Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1068/18.9T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR AUTENTICADO
TERMO DE AUTENTICAÇÃO
Data do Acordão: 11/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 703 Nº1 B), 726 CPC, 46, 151 C NOTARIADO
Sumário: 1. O Novo Código de Processo Civil, no artº. 703, restringiu a espécie de títulos executivos, eliminando os documentos particulares que importem o reconhecimento ou a constituição de uma obrigação pecuniária, cujo montante seja determinável por simples cálculo aritmético, ou obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto seu elenco, a não ser, conforme expressamente é referido na alínea b) do nº1 daquela disposição legal, que os mesmos tenham sido exarados ou autenticados por notário ou outras entidades ou profissionais com competência para tal.

2. O documento particular apenas poderá ser considerado autenticado se o seu teor tiver sido confirmado pelas partes perante o certificante (o notário, a câmara de comércio e indústria, o conservador, o oficial de registo, o advogado ou o solicitador), nos termos prescritos nas leis notariais, circunstância que terá de constar da respetiva autenticação, não bastando apenas o facto de os mesmos procederem ao reconhecimento das assinaturas.

3. No caso dos autos, a exequente invoca como título executivo o documento autenticado “Confissão de Dívida”, verificando-se que no termo de autenticação se encontra em falta a menção aos outorgantes que figuram como credores na mencionada “Confissão de Dívida” e que os devedores, aqui executados, que se encontram mencionados no acto de autenticação, também não assinaram o termo (foi apenas feito o reconhecimento presencial das assinaturas, que não é uma autenticação).

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

A (…), exequente nos autos à margem, não se conformando com a Sentença de fls… que indeferiu liminarmente a execução por falta de título executivo, veio da mesma interpor recurso de apelação com efeito devolutivo e subida nos próprios autos, (artigos 852.º; 853.º; 644.º; 645.º e 647.º, todos do CPC), alegando e concluindo que:

1- Exequente e executados atribuíram a qualidade de título executivo ao documento que serviu de base à execução.

2- Foi reconhecida notarialmente e presencialmente a assinatura daqueles que se confessaram devedores e procedeu-se à autenticação do documento, conforme exigido pela al. b) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC.

3- No requerimento executivo é alegado que os executados reconheceram dever ao exequente a referida quantia que resultou de contrato de mútuo e que não foi paga qualquer valor a esse título.

4- O título executivo constitui instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, ou seja, suscetível de, por si só, revelar, com um mínimo aceitável de segurança, a existência do crédito em que assenta o pedido exequendo.

5- E constituirá prova do ato constitutivo da dívida na medida em que oferece a relativa certeza ou probabilidade julgada suficiente da existência dessa dívida, (a existência da obrigação por ele constituída ou nele certificada).

6- Sem prejuízo de o processo executivo comportar certa possibilidade de o executado provar que, apesar do título, a dívida não existe, (a obrigação nunca se constituiu ou foi extinta ou modificada posteriormente).

7- O título particular autenticado constitui título executivo, (al. b) do nº 1 do art.º 703.º do CPC).

8- Foi lavrado termo de autenticação e efetuado o registo informático previsto na Portaria n.º 657-B/2006 de 29 de junho.

9- As autenticações efetuadas por advogados conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais atos tivessem sido realizados com intervenção notarial.

10- Intervenção que se verificou com o reconhecimento presencial das assinaturas dos aqui executados.

11- Foi requerida a autenticação do documento particular de reconhecimento de dívida dado à execução em que figuram como responsáveis pela dívida os executados.

12- Não se revela manifesta a falta ou insuficiência do título, (al. a) do n.º 2 do art.º 726.º do CPC a contrario).

13- A falta de título só é manifesta quando seja patente, ostensiva, evidente, quando não possa ser oferecida qualquer dúvida para a inexequibilidade extrínseca do documento no qual o exequente funda a pretensão de realização coativa da prestação objeto do pedido executivo.

14- Como o juízo sobre o caráter ostensivo da falta de título é feito na fase liminar da execução, deve fazer-se um uso prudente, circunspeto e moderado da prerrogativa do indeferimento in limine do requerimento executivo de que deve lançar-se mão em casos extremos e contados.

