Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
14/10.2SJGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: RECURSO
PRAZOS
Data do Acordão: 04/24/2012
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: 3º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGO 411º NºS 1 E 4 E 412º NºS 3 E 4 CPP
Sumário: 1.- O prazo para interposição de recurso é de 20 dias e se este incidir sobre a reapreciação da prova gravada, é alargado para 30 dias;

2.- Para o recorrente poder beneficiar do prazo de 30 dias não basta dizer na motivação que o recurso tem por objeto a reapreciação da prova gravada;

3.- Para haver lugar à impugnação da decisão sobre a matéria de facto e consequente reapreciação da prova gravada, tem o recorrente que observar integralmente o disposto no art. 412 nº 3 e 4 do CPP.

4.- Não respeitando esses requisitos no texto da motivação, não há lugar a convite à sua correção e como tal não beneficia do prazo mais longo de 30 dias.

Decisão Texto Integral: =DECISÃO SUMÁRIA=
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Efetuado exame preliminar dos autos afigura-se-nos que o recurso é extemporâneo (interposto fora de tempo) –art. 414 nº 2, pelo que é de rejeitar, art. 420 nº 1 al. b), ambos do CPP.
Assim, que se profere decisão sumária nos termos do art. 417 nº 6 als. a) e b) do mesmo diploma.
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Decide-se no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acusação deduzida pelo Magistrado do Mº Pº contra o arguido:
A..., residente no … .
Sendo decidido:
a) CONDENAR o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de injúria agravada, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 181º, n.º 1, 184º e 132º, n.º 2, al. j), todos do Cód. Penal, e um crime de ofensa à integridade física qualificada em autoria material e na forma tentada, p. e p. pelos artigos 143º, n.º 1, 145º, n.º 1, al. a), 132º, n.º 2, al. l), 22º, n.º 1 e n.º 2, al. c), 23º e 73º, todos do Cód. Penal, nas penas parcelares de 120 (cento e vinte) dias cada uma e de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, culminando-se na pena única de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de €7,00 (sete euros), num total de €1.400,00 (mil e quatrocentos euros), e 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de 1 (um) ano e 3 (três) meses.
b) ABSOLVER o mesmo arguido da prática do crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º, n.º 1, e 155º, n.º 1, al. c), ambos do Cód. Penal, por que vinha acusado.
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Inconformado, da sentença interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes conclusões na motivação do mesmo:
a)O arguido e aqui recorrente, considera-se inocente.
b)Com efeito, o Tribunal a quo, não logrou provar as circunstâncias em que ocorreram os factos designadamente os que consubstanciam o crime de ofensa á integridade física.
c)Nas declarações que prestou o arguido disse entre o mais que quando os agentes lhe deram o papel para assinar, ("estava a tentar ver a data, (...) assinas ou não assinas e enfiou-me com a arma na cara”) ut ficheiro 201105101002854_9266505:37
d)O tribunal formou a sua convicção nos depoimentos dos agentes da autoridade e também testemunhas, que e de acordo com o teor dos depoimentos prestados, designadamente o agente B...: (" ele possivelmente não gostou muito (...) ele já estava enervado, então quando lhe meti a mão por baixo do papel para inclinar a folha para ele ler o que estava escrito (...) ele mandou-me um empurrão e afastei-o, deitou-me as mãos aos ombros e eu afastei-o (...) Vai para dentro da residência dizendo que ia buscar um machado (...)." ut ficheiro 20110510104855_926657:45
e)A testemunha C... no seu depoimento limita-se a dizer que o arguido disse (...) "vou lá dentro buscar uma coisa que já vos fodo", não refere que o arguido tenha empurrado o agente B... e que este o tenha afastado.
f)O Tribunal a quo refere que existem dúvidas e poderá não ser convincente a versão apresentada pelos srs. agentes da autoridade quando afirmaram que o arguido caiu sozinho ao solo quando para eles se dirigia com o machado, no entanto e apesar das dúvidas em relação aos depoimentos o tribunal a quo, condena o arguido pelo crime de ofensa à integridade física na forma tentada.
g)Assim e porque existem dúvidas acerca dos factos, pois o Tribunal a quo considera que (...) "o arguido apresentava hematoma na face no dia dos factos (...)" e refere que (...) "poderá não ser inteiramente convincente a afirmação dos senhores agentes da autoridade (...)".
h)Na existência de dúvidas sempre o tribunal teria de absolver o arguido, sob pena de violação do princípio "in dubio pro reo".
i)Pois, todo o arguido se presume inocente por força do princípio constitucionalmente consagrado (art. 32 da CRP).
j)O princípio do in dubio pro reo tem aplicação no domínio probatório e significa que em caso de falta de prova sobre um facto, a dúvida se resolve a favor do arguido; ou seja, será dado como «não provado» se desfavorável ao arguido e como «provado» se lhe for favorável. A violação princípio in dubio pro reo só será de atender se resultar da sentença que o tribunal num estado de dúvida sobre algum ou alguns dos pontos da matéria de facto sobre eles optou por entendimento decisório desfavorável. (Ac. TRC de 23-06-2010) in www.dgsi.pt.
k)Violou pois a Sentença recorrida as disposições legais invocadas, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que determine a absolvição do arguido por falta de prova.
