Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | TELES PEREIRA | ||
Descritores: | INVENTÁRIO BENS NÃO LICITADOS TRIBUNAL | ||
Data do Acordão: | 01/15/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU – 4º JUÍZO CÍVEL | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 1363º, 1374º, 1382º E 1396º, NºS 1 E 2 DO C. P. CIVIL. | ||
Sumário: | I – Em processo de inventário, os bens não licitados por qualquer dos interessados são, em princípio, atribuídos (adjudicados) em compropriedade aos interessados, na proporção dos respectivos quinhões e procurando preencher, assim, o que estiver em falta no quinhão de cada um. II – Essa composição, que na falta de acordo se concretiza por uma atribuição (composição) efectuada pelo Tribunal, deve respeitar um princípio de equilíbrio na distribuição, não podendo traduzir-se na criação de avultadas dívidas de tornas de um interessado relativamente aos outros, em total desproporção com os bens efectivamente envolvidos na partilha. III – Em termos práticos, e sempre que falte um acordo entre os interessados, as percentagens em que esses bens não licitados são distribuídas pelo Tribunal a cada interessado devem evitar a criação de dívidas de tornas (ou reduzir estas a valores proporcionalmente pouco significativos), mesmo que a concretização deste objectivo implique uma atribuição desigual desses bens não licitados. IV – A função primordial de um inventário – particularmente de um inventário só com activo – é a de distribuir bens entre os herdeiros e não a de criar, com a atribuição pelo Tribunal de bens não licitados, créditos avultados entre os interessados. | ||
Decisão Texto Integral: | Acórdão na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1. Emergiu a presente apelação a culminar um inventário iniciado em 2008[1] – culminar refere-se aqui à prolação da Sentença homologatória da partilha de fls. 354 [artigo 1382º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)], sendo esta que propiciou a interposição do recurso aqui em causa (cfr. o artigo 1396º, nºs 1 e 2 do CPC) –, inventário este por óbito de I…, no qual são interessados M… (a cabeça de casal, sobrinha da Inventariada), C… (irmã da Inventariada), S… (sobrinha da Inventariada e Apelante no especial contexto deste recurso) e J… (sobrinho da Inventariada e Apelado no mesmo contexto, pugnando ele – e só ele – pela manutenção da decisão recorrida). 1.1. Resulta o recurso – e assim expomos os elementos do iter processual do inventário que são relevantes para lograrmos compreender o objecto da apelação presente a esta instância – resulta o recurso, dizíamos, de um desacordo persistente entre a Interessada Apelante S… e o Interessado Apelado J… quanto à composição dos respectivos quinhões, com reflexo nas tornas devidas por aquela a este (tornas essas no valor de €61.616,50), desacordo quanto a essa composição de quinhões, fundamentalmente decorrente do despacho de fls. 276[2] – em rigor acaba por ser este o despacho aqui recorrido[3] – e da subsequente homologação judicial da partilha. É, pois, a forma de compor os quinhões de dois dos Interessados, S… e J…, o que aqui está em causa, descrevendo-se seguidamente os termos do inventário que conduziram à situação, ao impasse, que o resultado do inventário acabou por expressar – a avultada dívida de tornas entre dois Interessados –, resultado esse que é atacado através do presente recurso. 1.2. Iniciou-se o inventário a requerimento do Interessado J…, nele foi apresentada a relação de bens pela cabeça de casal e, depois de realizadas algumas avaliações de bens, atingiu-se a conferência de interessados, que aqui tomamos como ponto de partida expositivo. Nesta diligência, estabilizou-se por acordo qual o acervo hereditário (quais os bens a partilhar e os respectivos valores)[4], envolvendo este acordo o aditamento à relação de bens de uma verba (composta por um prédio rústico), identificada como verba 26A. Procedeu-se aí (na conferência), face ao desacordo dos interessados quanto à composição dos quinhões respectivos, a licitações (artigo 1363º, nº 1 do CPC). Preambularmente a estas, por acordo de todos, formou-se um lote com as verbas 27 a 30 (móveis doados à Interessada C… no valor de €400,00), resultando o seguinte das licitações: (a) as verbas 1 a 15 (móveis) não foram licitadas; (b) as verbas 16 a 22 (imóveis) foram licitadas pelo Interessado J…, respectivamente, por €250,00, €440,00, €860,00, €1.520,00, €770,00, €600,00, €2.820,00; (c) a verba 23 (imóvel) foi licitada pela Interessada C… pelo valor de €22.864,00; (d) a verba 24 (imóvel) foi licitada pela Interessada M… pelo valor de €226.000,00; (e) a verba 25 (imóvel) não foi licitada, sendo o seu valor de €715.491,00; (f) a verba 26 (imóvel) foi licitada pela Interessada S… por €157.000,00; (g) a verba 26A (imóvel) não foi licitada, sendo o seu valor de €199.200,00; (h) o lote de móveis formado pelas verbas 27 a 30, doadas pela Inventariada à sua irmã C…, não foi licitado.
