Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
132/10.7GBVNO.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: ALTERAÇÃO DOS FACTOS
DEPOIMENTO INDIRECTO
DIREITO DO ARGUIDO AO SILÊNCIO
REFORMATIO IN PEJUS
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Data do Acordão: 10/02/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE OURÉM (1.º JUÍZO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 1.º, ALÍNEA F), 358.º, 359.º, 127.º, 129.º E 409.º, TODOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I - Se o tribunal descreve, na sentença, por outras palavras, os factos da acusação ou da pronúncia, ou confere maior pormenor ao relato de uma ou outra daquelas peças processuais apenas para precisar os termos da acção, mas sem acrescentar nada de novo à descrição da acção típica relevante, não ocorre alteração substancial ou não substancial.

II - Não constitui depoimento indirecto a afirmação de uma testemunha sobre o que ouviu directamente do arguido - presente na audiência de julgamento -, em relação à prática de factos integrantes de um ilícito penal.

III - Ainda que o arguido opte pelo direito ao silêncio, o depoimento em causa constitui prova legalmente admissível, a valorar nos termos do disposto no artigo 127.º do Código Penal.

IV - Por interpretação extensiva do n.º 1 do artigo 409.º do Código de Processo Penal, a proibição de reformatio in pejus é aplicável, no domínio de acção enxertada no processo criminal, ao agravamento da condenação em indemnização civil.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I - Relatório

1. No 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Ourém, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção de tribunal colectivo, o arguido A..., casado, vigilante, nascido em 16 de Junho de 1970, filho de (...) e de (...), natural da freguesia de (...), concelho de Chaves, residente na (...), Fátima, sob acusação da prática, em concurso real de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203° nº 1; de um crime de furto qualificado continuado, p. e p. pelo artigo 204° nº 2 al. e); de um crime de dano qualificado continuado, p. e p. pelo artigo 213° nº 2, al. a) e de um crime de dano qualificado, p. e p. pelo artigo 213° nº 1 al. e), todos do Código Penal.
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2. C... formulou pedido de indemnização contra o arguido, pedindo a sua condenação a pagar-lhe as importâncias de € 46.207,15, a título de indemnização por danos patrimoniais e de € 15.000,00, a título de compensação por danos não patrimoniais, bem como juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação para contestar o pedido cível, até integral pagamento.
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3. Por sentença de 29.02.2012 foi a acusação julgada parcialmente provada e procedente e, em consequência o arguido A... foi absolvido do crime de furto qualificado, na forma continuada, por que vinha acusado. E foi condenado o como autor material e, em concurso real de:
- Um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203º nº 1 do CP, na pena de dezoito meses de prisão;
- Um crime de dano qualificado, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 212º nº 1 e 213º nº 2 al. a) do CP na pena de três anos e seis meses de prisão;
- Em cúmulo jurídico das penas parcelares, foi o arguido condenado na pena unitária de quatro anos e dois meses de prisão.
Ao abrigo do disposto nos arts. 53º e seguintes do Código Penal, foi determinada a suspensão da execução da pena imposta ao arguido A..., acompanhada de regime de prova e, em consequência, condenado a submeter-se ao plano individual de readaptação a organizar pelo I.R.S. e pelo período de quatro anos e dois meses.

O pedido cível foi julgado parcialmente provado e procedente e, em consequência, condenado o responsável civil A... a pagar à lesada C... a importância de € 39.747,84, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação para contestar o pedido cível, até integral pagamento, absolvendo-se o responsável civil do remanescente do pedido.
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4. Inconformado o arguido interpôs recurso da sentença, decidido por acórdão desta Relação exarado a fls. 606 e sgs. que determinou que o vício previsto no artigo 379.°, n.° 1 alínea a) do C. P. P. fosse expurgado cumprindo-se «o dever de enumeração, como provados ou não provados, dos factos consubstanciadores dos danos e/ou prejuízos, com o respectivo exame crítico», desse modo tendo «ficado prejudicado o conhecimento das restantes questões elencadas nas conclusões da motivação do recurso».
*
Produzido novo acordão pela 1ª instância, o arguido A... , interpôs novamente recurso por não se conformar com a sua condenação como autor material e em concurso real , pela prática de :
  • um crime de furto simples , p. e p. pelo art.° 203.°,n.° 1 , do Código Penal na pena de dezoito meses de prisão ;
  • um crime de dano qualificado, na forma continuada , p. e p. pelos art:º s 212.°, n.º 1, e 213.°, n.º 2 , al a) do Código Penal, na pena de três anos e seis meses de prisão.
Em cúmulo jurídico de tais penas, na pena única de quatro anos e dois meses de prisão, suspensa na sua execução, acompanhada de regime de prova, com obrigação de se submeter ao plano individual de readaptação, a organizar pelo IRS, pelo período de quatro anos e dois meses contados do trânsito em julgado da decisão, sem prejuízo da possibilidade de prorrogação, o qual incluirá os seguintes deveres:
a)
Responder às convocatórias e às visitas dm técnicos do IRS e submeter-se ao plano individual de readaptação social que por aqueles vier a ser elaborado;
b)
Dedicar-se ao trabalho;
c) Efectuar o pagamento à C... da indemnização fixada no montante de € 39.847,99, em quatro prestações anuais, até ao último dia útil de cada ano, devendo juntar documentos de quitação dos pagamentos, no prazo de trinta dias, após cada pagamento de cada prestação anual...

Extraiu da respectiva motivação as seguintes conclusões:
1ª questão:
A.
No artigo 4.° da motivação foram identificadas seis situações demonstrativas de que o recorrente foi condenado por factos diversos dos descritos na acusação, sendo que tal condenação ocorreu fora dos casos e condições previstos no artigo 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, porque se trata de alterações não substanciais com relevo para a decisão da causa, que não derivaram de factos alegados pela defesa, e que o tribunal a quo não comunicou ao recorrente, impossibilitando assim que ele delas se defendesse.
B.
Destarte, além da norma indicada na conclusão anterior, foram violadas as garantias de defesa do recorrente, consagradas no artigo 32.°, n.° 1, da Constituição, sendo, por isso, o acórdão recorrido nulo, nos termos do artigo 379.°, n.° 1, alínea b), daquele código — o que aqui se vem arguir, ao abrigo do n.° 2 deste artigo, requerendo-se que seja declarada tal nulidade e ordenada a remessa do processo ao tribunal a quo para que proceda à reabertura da audiência de julgamento e à comunicação das apontadas alterações não substanciais dos factos.
2ª questão
C.
O depoimento da testemunha B... - uma das provas de que o tribunal a quo se serviu para formar, decisivamente, a sua convicção em relação a grande parte da matéria de facto provada - é indirecto, porque o conhecimento que ele tem dos factos probandos resulta do que ouviu dizer ao recorrente.

D.
Nesse sentido, não podia ter sido valorado pelo tribunal a quo, pois o depoimento indirecto só vale relativamente ao que se ouviu dizer a outra potencial testemunha e nunca quanto a declarações de um arguido.
E.
Mesmo que se entenda que o artigo 129.° do Código de Processo Penal não erige uma proibição do depoimento por ouvir-dizer quando quem disse é um arguido, ainda assim o depoimento da testemunha B... não podia ter sido valorado, por não se verificar in casu nenhuma das situações ressalvadas e enumeradas, de forma categórica, na parte final do seu n.° 1.
F.
Sendo que não se pode equiparar a situação de impossibilidade de ser encontrado à do arguido que em audiência de julgamento invoca o seu direito ao silêncio: por um lado, porque ao regulamentar as formas admissíveis de depoimento indirecto o artigo 129.° prescreve, eoipso, as formas proibidas; por outro lado, porque isso constituiria uma inadmissível analogia in malam partem de uma norma de natureza excepcional.
G.
Mesmo que se faça a equiparação que acabámos de repudiar na conclusão que antecede, o depoimento da testemunha B... também não podia ter sido valorado, uma vez que o tribunal a quo não chamou o recorrente a depor - rectius, não lhe concedeu expressamente a palavra para o efeito de contraditar, querendo, os factos que essa testemunha indirecta disse ter ouvido dele.
H.
Em suma, o tribunal a quo serviu-se de uma prova nula e proibida pelos artigos 125.° e 129.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, violando por isso, além destas normas, as garantias de defesa do recorrente e os princípios do contraditório, do nemo tenetur se ipsumaccusare e da imediação, consagrados nos artigos 32.°, n.os 1 e 5, 1.° e 2.° da Constituição, bem como o princípio da livre apreciação da prova, estatuído no artigo 127.° daquele código.
I.
Fundando-se o douto acórdão recorrido em provas nulas, é também ele nulo, por força do artigo 122.°, n.° 1, do Código de Processo Penal - o que aqui se vem arguir, nos termos do artigo 410.°, n.° 3, do mesmo diploma, requerendo-se que seja declarada tal nulidade e ordenada a substituição do acórdão recorrido por outro, no qual o tribunal a quo não valore o depoimento indirecto da testemunha B..., resultante do ouviu dizer ao recorrente.
3a questão [É subsidiária das anteriores.]
J
Para a hipótese de se considerar que existe a nulidade arguida na conclusão anterior mas que ela, ao contrário do que aí se defende, pode ser suprida no tribunal de recurso, mediante a expurgação do depoimento indirecto, o recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria provada dos pontos 3 a 11 e dos pontos 12 a 52 e 55 a 66, visto que, sem essa prova proibida, nada permite concluir que tenha sido ele quem praticou os factos aí vertidos.
K
As provas invocadas pelo tribunal a quo para dar como provados os factos dos indicados pontos impõem decisão diversa da recorrida porque, ainda que conjugadamente apreciadas, são manifestamente insuficientes para se poder concluir, com o grau de certeza exigível num processo criminal, que tenha sido o recorrente o autor dos mesmos.
L.
Com efeito, relativamente à prova testemunhal invocada, conforme já resulta da fundamentação do acórdão, nenhuma das testemunhas aí referenciadas viu o recorrente a praticar tais factos - o que pode ser confirmado pela audição da gravação integral dos respectivos depoimentos, onde em momento algum dizem ter visto isso.
[Os depoimentos testemunhais invocados no acórdão para fundamentar a decisão de dar como provados tais factos, mas que impõem decisão diversa da recorrida, são: A) Pontos 3 a 11 — sessão de 18/01/2012: 1) D..., com a duração de 01:26:22, iniciou-se às 11:21:50 e terminou às 12:48:11; 2) B..., numa primeira parte, com a duração de 00:05:06, iniciou-se às 16:02:25 e terminou às 16:07:31; numa segunda parte, com a duração de 00:49:53, iniciou-se às 16:09:53 e terminou às 16:59:46; 3) E..., numa primeira parte, com a duração de 00:11:14, iniciou-se às 17:15:31 e terminou às 17:26:45; numa segunda parte, com a duração de 00:02:46, iniciou-se às 17:36:08 e terminou às 17:38:53. B) Pontos 12 a 52 e 55 a 66— além dos dois primeiros acima indicados, ainda os seguintes da sessão de 18/01 /2012: 1) F..., com a duração de 00:14:24, iniciou-se às 14:47:06 e terminou às 15:01:30; 2) G..., com a duração de 00:10:00, iniciou-se às 14:36:11 e terminou às 14:46:11; 3) H..., com a duração de 00:05:49, iniciou-se às 15:02:29 e terminou às 15:08:18; 4) , com a duração de 00:10:17, iniciou-se às 15:09:04 e terminou às 15:19:21; 5) J..., com a duração de 00:20:40, iniciou-se às 15:20:14 e terminou às 15:40:54; 6) L..., com a duração de 00:07:53, iniciou-se às 17:40:16 e terminou às 17:48:09. E também os seguintes da sessão de 08/02! 2012: 7)M..., com a duração de 00:45:34, iniciou-se às 11:33:48 e terminou às 12:19:22; 8) N..., com a duração de 00:22:24, iniciou-se às 12:21:33 e terminou às 12:43:56; 9) O..., com a duração de 00:21:35, iniciou-se às 14:36:43 e terminou às 14:58:17; 10) P..., com a duração de 00:22:35, iniciou-se às 14:59:27 e terminou às 15:22:02.]