Sem prescindir,
I)De acordo com o expresso no artigo 145 do Código Penal, é elemento fundamental do tipo o juízo que se faça á conduta do agente no sentido de que as ofensas à integridade física foram produzidas em circunstancias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente. E, de acordo com o n.º 2 do citado artigo, são suscetíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade, entre outras, as previstas no nº 2 do artigo 132 do Código Penal, no caso a correspondente alínea I), o facto de o ofendido ser PSP.
m)E que de acordo com a douta Sentença recorrida esta circunstância opera de forma automática por estar em causa um agente da autoridade policial no exercício das suas funções e por causa delas.
n)Em causa está a ofensa à integridade física qualificada, uma qualificação decorrente de uma culpa agravada, através da técnica legislativa dos exemplos-padrão (PAULA RIBEIRO DE FARIA, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, 1999, art. 146.°, § 4).
o)A este respeito escreve o PROF. FIGUEIREDO DIAS in "Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 41:
" Uma tal abertura do catálogo - que não constava do anteprojeto que foi presente á Comissão Revisora: Atas 1993-189 s. - é de correção politico-criminal pelo menos duvidosa (sem que todavia se possa aceitar a acusação de "surrealismo" que lhe é dirigida por TERESA SERRA, Jornadas 1998 -148; também p. ex. o CP francês de 1994 contém uma lista paralela a esta, se bem que na verdade menos extensa: art. 221-4 e sobre ela PRADEU DANTI- JUAN n.º 24 e 50; e o mesmo se diga agora do art. 126 c) do Anteprojeto de 1996 de CP de Cabo Verde). E seria dificilmente admissível tanto em perspetiva dogmática, como (sobretudo) político-criminal se estas circunstâncias devessem considerar-se ao nível do tipo objetivo de ilícito (como em todo o caso sucede no direito francês!). Tratando-se porem aqui, uma vez mais, de circunstâncias indiciadoras de um tipo de culpa agravado - em suma, de exemplos-padrão - , a referida inadmissibilídade desaparece e o alargamento (sem dúvida demasiado extenso, deve convir-se, sem que todavia possa dar ensejo à suspeita de que, no espírito da Comissão Revisora - como decerto também não no do legislador de 1998 - , estaria a tentativa errónea de construir nesta parte um "tipo taxatívo fechado", assim todavia TERESA SERRA, Jornadas 1998-158) pode suportar-se. Porque não bastará nunca demonstrar que foi morta uma das pessoas mencionadas, no exercício das suas funções ou por causa delas, mas será sempre necessário provar (e pode prever-se que em muitas hipóteses tal se não revelará tarefa fácil) que tais circunstancias revelam, no caso, a especial censurabilidade ou perversidade do agente; o que só acontecerá se ao homicídio puder ligar-se uma especial baixeza da motivação ou um sentimento particularmente censurado pela ordem jurídica, ligados à particular qualidade da vitima ou à função que ela desempenha. "
p)O legislador consagrou exemplos-padrão, o que significa que outras circunstâncias, para além das elencadas, podem preencher o conceito; a simples verificação de uma das circunstâncias descritas no citado artigo não implica necessariamente, de forma automática, o seu preenchimento.
q)Assim, a verificação de uma daquelas circunstâncias, seja ela relativa ao facto ou ao agente, não implica sem mais a realização do tipo de culpa e a consequente qualificação, constituindo apenas um indício da especial censurabilidade ou perversidade do agente que fundamenta o agravamento da moldura penal aplicável ao tipo fundamental de crime por ele praticado.
r)Partindo desse indício, há que determinar se as concretas circunstâncias em que a ofensa à integridade física foi produzida revelam um desvalor de ação que excede aquele que o tipo fundamental abarca.
s)No caso, (...) " o arguido recolheu ao interior da sua residência, de onde veio com um machado empunhado no ar na direção de pelo menos do agente B..., o que motivou que o mesmo tivesse que empunhar a arma que lhe está distribuída, para sua segurança, tendo agido pelo menos com a intenção de molestar a integridade física e causar lesões (...) apenas não o tendo logrado fazer por motivo independente da sua vontade, o qual não foi concretamente apurado (...)”