1.3. Nesta sequência, a Interessada M…, a cabeça de casal, deu a forma à partilha, indicando o seguinte quanto ao preenchimento dos quinhões: 1.4.1. A proposta de preenchimento dos quinhões apresentada pela cabeça de casal recolheu o acordo das Interessadas C… e S… e o desacordo do Interessado J…, que apresentou a seguinte alternativa: 1.4.2. A Interessada C… expressou o seu desacordo a esta composição. 1.5. Surge então, face ao persistente desacordo dos dois blocos de Interessados (o J… de um lado e as três outras Interessadas de outro), proferido pelo Senhor Juiz a quo, o despacho de fls. 276 (em rigor é este o despacho recorrido), que aqui transcrevemos: 1.5.1. Foram os lotes a sortear organizados pela Secretaria e aceites pelo Senhor Juiz a fls. 277, procedendo-se ao sorteio dos mesmos a fls. 280, resultando desta operação a atribuição do lote 1 (verbas 1,3, 4,10) à Interessada M…, do lote 2 (verbas 2, 6, 11) ao Interessado J…, do lote 3 (verbas 5, 12, 15) à Interessada S… e do lote 4 (verbas 7, 8, 9, 13 e 14) à Interessada C... 1.5.2. Ilustra o persistente desacordo dos dois aludidos blocos de Interessados os requerimentos de fls. 283/285[5] e de fls. 288[6]. 1.6. Do mapa informativo de fls. 298 (artigo 1376º, nº 1 do CPC) resultou – e cingimo-nos aqui à incidência relevante para este recurso – que a Interessada S… daria tornas ao Interessado J… no valor de €61.616,50, determinando-se (no despacho de fls. 300) a notificação prevista no artigo 1377º do CPC, reclamando o J… o pagamento destas tornas apuradas a seu favor (requerimento de fls. 302). 1.6.1. Interessa aqui a posição do Julgador que se expressou no despacho de fls. 304: 1.7. A Interessada S…, na sequência da notificação para o pagamento de tornas, e reiterando posição anterior, veio dizer o seguinte: 1.8. Consta o mapa da partilha (a versão final deste decorrente de diversas correcções) de fls. 336/338, dele resultando a persistência da dívida de tornas da Interessada S… ao Interessado J… de €61.616,50. E, enfim, foi proferida a fls. 354, com o pressuposto de emergir a dívida de tornas aqui em causa ao Interessado J…, a Sentença homologatória da partilha. Foi esta última decisão que, processualmente, desencadeou o presente recurso. 1.9., Com efeito, inconformada com o resultado do inventário apelou a Interessada S…, concluindo o seguinte a rematar as alegações adrede apresentadas: II – Fundamentação 2. Apreciando a apelação, consignamos, desde já, que o respectivo âmbito temático foi delimitado pelas conclusões formuladas pela Apelante, as conclusões a cuja transcrição procedemos no item anterior (cfr. os artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC).