M.
Relativamente à invocada prova por presunção judicial, defendemos que a partir do facto (conhecido) de terem sido encontrados na residência do recorrente a chave mestra e os demais objectos identificados nos pontos 3, 6 e 8 da matéria provada, não se pode inferir o facto (desconhecido) de que foi ele que furtou tais objectos, pois isso carece da segurança exigida pela observância do princípio in dúbio pro Reo.
N.
De igual modo, a partir do facto (conhecido) de ter sido encontrada na residência do recorrente a chave mestra identificada no ponto 3 da matéria provada, não se pode inferir o facto (desconhecido) de que foi ele o autor dos danos descritos nos pontos 12 a 52 e 55 a 66.
O.
Assim, devem ser dados por não provados os factos dos pontos 3 a 11 e os dos pontos 12 a 52 e 55 a 66 - e, por conseguinte, ser o recorrente absolvido do crime de furto e do crime de dano qualificado, na forma continuada, bem como do pedido de indemnização civil pelos danos emergentes dos referidos crimes (sobrando apenas a condenação por um crime de dano simples, relativa aos factos dos pontos 53 e 54, e pelo pedido de indemnização civil na parte relativa aos danos que se fundam nesse crime).
P.
O recorrente impugna também o ponto 83 - impugnação esta que pretende que seja conhecida quer na hipótese de não ser declarada a nulidade arguida na conclusão I, quer na hipótese de ser declarada mas de não ser procedente o pedido de absolvição em relação à conduta de danificação do gerador, integrante do crime de dano qualificado continuado -, sendo que as provas que impõem decisão diversa da recorrida são, precisamente, as invocadas pelo tribunal a quo para dar como provado o facto vertido nesse ponto, pois as mesmas, ainda que conjugadamente apreciadas, não permitem provar que a lesada gastou a quantia de 13.772,07 € no aluguer de outro gerador.
Efectivamente, o orçamento de fls. 363 é um documento que, só por si, não tem aptidão para provar tal facto - e, ainda que conjugado com os depoimentos das testemunhas referenciadas na fundamentação do acórdão, também não, pois nenhuma delas em momento algum aludiu a qualquer quantia que a lesada alegadamente tenha gasto no aluguer de outro gerador.
[Os depoimentos testemunhais invocados no acórdão para fundamentar a decisão de dar como provado tal facto, mas que impõem decisão diversa da recorrida, são: Sessão de 18/01/2012 — 1) D..., com a duração de 01:26:22, iniciou-se às 11:21:50 e terminou às 12:48:11. Sessão de 08/02/2012 — 2)T..., com a duração de 00:07:59, iniciou-se às 15:23:13 e terminou às 15:31:11; 3) M..., com a duração de 00:45:34, iniciou-se às 11:33:48 e terminou às 12:19:22; 4) O..., com a duração de 00:21:35, iniciou-se às 14:36:43 e terminou às 14:58:17.]
Q.
Acresce que a testemunha M... disse que só com a sua conferência de uma factura, mediante rubrica ou assinatura nela aposta, é que a lesada pagava o valor da mesma [cfr. as seguintes passagens da gravação da sessão de 08/02/2012: 14:15 a 14:23; 18:06 a 18:13; 28:51 a 29:25.] — e, apesar de o documento de fls. 363 ser um mero orçamento (e não uma factura), este não tem sequer uma tal conferência.
Destarte, deve resultar não provado o facto do ponto 83 - e, por conseguinte, ser reduzido em 13.772,07 € o valor do pedido de indemnização civil em que o recorrente foi condenado (reflectindo-se tal redução em sede penal).
4a questão. [É subsidiária da anterior.]
No douto acórdão recorrido agravou-se o valor da indemnização em que o recorrente tinha sido condenado no anterior acórdão do tribunal a quo, de 29/02/2012, declarado nulo pelo Tribunal da Relação de Coimbra na sequência de um recurso unicamente por ele interposto.
Tal agravamento viola a proibição legal contida no artigo 409.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, pois, por um lado, a possibilidade de reformatio in pejus por via indirecta é também vedada por essa norma, sendo que entendimento contrário é inconstitucional, por violação do artigo 32.°, n.° 1, da Constituição, conforme aliás já se decidiu no acórdão n.º 236/2007 do Tribunal Constitucional.
Por outro lado, a proibição de reformatio in pejus é aplicável, por interpretação extensiva, ao agravamento da condenação em indemnização civil, sendo que mesmo que assim não se venha a entender, como in casu essa condenação civil teve reflexo em termos penais — na medida em que uma das condições a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao recorrente foi, precisamente, pagar à ofendida o valor total da indemnização fixada —, sempre seria aplicável a proibição em causa.
Pelo exposto: o tribunal a quo violou o princípio da proibição de reformatio in pejus, consagrado no artigo 409.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, e no artigo 32.°, n.º 1, da Constituição, devendo ser revogado nessa parte o douto acórdão recorrido, reduzindo-se a indemnização fixada para o montante determinado no anterior acórdão de 29/02/2012 (39.747,84 €) - e, consequentemente, reflectindo-se tal redução em sede penal.
5.a questão
Face à situação económica e financeira do recorrente que ficou provada nos pontos 71 e 74, quer se mantenha a quantia indemnizatória fixada no douto acórdão recorrido (39.847,99 €), quer se reduza para a fixada no anulado primeiro acórdão do tribunal a quo (39.747,84 €), é manifestamente irrazoável e desproporcionada a decisão deste de subordinar a suspensão da execução da pena de prisão ao dever de pagar à ofendida a totalidade da indemnização, em quatro prestações anuais.
Y.
Por isso, o tribunal a quo violou a norma do artigo 51.°, n.° 2, do Código Penal, devendo ser revogado nessa parte o douto acórdão recorrido e proferida decisão que condicione a suspensão da execução da pena ao pagamento pelo recorrente à ofendida apenas de parte da indemnização devida, num montante nunca superior a 10.000,00 €, e no prazo de quatro anos já determinado pelo tribunal a quo.


*
5. O Magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso, conclusivamente nos termos infra transcritos:
“I
I
O arguido, A..., aproveitando o exercício das suas funções de vigilante sacristão, no período compreendido entre o mês de Dezembro de 2009 e o dia 15/04/2010, apoderou-se e estragou o que sabia adstrito à sua guarda e que tinha obrigação de preservar, pertencente à entidade patronal, C..., em Fátima, Ourém.
II
Nesta data, face aomodus operandi” e aos sucessivos e muito avultados estragos nas instalações, designadamente na Igreja da Santíssima Trindade, aí foi surpreendido e detido, em flagrante delito, pelos militares da GNR, a quebrar o vidro de betoneiras de alarme.
III
Assim, sem qualquer salto no desconhecido, antes com base na indicada forma de actuação bem relatada e traduzida na carta escrita pela testemunha, B..., junta a fls. 9 a 21 dos autos; utilizando todos os estratagemas ao seu alcance, dentro e fora das horas de serviço, para perturbar actos de culto e, com toda a perfídia, se apoderar, designadamente da chave mestra; cartão magnético e equipamentos a que se reportam os Autos de Apreensão e fotografias de fls. 82 a 91.
IV
O depoimento da mesma testemunha foi inequívoco não só quanto à correspondência entre o que lhe era relatado e anunciados estragos nos espaços: instalações e equipamentos destinados ao culto religioso, tal como são descritos na acusação, mas também direto ao que viu e viu não só a chave mestra apreendida nas mãos do arguido; com que este abria as portas das zonas de acesso restrito mas também onde praticou os estragos, mormente no gerador e no quadro elétrico.
V
O arguido, presente no julgamento, usou o direito ao silêncio, donde não se perceba como foi inviabilizado o direito do arguido impugnar a matéria de facto em questão.
VI
O período temporal e datas em que ocorreram os factos dados como provados na decisão recorrida, face à prova produzida em julgamento, compreendem as datas indicadas na acusação; sem que subsista qualquer fundamento para nos termos previstos no art.° 358.º, n.º 1, do CPP, proceder a comunicação das alegadas alterações não substanciais com relevo para a decisão da causa, que não derivaram de factos alegados pela defesa.
VII
Daí que se não verifique a alegada nulidade do acórdão recorrido, nos termos do art.° 379.°, n.° 1, al. b), do CPP, por violação das garantias de defesa consagradas no arts 32.°. n.° 1, da CRP ,ou impossibilidade de o recorrente de se defender.
VIII
O depoimento da testemunha, B... reportou-se não só aos estragos que observou tal como o arguido lhe relatava e anunciava com o ênfase das expressões transcritas na decisão recorrida, mas também à exibição da chave mestra de que se apoderara e que guardava para se introduzir nos lugares de acesso restrito onde os referidos estragos se verificaram.
IX
Assim, não resultando apenas do que ouviu dizer, deve considerar-se válido e sem qualquer violação do disposto pelo art.°s 125°, 127° e 129.°. todos do CPP, nem das garantias de defesa consagradas no art.°s 32° , n.°s 1 e 5 ,da CRP, como sustentou o acórdão recorrido e a jurisprudência citada .

Não se trata, pois, de prova nula ou que determine, face ao disposto pelo art.° 122.°, n.º 1, al. b), do CPP, a nulidade da decisão recorrida tal como é prevista , nos termos do art.° 410º, n 3.
XI
As circunstâncias em que o arguido exibiu e detinha consigo a chave mestra (posteriormente devolvida pela esposa)e os demais objectos guardados e apreendidos em sua casa, são inequívocas quanto à subtração que efetuou tal como consta dos pontos 3 a II da matéria provada.
XU
Os depoimentos das testemunhas prestados em audiência e onde se apoiou a decisão recorrida não podem ser analisados isoladamente e mesmo que o arguido não fosse visto a praticar os factos por que foi condenado e a que se referem os pontos 3 a 11; 12 a 52 e 55 a 56, existem todos os outros elementos de prova que não permitem titubear quanto à respetiva autoria, segundo as regras da experiência.
XIII
Apesar da sua situação económica e financeira, tal como foi dada como provada nos pontos 70 a 74 e 77, o que seria manifestamente desproporcionado e irrazoável, perante os estragos provocados em obras de arte e aparelhos dos mais sofisticados, ao longo de vários meses, seria não subordinar a decisão de suspensão da execução da pena de prisão ao dever de pagar à ofendida C..., a totalidade da indemnização fixada, no montante de 39.848,09 €, em quatro prestações anuais,
XIV
Este valor, face a toda a prova produzida em julgamento, quanto à dimensão dos prejuízos, apresenta-se como simbólico e será de manter enquanto reconstituição devida ao lesado, independentemente do elevado nível económico deste; sem qualquer violação do disposto pelo art.° 51.°, n.° 2, do Código Penal
XV
O arguido agiu com ignóbil perfídia no ataque, sistemático, ao património da entidade patronal; recorrendo, durante vários meses, aos meios mais traiçoeiros e aproveitando-se das funções, designadamente de vigilância e guarda, para que fora contratado.
XVI
Não se apuram razões para eliminar ou aditar qualquer ponto à matéria de facto dada como provada.
XVII
Não se apura a violação das normas legais referidas pelo recorrente nem de qualquer preceito legal.
XVIII
Não se vê qualquer erro; obscuridade ou contradição em toda a matéria de facto dada como provada, tal como inexiste qualquer falta de fundamentação, geradora de nulidades.
XIX
O grau de culpa do arguido é muito elevado e as exigências de prevenção, quer geral quer especial, são candentes.