t)Mas refere ainda a douta Sentença recorrida que, (...) “Com efeito, levantaram-se-nos algumas dúvidas quanto á explicação simples trazida pelos srs. agentes da autoridade no sentido de que o arguido teria apenas caído por si só perante a visão da arma empunhada por um deles, tanto mais que o arguido apresenta efetivamente lesões na respetiva face e que podem ser compatíveis com a agressão que diz ter sofrido." (...) Não se pode excluir que a agressão na face do arguido tenha efetivamente ocorrido, na medida em que o mesmo apresentava hematoma na face no dia dos factos e no dia seguinte, como consta do relatório médico-legal de fls. 88 e 89 e porque por seu turno poderá não ser inteiramente convincente a afirmação dos srs. agentes da autoridade quando afirmaram que o arguido caiu sozinho ao solo quando para eles se dirigia com o machado e logo de seguida fechou a porta de casa, razão pela qual não foi detido nem o machado foi apreendido".
u)Salvo respeito por melhor opinião, da matéria de facto não se pode concluir pela especial baixeza de motivação, tanto mais que o Tribunal a quo não apurou o que concretamente sucedeu, não se conformando, como aliás refere a Sentença recorrida com as explicações do srs. agentes da autoridade.
v)A mera subsunção formal de uma dada situação da vida - in casu, a circunstância de o arguido ser PSP - um dos exemplos típicos previstos no nº 2 do artigo 132 não é suficiente para de forma automática concluir pela qualificação fundada numa culpa agravada. (cf. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Comentário Conimbricense do Código Penal, 1,1999, art. 132.°, § 2).
w)No mesmo sentido Ac. do STJ de 21.12.2006 que faz referencia ao Ac. do TRP de 31.10.2001,no qual se pode ler que “Para se afirmar a existência de espacial censurabilidade ou perversidade no comportamento do agente, impõem-se a análise das circunstâncias concretas que rodearam a prática do facto e a conclusão de que elas são tais que exprimem inequívoca e concretamente uma especial perversidade do agente ou que são merecedoras de um severo juízo de censura".
x)Sucede, todavia, que a Sentença recorrida omitiu por completo qualquer conjugação da cláusula geral de agravação com o exemplo padrão, tendo feito funcionar automaticamente o exemplo padrão da alínea I) do n.° 2 do art. 132 do Código Penal, ex vi artigo 145.
y)E não consta sequer da motivação de direito da Sentença recorrida uma qualquer conclusão no sentido de o arguido ter praticado o facto que lhe é imputado em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, como determina o n.° 2 do art. 145 do Código Penal.
z)Desta forma, não constando da Sentença recorrida um juízo de especial censurabilidade ou perversidade dirigido ao arguido e vindo este condenado por um crime de ofensa à integridade física qualificada (145 do Código Penal, ex vi art. 143 -1 do Código Penal), o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia, sancionada pelo art. 379 nº 1, aI. c), do CPP, com nulidade, que se deixa aqui expressamente arguida.
Subsidiariamente, sem prescindir e por cautela:
aa) A tentativa deste crime é punível sempre que o agente pratica atos de execução do crime de ofensa á integridade física, sem que este chegue a consumar-se, em circunstancias (integráveis ou análogas às referidas nos exemplos padrão do art. 132, n.° 2 do C.P.), suscetíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade. Será todavia necessário que em causa estejam lesões da integridade física graves, uma vez que a moldura penal prevista para as lesões da integridade física simples não admite a punição da tentativa (...)" (PAULA RIBEIRO DE FARIA, Comentário Conimbricense do Código Penal, 1,1999, art. 146.°, § 12).
bb) No caso o arguido foi condenado pela prática de um crime de ofensa á integridade física qualificada em autoria material e na forma tentada, p. e p. pelos artigos 143, nº 1,145, n.º 1, aI. a), 132, n.º 2, al. I), 22, n.º 1 e n.º 2, aI. c), 23 e 73, todos do Código Penal, pelo que a tentativa do crime em questão não é punível, pois o crime de ofensa á integridade física simples p. e p. pelo artigo 143 n.º 1 também não o é na forma tentada, pelo que e, para que a tentativa fosse punível teriam de ser grave a ofensa á integridade física.
Da medida da pena:
cc) O arguido ora recorrente, foi ainda condenado por dois crimes de injuria agravada, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 181, n.º 1, 184 e 132, n.º 2, aI. j), todos do Código Penal, na pena única de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de €7,00 (sete euros), num total de €1.400,00 (mil e quatrocentos euros), entende o recorrente que tal quantia é excessiva tendo em consideração a sua situação económica.
dd) O ora recorrente é de modesta condição económica, apenas recebe a quantia de €189,00 por mês a título de rendimento social de inserção, acresce o facto de se encontrar incapacitado para exercer a profissão devido a um acidente de trabalho, tal como resulta da sentença recorrida.
ee) O arguido apesar de ter antecedentes criminais não são da mesma natureza e a pena em que foi condenado foi já declara extinta.
Deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra decisão que absolva o arguido da prática do crime de ofensa á integridade física qualificada na forma tentada, por que foi condenado na mesma.
