreta reclamada, apenas duas notas, ainda:
Uma primeira, no sentido em que menosprezando os casos especiais previstos pelo mencionado art.º 334.º, sem relevância na situação em apreço, urge acrescentar que o elencado art.º 333.º, epigrafado “Falta e julgamento na ausência do arguido notificado para a audiência”, além do já constante dos números supra indicados, preceitua no seu n.º 6, que, É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 116.º, no artigo 254.º...
Uma outra, realçando que, como se sumariou no aludido aresto do STJ, de 24 de Outubro de 2007:
III – As normas constantes dos n.ºs 1 e 2 do art.º 333.º são de interesse e ordem pública, prendendo-se com o cerne das garantias do processo penal, e, por conseguinte, com a validade e eficácia do sistema legal processual penal.
IV – Como todo o verdadeiro direito público, tem o direito processual penal na sua base o problema fulcral das relações entre o Estado e a pessoa individual e da posição desta na comunidade (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Lições coligidas por Maria João Antunes, 1988-1989, pág. 33). A via para um correcto equacionamento de evolução do processo penal nos quadros do Estado de Direito material deve partir do reconhecimento e aceitação da tensão dialéctica inarredável entre a tutela dos interesses do arguido e a tutela dos interesses da sociedade representados pelo poder democrático do Estado (idem, pág. 50).
V – Por isso, não exclui a audição do arguido, nem a tomada das medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência. Daí que o n.º 6 do mesmo art.º 333.º explicite que é correspondentemente aplicável o disposto nos art.ºs 116.º, n.ºs 1 e 2, e 254.º
VI – Sendo a responsabilidade criminal meramente individual, e estando esta a ser apreciada no pretório, a comparência obrigatória do arguido, torna-se necessária ao exercício do contraditório. (...).”
Acolhendo tais ensinamentos, e tal como faz sobressair a Ex.ma PGA no parecer emitido, também neste Tribunal da Relação de Coimbra, já se consignou, a propósito:
- “1. É um poder-dever do Tribunal procurar por todos os meios legais admissíveis obter a presença do arguido, só podendo concluir o julgamento sem a presença do arguido após a realização das diligências necessárias.
2. Só, desta forma se respeita a regra da obrigatoriedade da presença do arguido em audiência, os princípios da imediação, da oralidade e do contraditório, se garantem os direitos de defesa consagrados na nossa Constituição e se assegura suficientemente a tutela dos interesses do arguido sem pôr em causa as necessidades de realização da Justiça.
3. É nula a audiência de julgamento quando o tribunal não tomou qualquer medida para obter a comparência do arguido.” [Acórdão de 30 de Setembro de 2009, relatado pela Ex.ma Desembargadora Alice Santos, no processo n.º 496/04.1 PCCBR];
- “Ao ter-se realizado audiência sem a presença do arguido – cujo paradeiro era conhecido nos autos sem que hajam sido adoptadas as medidas necessárias e legalmente impostas para garantir a sua comparência, ocorre nulidade insanável contemplada no art.º 119.º c,) do C.P.P.” [Acórdão de 21 de Março de 2012, relatado pelo Ex.mo Desembargador Eduardo Martins, no processo n.º 279/10.0 PBCTB.C1];
- “ (…) ao ter-se realizado a audiência sem a presença do arguido – cujo paradeiro era conhecido nos autos -, sem que hajam sido adoptadas as medidas necessárias e legalmente impostas para garantir a sua comparência ocorre a nulidade insanável contemplada na al. c) do artigo 119.º do CPP [que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento até ao trânsito em julgado da decisão final, independentemente de ter, ou não, sido invocada – artigos 119.º e 410.º, n.º 3 do CPP] com as consequências previstas no artigo 122.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, ou seja a invalidade do acto praticado, bem como dos do mesmo dependentes.” [Acórdão de 18 de Janeiro de 2012, relatado pela Ex.ma Desembargadora Maria José Nogueira, no processo n.º 31/06.7 GBSAT.C1].
3.3. Precisemos o quadro factual em que nasceu o recurso.
Como resulta de fls. 134 o arguido prestou termo de identidade e residência.
Após vicissitudes, designado o dia 12 de Setembro de 2011 para seu julgamento nos autos, o arguido foi notificado para o mesmo, na morada dele constante, e por intermédio de via postal simples, com prova de depósito [fls. 333; 334 e 341].
Na data aprazada para tal julgamento, atentando-se, nomeadamente, na falta (injustificada) do arguido e na consideração de que a sua presença se mostrava indispensável para a descoberta da verdade, foi a diligência adiada sine die [isto já concretamente por outro fundamento (fls. 362)].