XX
Pelo exposto e perante a gravidade dos factos e da culpa do agente, bem andou o tribunal ao condenar o arguido, como autor material, pela prática de
  • um crime de furto simples , p. e p. pelo art.0 203. n.° 1, do Código Penal, na pena de dezoito meses de prisão;
  • um crime de dano qualificado , na forma continuada , p. e p. pelos art.0 s 212.", n.° .1, e 213°, n.° 2, al. a) do Código Penal, na pena de três anos e seis meses de prisão.
Em cúmulo jurídico de tais penas, na pena única de quatro anos e dois meses de prisão, suspensa na sua execução, acompanhada de regime de prova, com obrigação de se submeter ao plano individual de readaptação, a organizar pelo IRS, pelo período de quatro anos e dois meses contados do trânsito em julgado da decisão, sem prejuízo da possibilidade de prorrogação, o qual incluirá os seguintes deveres:
a)
Responder às convocatórias e às visitas dos técnicos do IRS e submeter-se ao plano individual de readaptação social que por aqueles vier a ser elaborado;
b)
Dedicar-se ao trabalho ;
c)
Efectuar o pagamento à C... da indemnização fixada no montante de indemnização fixada no montante de € 39.848.09 e não € 39.847,99 uma vez que se afigura ser aquele o resultado da soma aritmética, em quatro prestações anuais, até ao último dia útil de cada ano, devendo juntar documentos de quitação do pagamento, no prazo de trinta dias, após cada pagamento de cada prestação anual.
XXI
Que se mostra bem doseada e equilibrada.
XXII
Merece inteira confirmação o acórdão recorrido.
Assim farão, V. Exas, Justiça!”
*
6. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, louvando-se na resposta ao recurso do Ministério Público no tribunal da 1.ª instância, emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá ser julgado improcedente.
*
7. Colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
*
II. Fundamentação:
1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso
Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).
No caso sub judice, o objecto do recurso está circunscrito às seguintes questões:
A) - Se o acórdão recorrido é nulo por ter condenado o arguido por factos diversos dos descritos na acusação, fora dos casos e condições previstos no artigo 358. ° n.º1, do Código de Processo Penal, por se tratarem de alterações não substanciais com relevo para a decisão da causa;
B) - Se o acórdão recorrido é nulo por força do artigo 122.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, por o tribunal a quo se ter fundado em prova nula e proibida pelos artigos 125.° e 129.°, n.° 1, do Código de Processo Penal;
Subsidiariamente
C) Impugnação da matéria de facto – dos pontos 3 a 11 e dos pontos 12 a 52, 55 a 66 e 83.
D) Do princípio da proibição de reformatio in pejus, consagrado no artigo 409.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, por agravamento do valor da indemnização em que o recorrente tinha sido condenado no anterior acórdão do tribunal a quo, de 29/02/2012;
E) Violação da norma do artigo 51.°, n.° 2, do Código Penal, por subordinar a suspensão da execução da pena de prisão ao dever de pagar à ofendida a totalidade da indemnização fixada no montante de € 39.847,99, em quatro prestações anuais, até ao último dia útil de cada ano.
*
2. Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
*
Quanto à MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO, ficou consignado:
A convicção do Tribunal, quanto aos factos considerados provados, teve por base os seguintes fundamentos:
Da discussão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. Pelo menos, no período compreendido entre Setembro de 2008 e o mês de Maio de 2010, o arguido A... foi trabalhador por conta e sob a direcção do C...;
2. Exercendo as funções de vigilante;
3. Em dia não determinado do mês de Dezembro de 2009, quando se encontrava de serviço no C..., o arguido, retirou do porta-chaves do chefe dos vigilantes do C...:
a) uma chave mestra com a inscrição “wink Haus” numa das faces e com a inscrição "Porseg PX-00007100" na outra face;
b) bem como um cartão magnético;
4. A chave identificada em 3. al. a) serve para abrir todas as portas interiores do C...;
5. E o cartão magnético a que se refere o ponto 3. al. b) abre todas as portas codificadas e alguns elevadores do C...;
6. Em dia não concretamente apurado, no período compreendido entre o mês de Dezembro de 2009 e o dia 16 de Abril de 2010, o arguido retirou, ainda, do interior da Igreja da Santíssima Trindade os seguintes objectos:
a) Um par de colunas de som de fixação na parede da marca Base com os números de série 040164963560072AC e 040164963560130BC, de cor branca, no valor de € 240,00;
b) Quatro colunas independentes da marca Base, no valor de € 100,00;
c) Um amplificador da marca Crown, profissional, com o n.º de série 800 1407191 de cor preta com dois sistemas de ventilação, no valor de € 300,00;
d) Transformadores, de valor não concretamente apurado;
e) Vário material eléctrico, de valor não concretamente apurado;
f) Um rádio portátil emissor/receptor da marca Vertex Standard de cor preto, de valor não concretamente apurado;
7. Também em dia não concretamente apurado, no período compreendido entre o mês de Dezembro de 2009 e o dia 16 de Abril de 2010, o arguido entrou na Capela do Calvário Húngaro;
8. De onde retirou um amplificador/misturador da marca Yamaha, modelo AMS02, com o nº de série KJOI097 de cor preta com cabo de alimentação, no valor de € 200,00;
9. O arguido fez seus a chave mestra, o cartão magnético, as colunas de som, o amplificador, os transformadores, o material eléctrico, o rádio portátil emissor/receptor e o amplificador/misturador mencionados em 3. als. a) e b) e 6. als. a) a f) e 8., como se fossem coisas suas;
10. Bem sabendo que não lhe pertenciam;
11. E que agia contra a vontade da C..., proprietária de tais bens;
12. No dia 25 de Dezembro de 2009, pelas 11 horas, foi celebrada missa na Igreja da Santíssima Trindade;
13. A qual era transmitida pela Rádio Televisão Portuguesa;
14. Quando estava a decorrer a missa, o arguido, que se encontrava em serviço no C..., desligou vários disjuntares do quadro eléctrico;
15. Provocando um corte de energia eléctrica;
16. Seguidamente, o arguido trocou vários fios do quadro eléctrico;
17. Conseguindo assim que a energia eléctrica não fosse de imediato restabelecida;
18. Durante os meses de Janeiro e Fevereiro de 2010, em dias não concretamente apurados, quando se encontrava de serviço no C..., o arguido efectuou vários cortes de energia no quadro eléctrico da Igreja da Santíssima Trindade;
19. Bem como no gerador ali colocado para suprir faltas de energia:
20. O qual passou a apresentar várias falhas técnicas;
21. Provocadas pelo arguido;
22. Em data não determinada, mas no período compreendido entre o mês de Dezembro de 2009 e o mês de Abril de 2010 o arguido, quando se encontrava de serviço no C..., introduziu-se na Igreja da Santíssima Trindade;
23. Em zona de acesso restrito;
24. Com uso da chave mestra mencionada em 3. al. a) de que se apoderara;
25. Na sequência do que se dirigiu a um gerador eléctrico;
26. Cortou dois tubos do óleo do mesmo;
27. Colocou o gerador em funcionamento;
28. E deixou-o ligado, até ele se estragar por falta de óleo;
29. No dia 31 de Janeiro de 2010 o arguido, quando se encontrava de serviço no C..., dirigiu-se a uma casa de banho, sita no primeiro andar da Igreja da Santíssima Trindade;
30. Casa de banho esta, situada em zona de acesso restrito;
31. Usando a chave mencionada em 3. al. a) de que se apoderara;
32. Uma vez, no interior da mesma, retirou o tubo que liga o lavatório à canalização;
33. Abriu as torneiras;
34. E deixou-as abertas a correr água;
35. Provocando, dessa forma, uma inundação, na referida casa de banho;
36. Estragos nas torneiras dessa casa de banho;
37. Provocando infiltrações de humidade no tecto da sacristia, que lhe fica por baixo, no rés-do-chão da Igreja da Santíssima Trindade;
38. Em datas não concretamente apuradas, mas no período compreendido entre Dezembro de 2009 e Abril de 2010, em vários dias diferentes, o arguido partiu os vidros de várias betoneiras;
39. Que se encontravam em zonas de acesso reservado, no interior da Igreja da Santíssima Trindade;
40. O que fez, quando se encontrava de serviço no C...;
41. Zonas estas, às quais apenas acedeu, usando a chave e o cartão magnético de que se apoderou, mencionados em 3. als. a) e b);
42. Em data não concretamente apurada, mas no período compreendido entre Dezembro de 2009 e Abril de 2010, quando se encontrava de serviço no C..., o arguido entrou numa sala da Igreja da Santíssima Trindade;
43. Onde se localiza um motor para abastecer as bocas-de-incêndio;
44. E arrancou os tubos de abastecimento do combustível;
45. Impedindo assim que o mesmo funcionasse em caso de emergência;
46. O arguido repetiu a mesma actuação uns dias depois;
47. Na noite de 8 para 9 de Abril de 2010, o arguido efectuou vários graffitis com tinta de spray verde nas paredes da Capela do Calvário Húngaro, sita em Valinhos, Fátima, Ourém;
48. Tendo escrito a seguinte expressão: "Morte ao Papa";
49. E desenhado nove cruzes suásticas e dois "Z" cruzados;
50. Na tarde de 9 de Abril de 2010, entre as 18 horas e as 19 horas, o arguido partiu o vidro de duas betoneiras de emergência, sitas junto às portas laterais da Igreja da Santíssima Trindade do C...;
51. Accionando desse modo o alarme de existência de incêndio;
52. E, consequentemente, abrindo todas as portas que se encontravam encerradas, inclusive as que têm acesso restrito;
53. No dia 15 de Abril de 2010 pelas 18 horas, o arguido, quando se encontrava de serviço no C..., entrou na Igreja da Santíssima Trindade em Fátima;
54. Onde partiu o vidro de outras duas betoneiras de alarme que ali se encontravam;
55. Todos os factos referidos foram praticados pelo arguido quando se encontrava a prestar serviço no C..., com excepção dos factos ocorridos nos dias 8 e 9 de Abril de 2010;
56. O arguido agiu com o intuito, de ao longo do tempo, partir os vidros das betoneiras, inutilizar o gerador eléctrico, causar cortes no fornecimento de energia eléctrica, impedir a transmissão televisiva da missa do dia de Natal de 2009, destruir certos componentes do quadro eléctrico da igreja da Santíssima Trindade, provocar inundações e estragos na estrutura da igreja da Santíssima Trindade e nas paredes da capela do calvário húngaro;
57. Ciente de que alguns destes objectos eram afectos ao culto religioso;
58. E de que todos estes objectos não lhe pertenciam;
59. Bem assim de que alguns deles, designadamente, a capela do calvário húngaro, bem assim a igreja da Santíssima Trindade têm valores superiores a € 20.400,00;
60. O arguido praticou os factos descritos em 12. a 59. no contexto de um relacionamento conflituoso que mantinha com a maioria dos colegas de profissão e com o chefe dos vigilantes-sacristães;
61. E por considerar que o seu salário era inferior àquele que entendia ser o adequado para o trabalho por si desenvolvido;
62. Aproveitando o facto de ter entrado na posse da chave mestra e do cartão magnético referidos em 3. als. a) e b);
63. E de, no exercício da sua profissão de vigilante sacristão no C..., ter acesso quer ao interior da Igreja da Santíssima Trindade, quer da capela do calvário húngaro;
64. O arguido sabia que ao agir do modo descrito o fazia contra a vontade do dono dos bens referidos;
65. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente;
66. Sabendo que as suas condutas eram e são punidas pela lei penal;
67. O arguido não tem antecedentes criminais;
68. Na sequência da busca domiciliária e apreensão realizadas na sua residência no dia 16 de Abril de 2010, os objectos descritos em 3.; 6. e 8. vieram a ser recuperados e entregues ao C...;
69. Também na sequência de tais factos, separou-se da sua mulher;
70. Tendo regressado à aldeia de onde é natural;
71. Onde vive com os seus progenitores;
72. Sendo estimado e respeitado na comunidade de vizinhos;
73. Por se mostrar sempre disponível para os ajudar;
74. Fazendo trabalhos ocasionais de serralharia e carpintaria;
75. Há cerca de dez anos faleceu uma irmã do arguido;
76. O que lhe causou um profundo desgosto;
77. Os seus pais e restantes irmãos estão disponíveis para acolher o arguido e dar-lhe todo o apoio de que necessite;
78. Ao retirar os aparelhos de som descritos em a) a c) do ponto 6., o arguido causou estragos no sistema de som, em cuja reparação a C... despendeu € 278,50;
79. Ao retirar os transformadores e material eléctrico a que se refere o ponto 6. als. d) ee), o arguido provocou estragos nos instrumentos eléctricos, cuja assistência técnica importou em € 123,30, para a C...;
80. Em resultado da actuação do arguido descrita em 22. a 28., o gerador eléctrico da Igreja da Santíssima Trindade ficou sem funcionar;
81. Tendo o conserto do gerador importado para a lesada C..., o custo de € 25.099,92;
82. Também, enquanto decorria o arranjo do gerador, a lesada teve de alugar outro gerador;
83. No que gastou a quantia de € 13.772,07;
84. Em resultado dos factos descritos em 29. a 37., a lesada gastou € 235,66, na reparação das torneiras;
85. Em resultado dos factos descritos em 42. a 46., o arguido provocou a avaria do motor de abastecimento das bocas de incêndio;
86. Cuja reparação importou para a lesada o custo de € 202,92;
87. Em resultado da quebra das betoneiras, pelo arguido, nas circunstâncias descritas em 38. e 50. a 54., a lesada gastou € 135,72 na reposição dos vidros das mesmas.