Os factos a considerar nesta apelação são, fundamentalmente, os que se relataram ao longo do item 1. – propiciam eles, pois, a compreensão do litígio que se apresenta a esta instância –, estando todos esses factos e incidências perfeitamente documentadas no processo. 2.1. Em rigor, pretende a Apelante obter nesta sede uma sobreposição interpretativa ao despacho de fls. 276, no seu trecho final – “[q]uanto aos bens imóveis (verbas nº25 e 26A) estes serão imputados ao quinhão de cada um dos interessados na proporção do que cada um tem direito a receber” –, interpretação esta, dizíamos, da qual resulte que os imóveis não licitados (as verbas 25 e 26A) devem ser adjudicados em compropriedade aos três herdeiros, cujos quinhões não foram integralmente preenchidos pelas licitações e adjudicações (S…, C… e J…), nas proporções correspondente aos valores em falta nesses quinhões, de modo a que não haja lugar ao pagamento de tornas, mesmo que isso implique o trânsito de percentagens da Apelante para o Apelado numa verba (a 25) na qual este já é comproprietário, em termos de quase eliminar o valor das tornas por ela (Apelante) devido a ele (Apelado)[8]. Basicamente, simplificando as coisas, pretende a Apelante aquilo que diz na conclusão 19 da sua motivação acima transcrita e sublinhada. Ao invés, pretende o Apelado receber da Apelada (e cobrar aqui, no próprio inventário, através da venda de bens adjudicados a ela) os €61.616,50 de tornas que o mapa informativo e os termos omissivos do esclarecimento do sentido desse despacho de fls. 276 pelo Magistrado seu autor induziram: induziu esse estado de coisas, com efeito, essa avultada dívida de tornas. A procedência do recurso significará, pois, a introdução, em termos decisórios, desse esclarecimento no trecho final do despacho de fls. 276 – repete-se, do despacho aqui implicitamente atacado no ulterior desenvolvimento do inventário que induziu – e a posterior reorganização das operações de partilha em conformidade com essa incidência. 2.2. Aceitamos, como ponto de partida, que a resolução da questão colocada pela Apelante no recurso não decorra da evidência de que qualquer norma disciplinadora da adjectivação do inventário tenha sido directamente violada, em termos que nos permitam apontar à decisão apelada um erro de direito evidente. Porém, nem por isso essa decisão pode ser considerada correcta. Existiu, com efeito, infelizmente, um défice de esclarecimento pelo Magistrado autor do despacho de fls. 276, do trecho final deste, em termos que viriam a originar um espaço de alguma ambiguidade, que se reflectiu na composição de quinhões através das duas verbas não licitadas nem sorteadas (as verbas 25 e 26A), sendo que esse estado de coisas – em rigor a falta de esclarecimento do sentido desse despacho – fez nascer, numa espécie de geração processual espontânea, a avultada dívida de tornas da Apelante ao Apelado. Ora, admitindo que o entendimento que conduziu a este estado de coisas não correspondia ao sentido visado pelo Senhor Juiz a quo ao mandar imputar as verbas 25 e 26A no quinhão de cada interessado “na proporção do que [teria] direito a receber”, sempre haveria que esclarecer essa questão, evitando-o, tendo presente o debate posteriormente desencadeado no inventário entre os dois grupos de interessados. Contrariamente, se era este resultado que se visava com esse trecho final do despacho de fls. 276 – se se aceitava como correcto esse resultado –, também haveria que o assumir claramente, dadas as dúvidas persistentes. Se o que ocorreu foi este último caso – pretendia-se exactamente este resultado da partilha – estamos convictos que se gerou uma divisão de bens desequilibrada – para não a qualificarmos de absurda – no sentido em que através de uma atribuição “administrativa” (no sentido de realizada autonomamente pelo Tribunal) de parte de uma verba que ninguém quis licitar, se deu origem (num inventário sem qualquer passivo) ao nascimento de uma dívida de mais de sessenta mil euros entre dois interessados, detentores de quotas hereditárias iguais, em função da atribuição de parte de um bem que ninguém licitou (portanto com o qual ninguém quis ficar). Estamos, concedemo-lo, num domínio pouco definido quanto a regras que directamente resolvam questões deste tipo (o destino de bens