Designada nova (s) data (s) para julgamento, foi o mesmo arguido de novo notificado, na aludida morada e por intermédio de via postal simples, com prova de depósito [fls. 378; 379 e 389].
Na data primeiramente aprazada, constatada a sua ausência, o Ministério Público por entender continuar a mostrar-se primordial a respectiva presença, requereu fossem passados, de imediato, mandados de detenção a fim de assegurar a sua comparência a tal audiência [fls. 406].
Ponderando o requerimento, o Tribunal despachou no seguinte sentido:
«Encontrando-se devidamente notificado o arguido para esta diligência sem que haja comparecido, comunicado qualquer impossibilidade de comparência ou justificado a respectiva falta, nos termos do art.º 116.º, n.º 1, do C.P.Penal, sanciona-se em 3 UCs e, ainda que não se considere absolutamente imprescindível a sua presença desde o início da audiência para a descoberta da verdade material — porque não resulta do processo que se suscitem quaisquer dificuldades quanto à sua identificação –, nos termos das normas conjugadas dos art.ºs 333.º e 116.º, n.º 2, ambos do citado diploma, determino a emissão de mandados de detenção a cumprir até às 16:30 horas do dia de hoje, desde já se condenando o arguido nas despesas a que der causa com a sua não comparência.
(…)».
Conforme mais consta da acta de audiência de discussão e julgamento [fls.
407/409]:
«Cerca das 15:17 horas pela M.ma Juiz Presidente foi proferido o seguinte:
DESPACHO
Interrompo a presente audiência até estar certificado nos autos o resultado dos mandados acima determinados.
***
Pelas 16:40 horas, foi recebido contacto telefónico da GNR, informando que o arguido não se encontrava em casa nem na localidade de ... e que, segundo informação do pai o mesmo trabalha na Delphi em Castelo Branco.
***
Contactada telefonicamente a Delphi em Castelo Branco no sentido de saber se o arguido era seu funcionário e, na hipótese afirmativa, se o mesmo aí se encontrava, após consulta, foi este tribunal informado que A... não trabalha para a «Delphi», em qualquer dos seus estabelecimentos, designadamente no de Castelo Branco, nem se encontra nas instalações deste último.
A informação que antecede foi prestada subsequentemente ao tribunal, tendo sido determinado que se insistisse junto da GNR pelo envio da certificação dos mandados expedidos, o que foi prontamente cumprido. Em resposta, do posto da GNR de Oleiros vinha sempre a mesma resposta:
“Estamos a aguardar que os militares que se deslocaram ao local cheguem ao posto”.
De novo, pelas 18:25 horas foi determinado que se entrasse mais uma vez em contacto telefónico com o posto da GNR de Oleiros considerando não ter chegado ainda a certificação dos mandados emitidos, nem perante a deslocação da funcionária D. Isménia ao referido posto.
A resposta, da parte do Sr. Comandante do posto, foi a mesma.
Então, a Sra. Juiz Presidente ordenou que se tentasse entrar em contacto directo com algum dos efectivos da GNR que se deslocaram ao local, a fim de, por telefone, ser transmitido o resultado da diligência ordenada e, no caso de o mesmo ser negativo, o que foi apurado no local acerca dos motivos da frustração da mesma.
***
Tendo-se logrado obter o n.º de telemóvel de um desses efectivos, foi contactado o guarda Nabais, que informou ter-lhes o pai do A... aberto a porta, não se encontrando o A... em casa. Mais informou não ver o filho há uma semana, por o mesmo ter ido para parte incerta em Castelo Branco.
Quanto à certificação dos mandados, informou ainda estar na viagem de regresso e que, logo que chegue ao posto da GNR, procederá em conformidade.
Em face da informação telefónica e considerando a demora incompreensível na certificação dos mandados emitidos tem-se a mesma como idónea a permitir prosseguimento da presente audiência, ordenando-se a sua reabertura.
***
De imediato, pela M.ma Juiz Presidente foi dada a palavra à Digna Procuradora da República pela mesma foi dito:
Continua o M.º P.º a entender não estarem esgotadas as possibilidades de detenção do arguido, continuando a requerer a detenção do mesmo, pois, da informação agora prestada pela GNR, apenas se infere que o arguido não se encontra na sua habitação e que o pai deste terá dito que não o via há cerca de uma semana.
