Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
327/10.3PBVIS.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: CÚMULO JURÍDICO DE PENAS
CRIME
DATA DA INFRACÇÃO
DATA
CONDENAÇÃO
SENTENÇA CONDENATÓRIA
TRIBUNAL COMPETENTE
Data do Acordão: 04/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TONDELA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 471º Nº 2 CPP
Sumário: Se forem vários os crimes conhecidos posteriormente, sendo uns praticados antes de condenação anterior e outros praticados depois dela, é o tribunal da última condenação o competente quer para a realização do cúmulo jurídico relativo a penas aplicadas antes da condenação anterior, quer para o cúmulo jurídico relativo a crimes praticados depois daquela condenação.
Decisão Texto Integral: Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO


1.

Realizado o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido A... nos processos 164/10.5GCTND, 1613/09.0PBVIS, 1646/09.7PBVIS, 32/10.0GCTND, 9/10.6GCTND E 327/10.3PBVIS, foi-lhe aplicada a pena única de 16 anos e 6 meses de prisão.
Relativamente às várias outras condenações que o arguido sofreu o tribunal recorrido decidiu não as incluir no cúmulo jurídico realizado pelas seguintes razões:
- por via do disposto no art. 78º do Código Penal  havia que realizar dois cúmulos jurídicos autónomos;
- tendo presente o nº 2 do art. 471º do C.P.P., que determina que o tribunal competente para realizar o cúmulo jurídico é o tribunal da última condenação, entendeu que a sua competência para elaboração do cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido se restringia aos referidos processos, não detendo competência para realizar o cúmulo jurídico das penas cujo momento temporal inicial era o processo 294/05.5NJLSB, cabendo a competência para o efeito ao 2º juízo criminal do tribunal de Viseu, no âmbito do processo 115/09.0PBVIS, enquanto tribunal da última condenação neste concurso de penas.

2.

Inconformado, o Ministério Público recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões:

«1. O tribunal recorrido apenas condenou o arguido na (única) pena única de 16 anos e 6 meses de prisão, a qual englobou as penas parcelares aplicadas neste processo (processo comum coletivo nº 327/10.3PBVIS), no processo sumário nº 164/10.SGCTND, no processo abreviado nº 1613/09.0PBVIS, no processo comum coletivo nº 1646/09.7PBVIS (apenas a pena de 6 anos de prisão), no processo comum coletivo nº 32/10.0GCTND e no processo comum singular nº 9/10.6GCTND.

2. O tribunal recorrido, embora tenha reconhecido a existência de dois cúmulos jurídicos autónomos, decidiu que "não detém, por conseguinte, este tribunal, competência territorial para realizar o cúmulo jurídico das penas que integram o concurso cujo momento temporal inicial é o processo comum colectivo nº 294105.NJLSB da 2ª vara criminal de Lisboa e onde se integram ainda os factos relativos ao processo comum singular nº 87108.8GBMBR do tribunal de Momenta da Beira, aludido no ponto 3 (pelos factos cometidos em 11/05/2008); parte dos factos relativos ao processo comum colectivo nº 1646109.7PBVIS do 1º juízo criminal do tribunal de Viseu, aludidos no ponto 7 (pelos factos cometidos em 10/06/2007, 11/06/2007 e 12/07/2007); ao processo comum singular nº 445/07.5GCTND do 1º juízo do tribunal de Tondela, aludido no ponto 9 (pelos factos cometidos em 26/12/2007); ao processo comum colectivo nº 115/09.0PBVIS do 2º juízo criminal do tribunal de Viseu, aludidos no ponto 10 (pelos factos cometidos em 25/01/2009). O tribunal competente para realizar o referido cúmulo jurídico de penas destes processos é o 2º juízo criminal do tribunal de Viseu, no âmbito do processo comum colectivo 115/09.0PBVIS, enquanto tribunal da última condenação neste concurso de penas. Importa, assim, proceder tão só ao cúmulo jurídico das penas que estão em concurso com as que foram aplicadas nos presentes autos, acima referidas, atento o disposto no artigo 78º, nº 1, do Código Penal (...)".

3. Contudo, porque este tribunal (processo), sendo o da última condenação, decidiu não conhecer as duas situações de concurso em que se encontram as várias penas aplicadas ao condenado, mas apenas uma, a acima indicada em 1., tendo deixado de fora a outra, ou seja, a que engloba as penas aplicadas nos processos nºs 294/05.5NJLSB, 87/08.8GBMBR; as penas de 4A e 6M, 7M e 16 M aplicadas no processo nº 1646/09.7PBVIS, no processo nº 445/07.5GCTND e no processo nº 115/09.0PBVIS, violou o disposto nos artigos 77º, nº 1, 78º, ambos do Código Penal e 471º, nº 2, do Código de Processo Penal.

