Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2083/14.0T8CBR.C3
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: CUSTAS DE PARTE
NOTIFICAÇÃO
MANDATÁRIO JUDICIAL
Data do Acordão: 03/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE DO TRIBUNAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 25.º DO REGULAMENTO DE CUSTAS PROCESSUAIS, 31.º, N.º 1, DA PORTARIA N.º 419-A/2009, DE 17 DE ABRIL, E 247.º, DO CPC.
Sumário: A nota de custas de parte não tem que ser directamente notificada à parte que tenha constituído mandatário judicial, sendo suficiente a notificação deste.
Decisão Texto Integral:









Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra



Nos presentes autos de acção executiva para prestação de facto que AA e mulher BB, deduziram contra CC e mulher DD e EE e mulher FF, já todos identificados nos autos, foi, neste Tribunal da Relação, proferido o Acórdão que antecede, de fl.s 1094 a 1099, que considerou que os exequentes estavam em tempo de apresentar a nota de custas de parte que haviam junto aos autos, com o fundamento em que ainda não havia sido proferido despacho a determinar a responsabilidade pelas custas devidas e respectiva proporção e que a decisão ali recorrida havia considerado extemporânea.


Transitado tal Acórdão e após a baixa dos autos à 1.ª instância, cf. despacho de fl.s 1184/5, datado de 25 de Junho de 2020, a M.ma Juiz a quo, fixou a responsabilidade pelas custas devidas, ficando as mesmas a cargo dos executados, como melhor ali explicitado.
No seguimento do que ordenou a notificação dos exequentes para que:
“(…) tendo como referência as despesas do processo executivo constantes da cota de 14-02-20, notifique os exequentes para, em 10 dias, juntarem a este processo e notificarem também as respectivas partes:
- da NOTA de Custas de Parte respeitante aos 1.ºs executados CC e mulher DD;
- e da NOTA de Custas de Parte relativa aos 2.ºs executados EE e mulher FF.”.


Na sequência do que, em 07 de Setembro de 2020 (cf. fl.s 1186 a 1191), os exequentes, vieram juntar aos autos, notificando via Citius os Mandatários dos executados, a Nota de Custas de Parte, relativa a cada um dos 1.º e 2.º executados (fl.s 1188 a 1191), de que ambos os executados vieram reclamar, alegando que não estavam elaboradas em conformidade com os preceitos legais aplicáveis, por não serem individualizadas e que incluíam despesas não elegíveis (executados EE e mulher) e que os exequentes não procederam à notificação directa dos executados, o que é exigido (executados CC e mulher).


Após vicissitudes processuais que nada contendem com a apreciação deste recurso, cf. fl.s 1273, foi proferido despacho a ordenar a notificação dos exequentes para que, em 10 dias, juntassem novamente as Notas de Custas de Parte respeitantes aos 1.os e 2.os executados “que devem estar individualizadas”.
Na sequência do que, em 14 de julho de 2021 (fl.s 1274 a 1278 v.º), os exequentes, de forma individualizada, vieram apresentar as referidas Notas de Custas de Parte), desta feita, acompanhadas de notificação postal a cada um dos executados, (o que comprovam, cf. fl.s 1275 e v.º e 1277 e v.º).


Os executados CC e mulher, vieram requerer que os exequentes fossem notificados para juntar a Nota apresentada em 07 de Setembro de 2020 e não a actual, porque naquela não procederam à notificação directa dos executados, o que constitui nulidade insuprível.
Os exequentes vieram referir que se limitaram a cumprir o que lhes havia sido determinado.


Conclusos os autos à M.ma Juiz, a mesma, no que aqui releva, cf. despacho de fl.s 1286 a 1293, datado de 14 de Outubro de 2021 (aqui recorrido) decidiu o seguinte:
“Pelo exposto, julgo procedentes as reclamações às Notas de Custas de Parte, apresentadas em 21-09-2020, pelos executados CC e DD e EE e FF, não se processando o pagamento das custas de parte reclamadas pelos exequentes através do mecanismo previsto no artigo 25.º e seguintes, do Regulamento das Custas Processuais.”.
Resumidamente, assenta a decisão no facto de considerar ser insuficiente a mera notificação electrónica via Citius, em cumprimento do disposto no artigo 221.º do CPC, para a notificação à contraparte, da apresentação da Nota das Custas de Parte, defendendo ser exigida a notificação da própria parte, que não é substituída pela notificação efectuada através do mandatário, devendo ser efectuada uma notificação autónoma para a própria parte, socorrendo-se do decidido nos Acórdãos da Relação do Porto de 09/01/2017 e de 18/04/2017 e da Relação de Évora, de 12/04/2018.


Inconformados com a mesma, interpuseram recurso os exequentes AA e mulher BB, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo – (cf. despacho de fl.s 1315), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:
(…)
Dispensados os vistos legais, há que decidir.
Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se a nota de custas de parte deve ser directamente notificada à parte devedora ou se basta com a notificação ao respectivo mandatário.


A matéria de facto a ter em conta é a que consta do relatório que antecede.