Na decorrência do que se deixa alegado reduzir a pena em que foi condenado no crime de injúria agravada, por se considerar atendendo a sua situação económica excessiva.
Respondeu o Magistrado do Mº Pº, concluindo:
1- Face à matéria de facto dada com provada, não merece qualquer reparo a decisão ora em recurso;
2- Adere-se, integral e plenamente à decisão ora em recurso, quer no que toca aos argumentos fácticos quer de ius nela explanados, a qual, na nossa opinião, não merece qualquer reparo encontrando-se exemplarmente trabalhada e fundamentada;
3- Não ocorrem, no caso em apreço e nos termos que julgamos ter deixado demonstrado nos autos, os pretensos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, nem foram violados os princípios do in dubio pro reo ou existiu omissão de pronúncia ou violação de normas legais aplicáveis
4- Já que as declarações do arguido não mereceram, e bem, ao tribunal, credibilidade bastante para suportar a sua absolvição, como pede;
5- Já que, ao contrário do que defende o recorrente no presente recurso, os depoimentos do agentes da PSP nos pareceram mais coerentes, sérios e objetivos;
6- Concorda-se e aplaude-se que tenha sido este o entendimento que mereceu acolhimento na decisão;
7- Inexistem os vícios apontados pelo arguido, na decisão ora em crise;
8- O ilícito de ofensa à integridade física qualificada, é punível na forma tentada, de acordo com o preceituado nos art°s 23 nº 1 e 145 nº 1-a), ambos do C. Penal, nos termos sobreditos;
9- Concorda-se com a medida da pena aplicada ao arguido em sede dos crimes de injúrias agravados, atentos os critérios de dosemetria de aplicação de penas de multa supra expendidos;
10- A sentença ora em recurso não violou as disposições legais citadas no presente recurso, nem quaisquer outras.
Deve ser mantida, nos seus precisos termos, a sentença ora em recurso.
Nesta Relação, o Ex.mº PGA emitiu parecer parcialmente concordante com a resposta na 1ª Instância, no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o art. 417 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Cumpre decidir:
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São os seguintes os factos que o Tribunal recorrido deu como provados e sua motivação:
II. FUNDAMENTAÇÃO
A) DOS FACTOS
1. FACTUALIDADE PROVADA
Discutida a causa, resultaram provados, com relevância para a decisão final, os seguintes factos:
A) No dia 20 de maio de 2010, pelas 22:10 horas, no exercício das suas funções e por causa delas, os agentes da PSP desta cidade B... e C…, deslocaram-se à residência do arguido, sita no Lugar de … , nesta cidade, a fim de darem cumprimento ao mandado de notificação do mesmo, no âmbito do processo de inquérito 354/10.0TAGRD.
B) Bateram à porta, tendo respondido o arguido perguntando: “quem é?”, ao que os agentes da PSP responderam que era a Polícia e que necessitavam de o notificar.
C) Então, o arguido, abrindo a porta e ao ser-lhe explicado o motivo por que ali se encontravam os aludidos agentes da PSP, referiu várias vezes para os mesmos agentes “que não assinava merda nenhuma, que não queria saber da bófia para nada, que eram uns corruptos de merda, uns mentirosos” e dirigindo-se ao agente B..., apelidou-o de “filho da puta”.
D) Ao ser-lhe por este agente pedido para moderar a sua linguagem, para não ser detido, o arguido respondeu com uma expressão verbal de teor não exatamente apurado, mas que pretendia significar que iria de imediato ao interior da sua residência buscar algum objeto com o qual iria agredir os agentes da autoridade presentes, tendo então entrado para o interior da residência, de onde veio com um machado empunhado no ar na direção pelo menos do agente B..., o que motivou que o mesmo tivesse que empunhar a arma que lhe está distribuída, para sua segurança.
E) O arguido agiu pelo menos com a intenção de molestar a integridade física e causar lesões pelo menos na pessoa do agente da autoridade B..., apenas não o tendo logrado fazer por um motivo independente da sua vontade, o qual não foi concretamente apurado.
F) Agiu o arguido livre, deliberada e conscientemente, querendo e sabendo que, daquela forma atingia a honra e consideração dos agentes da PSP B... e C…, no exercício das suas funções e por causa delas e, não obstante, não se inibiu de proferir as referidas expressões nas circunstâncias supra descritas;
G) Bem sabia o arguido que as suas condutas que se deram como provadas eram proibidas e punidas criminalmente.
H) O arguido é motorista de pesados, encontrando-se contudo incapacitado de exercer a profissão desde 5 de junho de 2003 devido a um acidente de trabalho. Recebe apenas a quantia de €189,00 por mês a título de rendimento social de inserção. Vive gratuitamente em casa da mãe e tem uma filha de 12 anos de idade, não contribuindo para o respetivo sustento.
