Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1417/17.7TXLSB-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: ANTECIPAÇÃO DA EXECUÇÃO DA PENA ACESSÓRIA DE EXPULSÃO
Data do Acordão: 12/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (TEP)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 188.º-A E 188.º-B, DO CEPMPL
Sumário: I – O condenado cumpre a pena de 4 anos e 8 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. p. pelo art. 21.º do DL 15/93. Em causa, um ato de transporte internacional, de mais de três quilogramas de cocaína, classificada entre as denominadas “drogas duras”, no âmbito da actividade dos usualmente denominados “correios de droga”, entre o Brasil e Portugal, países lusófonos com intenso movimento de cidadãos entre os dois lados do Atlântico.

II - O crime de tráfico de estupefacientes é, reconhecidamente, um ilícito gerador de fortes sentimentos de repulsa na sociedade, face aos conhecidos efeitos devastadores, sobre a saúde pública, crimes associados ao tráfico e consumo de estupefacientes, destruição física e moral dos consumidores e das pessoas que lhes são próximas que o tráfico de estupefacientes gera na comunidade.

III – As exigências de prevenção geral sairiam totalmente defraudadas caso fosse concedida a antecipação da pena acessória de expulsão, com a consequente libertação do arguido, após o cumprimento de apenas 1/3 da pena.

Decisão Texto Integral:




Acordam, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. RELATÓRIO

Vem interposto recurso, em incidente de antecipação da execução de pena acessória de expulsão do território nacional, da decisão final que tem o seguinte DISPOSITIVO:

Face a tudo o exposto, indefiro a requerida antecipação da execução da pena acessória de expulsão imposta ao condenado ….


*

Inconformado com tal decisão, dela recorre o condenado, formulando, na respectiva motivação, as seguintes CONCLUSÕES:

É facilmente percetível que não se fará justiça privando um qualquer cidadão, que não obstante tendo caindo nas teias do crime, se tenta reerguer o que é provado através da sua exemplar conduta, sendo este um indicio suficientemente forte de que os requisitos materiais para a concessão da liberdade condicional, prevista no art. 61º do CP nº1 alínea a) onde se dispõe que «for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado., uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes».

Neste caso o condenado vê-Lhe ser negada a antecipação da expulsão de território nacional por 5 meses apenas com base num exercício de imputação de perigosidade não relativamente ao condenado mas no tocante à sociedade em geral ressalvando como fundamento a Prevenção geral positiva que, ao que nos parece, se encontra totalmente salvaguardada tanto agora cumpridos 1 ano e dez meses como em Abril onde cumprirá um ano e dezasseis meses data em que obrigatoriamente será expulso.

Urge não ignorar se será nestes 6 meses que medeiam até Abril que serão cumpridas todas as necessidades de prevenção geral atinentes ao cada em apreço?

Estes seis meses a mais de que forma serão valorados pela sociedade em geral?

Sair ao fim de um ano e dez meses ou ao fim de um ano e dezasseis meses não terá a mesma ressonância?

Estamos em crer que sim pelo que a decisão apenas com base neste critério é injustificável e não realiza de forma adequada as finalidades da punição.

Importa ainda aludir às consequências nefastas que o condenado poderá vir a sofrer ao ver o seu pedido negado.

Com o indeferimento na antecipação da expulsão pode-se incorrer por desânimo e descrença no sistema penal na adoção por parte do condenado de comportamentos censuráveis que até à data o arguido sempre se afastou.

Pode ser o próprio Sistema Penal, com a decisão de que se recorre, a ultrapassar todas as finalidades de prevenção geral e especial que com a punição pretende salvaguardar.

Há indícios suficientemente fortes que permitem afirmar como certo que o condenado uma vez chegando ao Brasil, vai aproveitar a oportunidade que lhe está a ser concedida e vai pautar a sua conduta por comportamentos irrepreensíveis e no estrito cumprimento da lei.

O condenado ora recorrente sempre se mostrou consciente do crime por si praticado, tendo-se dele arrependido, arrependimento este que teve o seu corolário com a sua entrega de forma voluntária às Autoridades Portuguesas e mais tarde com a sua confissão em todas as fases processuais.

TERMOS EM QUE

Deverão V. Exas. dar provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal de Execução de Penas de Coimbra e deferindo a antecipação da execução da pena acessória de expulsão a que o ora recorrente foi condenado fazendo V. Exas. como Sempre Completa e Inteira Justiça!


*

Notificado da admissão do recurso, respondeu a digna magistrada do MºPº junto do tribunal recorrido sustentando, em síntese, que não houve violação de lei pela decisão recorrida, aliás muito bem fundamentada.