4. O tribunal recorrido interpretou o indicado artigo 471º, nº 2, no sentido de considerar que "(...) o tribunal da última condenação" se refere ao tribunal da última condenação em cada concurso de penas ao invés de considerar que o "(...) o tribunal da última condenação" se refere literalmente ao tribunal da última condenação, independentemente do grupo de cúmulo onde se insere, como deve ser entendido.

5. "O legislador impõe a prolação de uma decisão cumulatória que abranja todas condenações transitadas e todas as penas em concurso, nos termos dos artigos 77º e 78º do Código Penal. Esta conclusão impõe-se mesmo que haja lugar à ponderação de diversos concursos distintos e sucessivos, mas sempre confluindo numa única decisão que defina a reacção penal global. Com efeito, não pode o tribunal a quo afirmar que existem «três situações de concurso» e depois só conhecer de uma delas, deixando o arguido sujeito a várias decisões cumulatórias autónomas" - neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 02/10/2002, processo nº 02P4410, e de 06/01/2010, processo nº 98/04.2, ambos relatados pelo conselheiro Pereira Madeira, e o acórdão dessa veneranda Relação de Coimbra de 22/10/2008, Processo nº 1047/02.8GBAGD-A.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

6. O acórdão recorrido é nulo, por omissão de pronúncia, nos termos do preceituado no artigo 379º, nº 1, al. e), do Código de Processo Penal, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que conheça de todas as condenações transitadas (exceção feita, como já se disse, às penas de prisão extintas pelo decurso do prazo), procedendo à realização de dois concursos de penas».

3.

O recurso foi admitido.

Nesta Relação, a Exmª P.G.A. pugnou pela procedência do recurso defendendo que, não obstante as condenações sofridas pelo arguido não poderem integrar um mesmo cúmulo jurídico, a competência para a elaboração dos cúmulos que no caso há que fazer é do tribunal que proferiu a decisão recorrida, sendo o processo onde eles deverão ser feitos este mesmo processo.

Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P..

4.

Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.

Realizada a conferência cumpre decidir.

 

*

*

FACTOS PROVADOS

5.

Na decisão recorrida foram dados como provados os seguintes factos:

«1. No processo comum colectivo nº 294/05.5NJLSB da 2ª vara criminal de Lisboa foi o arguido condenado pela prática de um crime de deserção, p. e p. pelos artigos 72º, nº 1, alínea b) e 74º nº 2, alínea b) e nº 3 do C.J. Militar, aprovado pela Lei nº 100/2003 de 15/11 e artigos 1º e 4º ambos do D.L. 401/82 de 23/09, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano.

Os factos respectivos datam do período compreendido entre 11/08/2005 a 23/08/2005.

A decisão foi proferida em 14/11/2006 e transitou em julgado em 21/09/2009.

No âmbito do mesmo processo foi proferida decisão em 24/02/2012, já transitada em julgado, a revogar a referida suspensão, e a determinar o cumprimento pelo arguido da pena de 7 meses de prisão (cfr. fls. 739 a 746).

2. No processo comum colectivo nº 36/08.3PBVIS do 2º juízo criminal do tribunal de Viseu foi o arguido condenado pela prática de:

- um crime de furto qualificado, p. e p. nos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 2, alínea e), com referência aos artigos 202º alíneas d) e e) do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

- um crime de furto qualificado, p. e p. nos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea f), na pena de 7 meses de prisão;

- um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº 1, do CP, na pena de 7 meses de prisão;

- Em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.

Os factos respectivos datam de 10/1/2008; em data não concretizada mas situada antes do dia 28/08/2007; no período compreendido entre 4/01/2006 e 5/01/2006.

A decisão foi proferida em 29/10/2009 e transitou em julgado em 11/05/2010.

No âmbito do mesmo processo foi proferida decisão em 20/06/2013, transitada em julgado em 17/09/2013, foi declarada extinta a pena aplicada ao arguido, nos termos do artigo 57º, nº 1, do Código Penal (cfr. fls. 686 a 706, 882 e 901).

