Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
40/11.4JAAVR-J.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO CHAVES
Descritores: OMISSÃO DE PRONÚNCIA
QUESTÕES
NULIDADE
Data do Acordão: 05/22/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA - OLIVEIRA DO BAIRRO – JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 379.º, N.º1 , AL. C), DO C.P.P
Sumário: A nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Por requerimento de folhas 620 a 625, vem o arguido A..., ao abrigo do disposto nos artigos art.379.º, n.º1, alínea c), e 425.º, n.º4, ambos do Código de Processo Penal, arguir a nulidade do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido nestes autos em 21 de Março de 2013, com as consequências legais, por omissão de pronúncia sobre questões suscitadas pelo recorrente.

Alega para este efeito, e em síntese:

- o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre a questão da inconstitucionalidade material alegada na conclusão 10.ª da motivação de recurso, a qual se impunha que fosse sempre apreciada, independentemente da solução adoptada pelo acórdão quanto à qualificação e arguição da nulidade aí referida;

- existe omissão de pronúncia sobre a questão das inconstitucionalidades materiais alegadas a páginas 4 a 6 da resposta apresentada ao abrigo do art.417.º, n.º2 do C.P.P.; e

- existe omissão de pronúncia sobre a inexistência de qualquer facto novo concreto susceptível de fundamentar o surgimento do perigo de fuga, como se deixou sumariado ao longo da motivação de recurso e do sumariado designadamente na conclusão 29ª da motivação de recurso.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação respondeu ao requerimento do arguido/recorrente, pugnando pelo indeferimento da arguida nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, uma vez que o acórdão da Relação se pronunciou sobre todas as questões suscitadas no recurso, que lhe cabia apreciar.


*

            Cumpre decidir.

Como excepção à regra da vinculação do órgão jurisdicional à sua decisão , admite o  n.º4 do art.425.º do Código de Processo Penal que “É correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto nos artigos 379.º e 380.º , sendo o acórdão ainda nulo quando for lavrado contra o vencido , ou sem o necessário vencimento .”.

Nos termos do art.379.º, n.º1 , al. c),  do C.P.P., é nula a sentença “Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”.

É fundamental aqui realçar que a nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista.

Já o Prof. Alberto dos Reis ensinava, a propósito da nulidade de sentença por omissão de pronúncia, que “ São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” – Código de Processo Civil anotado, vol. V, pág. 143.

É pacífico, também na jurisprudência, que esta nulidade não resulta da omissão de conhecimento de razões, mas sim de questões – cfr. entre outros, os acórdão do STJ, de 9-3-2006, proc. n.º 06P461, (in www.stj.pt ) e de 11-1-2000 ( BMJ n.º 493, pág. 385).

Relativamente à primeira reclamação apresentada pelo arguido, anotamos aqui que se escreveu no acórdão ora em causa, designadamente, o seguinte: o arguido A..., por requerimento de 21 de Dezembro de 2012, arguiu a nulidade do despacho recorrido, proferido a 7 de Dezembro de 2012, por omissão de diligência essencial para a sua defesa, alegando que teria de ser obrigatoriamente ouvido, bem como o Ministério Público, por força do disposto no art.194.º, n.ºs 1 e 3 do C.P.P., e que tal interpretação violou além daquele preceito os princípios constitucionais do direito à liberdade, do direito de defesa, e das garantias de defesa em processo criminal, incluindo o direito ao contraditório, previstos nos artigos 27.º, n.º1, 28.º, n.º1, in fine e 32.º, n.ºs 1 e 5 da C.R.P..

O Tribunal a quo conheceu de imediato desse requerimento, tendo por despacho de 21 de Dezembro de 2012, indeferido o mesmo, quer porquanto nos termos do art.213.º, n.º3 do C.P.P., o juiz ouve o Ministério Público e o arguido sempre que necessário, e o despacho objecto de arguição de nulidade considerou ser desnecessário ouvi-los, referindo expressamente os motivos para não os ouvir, quer porque a eventual nulidade invocada pelo arguido se enquadraria no regime do art.120.º do C.P.P., e teria de ser arguida, nos termos do n.º3, al.a), desta disposição, antes do acto ter terminado, sendo assim manifestamente extemporânea a sua arguição.

O despacho de 21 de Dezembro de 2012, indeferindo a arguição da nulidade do despacho ora recorrido, por omissão de audição do arguido ( e do M.P.), transitou em julgado, pelo que não pode o arguido voltar a colocar a mesma questão ao tribunal de recurso, por a mesma estar já a coberto do caso julgado.

Estando a questão da não audição prévia do arguido e do Ministério Público decidida já por despacho de 21 de Dezembro de 2012, com transito em julgado, no sentido do indeferimento da nulidade arguida, resulta claro do acórdão ora em reclamação que ficou prejudicado o conhecimento da questão objecto de recurso, inclusive na dimensão normativa da alegada inconstitucionalidade. 

Assim, não houve omissão de pronúncia pelo Tribunal a quo sobre questão que devesse apreciar.

