Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1833/13.3TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: ALIMENTOS
DIVÓRCIO
EX-CÔNJUGES
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 01/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - POMBAL - INST. CENTRAL - 2ª SEC. F. MEN. - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 2003, 2004, 2016, 2016-A CC, 542, 543 CPC
Sumário: 1. Face ao quadro legal decorrente dos arts. 2016º e 2016º-A, emergente da Lei 61/2008, de 31.10, as linhas de força do novo regime em matéria de alimentos após o divórcio, assentam nas seguintes ideias/regras base:
a). tem caracter excepcional o direito a alimentos entre cônjuges, pois cada cônjuge deve prover à sua subsistência (nº 1 do 2016º);

b) esse direito a alimentos pode ser negado por razões manifestas de equidade (nº 3 do mesmo preceito);

c) o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio (nº 3 do 2016º-A);

d) a obrigação alimentar genérica, na situação de fim do vínculo conjugal, afere-se, tão-só, pelo que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, em conformidade com o disposto no art. 2003º, nº 1, do CC;

e) as necessidades do credor são supridas em função dos meios e possibilidades económicas do obrigado (art. 2004º, nº 1, do CC).

2. Se ficar provado que o ex-cônjuge trabalha, auferindo o ordenado mínimo nacional que lhe permite acudir ao seu sustento, vestuário e habitação, embora receba por vezes ajuda dos familiares, não deve ser-lhe concedido direito a alimentos apesar de o seu ex-cônjuge auferir cerca de mil euros mensais (embora desconhecendo-se as suas despesas mensais e respectivos valores);

3. Na condenação em indemnização por litigância de má fé o reembolso das despesas, incluindo os honorários do mandatário, só abrange as que derivem directamente da má fé do litigante.

Decisão Texto Integral:

I - Relatório

1. R (…) residente em Pombal, instaurou a presente acção especial de divórcio sem consentimento contra M (..) , residente em Pombal, pedindo que seja decretado o divórcio entre ambos. Alegou como fundamento legal a ruptura definitiva do casamento, nos termos do art. 1781º, nº 1, d), do CC.

A ré contestou e deduziu reconvenção, por meio da qual, para além de requerer o decretamento do divórcio, com fundamento em separação de facto e violação de deveres conjugais, pediu a fixação de indemnização por danos morais com a dissolução do casamento e violação desses deveres conjugais, e pediu, ainda, a fixação de uma pensão de alimentos, por carência económica, em montante não inferior a 250 € mensais, pelo período de dois anos. Pediu, também, a condenação do autor como litigante de má fé em multa e indemnização não inferior a 10.000 €.

Para tanto, alegou que aufere unicamente o vencimento correspondente ao salário mínimo nacional, ao passo que o autor tem um salário que ronda a quantia líquida mensal de mil euros.

O autor apresentou réplica, na qual pugnou pela improcedência da reconvenção e dos pedidos nessa sede formulados.

Foi proferido despacho saneador, em cujo âmbito se admitiu a reconvenção da ré.

*

A final foi proferida sentença que julgou a acção procedente, e parcialmente procedente a reconvenção, e consequentemente decretou o divórcio entre o A. a R., e condenou o A. como litigante de má-fé na multa equivalente a cinco unidades de conta, no mais absolvendo o A. do pedido de alimentos deduzido pela R./reconvinte, bem como da indemnização por esta peticionada como consequência da litigância de má fé.

*

2. A R. interpôs recurso, tendo concluído como segue:

(…)

3. Inexistem contra-alegações.

II - Factos Provados

A) O autor casou com a ré a 23 de setembro de 2001, sem convenção antenupcial (cf. fls. 9).---------

B) Durante o casamento, autor e ré aparentavam terem bom relacionamento um com o outro.-------

C) A 25 de abril de 2013, autor e ré separaram-se um do outro e passaram a viver em casas separadas, nunca mais tendo coabitado nem feito vida de casal.----------

D) Desde data não concretamente apurada, mas anterior à referida em C), o autor iniciou uma relação com outra mulher, com quem passou a viver como se de marido e mulher se tratasse, sendo vistos os dois publicamente, a entrar e sair da mesma casa e a frequentar, juntos, locais de convívio e diversão.--------