I) O arguido foi já condenado no âmbito do processo n.º 28/07.0SJGRD, do 1º Juízo deste Tribunal Judicial da Guarda, pela prática a 3 de setembro de 2007 de um crime de dano simples, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de €5,00, num total de €300,00. Tal decisão transitou em julgado a 22 de outubro de 2008, e a pena em causa foi já declarada extinta.
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2. FACTUALIDADE NÃO PROVADA
Da audiência de discussão e julgamento resultaram como não provado designadamente que:
1) O arguido tenha dirigido ao agente da autoridade B... concreta e exatamente a expressão “vou já buscar um machado que vos fodo.”.
2) Com a sua conduta, tenha causado o arguido, na pessoa do visado B..., medo e inquietação de que lhe viesse a concretizar o mal que lhe estava a anunciar de ofensa contra a vida, prejudicando-a na sua liberdade de determinação.
3) O arguido bem quisesse e soubesse que anunciava ao agente B... a prática de um mal qualificado na lei como crime - contra a vida - e que, dessa forma, lhe provocava medo e inquietação de que ele viesse efetivamente a realizar o mal anunciado, prejudicando-o na sua liberdade de determinação.
4) O arguido seja pessoa respeitosa, não ofendendo as pessoas em geral e os agentes da autoridade em particular.
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3. MOTIVAÇÃO
Relativamente à matéria que se deu como provada, o tribunal baseou a sua convicção essencialmente no teor conjugado dos depoimentos prestados por ambas as testemunhas agentes da autoridade B... e C…, os quais, apesar de serem igualmente ofendidos nestes autos, neles intervieram apenas no exercício das suas funções, sem que se saiba que algo de pessoal ou específico os movesse contra o arguido, tendo narrado as ocorrências que se deram como provadas de forma segura, consistente e coerente nos seus próprios termos e entre si, de tal forma que mereceram credibilidade por parte do Tribunal. Foi relevante ainda o teor de fls. 4, como sendo o do mandado de notificação que as testemunhas em causa pretenderam efetuar ao arguido.
No entanto, como se viu, ainda assim se deu como não provado que o arguido tenha dirigido ao agente da autoridade B... concreta e exatamente a expressão “vou já buscar um machado que vos fodo”. Com efeito, a testemunha B... afirmou que o arguido disse “vou buscar um machado que já vos mato”, ou, nas palavras da testemunha, “qualquer coisa do género”, enquanto que a testemunha C… afirmou que o arguido disse “vou lá dentro buscar uma coisa que já vos fodo”. Como se pode verificar, nenhuma das expressões referidas pelas testemunhas diretamente intervenientes corresponde exatamente à expressão que consta da acusação, nem correspondem entre si, razão pela qual o teor exato da expressão não foi dado como provado.
De todo o modo, do que não restam dúvidas é que o arguido pelo menos disse algo que, como se deu como provado, pretendia significar que iria de imediato ao interior da sua residência buscar algum objeto com o qual iria agredir os agentes da autoridade presentes, com aliás fez ao para o interior da residência, de onde veio com um machado empunhado no ar na direção dos agentes da Polícia, o que motivou que o agente B...tivesse que empunhar a arma que lhe está distribuída, para sua segurança. Nestes últimos pontos foram já absolutamente claras e coerentes entre si as aludidas testemunhas agentes da autoridade.
Por outro lado, também como se viu, demos igualmente como não provado que com a sua conduta, o arguido tenha causado na pessoa do visado B..., medo e inquietação de que lhe viesse a concretizar o mal que lhe estava a anunciar de ofensa contra a vida, prejudicando-a na sua liberdade de determinação. Na verdade, entendemos que, embora o arguido tenha anunciado que iria buscar algum objeto com vista a agredir os srs. agentes da autoridade, a verdade é que também de imediato o concretizou numa questão de segundos, pelo que o imediatismo e rapidez de toda a dinâmica em causa não poderia ter sido o suficiente para que se possa considerar que tenha sido sequer gerada inquietação no visado da concretização de um mal que não seria sequer minimamente futuro, mas sim iminente, não tendo também assim o visado sido prejudicado na sua liberdade de determinação.
Diferentemente, o que resultou a nosso ver da prova produzida pelos motivos supra expostos e como supra se deu como provado, foi que o arguido agiu pelo menos com a intenção de molestar a integridade física e causar lesões pelo menos na pessoa do agente da autoridade B..., apenas não o tendo logrado fazer por um motivo independente da sua vontade, o qual não foi concretamente apurado. Com efeito, levantaram-se-nos algumas dúvidas quanto à explicação simples trazida pelos srs. agentes da autoridade no sentido de que o arguido teria apenas caído por si só perante a visão da arma empunhada por um deles, tanto mais que o arguido apresenta efetivamente lesões na respetiva face e que podem ser compatíveis com a agressão que diz ter sofrido, ainda que, como se dirá, não no simples contexto que também pelo arguido foi referido.