15- O requerimento executivo só deve ser liminarmente indeferido com fundamento em falta de título se for possível fazer, logo nesse momento, um juízo consciencioso e seguro sobre a manifesta, evidente, patente ou ostensiva falta dessa condição da ação executiva.

16- Tudo conforme decidido nos Doutos Acórdão deste Venerando Tribunal nos Processos n.º 433/14.5TBSCD.C1. e n.º 86/15.3T8SRT.C1.

17- Em último recurso deveria ter sido proferido despacho de aperfeiçoamento nos termos do disposto no n.º 4 do n.º 2 do art.º 726.º do CPC.

18- Exigir que o exequente recorra previamente ao processo declarativo é violar os princípios da celeridade e da economia processual.

19- A obrigação em causa está já determinada e reconhecida nos seus pressupostos fáticos por declaração com as respetivas assinaturas reconhecidas notarialmente e na presença dos executados.

20- A Douta Sentença recorrida violou, entre outras, as disposições dos artigos 703.º e 726.º do CPC.

 Termos em que, deve a Douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento da execução, como é de  JUSTIÇA.

*

Não foram produzidas contra-alegações.

*

II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa as que constam do elemento narrativo dos Autos; destacando, em particular, que:

A exequente instaurou a presente acção executiva, com fundamento em "ACORDO" de pagamento e reconhecimento de Dívida autenticado.

Na parte dos "FACTOS", do seu requerimento executivo, a exequente refere:

"Os executados subscreveram "confissão de dívida", através da qual reconheceram dever ao exequente a quantia de € 20.000,00 que resultou de contrato de mútuo, (doe. 1).

Tal valor deveria ter sido liquidado até 15.09.2015, o que até hoje não aconteceu, apesar de os executados terem sido instados para esse efeito.

Foi fixada a taxa de juro anual de 5,525%, sendo certo que os executados não pagaram, ainda, qualquer montante a esse título, pelo que, até este momento, o seu cálculo atinge € 3.375,55.

Desta forma, a dívida dos executados para com o exequente ascende, nesta data, a € 23.375,55, (€ 20.000,00 + € 3.375,55 de juros) (…)».

-

Todavia, por confronto - de modo incontroverso e incontrovertível -, constata-se que:

Do termo de "AUTENTICAÇÃO", emitido pelo Dr. M (…), de 28 de Maio de 2015 apenas consta a assinatura do referido Sr. Advogado Dr. M (…), aqui mandatário do Exequente, e do segundo outorgante, aqui credor e exequente, A (…)

Os primeiros outorgantes M (…) e mulher M (…) aqui executados, não participaram, nem assinaram esse termo, embora tenham subscrito a "CONFISSÃO de DÍVIDA".

O documento autenticado "CONFISSÃO de DÍVIDA", celebrado em 11-05-2015, teve como intervenientes o aqui Exequente e os dois Executados.

- Consignou-se, expressis verbis, na decisão em apreço, que:

«A exequente instaurou a presente acção executiva, com fundamento em “ACORDO” de pagamento e reconhecimento de Dívida autenticado.

Na parte dos “FACTOS”, do seu requerimento executivo, a exequente refere:

“Os executados subscreveram "confissão de dívida", através da qual reconheceram dever ao exequente a quantia de € 20.000,00 que resultou de contrato de mútuo, (doc. 1).

Tal valor deveria ter sido liquidado até 15.09.2015, o que até hoje não aconteceu, apesar de os executados terem sido instados para esse efeito.

Foi fixada a taxa de juro anual de 5,525%, sendo certo que os executados não pagaram, ainda, qualquer montante a esse título, pelo que, até este momento, o seu cálculo atinge € 3.375,55.

Desta forma, a dívida dos executados para com o exequente ascende, nesta data, a € 23.375,55, (€ 20.000,00 + € 3.375,55 de juros).

O documento objecto da execução constitui título executivo, (al. b) do nº 1 do art. 703.º do CPC).”.