não licitados). Todavia, nestas situações, haverá que buscar orientação decisória, fundamentalmente, nos princípios gerais e através da projecção efectiva da essência do processo de inventário, enquanto modo de organizar uma repartição justa e equitativa dos bens integrantes do património hereditário, por referência às regras substantivas atinentes à sucessão, aplicadas estas à distribuição dos elementos activos e passivos que formam esse património, sem esquecer que, em última análise, não obstante o inventário visar pôr fim à situação de comunhão patrimonial, quando ninguém licita uma verba, não pode deixar de se imputar a quem cria essa situação (rectius, a todos os Interessados) uma aceitação implícita da permanência da situação de indivisão relativamente ao que não for licitado por ninguém. O que não parece justo é ser o Tribunal a proceder a atribuições de partes dessas verbas não licitadas, pior ainda quando essa atribuição se faz, como aqui sucedeu, em termos que se nos afiguram desequilibrados. Vejamos, pois, a incidência destas ideias no caso concreto. 2.2.1. Porque as coisas num inventário nem sempre – aliás, quase nunca – se reduzem à simplicidade de dividir três bens de valor unitário exactamente igual por três pessoas com direito a um terço cada uma, as operações de partilha adquirem complexidade, gerando movimentos de deve e haver entre os interessados, os quais, mesmo que enunciados em termos abstractos no iter do inventário (é essa a função essencial dos mapas informativo e da partilha), acabam por implicar o nascimento de créditos e de dívidas entre os interessados, decorrentes das transferências de valores induzidas pelas operações de partilha, créditos e dívidas cuja exigência e satisfação correspondem, frequentemente, à efectiva realização da divisão do acervo hereditário por referência às quotas ideais correspondentes àquele concreto fenómeno sucessório, actuando dinamicamente no processo. É neste quadro que nasceu no presente inventário o crédito de tornas do Apelado (e a correspondente dívida dessas tornas pela Apelada). Todavia – e trata-se de uma circunstância significativa –, não aparece esse valor em função de uma postura activa da Interessada S… na aquisição, por via das licitações, de bens pertencentes ao acervo hereditário para além do valor do seu quinhão hereditário[9]. Contrariamente, tendo esta sido, como afirma e é confirmado pelos autos, cautelosa, actuando em função das suas disponibilidades, denotando mesmo aversão ao risco no seu comportamento processual (não extravasou da sua quota), viu ela, algo paradoxalmente, o valor dos bens que lhe couberam valorativamente inflacionado em função (só em função) do que antes referimos como “atribuição administrativa” de bens imóveis não licitados. Vale isto por dizer que a dívida de tornas nos aparece aqui em função de uma arrumação realizada pelo Tribunal que, em função de uma valoração fundamentalmente idealizadas dos bens abrangidos por essa atribuição, veio a propiciar um movimento aparente de valores entre os interessados – aparente no sentido em que expressa um arranjo contabilístico de acerto de valores e não uma transferência real de bens. Estamos, assim, perante um resultado do inventário que reputamos de menos justo e equitativo na repartição de valores e de encargos entre os interessados, mesmo que possamos ver esse resultado como contabilisticamente correcto. Com efeito, transformou-se aqui a divisão de um património, assente em movimentações contabilísticas de valores, na fonte de uma dívida avultada para um interessado, fora do quadro de uma postura agressiva de aquisição de bens no inventário por esse mesmo interessado, esquecendo-se que mais que repartir bens se estava a repartir, através de uma atribuição alheia à vontade dos visados, valores ideais que, em última análise, gerariam (e aqui geraram) dívidas reais. Ora, mesmo fora da pura e simples persistência da indivisão quanto ao que ninguém quis, a alocação destes valores, se realizada com mais cuidado, poderia produzir um resultado mais equitativo e justo, no sentido em que os créditos de tornas a que poderia dar lugar apresentariam valores substancialmente mais equilibrados e proporcionais, no quadro de uma divisão igualitária de bens, como a que aqui ocorre entre a Apelante e o Apelado. O resultado alcançado parece-nos, pois, injusto e cremos que a divisão propugnada pela Apelante, assente fundamentalmente na transferência de partes de bens imóveis dos quais já se é – já é o Apelado – comproprietário, ou na manutenção da indivisão quanto a bens determinados (os não licitados), percentualmente calculada pelos valores em falta nos quinhões de cada um, evita esse desvalor, promovendo um resultado mais conforme com os princípios materiais de justiça distributiva subjacentes à adjectivação de uma partilha. 