E) O autor publicava no facebook fotografias suas na companhia da senhora com quem tinha a relação referida em D).-------

F) Quando descobriu a descrita situação a ré ficou abalada e sentiu-se enganada e humilhada com a conduta do autor, tendo sido nesta sequência que ocorreu a separação referida em C).-------

G) No mês de outubro de 2012, autor e ré desfrutaram de um retiro de uma noite no Hotel de Santa Margarida, em Oleiros, e, em janeiro de 2013, ainda receberam amigos em casa, como casal.-------

H) Desde novembro de 2013, é a ré quem suporta integralmente a prestação bancária, de montante não concretamente apurado, relativa ao empréstimo que o casal contraiu para construir a casa de morada de família, sendo que, em 12 de dezembro de 2013, a dívida ao credor hipotecário ascendia ao montante de €:56.424,35 (cinquenta e seis mil, quatrocentos e vinte e quatro euros e trinta e cinco cêntimos).---------

I) Em março de 2013, o vencimento do autor rondava a quantia mensal líquida de mil euros.-----

J) Em setembro de 2013, o vencimento da ré correspondia ao salário mínimo nacional, situação que se mantém até ao presente.-------

k) A ré suporta, ainda, todas as despesas com a sua alimentação, vestuário e habitação, de montante mensal não concretamente apurado, recorrendo por vezes à ajuda de familiares.---------

L) Por escritura celebrada a 18 de julho de 2001, no Cartório Notarial de Ansião, P (…) e E (…) declararam doar ao seu filho R (…) ora autor, então no estado de solteiro, o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal com o número 3982, da freguesia de ( ...), inscrito na respetiva matriz sob o artigo 4.151 da referida freguesia; e por escritura celebrada a 28 de maio de 2001, no Cartório Notarial de Pombal, P (…) e E (…) declararam doar ao seu filho R (…), ora autor, então no estado de solteiro, o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal com o número 2813, da freguesia de ( ...), inscrito na respetiva matriz sob o artigo 4.152 da referida freguesia------

M) A casa de morada de família de autor e ré foi construída nos terrenos mencionados em L).-------

N) Autor e ré têm as mesmas habilitações literárias (12º ano de escolaridade) e, durante o seu casamento, ambos trabalhavam e eram pessoas saudáveis.---

O) Enquanto viviam juntos, autor e ré aparentavam ter uma vida desafogada.---

P) Quando a ré confrontou o autor com a situação referida em D), este assumiu que tinha de facto outra mulher, o que continua a assumir na atualidade.-------

Q) Presentemente, o autor vive no Brasil, onde trabalha ao serviço da mesma entidade empregadora que tinha em Portugal, auferindo um vencimento de montante não concretamente apurado.---

 

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Alimentos à R./reconvinte.

- Indemnização à R./reconvinte por litigância de má fé do A.

2.

(…)

Improcede, por todo o exposto, a impugnação da matéria de facto deduzida pela impugnante. 

3. Relativamente à atribuição de uma pensão de alimentos à R. (conclusões 27. a 29.) escreveu-se na sentença recorrida o seguinte:

“Como é sabido, os princípios mais emblemáticos do novo regime dos alimentos entre ex-cônjuges, posteriormente ao divórcio, constam dos artigos 2016º e 2016º-A, do Código Civil, em resultado da nova redação introduzida pela citada Lei número 61/2008, enquanto expressão da regra geral que atribui carácter excecional ao direito a alimentos entre cônjuges, expressamente limitado e de natureza subsidiária.-----

Com efeito, muito embora o artigo 2016º, número 2, do Código Civil, estabeleça que “qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio”, o certo é que a norma citada começa por afirmar, no seu número 1, que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio”, referindo, ainda, no seu número 3, que esse direito (a alimentos) “por razões manifestas de equidade, pode ser negado”.---

Por seu turno, o artigo 2016º-A, do Código Civil, estatui, nos seus números 2 e 3, que “o tribunal deve dar prevalência a qualquer obrigação de alimentos relativamente a um filho do cônjuge devedor sobre a obrigação emergente do divórcio em favor do ex-cônjuge” e que “o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio”.------