No visto a que se reporta o artigo 416º do CPP o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual, tendo por fundamento a condenação e razões de prevenção geral, sustenta que o recurso não merece provimento.

Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º2 do CPP.

Corridos vistos, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Está em causa a reapreciação do despacho que indeferiu a antecipação da execução da pena acessória de expulsão imposta ao recorrente.

Para o efeito, vejamos o quadro fáctico no qual repousa, não impugnado.

 

2. A decisão recorrida considerou a seguinte matéria de facto:

1) Detido desde 11/12/2016, o recluso cumpre uma pena de 4 anos e 8 meses de prisão, imposta no proc. 452/16.7JELSB, pelo cometimento de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no art. 21º nº1 do DL 15/93, de 22/1 (transporte de 3.242 gramas de cocaína por via aérea desde o Brasil para território nacional), tendo-lhe ainda sido determinada a pena acessória de expulsão de território nacional por 5 anos;

2) O meio dessa pena será atingido no dia 11/04/2019, prevendo-se os 2/3 da mesma para o dia 21/01/2020 e o seu termo terá lugar a 11/08/2021;

3) O recluso tem nacionalidade brasileira e não possui qualquer ligação familiar ou profissional em Portugal;

4) O condenado assume o cometimento do crime, referindo tê-lo cometido por causa da doença da mãe, e tendo em vista obter dinheiro que permitisse que a mesma tivesse os cuidados de saúde necessários à doença que apresentava;

5) Em reclusão, mantém percurso de harmonia com as normas instituídas, isento de registos disciplinares;

6) No EP da PJ em Lisboa, esteve integrado como faxina da cozinha, entre 12/12/2016 e 16/11/2017; no EP da Guarda, integrou a equipa de faxinas da cozinha por um mês até ter iniciado o curso EFAB1; frequentou o ensino com empenho e interesse;

7) Uma vez em liberdade, pretende regressar ao Brasil e residir com a mãe; irá trabalhar na venda de pequenos almoços, como vinha fazendo antes de ser preso;

8) A reclusão mostra-se penosa para o condenado, dado o afastamento da família, o falecimento de um irmão e a dificuldade que tem em contactar com a mesma;

9) Ao condenado não são conhecidas outras condenações criminais.

3. Apreciação

Sob a epígrafe Execução da pena de expulsão, estabelece o art. 188°- A do CEP:

1 - Tendo sido aplicada pena acessória de expulsão, o juiz ordena a sua execução logo que:

a) Cumprida metade da pena, nos casos de condenação em pena igual ou inferior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontre cumprida metade das penas;

b) Cumpridos dois terços da pena, nos casos de condenação em pena superior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontrem cumpridos dois terços das penas.

Daqui resulta que o regime da liberdade condicional cede perante o regime de execução da pena acessória de expulsão.

Nos termos da disposição legal citada, quando tenha sido aplicada pena acessória de expulsão cabe ao juiz, oficiosa e obrigatoriamente, ordenar a execução da expulsão, independentemente do consentimento do condenado, ao meio ou aos dois terços da pena, consoante a pena (ou soma das penas de cumprimento sucessivo) seja ou não superior a 5 anos.

Por outro lado o nº 2 do mesmo artigo 188º-A do CEP consagra um regime especial em relação ao do nº1, possibilitando a antecipação da execução da pena acessória de expulsão.

Postula o citado 188º-A, nº2:

2- O juiz pode, sob proposta e parecer fundamentado do director do estabelecimento prisional, e obtida a concordância do arguido, decidir a antecipação da execução da pena acessória de expulsão, logo que:

a) Cumprido um terço da pena, nos casos de condenação em pena igual ou inferior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontre cumprido um terço das penas;

b) Cumprida metade da pena, nos casos de condenação em pena superior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontre cumprida metade das penas.

Por último, depois de estabelecer os procedimentos a adotar com vista à execução antecipada da expulsão, dispõe o art. 188°- B, n° 3, do CEP:

3- Não havendo provas a produzir ou finda a sua produção, o juiz dá a palavra ao MºPº e ao defensor para de pronunciarem sobre antecipação da execução da pena acessória de expulsão, após o que profere decisão verbal, decidindo a expulsão quando esta se revelar compatível com a defesa da ordem e paz social e for de prever que o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

No caso, como equacionado, está em causa o regime especial de antecipação da execução da pena acessória de expulsão, nos termos previstos nos artigos 188º-A, nº 2 e 188°- B, n° 3, do CEP.

Relativamente aos pressupostos de natureza formal da antecipação da execução, dúvidas não há de que os mesmos se mostram verificados, visto o tempo de reclusão já cumprido (1/3, completado em 01/07/2018), bem como o consentimento do condenado e a proposta favorável do Director do E.P.

