Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
245/13.3SAGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: FACTO
ENUNCIAÇÕES CONTENDO SIGNIFICADO JURÍDICO DE USO COMUM
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
Data do Acordão: 06/29/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (SECÇÃO CRIMINAL DA INSTÂNCIA LOCAL DA GUARDA - JUIZ 1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 86.º, N.º 1, AL. C), DA LEI N.º 5/2006, DE 23-02
Sumário: I - Devem ser equiparados a factos enunciações que, embora contenham em si um significado jurídico, são de uso comum na linguagem corrente e são usados com esse sentido no processo.

II - Não é exigível, à verificação do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23-02, que a arma, na altura da apreensão, esteja fisicamente junto ao agente; relevante é que esteja sob o seu domínio.

Decisão Texto Integral:



Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                                                                                                            

I. Relatório:                                                                                     

            A) No âmbito do processo comum (tribunal singular) n.º 245/13.3SAGRD que corre termos na Comarca da Guarda - Instância Local – Secção Criminal – Juiz 1, em 11/2/2015, foi proferida Sentença, cujo DISPOSITIVO é o seguinte:

III. DECISÃO:

Por todo o exposto, julga-se a acusação parcialmente procedente, por provada, termos em que se decide:

a) CONDENAR o arguido A... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de armas e munições proibidas, previsto e punido pelo artigo 86º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva.

b) CONDENAR a arguida B... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de armas e munições proibidas, previsto e punido pelo artigo 86º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 2 (dois) anos de prisão suspensa na sua execução por idêntico período de 2 (dois) anos.

c) ABSOLVER ambos os arguidos A... e B... da prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo artigo 97º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.

d) Determinar a perda a favor do Estado de todas as armas e munições apreendidas nos autos, devendo as mesmas ser entregues à PSP, que promoverá o seu destino, tudo após o trânsito em julgado da presente sentença.

Custas pelos arguidos, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s para cada um.

Boletim ao registo criminal.

Após a leitura da presente sentença, proceder-se-á ao respectivo depósito.

Notifique.

Após trânsito, extraia certidão da presente sentença, com nota de trânsito, e junte a mesma ao processo n.º 99/12.7SAGRD, hoje desta mesma Instância Local Criminal da Guarda, para os fins que aí sejam tidos por convenientes.”

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B) Inconformado com a decisão recorrida, dela recorreu, em 18/3/2015, o arguido A... , extraindo da motivação as seguintes conclusões:

1) Na sentença revidenda foi dado como provado («inter alia») que “foram encontrados em poder dos arguidos (…)

No mesmo quarto, dentro do roupeiro:

- Uma carabina de ar comprimido, calibre 4,5mm, sem marca, n.º de série 5720108, de cor preta e castanha;

(…).

Entre o mesmo roupeiro e uma parede adjacente: uma espingarda de caça, calibre 12, de um cano, marca “Benelli”, n.º M149076, de cor preta;

Na despensa da residência: uma espada em metal, com o comprimento de lâmina de 88cm, e 12cm de comprimento do punho.” (sublinhado nosso).

2) Da acusação não constam alegados os factos tal como eles foram dados como provados na sentença revidenda.

3) Por isso que, salvo o devido respeito e melhor opinião, se verifica a nulidade da sentença revidenda.

4) Foi dado como provado que « (…) foram encontrados em poder dos arguidos (…)».

5) Mas, na verdade, o que se provou foi que «na residência dos arguidos foram encontrados» determinados objetos; e não que os mesmos estavam em poder dos arguidos (até porque o recorrente não se encontrava sequer na sua residência, no momento da busca ali realizada).

6) Logo, dar como provado «que estavam em poder dos arguidos» não é uma constatação de facto, mas antes uma conclusão, um juízo de valor – circunstância esta que constitui nulidade que afeta a sentença revidenda e que, por isso, deve ser declarada.

7) Foi ainda dado como provado que «na data dos factos os arguidos viviam juntos, em condições idênticas às dos cônjuges, na residência acima indicada e ambos tinham conhecimento da existência das armas na residência, querendo detê-las» (sublinhado nosso).

8) Ora resulta da prova produzida na audiência de discussão e julgamento (gravação áudio da mesma) que a acusação não logrou provar que o recorrente tivesse conhecimento da existência das armas na sua residência.

9) Logo, não é legalmente possível em processo penal, por presunção, dar por provado aquele facto (é que, ainda que não se acredita na versão trazida pelos arguidos, não pode dar-se por provada coisa diferente – o seu contrário), sem qualquer elemento de prove que o suporte.

10) Foi dado como provado que «os arguidos não se encontram licenciados nem autorizados a deter as armas acima referidas, e não apresentaram qualquer razão para a posse dos referidos objetos, sendo que as mesmas, naquelas circunstâncias, não tinham qualquer outra função que não fosse servir como instrumento de agressão (…)» (sublinhado nosso).

11) O apreendido sob sublinhado não é a descrição de um facto: é uma conclusão, uma extrapolação – o que viola o disposto nos artigos 374º/2 e 379/1, alínea a), do CPP.

12) Não encontramos na sentença ora em crise a descrição de razões (de facto e de direito) que justifiquem a diferença na medida da pena aplicada aos arguidos (com base nos mesmos factos): 2 anos e 6 meses, num caso; 2 anos, no outro.

13) O que, além de constituir uma violação do princípio da igualdade (constitucionalmente consagrado no artigo 13º/1, CRP), viola os mais elementares princípios do direito penal legalmente consagrados.