Deste modo, e como decorre da sequência dispositiva dos artigos 2016º e 2016º-A, ambos do Código Civil, a regra geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, depois do divórcio ou da separação judicial de pessoas e bens, é a de que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, constituindo exceção o direito a alimentos, a que qualquer dos cônjuges tem direito, independentemente do tipo de divórcio, sendo que, por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos pode ser-lhe negado.---------

Finalmente, atento o disposto no artigo 2016º-A, número 3, do Código Civil, nos termos do qual o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio, ter-se-á que concluir que esta obrigação alimentar genérica, na situação de dissolução ou de interrupção do vínculo conjugal, se terá que aferir, tão-só, pelo que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, não abrangendo já o dever de assegurar um nível de vida correspondente à condição económica e social da respectiva família, com a mesma extensão que teria se os cônjuges continuassem a viver em comum.--

A obrigação alimentar entre os ex-cônjuges não apresenta, pois, uma feição indemnizatória, pois que já não tem subjacente o dever recíproco e simultâneo de assistência de um dos cônjuges para com o outro, na constância do matrimónio, nem sequer a existência da culpa, única ou principal, do ex-cônjuge, mas apenas um direito de crédito da pessoa carente, de carácter alimentar, sobre outra pessoa, sujeita a um critério de dupla proporcionalidade, quer em função dos meios do que houver de prestá-los, quer da necessidade daquele que houver de recebê-los, com o limite fixado pela possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.-------

Assim, a obrigação alimentar genérica, na situação de dissolução do vínculo conjugal, prossegue, tão-só, o objectivo de fazer face às carências económicas do credor, a suprir em função dos meios económicos suficientes do obrigado, apenas recaindo sobre este o dever de o manter, ou seja, de lhe proporcionar o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário (em conformidade com o estipulado pelo artigo 2003º, do Código Civil), mas não já o suficiente para o credor satisfazer as exigências de vida correspondentes à condição económica e social da família.-------

O cônjuge divorciado não tem, pois, o direito adquirido de exigir a manutenção do nível de vida existente ao tempo em que a comunidade do casal se mantinha, o que significa que o dever de assistência, enquanto existir a comunhão duradoura de vida, tem uma extensão muito maior do que o cumprimento do mero dever de alimentos, quando essa comunhão tiver cessado.-------

Assim, ao redigir o artigo 2016º-A, do Código Civil, procurou o legislador desmistificar uma certa expectativa jurídica de garantia da auto-suficiência, durante e após a dissolução do matrimónio, que consubstanciaria o casamento como um verdadeiro «seguro de vida», por não ser concebível a manutenção de um status económico atinente a uma relação jurídica já extinta, além de que a ideia básica, hoje vigente neste âmbito do Direito da Família, é a de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio”, sendo excepcional o direito a alimentos que a qualquer cônjuge assiste, podendo, ainda assim, ser negado, por razões manifestas de equidade.--------

(…)

Com esta orientação, o legislador visou explicitar, de uma forma clara, que o direito a alimentos na sequência do divórcio só se constitui se o ex-cônjuge não tiver possibilidades de prover à sua subsistência. E só se a um deles tal não for de todo possível, terá então o direito a receber alimentos do outro cônjuge, em montante que lhe permita garantir um mínimo de vida digna e sempre de acordo com as reais possibilidades económicas do ex-cônjuge obrigado a prestá-los.-------

Este direito, assentando num dever assistencial que perdura para além do casamento, passou assim a ter carácter subsidiário e, seguramente, limitado pela obrigação de socorro numa situação de grande exigência resultante de manifesta carência de meios de subsistência num quadro de impossibilidade ou séria dificuldade de obtenção de rendimento suficiente à realização de uma vida minimamente condigna.--------

(…)

Está fora de qualquer dúvida que a prova da incapacidade de prover à subsistência, que está na génese do direito a alimentos entre divorciados, impende, como facto constitutivo desse direito, àquele que deles pretende beneficiar, atento o disposto no artigo 342º, número 1, do Código Civil.-------

A necessidade do alimentando consiste na impossibilidade de prover total ou parcialmente à sua subsistência, seja com os seus bens pessoais seja com o seu trabalho, sendo, pois, a impossibilidade de prover ao seu sustento aferida pelo seu património e pela sua capacidade de trabalho. No caso de poder prover às suas necessidades através do seu trabalho ou de outros meios que lhe proporcionem um rendimento suficiente, o direito a alimentos pelo ex-cônjuge não lhe deve ser reconhecido, dado ser um meio subsidiário, só justificável na ausência de outros meios de subsistência.-------