Por seu turno, em contraponto com o que se acaba de dizer no que diz respeito à matéria que se deu como provada, não nos mereceram credibilidade as declarações prestadas pelo arguido, o qual, apesar de ter assumido encontrar-se no dia, hora e local dos factos e ter contactado com os srs. agentes da autoridade em causa, apresentou uma versão dos factos que não se compadece (pelo menos na sua quase totalidade) com as mais elementares regras da experiência comum.
Na verdade, declarou o arguido que sobretudo o agente da PSP B... persistia de forma incorreta e algo violenta em que o arguido assinasse rapidamente a notificação que lhe era dirigida sem que sequer tivesse possibilidade de a ler e de se aperceber do seu conteúdo e, porque o arguido se recusasse a assinar de imediato sem que sequer se apercebesse do que estava em causa, o agente B..., sem que absolutamente mais nada o justificasse ou o fizesse prever, desferiu-lhe uma coronhada na face com a sua arma de serviço. Referiu ainda o arguido que era de todo falso que tivesse empunhado qualquer machado ou tivesse tido qualquer outra atitude ameaçadora ou violenta com os srs. agentes da autoridade e que de todo sequer conhecia qualquer deles, não tinha nada contra os mesmos, e nem sabia que os mesmos pudessem ter algo contra si.
Ora, como facilmente se verifica, esta versão dos factos trazida pelo arguido, isentando-se a si próprio de quaisquer responsabilidades ou condutas menos corretas, de todo justifica a razão pela qual, a ser assim, lhe teria então o agente da PSP B... desferido uma coronhada na face. Por seu turno, também entendemos que o procedimento por parte dos srs. agentes da PSP que foi afirmado pelo arguido de todo se coaduna com o procedimento normal em casos como este, nem se compreende porque teriam os srs. Agentes da autoridade agido dessa forma inusitada neste caso. Finalmente ainda, é pelo menos mais do que provável que o arguido tenha faltado à verdade quando afirmou que não conhecia qualquer dos srs. agentes da PSP anteriormente aos factos aqui em causa, uma vez que o agente B... afirmou que já anteriormente tinha intercetado e autuado o arguido devido a uma infração de trânsito. Esta circunstância poderá e deverá ter servido de móbil mais do que provável para a atuação do arguido que se deu como provada.
Aqui chegados, resta referir ainda a testemunha de defesa … . Das respetivas declarações decorreu que iria casualmente a passar na rua fora do logradouro da casa do arguido e teria visto o agente da autoridade B... a desferir um golpe na face do arguido com a sua arma de serviço, isto já após o agente da autoridade em causa ter interpelado o arguido a respeito da notificação que se visava efetuar dizendo “assinas ou não assinas”, tendo o arguido respondido com a expressão “tenha calma”. Após a agressão que alegou ter presenciado, afirmou a testemunha que nada mais fez ou viu, tendo seguido à sua vida.
A este respeito, dir-se-á que tal depoimento suscitou-nos desde logo manifestas dúvidas, na medida em que a testemunha em causa, sendo amigo de longa data do arguido, apenas convenientemente presenciou aquilo que convém ao arguido e que corresponde à versão deste, sendo absolutamente lacunar quanto ao restante. Por outro lado, apesar de ser pessoa das relações do arguido e ter alegadamente presenciado o mesmo a ser agredido, afirma nada ter feito e simplesmente seguido à sua vida, algo que não surge de todo como plausível. Por outro lado, a testemunha afirmou que apenas se encontrava no local um agente da autoridade, quando resultou sobejamente de toda a restante prova produzida (incluindo do depoimento do arguido) que eram dois. Por outro lado, declarou ainda a testemunha que apenas teria visto o que viu uma vez que o arguido tinha previamente aberto o portão para a rua, algo que o arguido não afirmou que tivesse feito em momento algum próximo dos factos.
Finalmente, indo a testemunha a passar na rua fora do logradouro da casa do arguido, é de todo improvável que se tenha apercebido de palavras trocadas entre o arguido e os srs. Agentes da autoridade em causa, como alegou ter ouvido.
De qualquer forma, a respeito deste ponto, dir-se-á (como aliás já se disse) que não se pode excluir que a agressão na face do arguido tenha efetivamente ocorrido, na medida em que o mesmo apresentava hematoma na face no dia dos factos e no dia seguinte, como consta do relatório médico-legal de fls. 88 e 89 e porque por seu turno poderá não ser inteiramente convincente a afirmação dos srs. agentes da autoridade quando afirmaram que o arguido caiu sozinho ao solo quando para eles se dirigia com o machado e logo de seguida fechou a porta de casa, razão pela qual não foi detido nem o machado foi apreendido. O que de todo não nos convence é a versão apresentada pelo arguido acerca da forma e das razões pelas quais tal agressão terá ocorrido, pelos motivos que acima expusemos, assim como de todo o modo se dirá que esta constatação em nada prejudica a dinâmica dos factos que ainda assim demos como provada.