Continua a promover-se que continue a GNR a tentar a detenção do arguido na referida morada, emitindo novos mandados e paralelamente se procure também junto da PSP de Castelo Branco a informação se alguma indicação têm que possa o arguido aí se encontrar, o que desde já se requer caso não se logre a detenção do arguido na morada constante dos autos.
***
Dada a palavra ao Ilustre Defensor do arguido pelo mesmo foi dito:
Nada a opor ao requerido.
Consigna-se que nesta altura, sendo 18:52 horas, foi recebido o fax da GNR de Oleiros com os mandados certificados negativamente e com o auto de declarações do pai do arguido.
De seguida, pela M.ma Juiz Presidente e após deliberação foi proferido o seguinte:
DESPACHO
Nos presentes autos, o arguido presume-se notificado na morada do TIR nos termos do art.º 196.º n.º 3 al. e) do C.P.Penal e, por força da al. d) da mesma norma, tais notificações foram sempre feitas com a advertência de que a audiência poderia ter lugar nos termos do art.º 333.º do C.P.Penal.
Emitidos os mandados de detenção para comparência do arguido na presente data, vêm os mesmos certificados no sentido de que o mesmo não se encontrava na morada do TIR e, segundo informações do pai, terá deixado de aí residir desde 3/12/2011 desconhecendo-se a sua residência ainda que com indicação que o mesmo se encontra em Castelo Branco e que por indicação do próprio se encontraria a trabalhar na Delphi, com estabelecimento na Zona Industrial em Castelo Branco.
Porém, esta informação é contrariada pelo resultado da diligência ordenada pelo tribunal, no sentido de aferir da sua veracidade.
Ou seja, neste momento, relativamente à morada do TIR, não temos a mínima garantia de que o arguido aí possa ser encontrado, bem como se desconhece, com o mínimo de fiabilidade, se o mesmo pode ser encontrado em qualquer outra morada, designadamente nas que constam a fls. 328, informadas pelo mesmo à entidade policial, pois, como resulta ostensivo, este arguido não tem paradeiro certo e, a ser verdade o transmitido pelo seu pai, até a este último mente.
Como resulta do despacho inicialmente proferido nesta audiência de julgamento, não se considera absolutamente imprescindível para a descoberta da verdade material a presença do arguido desde o seu início, para o que é indiferente não se encontrarem presentes as principais testemunhas da acusação, apesar das diversas tentativas efectuadas nos autos nos sentido da sua notificação.
É certo, com efeito, que, no caso presente, também se regista a falta das testemunhas de acusação B... e … . Porém, em relação a tais testemunhas, por força do n.º 3 do art.º 331.º do C.P.Penal, não poderá ter lugar mais que um adiamento da audiência motivado pela respectiva falta. Ora compulsados os autos, e tendo presente que a testemunha B..., em virtude da sua menoridade e do facto de as indicações constantes do processo serem no sentido da mesma residir com a sua mãe a testemunha … , já foi a mesma sancionada em multa processual de 10 UCs (fls. 372) por falta de colaboração com o Tribunal, assim motivando o adiamento da audiência das duas vezes que antecedem a presente. Não obstante, também para a presente data ressaltam fls. 390, 393 vs, 394 e fls. 403, sempre com a indicação que não se logrou a notificação da testemunha Dolores e na pessoa desta a testemunha B....
Eis porque, face ao citado n.º 3 do art.º 331.º, não se poderá deferir mais este adiamento da audiência de julgamento, pela mesma razão que já deu azo a dois adiamentos, sendo certo que, por igualdade de razão, a falta do arguido depois da diligência tendente a obter a sua comparência coerciva se ter frustrado, não permite a suspensão dos autos tendo em vista qualquer outra diligência no sentido de obter essa mesma comparência.
Termos em que se dará continuação à presente audiência de julgamento.
Notifique.
Foram todos os presentes devidamente notificados.
Finda a produção de prova, pela M.ma Juiz Presidente foi concedida a palavra, sucessivamente, à Digna Procuradora da República e ao Ilustre Defensor Oficioso do arguido, para em alegações orais exporem as conclusões de facto e de direito que hajam extraído da prova produzida.
Findas as alegações, foi proferido, pela M.ma Juiz Presidente, o acórdão que segue, anunciando, ao abrigo do disposto no art.º 372.º do C. P. Penal, que o mesmo se encontra elaborado em conformidade com a deliberação tomada por todos os elementos do Tribunal Colectivo…».
3.4. Sendo este o quadro, o que urge questionar é se deveria o Tribunal a quo ter realizado a audiência de julgamento, até ao respectivo encerramento, na ausência do arguido, sendo as providências tomadas as adequadas a garantir a sua comparência?