Quanto ao património deve ter-se em conta os rendimentos que lhe proporcionem os bens do qual é proprietário, mas também a possibilidade de proceder à alienação desses bens para daí obter proventos que possibilitem a sua subsistência.---------

Quanto à capacidade de trabalho do alimentando, caso não se encontre a exercer uma profissão remunerada, deve ter-se em conta a sua formação, competências, idade e o seu estado de saúde, tendo sempre presente que é sobre si que impende o dever de prover à satisfação das suas necessidades fundamentais, de harmonia, de resto, com o princípio da responsabilidade pessoal de cada um dos cônjuges pelo seu futuro económico depois do divórcio. Não basta, no entanto, a simples capacidade para o trabalho, sendo ainda necessária a possibilidade real de efetiva ocupação laboral, dada a dificuldade com que se pode deparar em encontrar posto de trabalho em consequência do desemprego e da crise económica.---------

Tecidas tais considerações a propósito da obrigação de alimentos entre ex-cônjuges, importa antes de mais atentar no que a esse respeito foi alegado pela reconvinte.--------

(…)

Discutida a causa, ficou provado, com relevo, que desde novembro de 2013, é a ré quem suporta integralmente a prestação bancária, de montante não concretamente apurado, relativa ao empréstimo que o casal contraiu para construir a casa de morada de família, sendo que em 12 de dezembro de 2013 o dívida ao credor hipotecário ascendia ao montante de €: 56.424,35 (cinquenta e seis mil, quatrocentos e vinte e quatro euros e trinta e cinco cêntimos).---------

Mais, ficou provado que em março de 2013, o vencimento do autor rondava a quantia mensal líquida de mil euros, ao passo que o da ré, em setembro de 2013, correspondia ao salário mínimo nacional.-------

Finalmente, ficou provado que a ré suporta, ainda, todas as despesas com a sua alimentação, vestuário e habitação, de montante mensal não concretamente apurado, recorrendo por vezes à ajuda de familiares.------

(…)

Na verdade, como acima se deixou dito, a obrigação alimentar entre os ex-cônjuges não apresenta, hoje, uma feição indemnizatória, mas prossegue, tão-só, o objectivo de fazer face às carências económicas do credor.--------

Por essa razão, é condição da constituição de tal direito a favor do ex-cônjuge, na sequência do divórcio, a ausência de possibilidades de prover à sua subsistência.---------

Ora, estando demonstrado que a ré apenas aufere o salário mínimo nacional, não foi alegado nem ficou provado que, com isso, a mesma não consiga prover à sua subsistência. Não se duvida que tal lhe imporá uma profunda alteração nos seus próprios hábitos e gastos, mas nada nos autos permite afirmar que se esteja perante um caso de incapacidade de subsistir que faça nascer na esfera jurídica do autor a obrigação de prover ao sustento da ré, decretado que esteja o divórcio.--------

Alega a ré que está a suportar, sozinha, as prestações bancárias relativas à amortização do empréstimo que o casal contraiu para construção da casa de morada de família. Tratando-se, aqui, de uma opção da ré no sentido da manutenção do património comum, o certo é que tal será devidamente valorado aquando da partilha, afigurando-se que as quantias que agora está a despender farão nascer na sua esfera jurídica um crédito a seu favor sobre o autor, relativamente aos montantes que, após a dissolução do casamento (ou seja, a entrada da ação em juízo, nos termos do artigo 1789º, número 1, do Código Civil), despendeu para além da contribuição que lhe era exigível (cf. artigo 1689º, número 3, do Código Civil). Tal não tem, todavia, a virtualidade bastante para colocar a ré em situação de risco de subsistência, endo que, como acima se deixou dito, só neste caso seria legítimo ao Tribunal colocar a cargo do autor a correspondente obrigação de alimentos.”.