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Do termo de “AUTENTICAÇÃO”, emitido pelo Dr. M (…), de 28 de Maio de 2015 apenas consta a assinatura do referido Sr. Advogado Dr M (…), aqui mandatário do Exequente, e do segundo outorgante, aqui credor e exequente, A (…)

Os primeiros outorgantes M (…) e mulher M (…), aqui executados, não participaram, nem assinaram esse termo, embora tenham subscrito a “CONFISSÃO de DÍVIDA”.

Como referido, o documento autenticado “CONFISSÃO de DÍVIDA”, celebrado em 11-05-2015, teve como intervenientes o aqui Exequente e os dois Executados.

Cumpre apreciar e decidir.

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Ora, o Novo Código de Processo Civil, no artº. 703, restringiu a espécie de títulos executivos, eliminando os documentos particulares que importem o reconhecimento ou a constituição de uma obrigação pecuniária, cujo montante seja determinável por simples cálculo aritmético, ou obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto seu elenco, a não ser, conforme expressamente é referido na alínea b) do nº1 daquela disposição legal que os mesmos tenham sido exarados ou autenticados por notário ou outras entidades ou profissionais com competência para tal.

No caso dos autos, a exequente invoca como título executivo o documento autenticado “Confissão de Dívida”.

Dispõe o artº. 46, do Código do Notariado, sobre as formalidades comuns aos instrumentos notariais, especificando o artº. 151, do mesmo diploma legal, os requisitos comuns para a autenticação dos documentos particulares nos seguintes termos, a saber:

“1 – O termo de autenticação, além de satisfazer, na parte aplicável e com as necessárias adaptações, o disposto nas alíneas a) a n) do nº1 do artigo 46, deve conter ainda os seguintes elementos:

- a declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade;

- a ressalva das emendas, entrelinhas, rasuras ou traços contidos no documento e que não estejam devidamente ressalvados.

2 – É aplicável à verificação da identidade das partes, bem como a intervenção de abonadores, intérpretes, peritos, litores ou testemunhas, o disposto para os instrumentos públicos.”

Por sua vez, o artº. 70, do Código de Notariado, prevê os casos de nulidade do acto notarial por vício de forma, prescrevendo o seu nº 1 o seguinte: “O ato notarial é nulo, por vício de forma, apenas quando falta algum dos seguintes requisitos:

- a menção do dia, mês e ano ou do lugar em que foi lavrado;

- a declaração do cumprimento das formalidades previstas no artigo 65 e 66;

- a observância do disposto na primeira parte do nº2 do artigo 41;

- a assinatura de qualquer intérprete, perito, leitor, abonador ou testemunha;-

- a assinatura de qualquer dos outorgantes que saiba e possa assinar;

- a assinatura do notário;

- a observância do disposto na alínea g) do nº1 do artigo 46.”.

In casu, analisado o termo de autenticação, verifica-se que se encontra em falta a menção aos outorgantes que figuram como credores na mencionada “Confissão de Dívida”, sendo certo que tal omissão não foi sanada nos termos previstos no nº2, alínea d) da mesma disposição legal. Ademais, os devedores, aqui executados, que se encontram mencionados no acto de autenticação também não assinaram o termo (foi apenas feito o reconhecimento presencial das assinaturas, que não é uma autenticação).

Deste modo, a falta de assinaturas dos dois executados determina que, presentemente, tais falhas não possam ser supridas atento o decurso do tempo entre o documento sob o título “Confissão de Dívida” e o momento actual.

 Deste modo, afigura-se-nos que o termo de autenticação é nulo, nulidade essa que se reconduz à invalidade do próprio título executivo, pelo que se verifica a falta de título executivo para a execução, nos termos previstos no artigo 726, nº. 2, alínea a), do Código de Processo Civil.

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Da Decisão

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições supra citadas, decido:

- indeferir liminarmente a presente acção executiva, uma vez que o documento particular apresentado pelo exequente não se mostra validamente autenticado – cfr. artºs. 726, nº. 2, al. a), do Novo Código de Processo Civil.

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Custas legais a cargo do Exequente, com taxa de justiça que fixo no mínimo legal (artº. 527, nºs. 1 e 2, do NCPC)».

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Nos termos do art. 635º, do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608°, do mesmo Código.