14) Foi o recorrente condenado no âmbito dos presentes autos sem que do processso conste relatório social atualizado sobre o recorrente e a sua evolução desde a última condenação por ele sofrida.

15) Na verdade, para a melhor solução do caso sempre seria preferível (atendendo até ao número de familiares que dependem do trabalho do recorrente) colher previamente junto do IRS ou de outra entidade oficial vocacionada para o efeito profícua informação sobre as condições socio-familiares do recorrente – é que o juízo de prognose desfavorável subjacente à decisão em análise esbarra com o juízo de prognose favorável determinante da suspensão da execução das penas já aplicadas ao mesmo recorrente.

16) E daí que, em face da insuficiência de elementos atinentes ao arguido/recorrente se devia amadurecer melhor a avaliação da situação deste, por forma a que se pudesse seguramente concluir que o condenado já não era merecedor de qualquer prognose favorável, ainda que acompanhada de deveres ou regras de conduta.

17) A sentença revidenda violou, entre outras, as normas dos artigos 370º, 374º/2, 379º/1, alínea a), CPP; e artigo 13º, CRP.

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C) O recurso, em 23/3/2015, foi admitido.

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            D) O Ministério Público, em 6/5/2015, respondeu ao recurso, contra-alegando, em resumo, o seguinte:

1) A requisição de relatório social é uma prerrogativa de que o julgador se pode socorrer. No caso dos autos, não havia motivo para o solicitar.

2) A matéria tida por provada retratou de forma exemplar a verdade material.

3) As condenações aplicadas a ambos os arguidos não podem ser idênticas.

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E) Em 17/6/2015, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer, no sentido da improcedência do recurso.

Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.

Foi aberta conclusão nos autos, em 13/7/2015.

Por motivo da situação de baixa médica prolongada da Exma. Relatora, em 4/5/2016, foi lavrado nos autos, a fls. 237, Termo de Cobrança e Redistribuição

Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar a legal conferência, cumprindo apreciar e decidir.

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II. Decisão Recorrida:

            “ (…)

            II. FUNDAMENTAÇÃO

A) DOS FACTOS

1. FACTUALIDADE PROVADA

Discutida a causa, resultaram provados, com relevância para a decisão final, os seguintes factos:

A) No dia 12 de Setembro de 2013, pelas 15:15, no decurso de uma busca realizada na residência dos arguidos, sita na Rua (...) , Guarda, autorizada por despacho da Mma. Juiz nos autos de inquérito com o NUIPC 93/13.0GBTCS, que correu termos na comarca de Trancoso, foram encontrados em poder dos arguidos os bens descritos nos autos de busca e apreensão, de fls. 10 a 12 e 13 e 14, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, designadamente:

No quarto do casal, no interior das gavetas da mesa-de-cabeceira:

- Uma arma de fogo transformada, calibre 6,35mm, marca “Browning”, com um carregador municiado com duas munições;

- Uma licença de uso e porte de arma de caça e outra de arma de defesa, emitidas em nome de D... (falecido no dia 6 de Setembro de 2009);

No mesmo quarto, dentro do roupeiro:

- Uma carabina de ar comprimido, calibre 4,5mm, sem marca, n.º de série 5720108, de cor preta e castanha;

Por cima do mesmo roupeiro, no interior de um cofre:

- Vinte e seis munições de calibre 6,35mm;

- Vinte e sete munições de calibre 7,65mm;

- Uma arma de fogo, calibre 7,65mm, marca CZ VZOR 50, de cor preta, com dois carregadores;

Entre o mesmo roupeiro e uma parede adjacente:

- Uma espingarda de caça, calibre 12, de um cano, marca “Benelli”, n.º M149076, de cor preta;

Na despensa da residência:

- Uma espada em metal, com o comprimento de lâmina de 88cm, e 12cm de comprimento do punho.

B) Na data dos factos os arguidos viviam juntos, em condições idênticas às dos cônjuges, na residência acima indicada e ambos tinham conhecimento da existência das armas na residência, querendo detê-las.

C) Os arguidos não se encontram licenciados nem autorizados a deter as armas acima referidas, e não apresentaram qualquer razão para a posse dos referidos objectos, sendo que as mesmas, naquelas circunstâncias, não tinham qualquer outra função que não fosse servir como instrumento de agressão; sabiam que as detinham fora das condições legais.

D) Agiram os arguidos com intenção de ter na sua posse armas e munições, com as descritas características, sabendo que a detenção das mesmas não lhe era permitida; sabendo que podiam ser utilizadas e eram aptas a ferir ou matar alguém.

E) Ao agir da forma acima descrita, os arguidos sabiam que as descritas condutas lhe estavam vedadas por lei e que as mesmas lhes eram censuradas pela comunidade em geral, não obstante actuaram sempre de forma livre, voluntária e conscientemente bem sabendo que as respectivas condutas eram ilícitas e puníveis por lei.

F) O arguido A... é vendedor ambulante em feiras, mediante o que aufere rendimentos compreendidos entre €300,00 a €600,00 por mês. Vive em união de facto com a co-arguida B... , e têm ambos 4 filhos a seu cargo, com 20, 16, 14 e 4 anos de idade. Não suporta quaisquer rendas ou empréstimos.

G) A arguida B... é doméstica e não aufere qualquer rendimento conhecido, ajudando ocasionalmente o co-arguido A... nas feiras.