Se a nota de custas de parte deve ser directamente notificada à parte devedora ou se basta com a notificação ao respectivo mandatário.
Defendem os recorrentes que do teor dos artigos 25.º do RCP e 31.º, n.º 1, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, conjugados com o disposto no artigo 247.º, do CPC, por contraposição ao estatuído no artigo 31, n.º 1, do RCP, resulta que basta a notificação ao mandatário da parte, da junção da nota de custas de parte.
Ao invés, na decisão recorrida, com o aplauso dos executados que contra-alegaram, com base nas mesmas disposições, considerou-se que o apresentante da nota de custas de parte, tem de notificar directamente a parte devedora, da junção da referida nota, sob pena de a respectiva junção aos autos não poder ser considerada como validamente apresentada e, consequentemente, não poderem ser processadas/pagas.


Como resulta do teor da decisão recorrida, das alegações e das contra-alegações apresentadas grassa profunda divisão na jurisprudência acerca de tal questão, existindo inúmeras decisões, quer num sentido quer noutro.
No sentido de que é exigida a notificação da junção da nota de custas de parte, directamente ao devedor, podem ver-se, entre outros, os Acórdãos da Relação do Porto, de 09 de Janeiro de 2017, Processo n.º 1388/09.3TBPVZ-A.P1; de 18 de Abril de 2017, Processo n.º 13884/14.6T8PRT-A.P1; da Relação de Évora, de 21 de Setembro de 2021, Processo n.º 45/15.6JAFAR-D.E1 e de 12 de Abril de 2018, Processo n.º 716/17.2T8SLV-A.E1; da Relação de Lisboa, de 10 de Outubro de 2019, Processo n.º 1242/12.1TVLSB-C.L1-6 e deste Tribunal da Relação de Coimbra, de 05 de Maio de 2020, Processo n.º 1310/16.0T8PBL-A.C1, todos disponíveis nos respectivos sítios do itij.
Esta, é, também, a posição defendida por Salvador da Costa, As Custas Processuais, 8.ª Edição, Almedina, 2021, a pág. 166, ali se referindo que:
“… não basta para o referido efeito, que o mandatário da parte vencida conheça aquela nota, exigindo-se a notificação daquela, não pelo tribunal via CITIUS, ou nos termos do disposto no artigo 221.º do CPC, mas por ato próprio da parte credora dirigido à parte devedora.
A obrigação da parte vencida de pagamento das custas de parte em causa vence-se com recebimento por ela daquela nota, recebimento que funciona como interpelação para o atinente cumprimento, nos termos do n.º 1 do artigo 805.º do CC”.


No sentido de que, no caso de a parte ter mandatário constituído, basta para se dar cumprimento ao disposto no artigo 25.º do RCP, que seja enviada a nota de custas de parte ao seu mandatário, valendo este envio como se o tivesse sido à própria parte, podem ver-se, exemplificativamente, o Acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra, de 20 de Abril de 2016, Processo n.º 2417/07.0TBCBR-C.C1; da Relação de Lisboa, de 18 de Novembro de 2021, Processo n.º 2766/16.7T8VFR-A.L1-2 e da Relação de Guimarães, de 21 de Outubro de 2021, Processo n.º 322/19.7T8VNF-B.G1, disponíveis no mesmo sítio dos acima citados.


Resumidamente, para os defensores da primeira opção, exige-se a notificação directa à parte devedora, não bastando a efectuada na pessoa do seu mandatário, porque no artigo 25.º, n.º 1, do RCP, se dispõe que a parte devedora receberá uma notificação pessoal, autónoma; porque sendo apenas remetida a notificação ao tribunal, a parte devedora poderá ou não considerar cumprido, quanto a si, o disposto no artigo 25.º, n.º 1, do RCP; porque a notificação da junção da nota de custas de parte é uma interpelação para pagamento, pelo que terá de ser pessoal e inequívoca e ainda porque é a que está mais próxima do texto da lei, gera menos dúvidas na mente do destinatário e fixa o prazo a partir do qual, a parte pode reclamar da nota de custas que lhe foi enviada.
Por último, aduz-se, ainda, que inexistindo esta notificação pessoal e autónoma, não se forma título executivo, porque a nota de custas de parte só adquire eficácia executiva se não for impugnada pela parte ou sendo-o, depois de decidida a reclamação pelo tribunal e não sendo notificada a própria parte (presume-se que por não se iniciar o prazo para a reclamação), nunca a nota de custas de parte poderá ter a natureza/qualidade, de título executivo.
Para os defensores da segunda opção, a questão resolve-se de acordo com as regras gerais do mandato e das que regem a forma das notificações a efectuar às partes, tendo em linha de conta se estas têm ou não, mandatário constituído.
E inexistindo norma especial que determine que a notificação da junção da nota de custas de parte tenha de ser feita directamente, de forma pessoal, à parte devedora, então, é suficiente que a referida notificação se faça na pessoa do seu mandatário, o qual, estará em melhor posição, dados os seus conhecimentos técnicos, para aferir se deverá ou não reclamar da nota de custas apresentada.
Como é óbvio, se a parte não tiver mandatário constituído, terá de ser esta a ser directamente notificada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 25.º, n.º 1, do RCP.