3. No processo comum singular nº 87/08.8GBMBR do tribunal de Moimenta da Beira foi o arguido condenado pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 40º, nº 2, do D.L. nº 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 7 Euros, o que perfaz a quantia de 490 Euros.

Os factos respectivos datam de 11/05/2008.

A decisão foi proferida em 2/11/2009 e transitou em julgado em 27/11/2009.

No âmbito do mesmo processo foi proferida decisão em 11/04/2011, já transitada em julgado, a converter a pena de multa em 46 dias de prisão subsidiária (cfr. fls. 617 a 641).

4. No processo sumário nº 70/10.3GCTND do 1º juízo do tribunal de Tondela foi o arguido condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano.

Os factos respectivos datam de 25/02/2010.

A decisão foi proferida em 9/03/2010 e transitou em julgado em 11/05/2010.

No âmbito do mesmo processo foi proferida decisão em 16/01/2013, já transitada em julgado, a declarar extinta pelo cumprimento a referida pena, nos termos do artigo 57º, nº 1, do Código Penal (cfr. fls. 575 a 595 e 799 a 801)

5. No processo sumário nº 164/10.5GCTND do 2º juízo do tribunal de Tondela foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º do D.L. 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 5 Euros, o que perfaz a quantia de 500 Euros.

Os factos respectivos datam de 10/04/2010.

A decisão foi proferida em 12/05/2010 e transitou em julgado em 1/06/2010.

No âmbito do mesmo processo foi proferida decisão em 10/11/2010, já transitada em julgado, a converter a pena de multa em 66 dias de prisão subsidiária, tendo tal pena sido declarada extinta pelo cumprimento por decisão proferida em 22/09/2011 (cfr. fls. 709 a 737).

6. No processo abreviado nº 1613/09.0PBVIS do 2º juízo criminal do tribunal de Viseu foi o arguido condenado pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº 1, do C.P., na pena de 1 ano e 1 mês de prisão.

Os factos respectivos datam de 2/11/2009.

A decisão foi proferida em 15/07/2010 e transitou em julgado em 20/08/2010.

No âmbito do mesmo processo foi proferida decisão em 24/05/2011, já transitada em julgado, a declarar extinta pelo cumprimento a referida pena (cfr. fls. 647 a 664).

7. No processo comum colectivo nº 1646/09.7PBVIS do 1º juízo criminal do tribunal de Viseu foi o arguido condenado pela prática de:

- um crime de roubo agravado, p. e p. nos artigos 210º, nº 1 e 2, alínea b), e 204º nº 1 alínea f), do Código Penal, na pena de 6 anos de prisão;

- um crime de roubo agravado, p. e p. nos artigos 210º, nº 1 e 2, alínea b), e 204º nº 2 alínea f), do Código Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão;

- um crime de furto simples, p. e p. no artigo 203º do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão;

- um crime de burla informática, p. e p. pelo artigo 221º, nº 1, do CP, na pena de 16 meses de prisão;

- Em cúmulo jurídico, na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão.

Os factos respectivos datam de 6/11/2009; 12/07/2007, 10/06/2007 e 11/06/2007.

A decisão foi proferida em 14/12/2010 e transitou em julgado em 26/01/2011 (cfr. fls. 759 a 796).

8. No processo comum colectivo nº 32/10.0GCTND do 1º juízo do tribunal de Tondela foi o arguido condenado pela prática de:

- 6 crimes de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204.º n.º 2 al. e), do Código Penal

            • na pena de 3 anos e 6 meses de prisão (parágrafo I);

            • na pena de 3 anos e 6 meses de prisão (parágrafo III);

            • na pena de 3 anos e 6 meses de prisão (parágrafo IV);

            • na pena de 3 anos e 6 meses de prisão (parágrafo VI);

            • na pena de 3 anos e 10 meses de prisão (parágrafo IX);

            • na pena de 4 anos e 2 meses de prisão (parágrafo XII);

- 3 crimes de furto qualificado, em co-autoria, p. e p. pelo art. 204.º n.º 2 al. e), do Código Penal

            • na pena de 3 anos e 6 meses de prisão (parágrafo XVI);

            • na pena de 4 anos de prisão (parágrafo XVII);

            • na pena de 3 anos e 6 meses de prisão (parágrafo XVIII);

            - 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204.º n.º 1 al. b), do Código Penal

            • na pena de 1 ano e 4 meses de prisão (parágrafo XIII);

- 4 crimes de furto simples, p. e p. pelos arts. 203.º n.º 1, 204.º n.º 1 al. b) e 204.º n.os 2 al. e), desqualificados por força do n.º 4, do Código Penal,