2.2.2. A este respeito importará ponderar o seguinte, no quadro da caracterização do que consideramos corresponder aos princípios estruturantes da partilha judicialmente organizada, como elementos actuantes enquanto regras de decisão do julgador a respeito do poder de controlo deste quanto à composição de quinhões, fora de um quadro de acordo entre todos os interessados (como sucede com a composição por via de atribuição do que resta ou de sorteio[10]):
Vale esta ideia de controlo da composição equilibrada dos quinhões, caracterizado a propósito da escolha prevista no artigo 1377º do CPC, para as situações de atribuição proporcional de bens não licitados, sendo que entendemos (v. nota 11 supra), por completa identidade de razão, sempre competir ao julgador, na falta de acordo entre os interessados, um poder de recompor elementos da atribuição de bens restantes em termos de obviar a consequências menos justas, como sucede com o nascimento de uma avultada dívida de tornas, totalmente à margem da vontade do devedor assim criado, e contra a própria ideia de uma repartição igualitária efectiva entre os que concorrem à herança em posição quantitativa abstractamente igual, como aqui sucede com a Apelante e o Apelado[12].
Não cremos que o Julgador tenha exercido neste caso, face às dúvidas posteriormente suscitadas pelo seu despacho de fls. 276 e à concretização de uma partilha ostensivamente desequilibrada, esse poder de correcção de desajustamentos. E, enfim, o que é facto, é que através da avultada obrigação de tornas a cargo da Apelante, nascida totalmente à margem da vontade e do comportamento desta no inventário, veio o Apelado a ser colocado numa situação de desproporção na repartição do valor da herança. Esqueceu-se que, havendo bens não licitados da mesma natureza (os dois imóveis) para distribuir percentualmente pelos interessados em termos que permitem igualar, com grande proximidade pelo menos, os diversos quinhões, a opção por uma composição que, na prática, se refere a dinheiro (que implica um avultado pagamento de tornas), representou uma sobrecarga intolerável da Interessada ora recorrente que poderia ter sido evitada. Bastava – bastará –, através de uma outra distribuição das percentagens desses bens (ou até da alocação de um bem a um e não a outro dos Interessados envolvidos) em função dos valores em falta nos quinhões de cada um, assegurar uma aproximação final ao valor correspondente a cada um desses quinhões. Com efeito, parece-nos corresponder mais adequadamente ao espírito das alíneas b), c) e d) do artigo 1374º do CPC[13], estando em causa uma adjudicação em compropriedade dos bens não licitados (como não poderá deixar de suceder aqui), que a distribuição se faça, na falta de acordo, em percentagens diferenciadas de bens, evitando as tornas ou reduzindo muito o seu valor, evitando, enfim, a criação de avultados créditos de um Interessado, contra a vontade (e até a capacidade económica) do Interessado devedor dessas tornas. A não ser assim, porque da distribuição de valores calculados por abstracção aqui se trata fundamentalmente, em rigor, está-se a entregar a um dos Interessados, sob a forma de um avultado crédito, algo que, verdadeiramente, não existia no património hereditário. Lembra-se, pois, o que aqui parece ter sido esquecido ou pouco valorizado: a função primordial de um inventário, no que respeita às posições activas do correspondente património, é a de distribuir bens e não a de criar, numa espécie de mecanismo de geração espontânea, créditos entre os herdeiros. E esta função de distribuição de bens vale mesmo para partes ou percentagens de bens, quando, por esgotamento ou inexistência de outras alternativas, a distribuição individualizada por via de licitações e de sorteio não ponha fim a alguma indivisão, relativamente a certos bens, obrigando à persistência desta. 