H) O arguido A... foi já condenado no âmbito do processo n.º 186/97, do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, pela prática 21 de Outubro de 1997 de um crime de condução de veículo sob o efeito do álcool, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 500$00, num total de 45.000$00.

Foi também condenado no âmbito do processo n.º 4/98, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, pela prática a 30 de Maio de 1996 de um crime de falsas declarações sobre antecedentes criminais, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 600$00, num total de 54.000$00.

Foi também condenado no âmbito do processo n.º 213/96, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, pela prática a 5 de Outubro de 1995 de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 500$00, num total de 90.000$00. Tal pena foi declarada definitivamente perdoada.

Foi também condenado no âmbito do processo n.º 68/00, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, pela prática a 20 de Outubro de 1997 de um crime de ofensa à integridade física por negligência e de uma contra-ordenação, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 1.000$00, num total de 120.000$00, e na coima de 20.000$00. Tal decisão transitou em julgado a 1 de Outubro de 2001 e a respectiva pena foi já declarada extinta.

Foi também condenado no âmbito do processo n.º 5634/99.1TDPRT, do 3º Juízo Criminal do Porto, pela prática a 18 de Junho de 1999 de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 400$00, num total de 32.000$00. Tal decisão transitou em julgado a 21 de Junho de 2002 e a respectiva pena foi já declarada extinta.

Foi também condenado no âmbito do processo n.º 201/00.1TACTB, do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, pela prática a 30 de Agosto de 2000 de um crime de fraude sobre mercadorias, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de €5,00, num total de €500,00. Tal decisão transitou em julgado a 12 de Novembro de 2002 e a respectiva pena foi já declarada extinta.

Foi também condenado no âmbito do processo n.º 272/01.3SAGRD, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, pela prática a 8 de Julho de 2001 de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 140 dias de multa à taxa diária de €4,00, num total de €560,00. Tal decisão transitou em julgado a 10 de Janeiro de 2005 e a respectiva pena foi já declarada extinta.

Foi também condenado no âmbito do processo n.º 182/04.2TAGRD, do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, pela prática a 5 de Fevereiro de 2003 de um crime de desobediência, na pena de 75 dias de multa à taxa diária de €4,00, num total de €300,00. Tal decisão transitou em julgado a 11 de Janeiro de 2005 e a respectiva pena foi já declarada extinta.

Foi também condenado no âmbito do processo n.º 400/04.7GBCTB, do 1º Juízo do Tribunal Judicial do Fundão, pela prática a 26 de Dezembro de 2004 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena principal de 75 dias de multa à taxa diária de €5,00, num total de €375,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 meses. Tal decisão transitou em julgado a 22 de Junho de 2005 e as respectivas penas foram já declaradas extintas.

Foi também condenado no âmbito do processo n.º 65/05.9GTGRD, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, pela prática a 29 de Abril de 2005 de um crime de fraude sobre mercadorias, na pena de 6 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano. Tal decisão transitou em julgado a 12 de Setembro de 2006 e a respectiva pena foi já declarada extinta.

Foi também condenado no âmbito do processo n.º 265/07.7SAGRD, do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, pela prática a 27 de Junho de 2007 de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 11 meses de prisão substituída pela prestação de 330 horas de trabalho a favor da comunidade. Tal decisão transitou em julgado a 26 de Maio de 2008 e a respectiva pena foi já declarada extinta.

Foi também condenado no âmbito do processo n.º 99/12.7SAGRD, do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, pela prática a 26 de Fevereiro de 2012 de um crime de detenção de arma proibida, e um crime de uso e porte de arma sob o efeito do álcool, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos e 6 meses. Tal decisão transitou em julgado a 26 de Abril de 2012.

Foi também condenado no âmbito do processo n.º 238/12.8TAGRD, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, pela prática a 25 de Março de 2010 de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos contrafeitos, na pena de 6 meses de prisão, a cumprir em regime de dias livres, em 36 fins-de-semana de 48 horas cada. Tal decisão transitou em julgado a 21 de Fevereiro de 2013.

I) A arguida B... foi já condenada no âmbito do processo n.º 16/98, do Tribunal Judicial de Vila Nova de Foz Côa, pela prática a 3 de Fevereiro de 1997 de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 1.000$00, num total de 180.000$00. Tal decisão transitou em julgado a 14 de Fevereiro de 2000 e a respectiva pena foi já declarada extinta.

Foi também condenada no âmbito do processo n.º 14/06.7FBVIS, do Tribunal Judicial de Almeida, pela prática a 9 de Agosto de 2006 de um crime de contrafacção e uso ilegal de marca, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de €4,00, num total de €240,00. Tal decisão transitou em julgado a 8 de Abril de 2008 e a respectiva pena foi já declarada extinta.

Foi também condenado no âmbito do processo n.º 133/07.2SAGRD, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, pela prática a 24 de Março de 2007 de um crime de furto simples, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €5,00, num total de €600,00. Tal decisão transitou em julgado a 12 de Janeiro de 2009 e a respectiva pena foi já declarada extinta.

Foi também condenado no âmbito do processo n.º 38/05.1EACTB, do Tribunal Judicial de Almeida, pela prática a 2 de Julho de 2005 de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos contrafeitos, na pena de 110 dias de multa à taxa diária de €7,00, num total de €770,00, posteriormente convertida no cumprimento de 72 dias de pena de prisão subsidiária. Tal decisão transitou em julgado a 18 de Novembro de 2009, e a respectiva pena foi já declarada extinta.