Por fim, quanto às testemunhas … , dir-se-á que os mesmos se revelaram de muito reduzida utilidade, na medida em que não demonstraram qualquer conhecimento direto dos factos, a não ser a primeira, como mãe do arguido, que terá visto o mesmo após os factos com lesões na face. Dir-se-á também que nem do depoimento de tais testemunhas resultou de forma minimamente sustentada que o arguido seja pessoa respeitosa, não ofendendo as pessoas em geral e os agentes da autoridade em particular, razão pela qual tal facto foi dado como não provado.
Por fim, quanto às condições pessoais, económicas e financeiras do arguido, foram relevantes as respetivas declarações, não havendo elementos para delas duvidar nesta parte, e quanto aos antecedentes criminais do arguido, foi relevante o respetivo CRC que consta dos autos.
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Conhecendo:
O direito:
As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objeto do recurso.
As questões suscitadas no recurso, como o recorrente salienta são:
- Insuficiência, para a decisão da matéria de facto provada;
- Erro notório na apreciação da prova;
- Omissão de pronúncia;
- Violação das normas legais aplicáveis.
E, ainda a medida da pena relativamente aos crimes de injurias.
Porém, há que decidir a questão prévia e cuja procedência obsta ao conhecimento do objeto do recurso
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Questão prévia:
O recurso foi extemporaneamente interposto.
Vejamos:
Seguindo as vicissitudes resultantes do pedido de escusa do primitivo defensor nomeado verifica-se que o novo prazo para recurso teve inicio em 13-07-2011 – fls. 172.
Disso é dado conta no despacho de fls. 228, considerando que haviam sido ultrapassados os trinta dias quando da interposição do recurso.
Como aí se refere, o prazo de 30 dias terminou em 28 de setembro e o recurso foi apresentado em 3 de outubro, via fax.
O requerimento de interposição do recurso, acompanhado da motivação e conclusões, enviado via fax, deu entrada na secretaria do Tribunal, em 03-10-2011, ou seja, no trigésimo terceiro dia útil.
Nos termos do art. 411 do CPP, o prazo de recurso é de 20.
Excecionalmente, o prazo pode ser elevado para 30 dias se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada (sublinhado nosso).
Conforme refere o recorrente as questões suscitadas, no recurso, são:
- Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
- Erro notório na apreciação da prova;
- Omissão de pronúncia;
- Violação normas legais aplicáveis.
Sendo que depois também questiona a medida da pena, relativamente ao crime de injúrias.
É certo que o arguido afirma na motivação que “por assim ser, o presente recurso tem, também, por objeto a reapreciação da prova gravada (art. 411 nº 4 do CPP)”.
Porém, não basta a alegação de que o recurso tem por objeto a reapreciação da prova gravada.
Não se pode confundir recurso da matéria de facto com reapreciação da prova gravada.
E, para o recorrente poder beneficiar do prazo de 30 dias não basta dizer na motivação que no recurso se impugna a decisão sobre a matéria de facto “o presente recurso tem, também, por objeto a reapreciação da prova gravada (art. 411 nº 4 do CPP)”.
O recorrente embora indicando passagens da prova gravada que pretende que este Tribunal da Relação reaprecie, não indica que factos pretende sejam alterados (por entender terem sido mal julgados).
Assim, que o recurso não tem por objeto (nem total nem parcial) a reapreciação da prova gravada.
Para haver lugar a reapreciação da prova gravada tem de se recorrer da matéria de facto, sendo que o art. 412 nº 3 e 4 do CPP indicam os pressupostos específicos a observar no recurso, nomeadamente na motivação, quando se impugna a decisão sobre a matéria de facto.
Embora, o recurso, se trate dum direito constitucionalmente garantido -, cfr. art. 32°/1 da CRP -, não restringível em termos que ofendam o art. 18°/ 2 e 3 do mesmo diploma fundamental, o direito ao recurso encontra-se regulado pela lei ordinária nos seus pressupostos e condições de exercício por forma a que não conflitua com direitos da mesma matriz, funcione eficazmente e se desenvolva e concretize sem abusos - Vieira de Andrade, in Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 (1987), 227 a 232.
Já por diversas vezes o TC -Cfr. por todos, Ac n.º 260/2002 in DR IIª Série de 24.7.2002- afirmou que se integra na liberdade de conformação do legislador ordinário a definição das regras relativas ao processamento dos recursos, desde que não signifiquem a imposição de ónus de tal forma injustificados ou desproporcionados que acabem por importar a lesão das garantias de defesa afirmadas no art. 32°/1 da CRP .