Dispõe este preceito que:
“Até 10 dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respectiva nota discriminativa e justificativa …”.
E o artigo 31.º, n.º 1, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, estabelece o seguinte:
“As partes que tenham direito a custas de parte devem enviar para o tribunal e para a parte vencida a respectiva nota discriminativa e justificativa, nos termos e prazos previstos no artigo 25.º do RCP”.
Assim, sem sombra de dúvidas que a parte vencida tem que ser notificada da junção da nota de custas de parte, a fim de lhe ser dado conhecimento do respectivo teor, para, querendo, se opor à mesma, dela reclamando ou pagando a quantia pedida. A questão reside em saber qual a forma que deve revestir essa notificação, no caso de a mesma ter mandatário constituído: através deste ou pessoalmente à própria parte.
Questão que, salvo o devido respeito por contrário entendimento, no caso de a parte ter constituído mandatário se resolve, se basta, com a notificação efectuada através do mandatário constituído.
Efectivamente, os artigos 25.º do RCP e 31.º, da citada Portaria, apenas regulam a forma como deve ser comunicada à parte vencida a emissão e junção aos autos da nota de custas, nada contendendo com os termos do pagamento das quantias em causa, que a parte pode aceitar ou opor-se, dela reclamando.
É inegável que entre a parte e o mandatário que constitui se celebra um contrato de mandato, nos termos previstos no artigo 1157.º do Código Civil, nos termos do qual, cf. artigo 44.º, n.º 1, do CPC, o mandante atribui poderes ao mandatário para o representar em todos os actos e termos do processo principal e respectivos incidentes, mesmo perante os tribunais superiores, salvos os casos em que se exige a outorga de poderes especiais por parte do mandante.
Não resulta do teor do artigo 25.º do RCP nem do artigo 31.º, n.º 1, da Portaria 419-A/2009, no que tange a esta matéria, que os poderes conferidos ao mandatário estejam sujeitos à outorga de poderes especiais por parte do mandante, razão pela qual, o mandatário tem legitimidade, com base na procuração que lhe foi outorgada, para ter intervenção, em representação do seu mandante, na prática dos actos que tenha por necessários, no que se refere às custas de parte, designadamente no recebimento da respectiva nota de custas de parte e aquilatar da decisão a tomar, designadamente, se deve ou não da mesma reclamar, sendo a si que cabe decidir da dedução de tal reclamação, atenta a formação técnica de que tal dispõe para disso aferir.
Por outro lado, em matéria de notificações às partes, rege o disposto nos artigos 221.º e 247.º, do CPC, nos quais, respectivamente, se determina que as notificações a efectuar entre as partes, são notificados, reciprocamente, pelos respectivos mandatários e que as notificações às partes em processos pendentes são feitos na pessoa dos seus mandatários judiciais, salvo quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de acto pessoal, o que não e o caso.
Assim, deve concluir-se que tendo a parte constituído mandatário, a notificação da nota de custas de parte pode ser enviada ao seu mandatário, caso em que, a parte fica regularmente notificada da junção e teor da nota justificativa e discriminativa de custas de parte.
E nem a tal obsta o regime do artigo 31.º, n.º 1, do RCP, no que se refere à notificação da conta de custas, que determina dever ser notificada a parte. Estas contendem com a contrapartida pelo recurso aos mecanismos de justiça estadual, visando a compensação, no âmbito de uma relação jurídica tributária com o Estado, decorrente da qualidade de utente dos serviços de justiça.
Ao invés, as custas de parte, têm que ver com as compensações devidas pelas próprias partes entre si.
Por último, a questão da necessidade de interpelação da parte vencida/devedora para o pagamento, salvo o devido respeito, também não releva.
Efectivamente, a questão não se coloca ao nível da necessidade de interpelação da parte devedora, que, como acima já referido, tem de ser efectuada. A questão está, isso sim, na forma como a mesma deve ser efectuada e, nos termos expostos, nada impede que o seja através do seu mandatário, se o houver constituído.
Last but not least, acrescentar que a notificação da sentença – título executivo por excelência – não é feita às partes mas sim aos seus mandatários, pelo que não se pode exigir que, também, por este prisma, se exija que a notificação da nota de custas de parte tenha de ser notificada, pessoalmente, à própria parte.
Como, igualmente, em caso de reclamação da nota de custas, não é notificada à parte a decisão que sobre ela incide, mas sim ao respectivo mandatário e, em caso de reclamação, só a decisão judicial que a dirime, fixa a quantia em dívida.
Em face do que in casu se impõe concluir que a notificação das notas de custas de parte enviadas pelos exequentes aos executados, foi efectuada regular e legalmente, tendo, por isso, de ser considerada como válida, não podendo subsistir a decisão recorrida.
Pelo que, o presente recurso tem de proceder.


Nestes termos se decide:
Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida, que se substitui por outra que decide terem sido validamente apresentadas as notas de custas de parte enviadas pelos exequentes aos executados, devendo prosseguir os autos a fim de as mesmas serem apreciadas e decididas as reclamações que lhes foram deduzidas.
Custas, a fixar a final.
Coimbra, 08 de Março de 2022