Segunda reclamação:

A páginas 4 a 6 da resposta do arguido, apresentada ao abrigo do art.417.º, n.º2 do C.P.P., mencionou-se, na parte que aqui tem interesse, o seguinte:

« …o Parecer do M.P em questão defende que passou a existir perigo de fuga porquanto

   a) o arguido foi condenado a 20 anos de cadeia, o que representando juízo sobre a ilicitude, indicia mais fortemente a sua responsabilidade penal e corresponde a uma alteração das circunstâncias anteriores, justificando o decretamento da prisão preventiva;

Tal argumentação constitui uma violação flagrante dos preceitos e valores do nosso ordenamento jurídico, tornando inadmissível que qualquer decisão condenatória não transitada em julgado possa constituir fundamento para construir o perigo de fuga, de molde a, em revisão determinada pelos art.ºs 375, n.º 4 e 213, n.º1, alínea b), do CPP, seja com base em tal elemento aplicado o disposto no art. 204, alínea a) daquele mesmo Diploma Legal.

   Conforme se disse na motivação de recurso e agora se repete, não existindo trânsito em julgado da decisão condenatória, é ilegal, por não permitido por lei, invocar a existência do Acórdão e da pena aplicada para fundamentar a aplicação da prisão preventiva, medida sempre directamente afastada por força do princípio da subsidiariedade (art.ºs 193, n.ºs 2 e 3 do CPP e art. 28 da CRP).

   Interpretação contrária, conduziria à inconstitucionalidade material de tais preceitos (art.ºs 193, n.ºs 2 e 3, 213, n.º1 alínea b) e 204, alínea a), todos do CPP), por violação do princípio constitucional da presunção de inocência e da subsidiariedade da medida presente nos art.ºs 32, n.º 2 e 28 da CRP, à luz de tudo quanto se alegou na motivação de recurso (págs. 27 e segs.), para cujo teor se remete e se corrobora na opinião do Prof. Dr. Germano Marques da Silva, Parecer junto, pág. 8, cujo teor integrar se dá aqui também como inteiramente reproduzido.

   Obviamente que inexistindo qualquer facto novo que altere as circunstâncias ou aumente as exigências cautelares, conforme decorre de todos os factos invocados se encontrarem aceites, justificados e cobertos pelo caso julgado formulado pelo despacho de revisão trimestral imediatamente anterior, não pode haver agravação da medida de coacção, pelo que, ao aplicar a prisão preventiva, o despacho recorrido, na interpretação concreta que faz daqueles preceitos (art.ºs 193, n.º 2 e 3, 213,n.º l, alínea b) e 204, alínea a), todos do CPP) torna-os materialmente inconstitucionais por violação dos princípios constitucionais do direito à liberdade, da presunção da inocência, da subsidiariedade e da estabilidade do caso julgado, definido nos art.ºs 32, n.º 2, 28, 27, n.º 1, 29, n.º 5, da CRP.».

Antes do mais diremos que a “argumentação” do segmento do Parecer do M.P. reproduzido a folhas 4 da resposta apresentada pelo arguido, não foi utilizada pelo Tribunal da Relação para  confirmar o despacho recorrido e negar provimento ao recurso - tendo mesmo sido referido no acórdão em reclamação que o perigo de fuga, como pressuposto de aplicação da prisão preventiva, não pode decorrer apenas da gravidade da pena de 20 anos de prisão aplicada ao arguido.

As inconstitucionalidades materiais alegadas a páginas 4 a 6 da resposta apresentada ao abrigo do art.417.º, n.º2 do C.P.P., mais não são que a reafirmação das anteriormente suscitadas na motivação e nas conclusões da motivação do recurso.

Ora, tais inconstitucionalidades materiais foram conhecidas no acórdão em reclamação, no âmbito da segunda questão, embora em sentido diverso do pretendido pelo arguido.

Assim, não se reconhece esta invocada omissão de pronúncia.

            A última alegada omissão de pronúncia respeita à inexistência de qualquer facto novo concreto susceptível de fundamentar o surgimento do perigo de fuga, como se deixou sumariado ao longo da motivação de recurso e do sumariado designadamente na conclusão 29ª da motivação de recurso.

Salvo o devido respeito, o que o reclamante alega é que o Tribunal da Relação não considerou na sua decisão aquilo que o mesmo defendeu – que inexiste qualquer facto novo concreto susceptível de fundamentar o surgimento do perigo de fuga.

O acórdão em reclamação ao considerar, no âmbito da segunda questão objecto do recurso, que existem concretos factos novos susceptível de fundamentar o surgimento do perigo de fuga, poderá incorrer num erro de interpretação ou de aplicação da lei, mas não numa omissão de  pronúncia sobre questão que devesse conhecer.

Assim, não padecendo o acórdão em reclamação de nulidade, por omissão de pronúncia, não pode deixar de se indeferir o pedido de declaração de nulidade do mesmo acórdão.

                  Decisão

            Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em indeferir o pedido de declaração de nulidade do acórdão apresentado pelo arguido A....

             Custas pelo requerente, fixando em 2 UCs a taxa de justiça.

                                  

                                                                         *

Fernando Chaves (Relator)

Orlando Gonçalves