2.3. É com este sentido que entendemos dever acolher aqui a pretensão da Apelante, determinando, quanto ao trecho final do despacho de fls. 276, que no preenchimento dos quinhões, concretamente dos dos Interessados J… e S…, com base na distribuição de partes das verbas 25 e 26A não licitadas, se adopte, na falta de um ulterior acordo dos Interessados, uma distribuição proporcional que reduza muito substancialmente o valor das tornas devidas (reduza estas a valores próximos, por excesso ou defeito, de €1.000,00/€2.000,00[14]) ou que, na impossibilidade de satisfatoriamente obter este resultado, implique a manutenção dessas verbas em compropriedade entre os Interessados pelos valores em falta no preenchimento de cada um dos quinhões (pelas percentagens correspondentes a esses valores em falta). Adicionalmente, em vista do cumprimento deste Acórdão na primeira instância, esclarece-se o seguinte: a) pode o cumprimento do antecedentemente determinado significar que alguma das duas verbas envolvidas seja adjudicada a um Interessado e não a outro; b) implicará o decidido a repetição e recomposição de todos os termos da partilha posteriores a esse despacho de fls. 276 na medida do necessário (novo mapa informativo, se for o caso; novo mapa da partilha; só se manterá o que for compatível com a recomposição dos quinhões no sentido aqui determinado). 2.4. Entretanto, aqui se deixam, sumariados, os elementos centrais da antecedente exposição: III – Decisão 3. Em face do exposto, na procedência da apelação, determina-se, tomando por referência o trecho final do despacho de fls. 276 (entendido este agora nos termos aqui indicados), a recomposição do preenchimento dos quinhões, conforme o que se referiu no item 2.3. supra. Custas do recurso a cargo do Interessado J…, que ficou vencido nesta instância. J. A. Teles Pereira (Relator) Manuel Capelo Jacinto Meca [1] Importa sublinhar que se trata de processo de inventário iniciado em 2008. São-lhe aplicáveis, assim, as alterações ao regime dos recursos em processo civil introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. os respectivos artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1) e todas as normas do Código de Processo Civil adiante indicadas pressupõem a redacção introduzida pelo referido DL 303/2007. [2] Datado de 17/06/2011 ao qual corresponde no histórico do sistema Citius a referência 6101885. [3] Sem esquecer que existem termos do processo, posteriores a este despacho, determinados por ele e que a procedência do recurso afectará num efeito dominó (v. o item 2.3., infra). [4] Aqui se deixa nota de que essa questão está ultrapassada, sendo pressupostos neste recurso – rectius, estão fixados – quais os bens a partilhar e o valor dos mesmos. [5] Este das Interessadas M…, S… e C... [6] Este do Interessado J... [7] Sendo que a C… não reclamou aqui quaisquer tornas da S… [8] São estas as duas alternativas, aqui trocadas de ordem nos termos em que as apresentamos, que a Apelante coloca no final das conclusões do recurso (I e II acima transcritas no fim do item 1.9.) como pedido formulado a esta instância. [9] Corresponde este a €221.465,00, sendo que licitou um imóvel por €157.000,00. [10] Sendo que consideramos não estar excluído, bem pelo contrário, um poder judicial de controlo do resultado dessa atribuição e desse sorteio, em termos de assegurar, em qualquer caso, uma composição equilibrada dos quinhões a posteriori, corrigindo discrepâncias decorrentes da atribuição como mera operação contabilística e também do sorteio, como forma aleatória de atribuição de bens. [11] João António Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. II, 3ª ed., Coimbra, 1980, p. 401/402. [12] Sublinhamos que este mesmo princípio é aplicado pelo Acórdão da Relação do Porto de 27/09/2011 (Ramos Lopes), proferido no processo nº 2519/06.0TBSTS.P1, que aqui pode ser invocado como precedente persuasivo. Está este aresto (que a Apelante correctamente mencionou no seu argumentário) disponível no sítio do ITIJ, directamente, no endereço: http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/293d8ee4bd16e92880257922003a51a. Destacamos o seguinte trecho do sumário: “[…] Os bens não