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção do Tribunal, quanto aos factos considerados provados, teve por base os seguintes fundamentos:
No que se refere aos descritos em 1. a 11., a análise crítica e conjugada dos depoimentos da testemunha D...; B...; E..., nos termos, com a razão de ciência que serão expostos e com o auto de busca domiciliária e apreensão de fls. 78 a 83 e com o auto de exame directo dos objectos identificados em 3., 6. e 8., junto a fls. 144 e 145, no que se refere ao valor dos objectos e com o auto de reconhecimento de objectos de fls. 146, com o termo de entrega de fls. 147 e com as fotos de fls. 148 a 151 e, ainda, por presunção judicial, resultante de o arguido ter na sua posse a chave mestra e os demais objectos identificados em 3., 6. e 8., naquele dia 16 de Abril de 2010;
Ainda, no que se refere aos descritos em 9. a 11., por presunção judicial, resultante da aplicação das regras de experiência comum aos factos conhecidos que são os descritos em 1. a 8. da matéria de facto provada;
No que se refere aos descritos em 12. a 52.; 80.; 82. e 85., a análise crítica e conjugada dos depoimentos das testemunhas D...; B...; F..., G..., F..., H..., I..., J...; L...; M...; N...; O...; P..., com a razão de ciência e nos termos que se seguem:
D...é capelão e administrador do C..., desde 25 de Setembro de 2008, data em que, segundo esclareceu, o arguido já trabalhava ao serviço e por conta da C..., como vigilante-sacristão;
Esta testemunha esclareceu, quanto aos factos descritos na acusação, que tudo começou, dias depois de ter sido constatado o desaparecimento da chave mestra a que se refere o ponto 3. al. a), que se encontrava na posse do chefe dos vigilantes sacristães;
Perante a sucessão de avarias e de estragos e da sua perplexidade manifestada junto de técnicos e de empreiteiros (a quem, mais tarde, segundo esclareceu, teve de pedir desculpa), por não conseguir compreender como era possível que as instalações de alarme contra incêndio, o gerador eléctrico, as betoneiras de incêndio, o depósito de combustível sendo equipamentos novos, fabricados e instalados de acordo com a mais moderna tecnologia, estarem sempre a avariar, percebeu que nenhuma destas situações podia ter resultado de avaria técnica ou da sua utilização normal, antes todas elas foram fruto de actuação humana deliberadamente dirigida aos estragos;
Para ilustrar esta sua conclusão, relatou circunstâncias concretas reveladoras, quer de que conhece bem o modo de funcionamento dos aparelhos - betoneiras, gerador, tubos de combustível, depósito de água de emergência - quer de que tem conhecimento directo dos factos, pois que constatou, nos locais respectivos, os vidros das betoneiras partidos, tubos propositadamente cortados com objectos cortantes, ou golpeados, torneiras deliberadamente abertas e, quanto àquelas avarias que não constatou no local, percepcionou, pelas explicações que lhe foram sendo dadas pelos empreiteiros responsáveis pelo fornecimento e instalação de tais equipamentos e/ou pelos técnicos responsáveis pela manutenção desses equipamentos, que tais avarias nada tinham que ver com caso fortuito, nem podiam ter resultado do desgaste inerente à sua utilização, mas eram fruto de intervenção humana;
Esclareceu, ainda, que, quer o gerador, quer o depósito da água, quer a casa de banho existente por cima da sacristia, na Igreja da Santíssima Trindade, quer parte das betoneiras se encontravam instalados em locais de acesso restrito, aos quais só era possível aceder, com recurso à chave mestra que havia desaparecido;
Acabou por entrar em contacto com a GNR, dando notícia de que alguém andava a causar os estragos a que se refere a matéria de facto provada e que essa pessoa só podia ser funcionário do C..., porque boa parte desses estragos aconteciam em zonas de acesso reservado e acessíveis apenas a quem tivesse em sua posse a chave mestra mencionada em 3. al. a) e por fazer investigações, por sua própria iniciativa, percorrendo, de noite, sozinho, todos os locais e circuitos nos quais foram acontecendo as avarias e os estragos nos equipamentos;
Nessas suas investigações, verificou que havia câmaras de videovigilância fora dos locais onde deviam estar instaladas, em resultado do que alguns dos locais onde foram provocadas as avarias e os estragos ficaram fora do alcance dessas câmaras. Voltou a colocá-las nos seus lugares, mas verificou que as mesmas voltavam a ser mudadas de posição, depois de novos estragos, de molde a inviabilizar a visualização do autor dos mesmos;
Perante esta constatação, percebeu que, nos dias em que as anomalias no funcionamento do gerador, as inundações, a quebra das betoneiras, os cortes na tubagem que liga o combustível à bomba de água e ao gerador, se verificaram, houve sempre uma única pessoa que, ou estava de serviço nesses locais ou que havia sido visto nos mesmos, que era, justamente, o arguido;
Teve o cuidado de nunca partilhar com os restantes vigilantes sacristães, as suas suspeitas, em relação ao arguido;
Um certo dia, neste período entre Dezembro de 2009 e Abril de 2010 ouviu as comunicações via rádio entre o chefe dos vigilantes e o arguido, na qual o primeiro perguntou ao segundo onde estava, porque não se encontrava no seu local de trabalho, ao que este respondeu que tinha ido à casa de banho à Igreja da Santíssima Trindade, perante a audição desta conversa, a testemunha em causa, foi visionar as imagens do sistema de videovigilância e constatou que o arguido percorreu um circuito e entrou em compartimentos em que só podia ter entrado e ter percorrido, se estivesse na posse indevida da chave mestra, porque nesse dia, não estava de serviço na Igreja da Santíssima Trindade;
Nesse mesmo dia, mais tarde, confrontou o arguido com a circunstância de o ter visto a entrar em locais, para os quais não estava autorizado a entrar, tendo o arguido, primeiro negado ter ali estado e, de seguida, que esses locais se encontravam abertos, o que, segundo esclareceu, não correspondia à verdade;
Numa outra ocasião, em Abril de 2010, alguns dias antes da Páscoa, ouviu em alta voz uma conversa telefónica estabelecida entre o arguido e a testemunha B..., na qual o arguido referiu a esta testemunha que «andam todos atarantados no C... com aquilo que eu tenho feito, andam todos maluquinhos e eu agora vou de férias e eles pensam que eu vou ficar lá em cima, mas não vou» e, nessa mesma conversa, anunciou que iria à sala dos bombeiros e que se ia mascarar para ir pintar a capela do calvário húngaro;
E, dois ou três dias depois, a testemunha viu o arguido circular, ao volante do seu veículo automóvel, pelas ruas de Fátima;
E como o arguido tinha dito à testemunha B... que ia pintar a capela do calvário húngaro, comunicou à GNR que, no dia em que o arguido havia anunciado à testemunha B... que iria pintar as suásticas e o escrito «morte ao papa», nas paredes exteriores da capela do calvário húngaro, fez deslocar ao local os militares F..., G..., F..., H..., I..., J... que, efectivamente, viram aquelas pinturas e inscrições, tal como também se encontra fotografado a fls. 24 a 27 e na foto nº 17 de fls. 28;
B... é vigilante no C... e foi a pessoa a quem o arguido contava as avarias e os estragos que foi causando, nas betoneiras, no gerador, no quadro eléctrico, bem como a inundação na casa de banho sita no primeiro andar, junto a uma sacristia, na Igreja da Santíssima Trindade, o corte dos tubos do gerador eléctrico.
Também viu a chave mestra na carteira do arguido, porque foi este quem lha mostrou.
Quando a testemunha confrontou o arguido com o porquê de não ter entregue a chave mestra, o arguido respondeu-lhe que deixasse andar.
Esta testemunha B... viu o arguido no recinto do C..., no dia 25 de Dezembro, durante a missa da manhã, tendo garantido ao Tribunal que o arguido era o sacristão nesta missa, o que é consistente com a escala de serviço dos vigilantes-sacristães, no C... de fls. 228 referente ao dia 25 de Dezembro de 2009, da qual consta que uma troca de serviço entre o arguido e um outro colega foi dada sem efeito, ou seja, que o arguido estava de serviço no C... no dia de Natal de 2009, o que é, ainda, confirmado pelos dois documentos juntos na última sessão da audiência de discussão e julgamento, de que resulta que o arguido, no dia 25 de Dezembro de 2009 entrou ao serviço no C... pelas 06h53m e saiu, pelas 15h04m;
Cerca das 11h40m do mesmo dia, a mesma testemunha B... ouviu o arguido dizer «já foste» e, logo de seguida, começou a ouvir as comunicações, via rádio, dos seus colegas com a informação de que havia faltado a energia eléctrica na Igreja da Santíssima Trindade.
Foi também esta testemunha quem escreveu a carta anónima constante de fls. 9 a 21 que foi dirigida ao administrador do C....
Não obstante, o seu depoimento mereceu toda a credibilidade ao Tribunal, pela forma serena, desassombrada e consistente com a versão contida na carta de fls. 9 a 21, como foi prestado, sobretudo, quando conjugado com o depoimento da testemunha D...;
O depoimento da testemunha B... não é indirecto, pelo que pode e deve ser valorado (cfr., nesse sentido, por todos, Ac. da Relação de Guimarães de 25.05.2009, in http://www.dgsi.pt) e a verdade é que além de o arguido ter assumido, perante esta testemunha, a autoria da quebra dos vidros das betoneiras, de se ter apoderado da chave mestra e do cartão magnético que abrem todas as portas na Igreja da Santíssima Trindade, anunciou com antecipação factos que vieram a verificar-se exactamente como o arguido dizia que iria praticá-los, como foi o caso dos graffitis nas paredes exteriores da capela do calvário húngaro.