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2. FACTUALIDADE NÃO PROVADA

Da audiência de discussão e julgamento não resultaram como não provados quaisquer factos com relevância para a decisão da causa.

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3. MOTIVAÇÃO

A convicção do Tribunal assenta desde logo e antes do mais no teor do auto de busca de fls. 10 a 12, no auto de apreensão de fls. 13 e 14, nos documentos de fls. 15 e 16 (pertencentes ao falecido D... , conforme resulta ainda do averbamento na certidão de nascimento de fls. 150), e no relatório fotográfico da busca realizada, de fls. 21 a 26. De tais elementos constam elencados os objectos (armas e munições) referidos nos factos provados, e o local, o momento e os motivos pelos quais os mesmos foram apreendidos, e que aliás não foram colocados em causa pelos arguidos. Por seu turno, foram ainda relevantes os autos de exame directo quanto às armas e munições em causa, conforme constam de fls. 27 a 31, 33 e 34, conjugados nesta parte com o auto de notícia a fls. 6 e 7.

Por seu turno, foram ainda relevantes as declarações unânimes prestadas pelos arguidos no sentido de que ambos residem em condições análogas às dos cônjuges na casa de habitação onde a busca foi realizada pelo menos há cerca de 6 ou 7 anos, e igualmente no sentido de que nenhum deles possui qualquer espécie de licença ou autorização que os habilitasse a deter qualquer das armas e munições que se referem nos factos provados.

Isto posto, igualmente não existiu qualquer dúvida de que pelo menos a arguida B... detinha na sua residência (como já se disse), e fosse pelos motivos que fosse, as armas e munições aqui em causa, bem sabendo que não as podia deter, e que os seus actos eram proibidos e punidos por lei.

A única questão que se discutiu em sede de audiência foi relativa à real detenção das armas e munições em causa por parte do arguido A... , bem como quanto ao real conhecimento por parte deste arguido de que as aludidas armas e munições se encontravam na sua residência.

E tal discutiu-se, na medida em que ambos os arguidos explanaram em audiência uma tese que no essencial se resume ao seguinte: as armas e munições aqui em apreço teriam sido levadas para a residência dos arguidos pela hoje falecida mãe do arguido A... , num momento em que este último se encontrava para fora em diversas feiras, numa das suas habituais ausências por períodos de cerca de uma semana, e sem que tal arguido tivesse sequer tomado conhecimento de tal facto nem tivesse regressado a casa antes que a busca domiciliária e a apreensão aqui em causa se realizassem. Tais armas e munições teriam sido todas pertencentes ao falecido pai do arguido A... , e teriam antes estado na residência deste e da hoje falecida mãe do mesmo arguido, tendo esta decidido levá-las para a residência dos ora arguidos a fim de tais armas não serem eventualmente furtadas por terceiros.

Mais nos relatou a arguida B... , no essencial, que a referida mãe do seu companheiro se apresentou na sua residência, sendo transportada num táxi, trazendo consigo inopinadamente e sem qualquer aviso ou anúncio prévio, todas as armas e munições aqui em causa embrulhadas num cobertor, mais uma caixa em separado onde se encontrava pelo menos uma das pistolas apreendidas. Teria vindo a mãe do arguido A... , numa 2ª ou 3ª feira, passar uma semana com a aqui arguida B... , conforme seria habitual suceder, sendo certo que a referida arguida, embora com algum receio, teria aceitado receber as armas e munições em sua casa, embora mais uma vez sem que o seu companheiro e co-arguido A... sequer o suspeitasse nem a arguida o tenha informado.

Ora, perante esta que foi no essencial a tese dos arguidos, diremos desde logo que existe uma prova de primeira aparência no sentido de que, estando as armas e munições aqui em apreço na residência dos arguidos, em princípio encontram-se na sua posse e com o seu pleno conhecimento. E mais essa primeira aparência surge reforçada quando se constata obviamente dos registos fotográficos da busca efectuada e do depoimento da testemunha C... (na qualidade de militar da GNR que procedeu à busca) que tais armas e munições se encontravam mesmo, quase todas elas, no próprio quarto em que os arguidos, sendo um casal, habitualmente dormem.

Considerando obviamente esta primeira aparência, que de todo não pode ser escamoteada nem constitui sequer qualquer presunção, diremos que a já referida tese apresentada pelos arguidos de todo não nos convenceu, nem lhe concedemos qualquer credibilidade, por diversas ordens de razões que passaremos a expor.

Em primeiro lugar, nenhum dos arguidos forneceu qualquer espécie de explicação para que a hoje falecida mãe do arguido A... tivesse decidido proceder como supostamente teria procedido, manifestando uma súbita e inexplicável preocupação para que as armas e munições do seu falecido marido não desaparecessem. E isto quando o mais estranho é que os próprios arguidos declararam (e está documentado nos autos a fls. 150) que o pai do arguido A... já faleceu em 6 de Setembro de 2009, ou seja, mais de quatro anos antes de a sua viúva ter demonstrado a referida, suposta e deveras súbita preocupação.

Em segundo lugar, não é crível sequer que uma senhora que, segundo os arguidos, teria cerca de 78 anos de idade à data dos factos, decidisse transportar sozinha, de uma só vez, e num táxi, todas as armas e munições aqui em causa, sem a ajuda de quem quer que fosse, e com todos os riscos que a isso seriam associados. Diremos que é neste momento demasiado “conveniente” para os arguidos que a referida senhora já se encontre hoje falecida desde 30 de Dezembro de 2014 (pelo menos segundo o que os arguidos nos referiram) e que por isso já não possa sequer ser aqui ouvida a este respeito.