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As questões suscitadas, na sua própria matriz constitutiva e redactorial, consistem em apreciar se:

I.19- A obrigação em causa está já determinada e reconhecida nos seus pressupostos fáticos por declaração com as respectivas assinaturas reconhecidas notarialmente e na presença dos executados.

II.20- A Sentença recorrida violou, entre outras, as disposições dos artigos 703.º e 726.º do CPC.

Apreciando, diga-se - em função do que se dispõe no art. 726º NCPC (despacho liminar e citação do executado), que o meio próprio de impugnação do despacho de indeferimento liminar do requerimento executivo é - como empreendido -, o recurso de apelação. Trata-se de um regime directo de impugnação do despacho de indeferimento liminar, tanto na acção declarativa como na acção executiva, justificado pela natureza, função e alcance desse despacho. Além disso, no processo executivo propriamente dito, não se verifica qualquer instrumentalidade entre as decisões “interlocutórias” e a decisão final da extinção da execução (Cf. Ac. RL. de 15.7.2011: Proc. 2473/08.4TBALM-A.L1-7.dgsi.Net).

-

Por seu turno, em sede referencial de acção executiva comum, o pressuposto processual da legitimidade adjectiva afere-se exclusivamente pelo titulo executivo, pelo que apenas tem legitimidade para promover e fazer seguir a execução, como exequente, quem no titulo figure como credor e só nela deve intervir como executado quem, à luz do título, seja devedor da obrigação exequenda. Face ao cariz formal da noção de legitimidade processual em sede de execução, torna-se irrelevante a efectiva titularidade (do lado activo ou passivo) do direito de crédito contido no mesmo, o que se explica pelo facto de o título executivo, em virtude de oferecer um nível de segurança tido por lei como suficiente, quanto à existência daquele, tornar dispensável qualquer indagação prévia sobre a subsistência daquele direito (Cf. Ac. STJ, de 15.4.2015:Proc. 200080-C/1996.L1.S1.dgsi.net).

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Em todo o caso, “a introdução das formas de execução ordinária e sumária permitirá identificar, com maior precisão, os casos em que, por regra, o processo estará sujeito a despacho liminar e a citação prévia do executado, ou quando deva seguir imediatamente para a realização da penhora, efetuando-se a citação depois da prática deste ato. Assim, salvo no caso em que a citação prévia deva ser dispensada nos termos do artigo 727.º NCPC, seguindo o processo a forma ordinária, estará sempre sujeito a despacho liminar e a citação prévia do executado. Por essa razão, uma vez que no âmbito do processo sumário o requerimento executivo e os documentos que o acompanham são imediatamente enviados por via eletrónica para o agente de execução, deverá este analisar a forma do processo com especial cuidado, verificando se a mesma foi corretam ente atribuída, sob pena da prática de actos anuláveis (artigo 193.°).

A norma analisada no seu conjunto, para além de instituir no âmbito do processo ordinário o despacho liminar e a citação prévia, como regra, enumera as várias hipóteses de despacho a cargo do juiz e que, em síntese, se poderão traduzir em (i) ordenar a citação do executado; (ii) convidar o exequente a suprir irregularidades ou a sanar a falta de pressupostos, ou, finalmente, (iii) indeferir total ou parcialmente o requerimento executivo” (Cf. Virgínio da Costa Ribeiro/Sérgio Rebelo, A Acção Executiva Anotada e Comentada, 2015, pp. 231/232).

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Em função de tais pressupostos - sem qualquer equívoco -, emerge dos Autos, como supra se evidenciou, que:

«Do termo de “AUTENTICAÇÃO”, emitido pelo Dr. M (…), de 28 de Maio de 2015 apenas consta a assinatura do referido Sr. Advogado Dr. M (…), aqui mandatário do Exequente, e do segundo outorgante, aqui credor e exequente, A (…)

Os primeiros outorgantes M (…) e mulher M (…), aqui executados, não participaram, nem assinaram esse termo, embora tenham subscrito a “CONFISSÃO de DÍVIDA”.

Como referido, o documento autenticado “CONFISSÃO de DÍVIDA”, celebrado em 11-05-2015, teve como intervenientes o aqui Exequente e os dois Executados».