O discurso jurídico apresentado na sentença recorrida acompanha de muito perto a explanação desenvolvida nos Acds. do STJ de 23.10.2012, Proc.320/10.6TBTMR, com o seguinte sumário “I - O princípio geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, após o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, que decorre da sequência dispositiva do art. 2016.º do CC, é o do seu carácter excepcional, expressamente, limitado e de natureza subsidiária, com base na regra de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência” e de que “o direito a alimentos pode ser negado, por razões manifestas de equidade”. (…) III - A obrigação alimentar genérica, na situação de dissolução ou de interrupção do vínculo conjugal, aferia-se, com a Reforma de 1977, tão-só, pelo que era indispensável ao sustento, habitação e vestuário, não abrangendo já o dever de assegurar um nível de vida correspondente à condição económica e social da respectiva família, com a mesma extensão que teria, se os cônjuges continuassem a viver em comum, e nem sequer se baseava na medida necessária para manter a sociedade conjugal, de acordo com o padrão de vida social próprio de cada casal. IV - Esta obrigação alimentar genérica já não apresentava uma feição indemnizatória, pois que já não tinha subjacente o dever recíproco e simultâneo de assistência de um dos cônjuges para com o outro, na constância do matrimónio, nem sequer a existência da culpa, única ou principal, do ex-cônjuge, representando apenas um direito de crédito da pessoa carente, de carácter alimentar, sobre outra pessoa, sujeita a um critério de dupla proporcionalidade, em função dos meios do que houver de prestá-los, e da necessidade daquele que houver de recebê-los, com o limite fixado pela possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência. V - O cônjuge divorciado não tem o direito adquirido de exigir a manutenção do nível de vida existente ao tempo em que a comunidade do casal se mantinha, o que significa que o dever de assistência, enquanto existir comunhão duradoura de vida, tem uma extensão muito maior do que o cumprimento do mero dever de alimentos, quando essa comunhão tiver cessado, pelo que o factor decisivo para a concessão e a medida dos alimentos não resulta da eventual deterioração da situação económica e social do carecido, após o divórcio. VI - O casamento não cria uma expectativa jurídica de garantia da auto-suficiência, durante e após a dissolução do matrimónio, o que consubstanciaria um verdadeiro “seguro de vida”, por não ser concebível a manutenção de um “status económico” atinente a uma relação jurídica já extinta, sendo certo que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcioe de 20.2.2014, Proc.141/10.6TMSTB, com o seguinte sumário “I - Com a redacção dos n.os 1 a 3 do art. 2016.º e 2016.º-A do CC, introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31-10, o princípio geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, após o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, é o do seu carácter excepcional, expressamente, limitado e de natureza subsidiária, com base na regra de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência” e de que “o direito a alimentos pode ser negado, por razões manifestas de equidade”. II - Com o citado diploma legal, tal como já sucedera com a Reforma de 1977, o legislador afastou a intenção de colocar o ex-cônjuge carecido de alimentos numa posição idêntica, do ponto de vista financeiro, àquela que desfrutaria se o casamento não tivesse sido dissolvido, radicando a obrigação alimentar entre ex-cônjuges no que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário. III - Na medida dos alimentos devem ser consideradas todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe alimentos e as possibilidades daquele que os presta, como o sejam a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade, o estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto”, ambos em www.dgsi.pt. Jurisprudência que por inteiro subscrevemos.

Ou seja, face ao quadro legal decorrente dos arts. 2016º e 2016º-A, emergente da Lei 61/2008, de 31.10, as linhas de força do novo regime em matéria de alimentos após o divórcio, assentam nas seguintes ideias/regras base: tem caracter excepcional o direito a alimentos entre ex-cônjuges, pois cada cônjuge deve prover à sua subsistência (nº 1 do 2016º); esse direito a alimentos pode ser negado por razões manifestas de equidade (nº 3 do mesmo preceito); o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio (nº 3 do 2016º-A); a obrigação alimentar genérica, na situação de fim do vínculo conjugal, afere-se, tão-só, pelo que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, em conformidade com o disposto no art. 2003º, nº 1, do CC; as necessidades do credor são supridas em função dos meios e possibilidades económicas do obrigado (art. 2004º, nº 1, do CC).