Em terceiro lugar, a testemunha C... referiu que, no momento da busca que efectuou, foi a própria arguida B... que lhe referiu em conversa que tinha sido ela própria que teria trazido as armas e munições aqui em causa da casa do falecido pai do seu companheiro e aqui co-arguido. E mais declarou o referido militar da GNR que viu no local uma senhora de idade que estaria a viver no interior de um veículo (conforme todos os indícios no local indicavam nesse sentido), e que lhe foi indicado pela arguida que seria a mãe do seu companheiro. Tais declarações desmentem em absoluto a tese dos arguidos, não só quanto aos motivos pelos quais as armas e munições aqui em apreço estariam na sua residência, como quanto aos motivos para a presença da mãe do arguido A... no local.

Em quarto lugar, temos que a arguida B... procurou demonstrar um suposto receio de guardar as armas e munições aqui em causa na sua residência, não só devido à ilegalidade da situação, mas sobretudo devido à segurança dos seus filhos. No entanto, se assim fosse, não se compreende de todo as razões pelas quais teria arrumado e espalhado tais objectos por diversos pontos do seu quarto de dormir, deixando mesmo uma pistola carregada numa gaveta da mesa-de-cabeceira, e por isso ao pleno alcance de quem quer que fosse e nomeadamente dos seus filhos.

Em quinto lugar, mais uma vez do depoimento da referida testemunha C... decorreu que a espingarda de caça que foi apreendida se encontrava colocada entre o roupeiro do quarto de dormir e uma parede, num espaço por isso reduzido e encoberto por diversas roupas que foi preciso remover para chegar à referida arma, e sobretudo onde existiam teias de aranha, denotando-se que tal espaço já não era mexido há bastante tempo. Mais uma vez e também aqui se vê que não colhe a tese dos arguidos no sentido de que a arma em causa estaria apenas naquele local há menos de uma semana, a tal ponto que nem sequer teria sido do conhecimento do arguido A... , que se encontraria para fora em feiras no momento em que a arma teria sido ali colocada.

Em sexto lugar, diremos ainda que a própria arguida B... chegou a declarar em audiência que por sua vez a falecida mãe do seu companheiro lhe teria dito que, quando fosse embora no final daquela semana, de volta para a sua (alegada) residência, levaria então de novo consigo as armas e munições aqui em causa. Ora, da nossa parte pensamos que escusados serão demasiados argumentos e explanações para justificar as razões pelas quais esta suposta declaração por parte da mãe do arguido A... , a ter existido, nunca faria qualquer sentido, quer à luz do que de mais foi declarado pelos arguidos, quer à luz das mais elementares regras da normalidade e da experiência comum.

Assim, por todo o exposto, e embora se conceda que resultou de toda a prova produzida que efectivamente o arguido A... não se encontrava presente no local no momento em que a busca e apreensões aqui em sujeito foram efectuadas, julgamos ter fundamentado de forma suficiente as razões pelas quais não concedemos qualquer credibilidade à acima aludida tese trazida pelos arguidos à audiência de julgamento.

Finalmente, quanto às condições pessoais e sócio-económicas dos arguidos que se deram como provadas, foram relevantes as respectivas declarações, não existindo elementos para delas duvidar nesta parte, e quanto aos antecedentes criminais dos arguidos que se deram como provados, foram relevantes os respectivos CRC’s que constam dos autos.

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B) DA ANÁLISE DOS FACTOS E DA APLICAÇÃO DO DIREITO

1. ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL

(…).

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2. DO TIPO E MEDIDA CONCRETA DAS PENAS APLICÁVEIS:

(…).

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III. Apreciação do Recurso:

O objecto de um recurso penal é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do C.P.P.

Na realidade, de harmonia com o disposto no n.º1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. – Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).

            São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».

As questões a conhecer são as seguintes:

Saber se:

1) A sentença é nula, por força do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. b), do CPP.

2) A sentença é nula, nos termos dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), do CPP.

3) A medida da pena aplicada em concreto é inadequada.

4) O Tribunal a quo devia ter solicitado relatório social atualizado do arguido.

                                                           ****

1) Da nulidade da sentença, por força do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. b), do CPP:

Na acusação deduzida a fls. 130/134, consta o seguinte:

“ (…).

- No quarto do casal, no interior das gavetas da mesa-de-cabeceira:

        - Uma arma de fogo alterada, calibre 6,35, marca Browning, com um carregador municiado com duas munições;

        - Uma licença de uso e porte de arma de caça e outra de arma de defesa em nome de D... (já falecido);

- No mesmo quarto, dentro do roupeiro:

          - Uma carabina de ar comprimido, calibre 4,5 mm, sem marca de cor castanha (arma de classe G);

- Por cima do mesmo roupeiro, no interior de um cofre:

          - Vinte e seis munições de calibre 6,35 mm;

          - Vinte e sete munições de calibre 7,65 mm;

          - Uma arma de fogo, calibre 7,65, marca CZ VZOR 50, de cor preta com dois carregadores;

          - Uma espingarda de caça, calibre 12 de um cano, marca Benelux;

- Na despensa da residência:

          - Uma espada em metal, com o comprimento de lâmina de 34,5 cm e 11 de punho.

(…).”