Enquadrando, é fora de dúvida - tal como se assinala no Ac. RE de 09.03.2016, Proc. nº 257/14.0TTPTM.E1, Relator: MOISÉS SILVA - «prescreve(r) o art.º 703.º n.º 1, alínea b), do NCPC (…), que à execução podem apenas servir de base os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação».

-

Entendimento que, nessa dimensão, se não contraria - bem como o enunciado firmado no Ac. RC de 19-05-2015, Proc. nº 433/14.5TBSCD.C1, Relator: HENRIQUE ANTUNES -, ao se clangorar que «em 2013, o legislador mudou de orientação e restringiu, de forma drástica a exequibilidade dos documentos particulares (…) (artº 703 do nCPC).

Tão pouco, que « (…) na solução jurídica do caso que a prova ou não prova de determinado facto se reflecte, cabendo nesse momento processual ponderar a quem incumbia a respectiva alegação e prova e extrair dos factos assentes as inerentes consequências do ponto de vista do direito. O documento particular que incorpore o reconhecimento de uma dívida faz presumir a existência da relação subjacente, negocial ou extra negocial, até prova do contrário e, por isso mesmo, valerá como título executivo. Nesse caso, competirá ao executado, o presumido devedor, alegar e provar que essa relação não existe ou se extinguiu (Cf. Ac. RL de 10.1.2016: Proc. 410/12.0TBAGH-A.L1-7.dgsi.Net).

O que, todavia, a pretexto da evidência factual e âmbito da tessitura institucional de adequação referida, a sua relevância como elementos pressuponentes, verdadeiramente constitutivos de prius procedimental, a consubstanciarem - ao invés do impetrado -, razões bastantes para evidenciar a adequação da decisão impugnada, maxime, quando faz ressumar (assim destacando, por remissão intertextual) que:

« (…) o Novo Código de Processo Civil, no artº. 703, restringiu a espécie de títulos executivos, eliminando os documentos particulares que importem o reconhecimento ou a constituição de uma obrigação pecuniária, cujo montante seja determinável por simples cálculo aritmético, ou obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto seu elenco, a não ser, conforme expressamente é referido na alínea b) do nº1 daquela disposição legal, que os mesmos tenham sido exarados ou autenticados por notário ou outras entidades ou profissionais com competência para tal.

No caso dos autos, a exequente invoca como título executivo o documento autenticado “Confissão de Dívida”.

Dispõe o artº. 46, do Código do Notariado, sobre as formalidades comuns aos instrumentos notariais, especificando o artº. 151, do mesmo diploma legal, os requisitos comuns para a autenticação dos documentos particulares nos seguintes termos, a saber:

 “1 – O termo de autenticação, além de satisfazer, na parte aplicável e com as necessárias adaptações, o disposto nas alíneas a) a n) do nº1 do artigo 46, deve conter ainda os seguintes elementos:

- a declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade;

- a ressalva das emendas, entrelinhas, rasuras ou traços contidos no documento e que não estejam devidamente ressalvados.

2 – É aplicável à verificação da identidade das partes, bem como a intervenção de abonadores, intérpretes, peritos, litores ou testemunhas, o disposto para os instrumentos públicos.”

Por sua vez, o artº. 70, do Código de Notariado, prevê os casos de nulidade do acto notarial por vício de forma, prescrevendo o seu nº 1 o seguinte:

“O ato notarial é nulo, por vício de forma, apenas quando falta algum dos seguintes requisitos:

- a menção do dia, mês e ano ou do lugar em que foi lavrado;

- a declaração do cumprimento das formalidades previstas no artigo 65 e 66;

- a observância do disposto na primeira parte do nº2 do artigo 41;

- a assinatura de qualquer intérprete, perito, leitor, abonador ou testemunha;-

- a assinatura de qualquer dos outorgantes que saiba e possa assinar;

- a assinatura do notário;

- a observância do disposto na alínea g) do nº1 do artigo 46.”.

In casu, analisado o termo de autenticação, verifica-se que se encontra em falta a menção aos outorgantes que figuram como credores na mencionada “Confissão de Dívida”, sendo certo que tal omissão não foi sanada nos termos previstos no nº2, alínea d) da mesma disposição legal.