Vale tudo isto por dizer que não consubstancia o casamento um verdadeiro “seguro de vida”, por não ser concebível a manutenção de um determinado estatuto económico após a extinção do mesmo, o dever assistencial do ex-cônjuge só se justifica limitadamente perante uma obrigação de socorro ao outro ex-cônjuge numa situação de manifesta carência de meios de subsistência deste ou num quadro de impossibilidade ou séria dificuldade de o mesmo obter rendimento suficiente à realização de uma vida minimamente condigna. Como será o caso por ex. de o mesmo estar limitado fisicamente ou psicologicamente para a sua obtenção, quando já tenha uma certa idade insusceptível de possibilitar a sua angariação, falta de habilitações ou qualificações profissionais, etc, (neste sentido Pais de Amaral, D. Família, 2ª Ed., 2015, págs. 198/199).

Assim, no caso de poder prover às suas necessidades através do seu trabalho ou de outros meios que lhe proporcionem um rendimento suficiente, o direito a alimentos do ex-cônjuge não lhe deve ser reconhecido, sendo irrelevante a eventual deterioração da situação económica e social do carecido, após o divórcio. 

Revertendo ao caso concreto, provou-se que é a apelante quem suporta as suas despesas com a alimentação, vestuário e habitação, de montante mensal não concretamente apurado, recorrendo por vezes à ajuda de familiares, bem como suporta a prestação bancária, correspondente ao empréstimo para aquisição da casa, de montante não concretamente apurado. Mais se apurou que o vencimento do autor ronda a quantia mensal líquida de mil euros – embora se desconheçam as suas despesas e respectivos valores - ao passo que o da apelante correspondia ao salário mínimo nacional. Não são conhecidos filhos ao ex-casal.  

Ora, como se disse, a obrigação alimentar entre os ex-cônjuges prossegue, tão-só, o objectivo de fazer face às carências económicas do credor. Porém apurou-se a possibilidade de a apelante prover à sua subsistência, o que efectivamente faz, auferindo o salário mínimo nacional, e não se provou que, com isso, a mesma não consiga subsistir – com efeito não se apurou que o seu rendimento é inferior à sua despesa -, apenas se percepcionando que com tal salário mínimo teve de mudar, naturalmente, os seus próprios hábitos e gastos.

Uma nota mais. Quanto ao pagamento das prestações bancárias relativas à amortização do empréstimo que o casal contraiu para construção da casa de morada de família, concorda-se com a argumentação da decisão recorrida, quando afirma que se trata de uma opção da ré no sentido da manutenção do património comum, o que será devidamente valorado aquando da partilha, pois as quantias que agora está a despender farão nascer na sua esfera jurídica um crédito a seu favor sobre o autor, relativamente aos montantes que, após a dissolução do casamento, despender para além da contribuição que lhe era exigível, nos termos do art. 1689º, nº 3, do CC.  

Face ao explicitado, não procede esta parte do recurso.   

4. No que respeita a indemnização por litigância de má fé (conclusões 30. a 36.) prevê o art. 542º, nº 1, do NCPC, a condenação do litigante de má-fé em indemnização a favor da parte contrária, estabelecendo o art. 543º, nº 1, a), que a mesma pode consistir no reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo honorários dos mandatários e técnicos, ou, b), no reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má-fé, cabendo, nos termos do nº 2, ao juiz optar pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a sempre em quantia certa. 

No caso destes autos, o A. foi condenado por litigância de má fé por ter alegado uma separação de facto por um período que sabia não corresponder à verdade e ter omitido a circunstância de a separação do casal ter ocorrido na sequência de ele manter uma relação extraconjugal, tendo, pois, alterado a verdade dos factos e omitido factos relevantes para a decisão da causa, pelo que a sua conduta integrou a previsão do art. 542º, nº 2, b), do NCPC. Acontece que os prejuízos a indemnizar, previstos na supra citada b) do nº 1, do art. 543º, são os unicamente devidos à má fé, isto é, como consequência desta, como resulta da lei.

Neste campo, a R. não alegou quaisquer prejuízos como consequência da má fé que imputou ao A., limitando-se a pedir na sua contestação/reconvenção (art. 153º) a condenação do A. no montante de 10.000 €, mas sem justificar de onde deriva tal dano. Relembre-se que o que a R. alegou como fundamento da responsabilidade civil do A. foi tão-só a ocorrência de danos pela dissolução do casamento e pela violação de determinados deveres conjugais, formulando o atinente pedido indemnizatório por danos morais no montante total de 30.000 €, pedido reconvencional que lhe foi liminarmente indeferido (com o primeiro fundamento por não ser devido, com o segundo fundamento por ter de ser requerido em acção de responsabilidade civil e não no âmbito da acção de divórcio). Assim, repete-se, não tendo a R. alegado qualquer dano derivado da má fé do A. nenhuma indemnização, a coberto da dita b) do nº 1 do art. 543º lhe pode ser atribuída.