                                                           ****

O recorrente alega que, no texto da sentença recorrida, está escrito o seguinte:

(…).

No mesmo quarto, dentro do roupeiro:

- Uma carabina de ar comprimido, calibre 4,5 mm, sem marca, n.º de série 5720108, de cor preta e castanha;

(…).

Entre o mesmo roupeiro e uma parede adjacente: uma espingarda de caça, calibre 12, de um cano, marca “Benelli”, n.º M149076, de cor preta;

Na despensa da residência: uma espada em metal, com o comprimento de lâmina de 88cm, e 12cm de comprimento do punho.” (sublinhado nosso).

                                                           ****

Face ao exposto, o recorrente considera que da acusação não constam alegados os factos tal como eles foram dados como provados na sentença revidenda, pelo que se verifica a sua nulidade.

Vejamos.

Estatui o artigo 358.º, do CPP, relativo à alteração não substancial de factos descritos na acusação ou na pronúncia, o seguinte:

 «1. Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente para a preparação da defesa.

2. Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.

3. O disposto no nº 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia

O artigo 359.º reporta-se, por seu turno, à alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, tendo sofrido relevantes alterações com a revisão introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, estabelecendo a distinção entre factos novos autonomizáveis e não autonomizáveis (ao caso não releva, pois não está em discussão a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis).

Como é consabido, a acusação (ou a pronúncia, tendo havido instrução) define e delimita o objecto do processo, fixando o thema decidendum, sendo o elemento estruturante de definição desse objecto, não podendo o tribunal promovê-lo para além dos limites daquela, nem condenar para além desses limites, o que constitui uma consequência da estrutura acusatória do processo penal.

No entanto, como refere Germano Marques da Silva, «por razões de economia processual, mas também no próprio interesse da paz do arguido, a lei admite geralmente que o tribunal atenda a factos ou circunstâncias que não foram objecto da acusação, desde que daí não resulte insuportavelmente afectada a defesa, enquanto o núcleo essencial da acusação se mantém o mesmo», (cf. Curso de Processo Penal, Lisboa, Verbo, III, 2.ª edição, p. 273).

Tem sido, pela jurisprudência, considerado que não existe uma alteração dos factos integradora do citado artigo 358.º, quando a factualidade dada como provada no acórdão condenatório consiste numa mera redução daquela que foi indicada na acusação ou da pronúncia, por não se terem dado como assentes todos os factos aí descritos (cf. Ac. Tribunal Constitucional n.º 330/97 in DR II 1997/Jul./03).

O mesmo sucede quando apenas existam alterações de factos relativos a aspectos não essenciais, manifestamente irrelevantes para a verificação da factualidade típica ou da ocorrência de circunstâncias agravantes – Ac. STJ de 1991//Abr./03, 1992/Nov./11 e 1995/Out./16, in BMJ 406/287, 421/309, www.dgsi.pt.

Também tal não ocorrerá quando se tratar de uma simples descrição do contexto temporal e do ambiente físico em que a acção do arguido se desencadeou, quando o mesmo não é mais do que a reafirmação ou a ilação explícita de factos que sinteticamente já se encontravam narrados na acusação ou na pronúncia – Ac. TC n.º 387/2005, de 2005/Jul./13, in DR II 2005/Out./19.

            Em resumo, podemos afirmar que, como consta do Acórdão do TRC, de 28/9/2011, Processo n.º 47/09.1GATND.C1, relatado pelo Exmo. Desembargador Alberto Mira, in www.dgsi.pt, «não “constitui alteração não substancial dos factos” toda e qualquer alteração ou desvio da sentença em relação ao texto da acusação ou pronúncia. A modificação dos factos constantes destas peças processuais só integra o referido conceito normativo quando tiver relevo para a decisão da causa e implique uma limitação dos direitos de defesa do arguido, vista em função do condicionamento da estratégia e utilidade da defesa

            No caso em apreço, a divergência apontada pelo recorrente quanto à descrição das armas não tem razão para existir.

            Na verdade, o que consta da decisão recorrida resulta diretamente da prova pericial que consta dos relatórios dos exames de fls. 29, 30 e 31, o que significa que o tribunal a quo não introduziu quaisquer factos novos que pudessem ter apanhado de surpresa o arguido.

            Houve apenas um lapso por parte do Ministério Público, no momento em que deduziu a acusação, ao descrever as armas, facilmente ultrapassável, na medida em que a referida peça processual indica como prova os mencionados exames, bem explícitos.

            Por sua vez, a divergência existente quanto ao local em que se encontrava a espingarda de caça não é mais do que uma pormenorização, ou seja, também aqui, estamos perante um aspecto não essencial, manifestamente irrelevante para a verificação da factualidade típica ou da ocorrência de circunstâncias agravantes, sem qualquer prejuízo para a defesa por violação do contraditório

            Por conseguinte, a sentença recorrida não padece da invocada nulidade.

****

2) Da nulidade da sentença, nos termos dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), do CPP:

            O recorrente alega que a sentença recorrida, ao dar como provado que as armas “estavam em poder dos arguidos” e que “não tinham qualquer outra função que não fosse servir como instrumento de agressão”, não descreve factos, antes alude a conclusões, juízos de valor e extrapolações, violando, nessa medida o disposto no artigo 374.º, n.º 2, do CPP.

Ao contrário do que pretende fazer crer o recorrente, as aludidas expressões devem ser entendidas como factos.