F..., G..., F..., H..., I..., J... são todos militares da GNR que intervieram nas diligências de busca e apreensão realizadas na residência do arguido, no dia 16 de Abril de 2010, a que se refere o auto de fls. 78 a 83; todos viram as pinturas nas paredes da capela do calvário húngaro, tal como descrito em 47. a 49., sendo que a testemunha F..., no decurso de uma vigilância a que se refere o relatório táctico de inspecção ocular de fls. 22 (que, por lapso, tem a data de 9 de Fevereiro, mas refere-se a inspecção ocular realizada em 9 de Abril de 2010, como a testemunha esclareceu em audiência), presenciou os factos descritos em 50. a 52.;
L... é vigilante-sacristão ao serviço do C..., desde 2003 e foi colega de profissão do arguido;
M... é o Encarregado Geral de Manutenção do C..., ao serviço do qual trabalha há 33 anos;
N... é irmã sacristã no C... que chefia a equipa que zela pela manutenção e conservação dos espaços litúrgicos do C..., desde há cinco anos;
O... é electricista e trabalha ao serviço do C... há 23 anos;
P... é o chefe dos vigilantes-sacristães do C... há onze anos;
Todas estas testemunhas viram os vidros das betoneiras partidos os tubos de combustível cortados, a inundação e todos os restantes estragos tal como descrito em 12. a 54. e em 80.; 82. e 85.
Todas esclareceram o Tribunal, de forma perfeitamente serena, rigorosa e com firmeza que, todos aqueles factos começaram a suceder-se, apenas depois de a chave mestra identificada em 3. al. a) ter desaparecido e cessaram por completo depois de o arguido ter sido alvo da busca domiciliária no dia 16 de Abril de 2010 e ter deixado de trabalhar ao serviço do C...;
P... relatou ainda uma conversa em que confrontou o arguido, via rádio, com a circunstância de o mesmo não se encontrar no seu posto de trabalho, ao que o arguido lhe respondeu, mentindo, que estava na casa de banho, quando, ao mesmo tempo, a referida testemunha estava a vê-lo a entrar para a sacristia dos acólitos, na igreja da Santíssima Trindade, conversa esta que foi ouvida também pela testemunha D...;
E... é a mulher do arguido e foi a pessoa que procedeu à entrega da chave mestra identificada em 3. al. a), a que se refere o auto de apreensão de fls. 91 e assistiu à diligência de busca domiciliária e apreensão, a que se refere o auto de fls. 78 a 83.
Esclareceu que foi por insistência sua que o arguido acabou por aceder em entregar a chave mestra do C..., tendo relatado que o arguido começou por recusar proceder à entrega dessa chave que veio a ser apreendida, tal como consta do auto de busca e apreensão de fls. 78 e seguintes;
Ora, tendo-se provado que em 16 de Abril de 2010, o arguido tinha em seu poder aquela chave mestra, como consta do auto de busca e apreensão de fls. 78 a 83 e não tendo dado qualquer explicação para ter na sua posse uma chave que apenas poderia estar na posse do chefe dos vigilantes, do encarregado geral de obras e do administrador do C..., sendo que o arguido não tinha qualquer destas três qualidades, outra não pode ser a explicação para tal, que o facto de ter sido o arguido quem se apoderou da mesma, tal como descrito em 3. al. a) da matéria de facto provada;
A mesma conclusão tem de retirar-se, por presunção judicial, decorrente da aplicação das regras de experiência comum aos factos conhecidos, quais sejam os de que o arguido, em 16 de Abril de 2010, também estava na posse dos objectos descritos em 6. e 8. que detinha em sua casa, sem autorização e contra a vontade do C..., tal como resulta do auto de busca e apreensão de fls. 78 a 83 e do depoimento de D....
Todas as testemunhas, D...; B...; L...; M...; N..., respectivamente, administrador e funcionários do C... que constataram os estragos enumerados em 12. a 54., esclareceram que os estragos e avarias só começaram depois de a chave mestra ter desaparecido e que, após a realização da busca e apreensão em casa do arguido, a que se refere o auto de fls. 78 a 83, de que resultou a recuperação, além de outros objectos, da referida chave mestra, não mais voltaram a verificar-se quaisquer avarias ou estragos;
Por conseguinte, outra não pode ser a conclusão, a não ser por uma estranha e improvável coincidência, que a de que foi o arguido quem praticou todos os factos enumerados em 3. a 66., uma vez que não há qualquer outra explicação possível para manter, na sua posse, durante tanto tempo, uma chave que sabia não estar autorizado a deter, mesmo no decurso da busca domiciliária, tentar ficar com a mesma em seu poder, senão para se introduzir abusivamente em zonas de acesso restrito e provocar aqueles estragos, do mesmo modo que seria coincidência excessiva e inusitada que o arguido sempre tenha estado nos locais onde esses estragos ocorreram, momentos antes de as avarias ocorrerem e serem detectadas o que também explica o porquê de ter mentido ao chefe dos vigilantes P..., quando este, por comunicação via rádio, lhe perguntou porque é que não estava no seu posto de trabalho e onde é que se encontrava.
No que se refere aos descritos nos pontos 53. e 54., porque foram presenciados pelo militar da GNR, F..., tal como consta do relatório intercalar de fls. 35 e verso e da concatenação dos depoimentos do mesmo militar da GNR, F..., com os das testemunhas G..., H... e I..., todos militares da GNR que também verificaram, no local, as betoneiras partidas, com as fotografias de fls. 41 a 43, que ilustram as duas betoneiras partidas a que aludem aqueles pontos 53. e 54. e os respectivos locais de instalação;
No que se refere aos descritos em 55., a análise conjugada dos depoimentos da testemunha P... que é a pessoa que está incumbida de autorizar as trocas de serviço entre os vigilantes do C..., com as escalas de serviço do C... de fls. 175 a 297 e S..., gestor de recursos humanos, ao serviço do C... há entre oito e nove anos;
No que se refere aos descritos em 56. a 59.; 62. a 64., por presunção judicial, resultante da aplicação das regras de experiência comum aos factos conhecidos que são os descritos em 12. a 54.;
Quanto aos descritos em 60. e 61., o depoimento da testemunha B...;
Em relação aos descritos em 65. e 66., por presunção judicial, resultante da aplicação das regras de experiência comum aos factos conhecidos que são os descritos em 1. a 54.;
Quanto ao descrito em 67. o certificado de registo criminal de fls. 171;
No que se refere ao descrito em 68. o auto de busca e apreensão de fls. 78 a 83; o auto de reconhecimento de objectos de fls. 146 e o termo de entrega de fls. 147;
Quanto aos descritos em 69. a 77., os depoimentos das testemunhas Q... e R... , irmãos do arguido;
Em relação à ocorrência de estragos no aparelho de som, bem como ao custo da sua reparação, a que alude o ponto 78., a análise crítica e conjugada dos depoimentos D... e M..., o primeiro administrador do C... e o segundo Encarregado Geral de Obras ao serviço do mesmo C... há mais de trinta anos, os quais constataram a existência desses estragos que mandaram reparar e quanto ao custo da respectiva reparação, as facturas de fls. 338 e 341, conjugadas com as notas de pagamento de fls. 339 e 342, bem como o extracto de conta bancária de que a lesada é titular no Santander Totta, das quais resulta que essas facturas foram pagas e se referem a despesas que a lesada teve com o conserto da aparelhagem de som da Igreja da Santíssima Trindade, segundo as explicações dadas pelas referidas testemunhas e ainda, pela testemunha T..., que é contabilista ao serviço do C... há 30 anos, que foi quem efectuou os lançamentos contabilísticos daquelas facturas e correspondentes pagamentos.
No que se refere aos estragos provocados pelo arguido nos instrumentos eléctricos da Igreja da Santíssima Trindade e custo da respectiva assistência, bem como ao pagamento da mesma pela lesada, a que se refere o ponto 79., a análise conjugada da factura atinente ao custo dessa assistência constante de fls. 344, ao relatório de trabalho de fls. 345, discriminativo de quais os trabalhos incluídos nessa reparação, conjugados com os depoimentos das testemunhas D... e M..., com a razão de ciência já mencionada a propósito, quer dos factos descritos em 12. a 54. e 80.; 82. e 85., quer do facto descrito em 78. e da testemunha T..., que é contabilista ao serviço do C... há 30 anos, estando incumbido de efectuar todos os lançamentos contabilísticos referentes às aquisições e despesas do C... e que confirmou que aquela factura foi paga, tal como o carimbo com a menção «recebido» nela aposta também revela;
Quanto ao custo da reparação do gerador eléctrico a que se refere o ponto 81., a análise conjugada do documento de fls. 331, que é a factura que titula o preço da reparação incluindo materiais e mão de obra usados na reparação, a qual foi paga, conforme depoimentos das testemunhas D... e T..., este último com a razão de ciência já mencionada a propósito dos factos descritos nos pontos 78. e 79.;
No que concerne ao custo do aluguer de outro gerador, a que se refere o ponto 83., o orçamento de fls. 363, conjugado com os depoimentos das testemunhas D...; T...; M... e O..., estes, com a razão de ciência já mencionada a propósito dos factos provados nos pontos 12. a 54., do que resultou que tal gerador foi alugado e o custo do aluguer foi o que foi orçamentado, como consta de fls. 363;
No que se refere ao custo da reparação das torneiras a que alude o ponto 84., a factura de fls. 324, referente a tal custo e a nota de pagamento de fls. 325, conjugadas com o depoimento da testemunha T..., este último com a razão de ciência já mencionada a propósito dos factos descritos nos pontos 78. e 79.;
Em relação ao custo da reparação do motor aludido no ponto 86., as facturas de fls. 332 e de fls. 335, com as correspondentes notas de pagamento de fls. 333 e de fls. 336, conjugadas com o depoimento da testemunha T..., que é contabilista ao serviço do C... há 30 anos, estando incumbido de efectuar todos os lançamentos contabilísticos referentes às aquisições e despesas do C... e que confirmou que aquelas facturas foram pagas, tal como os carimbos com a menção «recebido» nelas apostas também revelam;
Quanto ao custo da reposição dos vidros das betoneiras, a factura de fls. 328, referente ao custo dessa reparação, acompanhada da respectiva nota de pagamento da mesma de fls. 329, conjugadas com o depoimento da testemunha T..., este último com a razão de ciência já mencionada a propósito dos factos descritos nos pontos 78. e 79.

FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram quaisquer outros factos que não se compaginem ou não estejam incluídos na matéria de facto considerada provada, designadamente, os seguintes, alegados na acusação:
Que os factos descritos nos pontos 3. a 11. tenham sido praticados em dias diferentes, nem que os objectos descritos em 6. als. a) a f) tenham sido apropriados em dias não concretamente determinados dos meses de Novembro de 2009, nem que o amplificador descrito em 9. tenha sido retirado em data não determinada do final do mês de Fevereiro de 2010, porquanto os relatos das testemunhas que depuseram sobre estes factos já não conseguiram precisar as datas em que deram pela falta dos bens ali enumerados, sendo certo que o arguido que era a única pessoa que poderia ter esclarecido em que datas, ou data se apropriou de tais bens, não prestou quaisquer declarações e que o furto ou furtos de tais objectos não foi presenciado por ninguém, a que se soma a circunstância de que, da prova produzida, resultou que quem deu pela falta dos aparelhos e equipamentos de som descritos em 6. e 8., foi a testemunha M... e este não logrou concretizar o exacto dia em que verificou o desaparecimento de tais bens;
Também porque todas as testemunhas esclareceram que os estragos e avarias só começaram depois de a chave mestra ter desaparecido e que, após a realização da busca e apreensão em casa do arguido, a que se refere o auto de fls. 78 a 83, de que resultou a recuperação, além de outros objectos, da referida chave mestra, não mais voltaram a verificar-se quaisquer avarias ou estragos, não tendo tais depoimentos revestido um grau de precisão que tenha permitido afirmar uma data concreta para a ocorrência de tais factos, não se provou que os factos descritos em 22. a 28. tenham ocorrido exactamente, em Janeiro de 2010, nem que os factos descritos em 29. a 37., tenham sido praticados precisamente no dia 31 de Janeiro de 2010, nem que os factos descritos em 38. a 41., tenham sido praticados, concretamente, durante o mês de Fevereiro de 2010, nem que os factos descritos em 42. a 46., tenham sido praticados no dia 21 de Fevereiro de 2010;
Também não se provou que, com referência aos objectos descritos em 6. als. a) a f) «algum deste material encontrava-se em salas de acesso restrito às quais o arguido apenas teve acesso por via da chave mestra e cartão magnético de que se havia apoderado», porque do que foi possível apurar dos depoimentos das testemunhas inquiridas que estribaram a convicção dos Tribunal quanto aos factos considerados provados em 1. a 11., não foi possível concluir com precisão e segurança qual o concreto local do C... em que tais bens se encontravam.