No entanto, no questionado regime de antecipação exige-se, ainda, a verificação dos aludidos requisitos de natureza material, enunciados no nº3 do art. 188°- B do CEP: quando a antecipação se revelar compatível com a defesa da ordem e paz social e for de prever que o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

Exige-se assim, em suma, de um lado que seja de esperar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes. E, de outro lado, a compatibilidade da libertação com a defesa da ordem e da paz social.

Importa pois apurar se se verificam os enunciados pressupostos de natureza material, designadamente a compatibilidade da antecipação excepcional da execução da pena acessória de expulsão com a defesa da ordem e da paz social, dos critérios de prevenção geral, além da prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado.

Devendo atender-se às circunstâncias do crime que determinou a condenação, ao comportamento anterior do arguido, à sua personalidade e evolução durante a execução da pena de prisão. 

No âmbito da prevenção especial, certo é que se verifica um percurso institucional do condenado positivo, registando um comportamento normativo em reclusão, sem sanções disciplinares e apostado na obtenção de formação académica, assumindo ainda a prática do crime, projectando regressar ao Brasil à vida que levava antes da prática do crime.  

Para efeitos da prevenção geral, na sua vertente positiva, de defesa da ordem social importa ter presente a natureza do crime e as suas circunstâncias.

Ora

No caso dos autos, o condenado cumpre a pena de 4 anos e 8 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p p pelo art. 21º do DL 15/93.

O crime consubstanciou-se no transporte 3.242 gramas de cocaína, por via aérea, do Brasil para Portugal.

O crime de tráfico de estupefacientes pelo qual do recorrente foi condenado é, reconhecidamente, um ilícito gerador de fortes sentimentos de repulsa na sociedade, face aos conhecidos efeitos devastadores, sobre a saúde pública, crimes associados ao tráfico e consumo de estupefacientes, destruição física e moral dos consumidores e das pessoas que lhes são próximas que o tráfico de estupefacientes gera na comunidade.

Assinala-se ainda que estamos perante um ato de transporte internacional, de mais de três quilogramas de cocaína, classifica entre as denominadas "drogas duras", no âmbito da actividade dos usualmente denominados "correios de droga", entre o Brasil e Portugal, países lusófonos com intenso movimento de cidadãos entre os dois lados do Atlântico.

As exigências preventivas associadas a este tipo de crime reclamam, do ponto de vista da reafirmação da validade e vigência da norma violada, acrescidas expectativas ao nível do cumprimento efectivo da punição, não sendo de esperar que o "sinal" transmitido à comunidade com execução antecipada da pena acessória de expulsão e consequente libertação do condenado, cumprido um terço da pena salvaguarde de forma eficaz o sentimento geral de vigência da norma penal violada com a prática deste tipo de crime. Defraudaria mesmo a confiança da comunidade no funcionamento do sistema penal poie transmitiria a ideia de que a punição de comportamentos desta natureza é especialmente tolerada pela ordem jurídica nacional, não se afirmando, de forma eficaz, o carácter dissuasor de comportamentos da mesma natureza.

Aliás as exigências de prevenção geral estão assinaladas no acórdão condenatório quando nele se escreve: «muito embora se trate de um caso de “correio de droga”, não se pode esquecer o elevado contributo deste tipo de actividade para a propagação das redes de abastecimento do mercado da droga e da toxicodependência, que, como é comummente sabido, é um dos flagelos das sociedades actuais».

As exigências de prevenção geral sairiam totalmente defraudadas caso fosse concedida a antecipação da pena acessória de expulsão, com a consequente libertação do arguido, após o cumprimento de apenas 1/3 da pena.

Com a massificação do transporte aéreo e intenso intercâmbio de pessoas entre Portugal e Brasil, a antecipação da expulsão constituiria uma benesse injustificada num crime desta natureza, nas circunstâncias em causa nos autos envolvendo mais de 3 quilogramas de cocaína.  

Cuidando da compatibilidade da libertação com a defesa da ordem e paz social que se traduzem na adequação da protecção jurídica conferida ao bem jurídico violado e no cumprimento das expectativas que a comunidade deposita no funcionamento do sistema penal, conclui-se assim, com a decisão recorrida, que a antecipação da pena acessória de expulsão e consequente libertação antes de cumprido o meio da pena comprometeria tais finalidades, e, como tal, que se apresenta como inadequada. Impondo-se, pois, a improcedência do recurso.

III – DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida -----

Custas pelo arguido/recorrente (artigo 513º do CPP, nº1 do CPP), fixando-se a taxa de justiça, nos termos da Tabela III anexa ao RCP, em 3 (três) U.C..

Coimbra, 19 de Dezembro de 2018

Belmiro Andrade (relator)

Abílio Ramalho (adjunto)