Como nos ensina o Prof. Anselmo de Castro - Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina, 1982, página 270 -, “…a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa: o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são, assim, flutuantes.

Assim, devem ser equiparados a factos enunciações que, embora contenham em si um significado jurídico, são de uso comum na linguagem corrente e são usados com esse sentido no processo.

Há casos em que o facto e a conclusão estão tão próximos que é muito difícil indagar desses factos e conclusões sem os relacionar entre si atenta a complementaridade recíproca que apresentam.

Assim sendo, as duas citadas expressões, necessárias para compreender a conduta do arguido, foram utilizadas no sentido corrente e, nessa justa medida, devem ser vistas como factos.

                                                           ****

E não se argumente que as armas não estavam em poder dos arguidos, em particular, do ora recorrente.

Não é exigível que a coisa (a arma) esteja, fisicamente, junto ao agente, na altura da apreensão.

O que releva é que esteja sob o seu domínio.

Ora, no caso em apreço, as armas estavam na residência dos arguidos, não havendo qualquer prova nos autos que permita supor que tal acontecesse contra a sua vontade ou que desconhecessem tal realidade.

                                                           ****

O recorrente defende, ainda, que a sentença ora em crise padece de invalidade, por ter dado como provado que os dois arguidos tinham conhecimento da existência das armas na residência, sendo certo que ambos negaram tal, ao mesmo tempo que a única testemunha inquirida disse nada saber a esse respeito.

Salvo o devido respeito, a questão deve ser vista à luz da existência de erro de julgamento, e não em sede de invalidade da decisão.

O erro de julgamento, consagrado no artigo 412.º, n.º 3, do CPP, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.

Ora, o recorrente adianta que a prova produzida em audiência de julgamento não permite concluir que o recorrente tivesse conhecimento da existência das armas na sua residência.

No que tange a esta matéria, face à negação dos factos e ao depoimento da testemunha C... , o Tribunal a quo teve de recorrer à chamada prova indireta.                Conforme é referido por Germano Marques da Silva, “ Curso de Processo Penal”, pág. 82, é clássica a distinção entre prova direta e prova indiciária. Aquela refere-se ao tema da prova, enquanto a prova indireta se refere a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência comum, uma ilação quanto ao tema da prova.      

De acordo com André Marieta, “La Prueba em Processo Penal”, pág. 59, são dois os elementos de prova indiciária: a) o indício, que será todo o facto certo e provado com virtualidade para dar a conhecer outro facto que com ele está relacionado. O indício, em resumo, constitui a premissa menor do silogismo que, associado a um princípio empírico ou a uma regra de experiência, vai permitir alcançar uma convicção sobre o facto a provar; b) a presunção, que é a inferência que, obtida do indício, permite demonstrar um facto distinto. A presunção, em síntese, é a conclusão do silogismo constituído sobre uma premissa maior – a lei baseada na experiência, na ciência ou no sentido comum – que, apoiada no indício – premissa menor – permite a conclusão sobre o facto a demonstrar.                                                       

Acontece que nada impede, antes impõe o bom senso da comunidade que, devidamente valorada, a prova indiciária, por si, na conjugação dos indícios, permita fundamentar a condenação – cfr. Mittermaier, “Tratado de Prueba em Processo Penal”, pág. 389.

            Caso contrário, o julgador seria um interveniente acrítico no processo, um mero recetor de mensagens.

Significa isto que o julgador, alicerçando-se em factos certos, pode fazer apelo às denominadas presunções materiais ligadas à normalidade da vida e às regras da experiência – cfr. Eduardo Correia, “Revista de Direito e Estudos Sociais”, XIV, pág. 24 e Cavaleiro Ferreira, “Curso de Processo Penal”, pág. 314. Estas presunções, como é evidente, não são presunções de culpa. Constituem, antes, parcelas de um processo de pensamento lógico de que o julgador não pode prescindir, sob pena de não ser a prova apreciada e valorada em toda a sua extensão.

Revertendo ao caso em apreço, a fundamentação que consta da sentença recorrida é exaustiva, lógica e racional.

Por seu turno, o recorrente não trouxe aos autos, em concreto, algo que pudesse dar origem a uma dúvida razoável, para lá da sua própria valoração da prova.

Por isso, a matéria de facto agora em causa dada como provada, no âmbito da livre apreciação da prova, faz todo o sentido, não merecendo reparo.

                                                           ****

3) Da medida da pena:

Como dispõe o artigo 40º, nº 1, do Código Penal, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. As finalidades das penas, na previsão, na aplicação e na execução, são assim na filosofia da lei penal vigente a protecção de bens jurídicos e a integração do agente do crime nos valores sociais afectados.

Na protecção de bens jurídicos está ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem tais bens e valores (prevenção geral) como também a realização de finalidades preventivas que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes (prevenção especial negativa).

As finalidades das penas na sua vertente de prevenção positiva geral e de integração ou prevenção especial de socialização conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.

No caso concreto a finalidade de tutela e protecção de bens jurídicos há-de constituir o motivo fundamento da escolha do modelo e da medida da pena, da tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afectados.

Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser em cada caso prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.

Quanto à medida da pena, em suma, e como já ensinava Beleza dos Santos, «a tranquilidade pública só deverá considerar-se convenientemente restabelecida quando a pena for um justo castigo, um adequado meio de intimidação e um conveniente processo de regeneração do delinquente» (R.L.J., 78, 26).