Ademais, os devedores, aqui executados, que se encontram mencionados no acto de autenticação também não assinaram o termo (foi apenas feito o reconhecimento presencial das assinaturas, que não é uma autenticação).

Deste modo, a falta de assinaturas dos dois executados determina que, presentemente, tais falhas não possam ser supridas atento o decurso do tempo entre o documento sob o título “Confissão de Dívida” e o momento actual».

O que determina, perante tal circunstancialismo, efectivamente, reconhecer que «o termo de autenticação é nulo, nulidade, essa, que se reconduz à invalidade do próprio título executivo, pelo que se verifica a falta de título executivo para a execução, nos termos previstos no artigo 726, nº. 2, alínea a), do Código de Processo Civil».

-

Assim, pois que, “em termos gerais, impõe-se desde logo salientar que o elenco dos títulos executivos previstos no artigo 703.° obedece ao princípio da tipicidade [Cfr. ANTÓNIO MONTALVÃO MACHADO e PAULO PIMENTA, O Novo Processo Civil, 11.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 46; para JOÃO PAULO REMÉDIO MARQUES (Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Almedina, Coimbra, 2000, p. 54), o regime do artigo 46.º (agora 703.º) parece apontar para uma tipicidade taxativa dos títulos executivos; no sentido de que o principio decorrente do disposto no artigo 46.'º (agora 703º) revela o afastamento, nesta matéria, da mera consensualidade, cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Themis, n.º 7, cit., p. 38], não sendo permitida a criação de títulos executivos em violação do citado normativo, razão por que será irrelevante a convenção, em qualquer contrato, conferindo-lhe natureza ou força executiva.

(…)

O segundo dos títulos executivos, previsto na al. b), refere-se aos documentos exarados e autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação. A definição do que são documentos autênticos ou particulares autenticados encontra-se no artigo 363.°, do CC, estipulando-se no seu n.º 2 que apenas são autênticos os que forem exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de atividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares. Por sua vez, nos termos do seu n.º 3, os documentos particulares são havidos por autenticados, se forem confirmados pelas partes perante o notário, nos termos prescritos nas leis notariais.

(…)

No que respeita aos documentos particulares e à possibilidade da sua certificação/autenticação, invocando, também, a análise da respetiva sequência legislativa.

Assim, num primeiro momento, através do Decreto-Lei n.º 38/2000, de 13 de março, o legislador veio permitir às Juntas de Freguesia e aos CTT - Correios de Portugal, SA, a faculdade de certificar a conformidade de fotocópias com os documentos originais que lhes sejam apresentados para esse fim, podendo ainda as mesmas entidades proceder à extração de fotocópias dos originais que lhes sejam presentes para certificação, conferindo idêntica possibilidade, querendo, às câmaras de comércio e indústria reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n. ° 244/92, de 29 de dezembro, aos advogados e solicitadores.

Mais tarde, prescreveu-se no artigo 5.º, do Decreto-Lei n.º 237/2001, de 30 de agosto, que as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n." 244/92, de 29 de outubro, os advogados e os solicitadores, podem fazer reconhecimentos com menções especiais, por semelhança, nos termos previstos no Código do Notariado, podendo ainda certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 28/2000, de 13 de março.

Finalmente, estabeleceu-se no artigo 38.º, n. ° 1, do Decreto-Lei n. ° 76-A/2006, de 29 de março, que sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos nos termos previstos na lei notarial, prescrevendo-se no seu n. ° 2 que os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efetuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais atas tivessem sido realizados com intervenção notarial. No entanto, por força do seu n.º 3, os referidos atos apenas podem ser validamente praticados pelas aludidas entidades mediante registo em sistema informático, cujo funcionamento, respetivos termos e custos associados são definidos por portaria do Ministro da Justiça.

Na parte que agora interessa considerar, resulta deste último diploma que as Câmaras de Comércio e Indústria reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de dezembro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores, dispõem de competência para fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, para autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos nos termos previstos na lei notarial, conferindo a esses documentos a mesma força probatória que teriam se tais atos tivessem sido realizados com intervenção notarial. E assim sendo, deverá concluir-se que estas entidades também têm competência para autenticar documentos para efeito do disposto no artigo 363.º, do CC, devendo este considerar-se tacitamente atualizado nessa parte.