Daí que o legislador ordinário o haja disciplinado, sem comprometer o seu regular e eficaz exercício.
Vem isto para se dizer que em matéria de recursos impugnatórios das decisões sobre a matéria de facto, a lei processual penal (cfr. art. 412° n.ºs 3 e 4 do CPP) impõe ao recorrente que:
a) especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) especifique as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) especifique as provas que devam ser renovadas.
d) Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações atinentes às provas que impõem decisão diversa da recorrida serão feitas por referência ao consignado na ata, “devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação”.
Neste sentido, o Ac. desta Relação de 30-04-2008, proferido no proc. 105/06.4GCPMS.C1, onde se refere, “-O recurso em matéria de facto perante os tribunais da Relação não se destina a realizar um novo julgamento, antes constitui um remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância, possibilitando “uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal recorrido relativamente aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorretamente julgados, com base na avaliação das provas que considera determinarem uma diversa decisão (cfr. Ac. do STJ de 19/12/2007, processo n.º 07P4203, em www.dgsi.pt” (sublinhado nosso).
– Porque ao tribunal de recurso está vedada a imediação e a oralidade que permitem ao julgador da 1ª instância percecionar as reações humanas e analisar psicologicamente os traços salientes de como se comporta cada testemunha ou declarante conferindo-lhe, deste modo, credibilidade ou afastando o seus depoimentos, o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador fundada naquela prova, quando for feita a demonstração de que aquela opção viola as regras da experiência comum”.
E, o Ac. da mesma Relação, de 02-03-2011, proferido no processo 426/03.8GCAVR.C2, onde se conclui que, “1.Impugnando matéria de facto, o recorrente tem de especificar nas conclusões da motivação os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e as provas que devam ser renovadas, devendo igualmente indicar concretamente as passagens das provas em que funda a sua divergência (sublinhado nosso).
2.Quando o recorrente não tenha procedido à mencionada especificação no texto da motivação nem nas respetivas conclusões, não há lugar ao convite à sua correção, uma vez que o conteúdo da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correção das conclusões da motivação, já que se está perante uma falha de fundo.
3.Nestes casos não pode o Tribunal da Relação conhecer da impugnação da matéria de facto ao abrigo do disposto no art.412.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal”.
Sendo, por conseguinte, este o sentido jurisprudencial desta Relação, podendo acrescentar o Ac. de 22-10-2008, no processo 1121/03.3TACBR.C1 e de 25-06-2008, no processo 185/05.0GAOFR.C1.
Aquelas imposições ou condicionamentos não constituem restrição do direito ao recurso mas mera regulação do mesmo. Tais condicionamentos têm em vista uma precisa e expedita atividade decisória do tribunal superior, para além de concretizarem o dever de colaboração do recorrente e a sua responsabilização por forma a que as impugnações judiciais não constituam mais uma forma de entorpecimento e de protelamento da administração da justiça.
O julgamento em 2ª instância não é, pois, um segundo julgamento da causa mas sim o julgamento do recurso e tão só quanto às questões [afora as de conhecimento oficioso] concretamente suscitadas, que no caso da de discordância com a decisão da matéria de facto terá de obedecer, sem exceção, às exigências do art. 412°/3 e 4 do CPP.
Contudo, o recorrente não observou aquele indicado ónus:
Desde logo, não indica os pontos de facto que considera incorretamente julgados, pretende um novo julgamento.
O incumprimento daquelas imposições (não cumprimento do estatuído no art. 412 nº 3 e 4 do CPP) ou condicionamentos também acarreta a impossibilidade do tribunal de recurso modificar a decisão proferida – cfr. art. 431 al. b) do CPP, o que implica que se tenha a mesma por assente – cfr. entre muitos Ac. desta Relação de 31-05-2000, ins Col. Jurisp. tomo III, pág. 43.
Não indicando os concretos pontos da matéria de facto que o recorrente considera incorretamente apreciados, temos que tal equivale à inexistência de recurso da matéria de facto.
Assim, que o recurso deveria ter sido interposto no prazo normal dos recursos em matéria penal e que é de 20 dias.
Sendo interposto no 33º dia é manifesto que foi interposto fora de tempo.
Nos termos do art. 420 do CPP, o recurso deve ser rejeitado se se verificar causa que devia determinar a sua não admissão nos termos do art. 414 nº 2 do mesmo Código.
E o art. 414 nº 2 diz que o recurso não é admitido quando interposto fora de tempo.
E, o facto de o recurso haver sido admitido não vincula este Tribunal, conforme art. 414 nº 3 do CPP.
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Decisão:
Face ao exposto decide-se em rejeitar o recurso trazido pelo recorrente A..., por se ter como extemporâneo.
Custas pelo recorrente com taxa de justiça de 6 Ucs, na qual se inclui a prevista no art. 420 nº 3 do CPP.

Jorge Dias (Relator)