Também não resultaram provados os prejuízos invocados no pedido cível, nos artigos 4.1.2; 4.2.2; 4.4.2; 4.8; 4.9, este, no que se refere ao custo do trabalho e do material usados para reparar e limpar as paredes da capela do calvário húngaro; 4.11, porque de todas as testemunhas inquiridas quanto a estes factos - D..., M...; N... - resultou claro que nenhum dos funcionários do C... teve de efectuar trabalho extraordinário para limpar ou reparar os estragos causados pelo arguido e que, não fora terem de desempenhar essas tarefas, sempre teriam de desempenhar quaisquer outras, no cumprimento da sua prestação laboral e durante o horário normal da mesma;
Não se provaram os factos alegados nos artigos 4.7.; 4.7.1., já que, pese embora, da conjugação do depoimento da testemunha E..., como auto de apreensão de fls. 78 a 83, tenha resultado que o arguido se apoderou da chave mestra que dava acesso a zonas de acesso restrito da Igreja da Santíssima Trindade e que se manteve na posse dessa chave indevidamente, até 16 de Abril de 2010, data em que, por força da sua apreensão, esta chave veio a ser recuperada pelo C..., essa circunstância só por si, isoladamente considerada, não implica que todas ou parte das chaves que fecham as portas do interior da Igreja da Santíssima Trindade tenham sido mudadas, em virtude do desaparecimento dessa chave (para mais que, durante algum tempo, para além do facto objectivo de a chave mestra não ser encontrada, nem sequer havia qualquer suspeita de que a mesma tivesse sido furtada, conforme foi explicado pela testemunha D...) a que acresce a circunstância de o documento de fls. 348 não conter dados de informação mais específicos que tenham permitido concluir a que tipo de chaves ou destinadas a abrir e fechar que espaços concretos do C... se refere, do mesmo modo que nenhuma das testemunhas inquiridas aludiu com precisão ou segurança a tal circunstância;
Em relação ao facto aludido no ponto 4.10. do pedido cível, o mesmo também não resulta provado, porque sobre ele não foram produzidos meios de prova esclarecedores e convincentes, adequados a demonstrá-la, fosse documental que inexiste, ou testemunhal, sendo que nenhuma das testemunhas inquiridas a ele se referiu ou revelou saber o que quer que fosse sobre ele;
Também não se provaram os factos alegados nos arts. 8º a 17º do pedido cível, porque, no que se refere aos alegados nos arts. 8º; 9º; 10º; 11º e 13º a 17º, o contrario resultou do depoimento da testemunha D... que explicou que a transmissão televisiva da missa de Natal de 2009 realizou-se, apesar do corte de energia, com recurso ao equipamento de luz, som e imagem da RTP e que as pinturas das paredes da capela do calvário húngaro foram logo limpas para evitar que fossem vistas por mais alguém, que não os militares da GNR, os quais chegaram ao local minutos depois de o arguido dali ter saído, após concluir as pinturas, segundo a hora a que este havia anunciado à testemunha B... a que se iria dirigir à capela para pintar as suásticas e os dizeres «morte ao papa», o que foi corroborado pelas testemunhas F..., G..., H... e I... e J... e M..., do que resulta, pois, que aquelas pinturas não foram vistas por mais ninguém para além dos militares da GNR e de alguns dos funcionários do C..., nem havendo notícia de que tal ocorrência tenha chegado ao conhecimento do público;
No que se refere ao alegado no art. 12° do pedido cível, porque não foi produzida prova alguma sobre tal facto.
*
Há outras afirmações contidas no despacho de acusação que não foram mencionadas, nem na matéria de facto provada, nem na matéria de facto não provada, porque se referem a meios de prova ou meios de obtenção de prova e não a factos:
É o caso da alusão a «tendo sido observado pelos guardas da GNR que ali se encontravam e por isso foi detido em flagrante delito», referindo-se ao arguido quando praticou os factos descritos nos pontos 54. e 55.;
Efectivamente, foram presenciados pelo militar da GNR, F..., tal como consta do relatório intercalar de fls. 35 e verso e da concatenação dos depoimentos do mesmo militar da GNR, F..., com os das testemunhas G..., H... e I... e com as fotografias de fls. 41 a 43;
Mas a essa circunstância já foi feita menção, na motivação da decisão de facto;
O mesmo se diga, das seguintes afirmações que passam a transcrever-se:
«No dia 16 de Abril de 2010 foram efectuadas buscas à residência do arguido tendo ali sido encontrados e apreendidos os seguintes objectos que pelo arguido haviam sido retirados do C...:
«- A chave mestra com a inscrição "winkHaus" numa das faces e com a inscrição "Porseg PX -00007100" na outra face, que serve para abrir todas as portas interiores do C...;
«- O cartão magnético que abre todas as portas codificadas e alguns elevadores do C...;
«- O par de colunas de som de fixação na parede da marca Base com os números de série 040164963560072AC e 040164963560130BC;
«- As quatro colunas independentes da marca Base;
«- O amplificador da marca Crown, profissional, com o n.º de série 800 1407191 de cor preta com dois sistemas de ventilação;
«- o amplificador/misturador da marca Yamaha, modelo AM802, com o n" de série KJO 1097 de cor preta com cabo de alimentação;
«- O rádio portátil emissor/receptor da marca Vertex Standard de cor preto. Foram também apreendidas uma lata de spray verde marca SoleorLínea acrílica de 400 ml com um autocolante na tampa tendo as inscrições "RAL 6029 Verde Menta" e uma lata de spray marca Pecfix - Esmalte Acrílico de 400 ml de cor preta que haviam sido utilizadas pelo arguido para efectuar os graffitis na Capela do Calvário Húngaro.», na medida em que estas reproduzem o conteúdo do auto de busca e apreensão de fls. 78 a 83.”
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3. Mérito do recurso:
A) - Nulidade da sentença - art 379º, nº 1, al b) do CPP - condenação por factos diversos da acusação.
O art.º 379°, n.° 1, al. b), do CPP, estatui que "é nula a sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos previstos nos artigos 358° e 359º ".
O processo penal tem estrutura acusatória ( art. 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa) e é pela acusação que se define o objecto do processo (thema decidendum).
Assim, a acusação deve conter, designadamente, a narração dos factos imputados ao arguido e as disposições legais aplicáveis aos mesmos factos (artigos 283.º, n.º 3, alíneas b) e c) e 285.º, n.º3, do Código de Processo Penal ).
De acordo com o princípio da identidade do objecto do processo, corolário do princípio da acusação, o objecto da acusação deve manter-se idêntico desde aquela até à sentença final. O princípio da vinculação temática constitui uma garantia de defesa, na medida em que impede alterações significativas do objecto de processo, alterações que prejudicariam (ou mesmo inviabilizariam a defesa.
Não obstante tal princípio, por razões de economia processual e no próprio interesse do arguido, a lei permite expressamente ao Juiz que este possa comunicar aos sujeitos processuais, quer uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia (art. 358.º do C.P.P.), quer uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia (art. 359.º do C.P.P.), mesmo no decurso da audiência de julgamento.
Nos termos do art. 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, « Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.».
E acrescenta-se no n.º 2: « Ressalva-se dos disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.».
Segundo o disposto no art. 1.º, alínea f), do C.P.P., alteração substancial dos factos é aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. Logo, alteração não substancial dos factos é a que, representando embora uma modificação dos factos que constam da acusação ou da pronúncia, não tem por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
Estatui o n.° 1 do art.º 358° do CPP que "se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa".
Logo, quer na hipótese da não alteração substancial dos factos quer na da alteração substancial dos factos, o arguido tem o direito a tomar posição sobre decisões relativas a tais questões.
Porém, a dimensão do objecto do processo cuja alteração se repercute irreparavelmente na estratégia da defesa, e por isso só pode ser alterada em casos específicos, é a dimensão da alteração dos factos que consubstancia uma descrição da acção típica relevante.
Neste sentido, se o tribunal descreve os mesmos factos por outras palavras, ou confere maior pormenor ao relato apenas para precisar os termos da acção, mas sem acrescentar nada de novo à descrição da acção típica relevante, não ocorre alteração substancial ou não substancial da matéria de facto - cfr. Ac. Rel Coimbra de 23-05-2012
Reportando-nos aos autos verifica-se na sentença apenas uma concretização no âmbito do período temporal, da prática dos factos, assinalado na acusação, assim como uma mera concretização da localização da casa de banho, no C....
Assim, no ponto 6 do acórdão ficou provado que o recorrente retirou os objectos aí descritos do interior da Igreja da Santíssima Trindade “em dia não concretamente apurado, no período compreendido entre o mês de Dezembro de 2009 e o dia 16 de Abril de 2010”; na acusação referia-se que ele o fez “em dias não concretamente determinados dos meses de Novembro e Dezembro de 2009”',
Nos pontos 7 e 8 do acórdão ficou provado que o recorrente retirou um amplificador da Capela do Calvário Húngaro “em dia não concretamente apurado, no período compreendido entre o mês de Dezembro de 2009 e o dia 16 de Abril de 2010”; na acusação referia-se que ele o fez “em data não determinada do final do mês de Fevereiro de 2010”;
Nos pontos 22 e seguintes do acórdão ficou provado que o recorrente cortou dois tubos de óleo de um gerador eléctrico “em data não determinada, mas no período compreendido entre o mês de Dezembro de 2009 e o mês de Abril de 2010”; na acusação referia-se que ele o fez “em data não determinada do mês de Janeiro de 2010”;
No ponto 38 do acórdão ficou provado que o recorrente partiu os vidros de várias botoneiras“em datas não concretamente apuradas, mas no período compreendido entre Dezembro de 2009 e Abril de 2010, em vários dias diferentes”; na acusação referia-se que ele o fez “durante o mês de Fevereiro de 2010, em vários dias não concretamente determinados”;
Nos pontos 42 e seguintes do acórdão ficou provado que o recorrente arrancou os tubos de um motor de abastecimento de combustível “em data não concretamente apurada, mas no período compreendido entre Dezembro de 2009 e Abril de 2010”; na acusação referia-se que ele o fez “no dia 21 de Fevereiro de 2010”;
Nos pontos 29 e seguintes do acórdão ficou provado que o recorrente provocou uma inundação numa casa de banho “sita no primeiro andar da Igreja da Santíssima Trindade”; na acusação não se especificava onde se situava, dentro do C..., a casa de banho que veio a sofrer tal inundação.
Não se nos afigura, pois, que a pormenorização acrescentada à acusação, altera o núcleo da acção típica do crime imputado ao arguido, mormente dos respectivos elementos objectivo e subjectivo.
Consequentemente não se impunha a comunicação a que se refere o art 358º do CPP.
Improcede neste segmento o recurso interposto pelo arguido.
*
B) - Nulidade do acórdão - artigo 122.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, - prova nula e proibida pelos artigos 125.° e 129.°, n.° 1, do Código de Processo Penal
A prova testemunhal, que constitui um dos meios de prova previstos no título II do código penal português, “consiste na narração dos factos juridicamente relevantes de que a testemunha tomou conhecimento através dos sentidos. O objecto do depoimento são os factos de que a testemunha tenha conhecimento directo e que constituam objecto de prova.” Processo Penal Elementar, Henriques Eiras, pág 142.