No entender do Ministério Público, a presença do arguido mostrava-se efectivamente decisiva à descoberta da verdade material. Isto, não tanto pelo interrogatório a que então seria sujeito (sabido o silêncio que perante ele até poderia assumir), mas sobretudo pela necessidade de recolha de material biológico na sua própria pessoa para comparação com o demais material já recolhido, quer na pessoa da ofendida B..., quer no que tange aos vestígios hematológicos recolhidos ao feto, pois que a ofendida interrompeu voluntariamente a gravidez (o arguido vem acusado de crime de abuso sexual de menor na pessoa da ofendida B...).
É que, sustenta, tal diligência permitiria completar a prova cientifica levada a cabo durante a fase de inquérito e, em última análise, saber se o feto era ou não resultado das relações sexuais mantidas entre ofendida e o arguido e como tal, provar ou não, o crime assacado ao último.
Esta a razão que determinou o requerimento apresentado no início da audiência para que fossem passados mandados de detenção contra o mesmo.
Diligência (detenção do arguido) que não logrou consumar-se como se extrai do consignado na acta já parcelarmente transcrita supra.
E, dos procedimentos aí elencados sobressai, na verdade, que o Tribunal a quo não esgotou, como devido, os poderes-deveres que sobre si impendiam, enquanto órgão particularmente vocacionado à descoberta da verdade material.
O prazo estipulado para cumprimento dos mandados de detenção do arguido foi, ab initio, exíguo: duas horas.
Concedendo-se um mero acaso (encontrar-se àquela hora o arguido em casa porque, por exemplo, sem trabalho, ou, com ele num regime horário que se compatibilizasse com tal presença em casa a essa hora), sempre a sua detenção se mostraria pouco plausível, nas circunstâncias.
Como também lembra o recorrente, o facto de o pai do arguido afirmar que ele já não “ia a casa” há cerca de uma semana, não equivale a que se possa considerar que é desconhecido o paradeiro respectivo e que não é possível a sua detenção.
Mostrava-se curial “checar” a informação, o que o prazo fixado não contemplava.
Ademais constatada a falta de comparência de duas testemunhas de acusação essenciais – B... e … –, acrescido o ónus que impendia sobre o Tribunal de lograr acautelar a presença do arguido: por exemplo na segunda data designada para julgamento, e com a passagem antecipada dos mandados de detenção do arguido; inclusive com a passagem de mandados também para as duas outras moradas que o próprio arguido indicou possuir nos autos [fls. 328]; ou, indagando, entretanto, do seu actual e provável paradeiro.
Indeferindo, como o fez, a pretensão do Ministério Público, cerceou além, quiçá, das próprias declarações do arguido, a realização da prova científica atrás apontada.
Dispõe o art.º 118.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que a violação ou inobservância das disposições da lei do Processo Penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.
O subsequente art.º 119.º, determina constituírem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais, na alínea e) a ausência do arguido, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência.
Nesta conformidade, realizado o julgamento do arguido na sua ausência, apesar de estar notificado da data da 1.ª audiência e a esta ter faltado, sendo obrigatória a sua presença, e constatando-se que o Tribunal a quo não tomou todas as medidas necessárias e legalmente admissíveis em tempo útil, para obter a sua comparência, e aguardado pela segunda data designada para eventual continuação da audiência, conclusão será, como reclamado pelo recorrente, a declaração da nulidade da audiência do julgamento, com o corolário de o mesmo julgamento se haver de considerar inválido e anulado [cfr. art.º 122.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal].
Em suma:
- No caso destes autos, o arguido prestou termo de identidade e residência [art.º 196.º, do Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro] e foi regularmente notificado da data da audiência de julgamento (e da segunda data, em caso de adiamento) por via postal simples, com prova de depósito;
- Não tendo estado presente, iniciou-se a audiência, sem que haja registo de o Tribunal ter tomado as diligências necessárias e legalmente admissíveis, na circunstância, para obter a sua comparência.
*
IV – Decisão.
Nos termos expostos, declara-se nula a audiência de julgamento, efectuada na ausência do arguido – devidamente notificado para o efeito – sem que o Tribunal tenha tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência.
Tal declaração implica a invalidade da audiência de julgamento e dos actos que dela dependem (designadamente, o acórdão absolutório), devendo o mesmo tribunal proceder à respectiva repetição [art.º 122.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal], tendo em consideração, mormente, o ora expendido.
Não são devidas custas.
*
Coimbra, 27 de Junho de 2012