             De acordo com o direito vigente, o Tribunal deve partir da teoria da união, a qual exige se chegue a uma relação equilibrada dos diferentes fins de pena. A pena deve determinar-se de modo a que garanta a função retributiva, esta equacionada com o ilícito em si e a culpabilidade, sem pressuposto, limite último, e seja possível, pelo menos, o cumprimento também da revisão ressocializadorada da própria pena com respeito ao próprio arguido, a exemplo, deste modo, o fim da prevenção especial.               Além disso, a defesa do Ordenamento Jurídico exige, por último, que a pena se determine de tal modo que possa alcançar um efeito sócio-pedagógico na comunidade, que sirva ela de exemplo, de contra-motivo à prática de idênticos ilícitos pelos demais indivíduos. 

Foi para fazer ou atingir a possível concordância dos fins das penas no caso concreto, que se desenvolveu na Jurisprudência a teoria da margem da liberdade, teoria segundo a qual a pena adequada à culpabilidade não é uma medida exacta.

A pena concreta é, pois, fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa) determinada em função da culpa, intervindo os outros fins das penas - prevenção geral e prevenção especial - dentro daqueles limites (cfr. Claus Roxin, in Culpabilidad Y Prevencion en Derecho Penal, pág. 4-113).

            Assim, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, no caso concreto (art. 71º, n.º 1, do C. P.), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (n.º 2), designadamente: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das suas consequências; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; a conduta anterior e posterior ao facto; a falta de preparação para manter conduta lícita, manifestada no facto; as condições pessoais do agente e a sua situação económica.

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O recorrente alega que não encontra na sentença ora em crise “a descrição de razões (de facto e de direito) que justifiquem a diferença na medida da pena aplicada aos arguidos (com base nos mesmos factos): 2 anos e 6 meses, num caso; 2 anos, no outro”, acrescentando que o Tribunal a quo, ao seguir por esse caminho, além de ter violado o princípio da igualdade, violou os mais elementares princípios do direito penal legalmente consagrados.

Quanto a esta matéria, a sentença recorrida contém uma fundamentação proficiente.

Como é bem referido pelo Ministério Público, na resposta ao recurso, o princípio da igualdade pressupõe que deve ser dado tratamento igual a situações que sejam juridicamente iguais e ser dado tratamento diferenciado a situações que sejam juridicamente diferentes.

Ora, os antecedentes criminais do arguido são bem mais extensos do que os da arguida.

Como se isso não bastasse, o crime em causa nos presentes autos foi cometido durante o período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada no âmbito do processo n.º 99/12.7SAGRD – 3º Juízo do tribunal judicial da Guarda (extinto), em que esteve em causa um crime semelhante.

Tal é devidamente salientado pelo Tribunal a quo.

Assim sendo, em sede de prevenção especial, justificada está a diferenciação das penas aplicadas em concreto.

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4) Da falta de relatório social atualizado do arguido:

            Dispõe o artigo 370º, nº 1, do Código de Processo Penal:

              «O Tribunal pode em qualquer altura do julgamento, logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, o considerar necessário à correcta determinação da sanção que eventualmente possa a vir a ser aplicada, solicitar a elaboração do relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respectiva actualização quando aqueles já constarem do processo».

              É nosso entendimento que o pedido de elaboração do relatório social não se mostra obrigatório para o tribunal.

              E não estamos sós.

              Na verdade, como refere o Conselheiro Oliveira Mendes - Código de Processo Penal Comentado (2014), em anotação ao referido artigo - a redacção deste preceito «inculca a ideia de que a requisição do relatório social ou da informação dos serviços de reinserção social não é obrigatória, posto que o texto legal estabelece que o tribunal pode …solicitar a elaboração do relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social» - ver, no mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Outubro de 2010, Processo n.º 845/09.6JDLSB – 3ª, relatado pelo Exmo. Conselheiro Raul Borges (www.dgsi.pt).

            Esta interpretação, aliás, não fere nenhum dos preceitos constitucionais, como já decidiu o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 182/99, de 22 de Março:

              «Não é inconstitucional a norma do nº, 1. do artigo 370º, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de não ser obrigatória a solicitação pelo tribunal do relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social».

              No caso dos autos, o Tribunal a quo, relativamente às condições sócio-económicas do recorrente, deu como assente o que consta da alínea F) dos Factos provados.

              Esta factualidade é suficiente para determinar correctamente a sanção que, em concreto, foi aplicada ao arguido A... .

              Não se mostra, assim, necessário, a elaboração do relatório social para conhecer as condições pessoais e económicas do arguido.

              Se o arguido entendia que existiam outros factores da sua vida - relativos à sua personalidade e vivência pessoal e familiar (enquadramento e apoio familiar e de amigos e hábitos de trabalho) relevantes para a determinação da pena – que deveriam ser atendidos na determinação da sanção, disso deveria ter dado conhecimento ao tribunal, para que este pudesse ponderar da necessidade ou não da elaboração do relatório social ou de outros meios probatórios.

              O tribunal recorrido não tinha, in casu, a obrigação de pedir o relatório social do arguido, não tendo, por isso, sido cometida nenhuma nulidade ou existido qualquer insuficiência da matéria de facto para a escolha da medida da pena.

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IV – DECISÃO:

            Pelo exposto, acordam os Juízes neste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso.            

            Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.

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                (elaborado e revisto pelo relator, antes de assinado)

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Coimbra, 15 de junho de 2016

(José Eduardo Martins - relator)

(Maria José Nogueira - adjunta)