De qualquer modo, impõe-se salientar que o documento particular apenas poderá ser considerado autenticado se o seu teor tiver sido confirmado pelas partes perante o certificante (o notário, a câmara de comércio e indústria, o conservador, o oficial de registo, o advogado ou o solicitador), nos termos prescritos nas leis notariais, circunstância que terá de constar da respetiva autenticação, não bastando apenas o facto de os mesmos procederem ao reconhecimento das assinaturas. De facto, em face do que resulta do disposto no artigo 35.º, n.º 1, do Código do Notariado (Publicado pelo Decreto-Lei n.º 207/95, de 14 de agosto, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 125/2013, de 30 de agosto), os documentos lavrados pelo notário, ou em que ele intervém, podem ser autênticos, autenticados ou ter apenas o reconhecimento notarial, esclarecendo-se nos seus n.ºs 2 a 4 que são autênticos os documentos exarados pelo notário nos respetivos livros, ou em instrumentos avulsos, e os certificados, certidões e outros documentos análogos por ele expedidos (…) São autenticados os documentos particulares        confirmados, pelas partes, perante notário (…) Têm reconhecimento notarial os documentos particulares cuja letra e assinatura, ou só assinatura, se mostrem reconhecidas por notário, resultando ainda do seu artigo 36.°, n.º 4 que os termos de autenticação e os reconhecimentos são lavrados no próprio documento a que respeitam ou em folha anexa.

No entanto, convém não esquecer que, para a finalidade aqui prosseguida, a autenticação apenas será considerada se o ato for registado de imediato no respetivo sistema informático ou, em caso de indisponibilidade, dentro do prazo máximo de 48 horas (cfr. artigos 1.º e 4.° da Portaria 657-B/2006, de 29 de junho), pelo que, sendo apresentado à execução documento autenticado sem que o respetivo registo tenha sido efetuado nos termos sobreditos, deverá concluir-se que o documento não reúne os requisitos legalmente exigidos para que possa ser considerado título executivo” (Cf. Virgínio da Costa Ribeiro/Sérgio Rebelo, A Acção Executiva Anotada e Comentada, 2015, pp. 138/141).

O que impõe atribuir resposta negativa às questões em I e II.

*

Podendo, assim, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº7, NCPC), que:

1.

O Novo Código de Processo Civil, no artº. 703, restringiu a espécie de títulos executivos, eliminando os documentos particulares que importem o reconhecimento ou a constituição de uma obrigação pecuniária, cujo montante seja determinável por simples cálculo aritmético, ou obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto seu elenco, a não ser, conforme expressamente é referido na alínea b) do nº1 daquela disposição legal, que os mesmos tenham sido exarados ou autenticados por notário ou outras entidades ou profissionais com competência para tal.

2.

No caso dos autos, a exequente invoca como título executivo o documento autenticado “Confissão de Dívida”.

3.

 Dispondo o artº. 46, do Código do Notariado, sobre as formalidades comuns aos instrumentos notariais, especificando o artº. 151, do mesmo diploma legal, os requisitos comuns para a autenticação dos documentos particulares, enquanto, por sua vez, o artº. 70, do Código de Notariado, prevê os casos de nulidade do acto notarial por vício de forma.

4.

Analisado o termo de autenticação, verifica-se que se encontra em falta a menção aos outorgantes que figuram como credores na mencionada “Confissão de Dívida”, sendo certo que tal omissão não foi sanada nos termos previstos no nº2, alínea d) da mesma disposição legal.

5.

Os devedores, aqui executados, que se encontram mencionados no acto de autenticação, também não assinaram o termo (foi apenas feito o reconhecimento presencial das assinaturas, que não é uma autenticação).

6.

Deste modo, a falta de assinaturas dos dois executados determina que, presentemente, tais falhas não possam ser supridas, atento o decurso do tempo entre o documento sob o título “Confissão de Dívida” e o momento actual» (vide art. art. 726º, nº1, al.a) NCPC).

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, assim se confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC..

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Coimbra, 6 de Novembro de 2018.

António Carvalho Martins ( Relator)

Carlos Moreira

Moreira do Carmo