O que resulta de forma evidente do disposto no artº 128º, nº 1 CPP: a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova". Tem-se conhecimento directo de um facto quando dele se colheu percepção através dos sentidos, isto é, quando a apreensão do facto se opera de forma imediata, por intermédio da visão, audição, tacto, etc.
A testemunha tal como resulta da lei, não depõe para dar a sua opinião, mas apenas para relatar factos de que tem conhecimento directo.
Por outro lado, "Constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime" - artº 124º, nº 1, do CPP.
O testemunho de “ouvir dizer” não se confunde com o depoimento indirecto.
Não constitui depoimento indirecto, a afirmação de uma testemunha do que ouviu directamente da boca do arguido sobre a prática de factos integrantes do crime, pelo que um tal depoimento constitui prova que é legalmente admissível, sendo valorado dentro da livre apreciação pelo Tribunal, nos termos do art. 127º do C. P. Penal
Em suma, quando uma testemunha refere o que ouviu dizer ao arguido, que está presente, não se pode qualificar tal como testemunho de ouvir dizer, só porque o arguido optou pelo direito ao silêncio.
De qualquer modo, ainda que se entendesse que se tratava de depoimentos “indirectos” e “por ouvir dizer” – ideia que não subscrevemos – o Tribunal Constitucional tem defendido o seguinte:
a) No Ac. n.º 213/94, DR., II Série, de 23.08.1994, e no BMJ 435, pág. 155 e ss, julgou inconstitucional a norma do n.º1, parte final, do artigo 129º do Código de Processo Penal, enquanto interpretada pelo acórdão recorrido no sentido de admitir que possa servir como meio de prova o depoimento que resultar do que se ouviu dizer a pessoa determinada quando a inquirição desta pessoa não for possível por impossibilidade de ser encontrada, mesmo que esta pessoa seja um co-arguido e o depoente seja um agente da polícia judiciária que com ela contactou quando, na situação de detida, aguardava o primeiro interrogatório judicial.
b) No Ac. n.º 440/99, DR., II Série, de 09.11.1999, e no BMJ 489, pág. 5, decidiu:
“Há, assim, que concluir que o artigo 129º, n.º 1 (conjugado com o artigo 128º, n.º 1, do Código de Processo Penal), interpretado no sentido que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indirectos de testemunhas, que relatem conversas tidas com um co-arguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio, não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido. Não o atinge, ao menos na dimensão em que essa norma foi aplicada ao caso.
Por isso, não havendo um encurtamento inadmissível do direito de defesa do arguido, tal norma não é inconstitucional.
Ao contrário do afirmado pelo recorrente, tendo já declarado a sua opção pelo direito ao silêncio, não estava o tribunal recorrido obrigado a questioná-lo expressamente sobre as afirmações da testemunha B..., sob pena de aparente pressão no sentido de limitar aquele direito. O arguido não pode pretender que o direito ao silêncio inclua o direito a uma surdez de que não padece. O que o seu defensor não ignora, incumbindo-lhe uma actuação atenta e eficaz na defesa do arguido.
Optou pela inactividade e pela manutenção do silêncio perante as declarações da testemunha B..., pelo que lhe resta arcar com as consequências da sua atitude processual, de sua única responsabilidade.
Recorde-se que o depoimento da testemunha B... se reportou não apenas aos estragos que observou tal como o arguido lhe relatava e anunciava - vd expressões transcritas na decisão recorrida -, mas também à exibição da chave mestra de que se apoderara e que guardava para se introduzir nos lugares de acesso restrito onde os danos ocorreram.
A prova é pois válida e não existe a nulidade apontada.
Improcede também este segmento do recurso interposto pelo arguido.

C) Impugnação da matéria de facto – dos pontos 3 a 11 e dos pontos 12 a 52, 55 a 66.
A sindicância da matéria de facto pode efectuar-se por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
Nos termos do artº 412º nº3 do CPP, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
O recorrente impugna os factos provados 3 a 11 e dos pontos 12 a 52, 55 a 66, ou seja todos os factos com relevância para a incriminação.
De todo o modo é claro que não pretende que a Relação proceda a um novo julgamento da matéria de facto, decidindo, através da consulta do registo de toda a prova e dos elementos dos autos, quais os factos que considera «provados» e «não provados». É que “o julgamento a efectuar em 2ª instância está condicionado pela natureza própria do meio de impugnação em causa, isto é, o recurso… Na verdade, seria manifestamente improcedente sustentar que o recurso para o tribunal da Relação da parte da decisão relativa à matéria de facto devia implicar necessariamente a realização de um novo julgamento, que ignorasse o julgamento realizado em 1ª instância. Essa solução traduzir-se-ia num sistema de “duplo julgamento”. A Constituição em nenhum dos seus preceitos impõe tal solução…” – ac. TC de 18-1-06, DR, 1.ª série de 13-4-06.
Por isso é que as als. a) e b) do nº 3 do art. 412 do CPP dispõem que a impugnação da matéria de facto implica a especificação dos «concretos» pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados e das «concretas» provas que impõem decisão diversa. Este ónus tem de ser observado para cada um dos factos impugnados.
Deve ainda o recorrente expor as razões pelas quais as provas que indica impõem decisão diferente da tomada pelo tribunal, relacionando cada concreto meio de prova com cada facto que considera incorrectamente julgado e em que sentido devia ter sido a decisão (cfr. Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, pág. 1135).
É que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução.
E no que respeita às duas últimas especificações, impõe ainda o nº 4 do art. 412º do C. Processo Penal que o recorrente faça referência ao consignado na acta da audiência de julgamento, e indique concretamente as passagens em que se funda a impugnação [como bem se compreende, são elas as que serão ouvidas e/ou visualizadas pelo tribunal de recurso, sem prejuízo da audição de outras que este venha a considerar relevantes (nº 6 do mesmo artigo)].
A lei não comete ao Tribunal da Relação a função de efectuar novo julgamento, mas apenas a aliás importante função de corrigir erros de julgamento que se não fossem rectificados poderiam consubstanciar flagrantes e intoleráveis erros judiciários.
Insurge-se o recorrente contra a apreciação da prova levada a efeito pelo tribunal a quo, invocando a violação do artigo 127º do CPP, na medida em que teriam sido contrariadas as regras da lógica e da experiência comum, convocando para tanto as declarações integrais das testemunhas D..., B..., F..., G..., H..., I..., J..., L..., M..., N..., O... e P.... Afirma que nenhuma dessas testemunhas viu o recorrente a praticar tais factos.
O que aliás já resulta da motivação da decisão recorrida.
Conclui o recorrente que, só por si, os depoimentos das testemunhas referidas não podem conduzir à certeza de que o recorrente praticou os factos narrados nos pontos impugnados.
Porém, para além de tais depoimentos, o tribunal a quobaseou-se também na prova resultante das apreensões efectuadas na residência do recorrente, aquando da busca domiciliária, nomeadamente na chave mestra identificada no ponto 3, alínea a), dos factos provados.
Acresce que as testemunhas inquiridas, sem qualquer hesitação, atestaram perante o Tribunal todo o encadeado dos factos dados como provados, situando o início dos estragos verificados em zonas de acesso restrito, logo após o desaparecimento da chave mestra, e o termo dos mesmos estragos, após a detenção e apreensão da chave mestra ao arguido.
Ademais, o depoimento da testemunha B... não se resumiu às declarações do arguido como acima se assinalou -viu nas mãos do arguido a chave mestra apreendida e a que não tinha acesso pertencente à C..., questionando-o até sobre tal circunstância.
Certo é também que para além da prova directa o tribunal também pode e deve socorrer-se da prova indiciária.
A este propósito escreveu-se no acórdão da Rel de Coimbra de 6-02-2013 - Relator Des. Jorge Dias:
“São bastantes os indícios quando se trata de um conjunto de elementos convincentes de que o arguido praticou os factos incrimináveis que lhe são imputados; por indícios suficientes entendem-se vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes, para convencer de que há crime e é o arguido responsável por ele.
Na verdade, conforme refere Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, pág. 82) é clássica a distinção entre prova directa e prova indiciária. Aquela refere-se aos factos probandos, ao tema da prova, enquanto a prova indirecta ou indiciária se refere a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova.
Assim, se o facto probatório (meio da prova) se refere imediatamente ao facto probando fala-se de prova directa, se o mesmo se refere a outro do qual se infere o facto probando fala-se em prova indirecta ou indiciária.
O indício não tem uma relação necessária com o facto probando, pois pode ter várias causas ou efeitos, e, por isso, o seu valor probatório é extremamente variável. Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervém a inteligência e a lógica do juiz. Porém, qualquer um daqueles elementos intervém em momentos distintos.
Em primeiro lugar é a inteligência que associa o facto indício a uma máxima da experiência ou uma regra da ciência; em segundo lugar intervém a lógica através da qual, na valoração do facto, outorgaremos à inferência feita maior ou menor eficácia probatória.
A associação que a prova indiciará proporciona entre elementos objectivos e regras objectivas leva alguns autores a afirmar a sua superioridade perante outro tipo de provas, nomeadamente prova directa e testemunhal, pois que aqui também intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será muito mais perigoso de determinar, como é o caso da credibilidade do testemunho (Mittermaier Tratado de la Prueba em Matéria Criminal).
De acordo com André Marieta (La Prueba em Processo Penal, pág. 59) são dois os elementos da prova indiciária:
a. - Em primeiro lugar, o indício que será todo o facto certo e provado com virtualidade para dar a conhecer outro facto que com ele está relacionado. Na definição de Delaplane será o vestígio, circunstância e em geral todo o facto conhecido ou melhor devidamente comprovado, susceptível de levar, por via da inferência ao conhecimento de outro facto desconhecido.
O indício constitui a premissa menor do silogismo que, associado a um princípio empírico ou a uma regra da experiência, vai permitir alcançar uma convicção sobre o facto a provar. Este elemento de prova requer em primeiro lugar que o indício esteja plenamente demonstrado, nomeadamente através de prova directa (v.g. prova no sentido de que o arguido detinha em seu poder objecto furtado ou no sentido de que no local foi deixado um rasto de travagem de dezenas de metros).
O que não se pode admitir é que a demonstração do facto indício que é a base da inferência seja também ele feito através de prova indiciária atenta a insegurança que tal provocaria.
b. Em segundo lugar é necessária a existência da presunção que é a inferência que obtida do indício permite demonstrar um facto distinto. A presunção é a conclusão do silogismo construído sobre uma premissa maior: a lei baseada na experiência; na ciência ou no sentido comum que apoiada no indício-premissa menor - permite a conclusão sobre o facto a demonstrar.
A inferência realizada deve apoiar-se numa lei geral e constante e permite passar do estado de ignorância sobre a existência de um facto para a certeza, ultrapassando os estados de dúvida e probabilidade.
A prova indiciária realizar-se-á para tanto através de três operações. Em primeiro lugar a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência ou da ciência que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento.
A lógica tratará de explicar o correto da inferência e será a mesma que irá outorgar à prova a capacidade de convicção.
A nossa lei processual penal não faz qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indiciária, cujos funcionamento e creditação estão dependentes da convicção do julgador que, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objectivável e motivável.
Segundo Marques da Silva o juízo sobre a valoração da prova processa-se em vários níveis. Na base trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova, depende substancialmente da imediação e intervêm elementos não racionais explicáveis. Num segundo nível inerente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio que há-de fundamentar-se nas regras da lógica, princípio da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão, regras da experiência.
Porém o facto de também relativamente à prova indirecta funcionar a regra da livre convicção não quer dizer que na prática não se definam regras que, de forma alguma se poderão confundir com a tarifação da prova. Assim, os indícios devem ser sujeitos a uma constante verificação que incida não só sobre a sua demonstração como também sobre a capacidade de fundamentar uma lógica dedutiva; devem ser independentes e concordantes entre si.