Por sua vez, quanto à indemnização prevista na a) do mesmo nº 1 e mesmo art. 543º ela só será devida se a má fé do litigante tiver obrigado a parte contrária a fazer despesas, incluindo os honorários dos mandatários.

Neste aspecto, defende a R. que, independentemente de beneficiar de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento de despesas e demais encargos, se viu obrigada, com o presente litígio, a suportar as despesas inerentes à apresentação da sua defesa, como as decorrentes da prova documental, designadamente obtendo e facultando fotocópias dos relatórios médicos e facturação inerente às tentativas de “inseminação artificial” pouco antes da ruptura do casamento por ter descoberto a vida dupla do autor, fotografias referentes aos cuidados que a R. tinha com a habitação dadas aos autos, prints da página do facebook com fotos intimas do autor com outra mulher, e deslocações que a R. efectuou à localidade próxima onde o A. vivia com outra mulher, entre outras despesas, além dos honorários que teve e terá de suportar com o presente litigio. Entendemos, porém, que não são devidas tais despesas. Ademais de tal tipo de prova pretender comprovar e sustentar o pedido de indemnização de 30.000 €, por danos morais que formulou, esquece a recorrente que deduziu reconvenção pedindo, também, ela o divórcio com fundamento na ruptura definitiva do casamento, sustentada em factos que logrou provar com base nessa prova documental que obteve e em prova testemunhal. Ou seja, as despesas que suportou por fotocópias, fotografias, deslocações e honorários a pagar à sua advogada nascem da sua própria demanda judicial contra o A. com a apresentação da reconvenção e formulação do pedido de divórcio, tal e qual como emergiriam caso tivesse intentado previamente acção contra o A. com tal desiderato. Não se divisa, assim, tramitação processual acrescida diferente da que a R. teria caso tivesse tomado a iniciativa de propor, como A., uma acção contra o ora A. pois aí teria também de apresentar a prova que apresentou, e teria de ter as despesas que teve, para alcançar o resultado que na presente acção obteve, o divórcio do seu marido. Não se pode afirmar, pois, que foi a má fé do litigante A. que obrigou a R. a fazer despesas, incluindo os honorários dos mandatários, que de outro modo não teria.   

Tendo em conta o explanado, não procede esta parte do recurso.

5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Face ao quadro legal decorrente dos arts. 2016º e 2016º-A, emergente da Lei 61/2008, de 31.10, as linhas de força do novo regime em matéria de alimentos após o divórcio, assentam nas seguintes ideias/regras base: tem caracter excepcional o direito a alimentos entre cônjuges, pois cada cônjuge deve prover à sua subsistência (nº 1 do 2016º); esse direito a alimentos pode ser negado por razões manifestas de equidade (nº 3 do mesmo preceito); o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio (nº 3 do 2016º-A); a obrigação alimentar genérica, na situação de fim do vínculo conjugal, afere-se, tão-só, pelo que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, em conformidade com o disposto no art. 2003º, nº 1, do CC; as necessidades do credor são supridas em função dos meios e possibilidades económicas do obrigado (art. 2004º, nº 1, do CC);

ii) Se ficar provado que o ex-cônjuge trabalha, auferindo o ordenado mínimo nacional que lhe permite acudir ao seu sustento, vestuário e habitação, embora receba por vezes ajuda dos familiares, não deve ser-lhe concedido direito a alimentos apesar de o seu ex-cônjuge auferir cerca de mil euros mensais (embora desconhecendo-se as suas despesas mensais e respectivos valores);

iii) Na condenação em indemnização por litigância de má fé o reembolso das despesas, incluindo os honorários do mandatário, só abrange as que derivem directamente da má fé do litigante.

   

 

IV – Decisão

 

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

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Custas pela apelante.

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  Coimbra, 12.1.2016

Moreira do Carmo ( Relator )

Fonte Ramos

Maria João Areias