licitados são adjudicados a todos os interessados, em compropriedade, na proporção necessária ao integral preenchimento dos quinhões das interessadas licitantes, na exacta proporção em falta depois de considerados os bens por elas licitados, e os não licitantes, na proporção necessária ao preenchimento do seu quinhão. […]” E do texto da decisão respigamos a seguinte passagem: “[…] [D]a aplicação da primeira parte da alínea b) do artigo 1374º do C.P.C. em ordem ao preenchimento do quinhão do interessado não licitante não poderá resultar, como a este propósito bem se assinala na decisão recorrida, uma atribuição excedente do valor do referido quinhão. Na verdade, o ‘objectivo «igualitário» da norma não pode violar a vontade hipotética do não licitante, pois que se este não concorreu às licitações foi porque, pelo menos – sem prejuízo de outros motivos – não quis contrair dívidas com tornas originadas pelo excesso da respectiva quota’, pelo que ao provocar ‘a mesma consequência que o não licitante quis evitar, a aplicação do preceito com tal amplitude conduziria à produção de um efeito perverso, na perspectiva do fim prosseguido pela lei, ao transformar aquele interessado em devedor, desprotegendo-o economicamente perante os restantes, apenas para o inteirar no seu direito com bens cujo valor no inventário, poderá, as mais das vezes, ser incerto ou, pelo menos, duvidoso, ao ponto de não ter despertado a vontade dos licitantes’. Se assim não fosse e se o não licitante pudesse ver a sua quota preenchida com mais bens do que os necessários, ‘mal se compreenderia que o mecanismo previsto para a correcção do excesso de bens licitados no artigo 1377º do CPC, seja pelo pagamento das tornas reclamadas pelos respectivos credores, seja pelo reposicionamento das verbas a mais nos moldes explicitados nos nº 2 a 4 daquele artigo, não tivesse contemplado, da mesma forma, o excesso de bens atribuídos aos não licitantes, nos termos da alínea b) do artigo 1374º, além de se afigurar incongruente que a lei permitisse a esse não licitante ‘exigir a venda quando não fosse inteirado com bens de natureza diferente dos licitados, e não já quando, apesar do preenchimento do respectivo quinhão se ter efectuado com bens da mesma espécie e natureza dos licitados, estes mesmos superassem o valor desse seu quinhão’. Mas se o quinhão do interessado não licitante não pode ser preenchido com as verbas não licitadas, por tal implicar que o seu quinhão seja excedido, nem se verificam os pressupostos necessários para se aplicar a segunda parte da alínea b) do artigo 1374º do CPC (seja pela impossibilidade do quinhão deste ser validamente preenchido com o bem não licitado, seja porque na herança existem bens de natureza e espécie idênticas aos licitados), a solução há-de resultar dos princípios que dominam o inventário, não repugnando ‘que, por determinação judicial, se estabeleça compropriedade entre os interessados, designadamente no caso de não ser possível doutra forma obter-se a composição dos quinhões’ – conseguindo-se de tal forma não só respeitar ao máximo a vontade dos interessados livremente manifestada na licitação, como obter a igualação da partilha operada através da atribuição de bens da mesma espécie e natureza a todos os interessados. No fundo, a solução é a do caminho residual que corresponde ao escopo da partilha – fazer quinhoar todos os interessados no bom e no mau, que se realiza com a atribuição do bem não licitado a todos os interessados em comum e proporcionalmente, em analogia com o prescrito na parte final da alínea d) do artigo 1374º do CPC. […]”. No mesmo sentido, João António Lopes Cardoso: “[…] [N]ão repugna que, por determinação judicial, se estabeleça compropriedade entre os interessados, designadamente no caso de não ser possível doutra forma obter-se a composição de quinhões. […]” (Partilhas Judiciais, cit., p. 443). [13] E, à partida, não nos parece que o trecho final do despacho de fls. 276 excluísse – exclua – esse entendimento, tratando-se, fundamentalmente, de esclarecer o sentido deste. [14] E, tenha-se presente, que indicamos este valor não arbitrariamente, mas porque a Interessada Apelante a um valor próximo desse se refere, aceitando-o na economia argumentativa do seu recurso (v. a conclusão 19 das alegações do recurso). |