Como salienta o acórdão do STJ de 29-02-1996, anotado e comentado na "Revista Portuguesa de Ciência Criminal", Ano 6º, fascículo 4º, pág. 555 e seguintes, "a inferência na decisão não é mais do que ilação, conclusão ou dedução, assimilando-se todo o raciocínio que subjaz à prova indirecta e que não pode ser interdito à inteligência do juiz".
Nada impedirá, porém, que devidamente valorada a prova indiciária a mesma por si, na conjunção dos indícios permita fundamentar a condenação (conforme Mittermaier "Tratado de Prueba em Processo Penal pág. 389) - (in Acórdão da Relação de Coimbra de 9 de Fevereiro de 2000, Colectânea de Jurisprudência, Ano XXV, Tomo I, Pág. 51).
Ora, para além da prova já mencionada, importa salientar que no dia 15/04/2010, o arguido, face ao “ modus operandi" e aos sucessivos e avultados estragos nas instalações, designadamente na Igreja da Santíssima Trindade, aí foi surpreendido e detido, em flagrante delito, pelos militares da GNR, a quebrar o vidro de betoneiras de alarme.
O que nos remete para a motivação, na perspectiva equacionada pelo recorrente, concluindo-se que a sentença recorrida está bem fundamentada, alicerçada em abundante prova devidamente valorada, reflectindo um raciocínio claro e lógico.
Bem andou pois o tribunal recorrido nas ilações que retirou da provada conduta do arguido.
Acresce que o tribunal recorrido não teve qualquer dúvida na decisão que tomou.
Aliás, não é qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido. Na realidade, a dúvida tem que assumir uma natureza irredutível, insanável, sem esquecer que, nos actos humanos, nunca se dá uma certeza contra a qual não haja alguns motivos de dúvida – cfr., a este propósito, Cristina Monteiro, “In Dubio Pro Reo”, Coimbra Editora, 1997.
De acordo com Cavaleiro Ferreira, «Lições de Direito Penal», I, pág. 86, este princípio respeita ao direito probatório, implicando a presunção de inocência do arguido que, sendo incerta a prova, se não use um critério formal como resultante do ónus legal de prova para decidir da condenação do arguido que terá sempre de assentar na certeza dos factos probandos.
O julgador deve decidir a favor do arguido se, face ao material probatório produzido em audiência, tiver dúvidas sobre qualquer facto.
Como é sabido, um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido, conforme ensina Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, I, pág. 213 – já Ulpiano dizia “é melhor um crime impune do que um inocente castigado”. Lendo a fundamentação da decisão ora em crise, facilmente é constatado que o tribunal a quo não ficou com dúvidas sobre a matéria de facto.
Pelo exposto, improcede também neste segmento o recurso do arguido.
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C1) Impugnação da matéria de facto – ponto 83.
Conforme consta da motivação da decisão recorrida o tribunal a quo “No que concerne ao custo do aluguer de outro gerador, a que se refere o ponto 83., o orçamento de fls. 363, conjugado com os depoimentos das testemunhas D...; T...; M... e O..., estes, com a razão de ciência já mencionada a propósito dos factos provados nos pontos 12. a 54., do que resultou que tal gerador foi alugado e o custo do aluguer foi o que foi orçamentado, como consta de fls. 363”.
Assim, para dar como provado o facto do ponto 83, o tribunal a quobaseou-se no orçamento de fls. 363, conjugado com os depoimentos das testemunhas supra referidas.
Ora, o orçamento de fls. 363 é um documento particular que conjugado com os depoimentos de M... e O... - que declararam que a lesada teve que alugar um gerador - é suficiente para que o tribunal a quo haja considerado provado o custo do aluguer referido no ponto 83.
Consequentemente, tem-se por fixada a matéria de facto.
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D) Do princípio da proibição de reformatio in pejus, consagrado no artigo 409.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, por agravamento do valor da indemnização em que o recorrente tinha sido condenado no anterior acórdão do tribunal a quo, de 29/02/2012.
No anterior acórdão do tribunal de l.a instância, o arguido tinha sido condenado a pagar à ofendida uma indemnização no valor de 39.747,84 €.
No acórdão recorrido a obrigação de o recorrente indemnizar a ofendida manteve- se, mas foi agravada para o valor de 39.847,99 €.
É claro que a norma do art 409º, nº 1 do CPP se refere expressamente às sanções constantes da decisão recorrida.
Porém, no seguimento da tese defendida por PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Com. Código de Processo Penal, p. 1035, e pelo recorrente, entendemos que a proibição de reformatio in pejus é aplicável, por interpretação extensiva, ao agravamento da condenação em indemnização civil.
Tem pois razão o recorrente quando afirma que a possibilidade de reformatio in pejus por via indirecta é também vedada pelo artigo 409.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, sendo que entendimento contrário é inconstitucional, por violação do artigo 32.°, n.° 1, da Constituição. [Nota: No acórdão n.° 236/2007, disponível em www.tribunalconstitudonal.pt, o Tribunal Constitucional formulou um juízo de inconstitucionalidade semelhante.]
Assim, a considerar-se a diferença de valores acima indicada como agravamento, violaria a proibição legal de reformatio in pejus.
Todavia, é manifesto que a diferença encontrada se reporta a mero erro aritmético na operação de soma, cujo total, aliás, é de 39.848,09 €, lapso que agora se corrige ao abrigo do disposto no artigo 249º, do Código Civilpor força da remissão contida no artigo 4º, do Código de Processo Penal.
Improcede também este segmento do recurso interposto pelo arguido.
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E) Violação da norma do artigo 51.°, n.° 2, do Código Penal, por subordinar a suspensão da execução da pena de prisão ao dever de pagar à ofendida a totalidade da indemnização fixada no montante de € 39.848,09, em quatro prestações anuais, até ao último dia útil de cada ano.
A suspensão da execução da pena de prisão pode ser simples ou com imposição de deveres (artigo 50.º, n.ºs 2 e 3, do Código Penal).
Para esta segunda modalidade dispõe o artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal que «a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente, pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea».
O referido dever tem pois, primacialmente, uma finalidade reparadora, através da qual acaba por reforçar a finalidade da pena, de protecção dos bens jurídicos e da reintegração do agente na sociedade.
Assim, o pagamento da indemnização, na medida em que representa um esforço ou implica até um sacrifício para o arguido, no sentido de reparar as consequências danosas da sua conduta, funciona não só como reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição, mas também como elemento pacificador, neutralizando o efeito negativo do crime e apresentando-se, assim, como meio idóneo para dar satisfação suficiente às finalidades da punição, respondendo, nomeadamente, à necessidade de tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas da comunidade - Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/10/1999, proc. n.º 665/99, sumariado por Leal-Henriques e Manuel e Simas Santos, Código Penal Anotado, 3.ª Edição, 1.º Volume, Editora Rei dos Livros, 2002, p. 681.
Trata-se da função adjuvante da realização da finalidade da punição e já não de reeditar a tese do carácter penal da indemnização civil proveniente de um crime que o artigo 129.º do Código Penal quis postergar - Prof Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 353.). ob. e loc. cit.).
Além de que o condicionamento da suspensão de execução da pena ao pagamento da indemnização devida pelo condenado em consequência da prática do crime somente adquire justificação à luz dos fins gerais das penas, nunca como instrumento de eficácia na cobrança coerciva da indemnização.
Aliás, são estes os motivos que fundamentam a jurisprudência - com a qual concordamos - que vem entendendo que a fixação do montante da indemnização que condiciona a suspensão de execução de uma pena de prisão se deve reger por critérios de razoabilidade, proporcionalidade e exigibilidade face à concreta situação económica do condenado (cfr, neste sentido, acórdãos da Relação de Coimbra de 15/6/2005, in C.J., 2005, III, pg. 48, da Relação de Lisboa de 10/10/2006, in C.J., 2006, IV, pg. 116, e de 5/3/2008, in C.J., 2008, II, pg. 135, da Relação de Guimarães de 23/4/2007, in C.J., 2007, II, pg. 293; e acórdão do STJ de fixação de jurisprudência nº 8/2012).
Logo, a obrigação reclama um juízo de prognose de razoabilidade da satisfação da condição legal por parte do condenado, que tenha em consideração a sua concreta situação económica, presente e futura.
Daí também que o artigo 51.º, n.º 2, do Código Penal estabeleça que «os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir».
E, por isso, a alínea a), do n.º 1, do artigo 51.º, prevê que o tribunal fixe o dever de pagar a indemnização devida, no todo ou na parte que considerar possível (e até aos limites que se lhe tornarem possíveis).
Com efeito, a necessidade de prever o pagamento parcial responde aos casos em que o arguido não pode pagar na totalidade. Na Comissão de Revisão do Código Penal, Figueiredo Dias referiu que no Código Alemão se recolhe a ideia de que o arguido deve proceder ao pagamento segundo aquilo que puder e de acordo com as suas forças ( Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Rei dos Livros, p. 48.), ideia que foi acolhida no nosso Código.
A suspensão é compatível com um pagamento parcial se o tribunal concluir que só este é concretamente exigível.
Para que o tribunal fixe o dever, total ou parcial, de indemnizar é necessário que averigúe a situação económica do condenado.
Reportando-nos ao caso dos autos, à luz dos critérios e soluções legais expostas é de aplaudir que a suspensão da execução da pena tenha sido subordinada à obrigação de pagamento de indemnização ao lesado.
Contudo, importa cuidar que a indemnização fixada não ultrapasse as reais capacidades de pagamento do recorrente e se torne assim uma condição irrazoável, em violação do disposto no art.º 51.º, n.º 2, do Código Penal.
Ora, segundo os factos provados - 69 a 77 - o arguido na sequência dos factos a que os autos se reportam separou-se da sua mulher, regressou à aldeia de onde é natural e onde vive com os seus pais. Faz trabalhos ocasionais de serralharia e carpintaria. Os seus pais e restantes irmãos estão disponíveis para acolher o arguido e dar-lhe todo o apoio de que necessite.
A conjuntura económica do País, não permite actualmente se presumam rendimentos superiores ao salário mínimo, pois é facto notório que o sector da carpintaria foi também atingido pela crise.
Considerando que o arguido vive com os pais fazendo apenas trabalhos ocasionais, impõe-se concluir por presunção que terá quando muito ao seu dispor o equivalente ao salário mínimo.
Porém, é óbvio que nem os pais nem os irmãos devem ser sujeitos ao mesmo sacrifício que o arguido.
Assim, basta comparar aquele valor com o disposto no art.º 824.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil, que declara impenhoráveis dois terços do salário do executado, para se sentir que o ónus de indemnizar posto a cargo do arguido na sentença recorrida é excessivo.
Pelo que, ponderados todos os critérios supra enunciados, se nos afigura mais ajustado impor o pagamento à lesada de 2.400 Euros em cada um dos quatro anos que se seguirem ao trânsito em julgado da decisão, o que equivale a 200 € por mês.
O que representa ainda um sacrifício, obstando a que se considere a condição como confortável, sem no entanto privar o arguido do mínimo de subsistência ( vd PP Albuquerque, Com Código Penal, pág 196).
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III. Dispositivo:
Posto o que precede, os Juízes que compõem a 5.ª Secção - Criminal - da Relação de Coimbra, concedem parcial provimento ao recurso, e sujeitam a suspensão da execução da pena ao pagamento pelo arguido à lesada de 2.400 Euros (dois mil e quatrocentos euros) em cada um dos quatro anos que se seguirem ao trânsito em julgado da decisão. Mais rectificam o valor da indemnização fixada para o montante de € 39.848,09, a que não obstante o condicionamento da suspensão agora decidido, o arguido continua obrigado a pagar.
No mais se mantendo tudo o decidido no acórdão recorrido.
Sem tributação.
Coimbra, 2/10/2013
(Isabel Valongo - Relatora)
(Fernanda Ventura)