            • na pena de 1 ano de prisão (parágrafo II);

            • na pena de 1 ano de prisão (parágrafo V);

            • na pena de 1 ano de prisão (parágrafo VII);

            • na pena de 10 meses de prisão (parágrafo VIII);

- 2 crimes de furto simples, na forma tentada, p. e p. nos termos conjugados dos arts. 22.º, 203.º n.os 1 e 2 e 204.º n.os 2

al. e), desqualificados por força do n.º 4, do Código Penal,

            • na pena de 7 meses de prisão (parágrafo X);

            • na pena de 7 meses de prisão (parágrafo XI);

            - 1 crime de furto de uso de veículo, p. e p. pelo art. 208.º n.º 1, todos do Código Penal

            • na pena de 6 meses de prisão (parágrafo XVII);

- 1 crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º n.os 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, por

referência ao art. 121.º do Código da Estrada

            • na pena de 10 meses de prisão (parágrafo XVII).

            - Em cúmulo, na pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Os factos respectivos datam dos períodos compreendidos entre 29/01/2010 e 1/02/2010; 7/02/2010 e 17/02/2010; 19/02/2010 e 20/02/2010; 25/02/2010 a 28/02/2010; 25/01/2010 e 28/02/2010; e 22/03/2010.

A decisão foi proferida em 11/03/2011 e transitou em julgado em 11/04/2011 (cfr. fls. 182 e 217 a 280).

9. No processo comum singular nº 445/07.5GCTND do 1º juízo do tribunal de Tondela foi o arguido condenado pela prática de:

- um crime de falsificação, p. e p. e punido pelos artigos 256º, nº 1, alínea d) e 3, por referência ao artigo 255º, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 ano e seis meses de prisão;

- um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 203º, nº 1 e 204.º n.º 1 al. e), do Código Penal, na pena de 1 ano e seis meses de prisão;

- Em cúmulo, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão.

Os factos respectivos datam de 26/12/2007.

A decisão foi proferida em 29/03/2011 e transitou em julgado em 3/05/2011 (cfr. fls. 597 a 615).

10. No processo comum colectivo nº 115/09.0PBVIS do 2º juízo criminal do tribunal de Viseu foi o arguido condenado pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, do C.P., na pena de 4 anos de prisão.

Os factos respectivos datam de 25/01/2009.

A decisão foi proferida em 28/04/2011 e transitou em julgado em 3/06/2011 (cfr. fls. 674 a 683).

11. No processo comum singular nº 9/10.6GCTND do 1º juízo do tribunal de Tondela foi o arguido condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea c) do C.P., na pena de 2 anos de prisão.

Os factos respectivos datam do período compreendido antes de 7 de Janeiro de 2010 e 25/02/2010.

A decisão foi proferida em 17/11/2011 e transitou em julgado em 24/01/2012 (cfr. certidão de fls. 428 a 441).

12. Nos presentes autos (processo nº 327/10.3PBVIS, do 2º juízo do tribunal de Tondela) foi o arguido condenado pela prática de:

- 2 crimes de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º n.º 1 do Código Penal;

            • na pena de 1 ano de prisão (parágrafo I);

            • na pena de 1 ano de prisão (parágrafo II).

- 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º n.º 1 e 204.º n.º 1 al. b), ambos do Código Penal;

            • na pena de 2 anos de prisão (parágrafo III).

- 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts 203.º n.º 1 e 204.º n.º 1 al. a), ambos do Código Penal;

            • na pena de 3 anos de prisão (parágrafo IV).

- 1 crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.º n.os 1 al. a) e 3 do Código Penal, com referência ao art. 255.º al. a) do mesmo diploma legal.

            • na pena de 2 anos e 6 meses de prisão (parágrafo V).

- Em cúmulo, na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

Os factos respectivos datam do período compreendido entre o dia 12/03/2010 e o dia 15/03/2010.

A decisão foi proferida em 12/04/2012, e confirmada pelo acórdão da Relação de Coimbra datado de 3/10/2012, e transitou em julgado em 24/10/2012 (cfr. fls. 399 a 420 e 495 a 507 e 567)».

*

DECISÃO

Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.

Por via dessa delimitação a questão suscitada respeita à decisão de qual o tribunal competente para realizar o(s) cúmulo(s) jurídico(s) das penas aplicadas a um arguido, por via do disposto no nº 1 do art. 78º do Código Penal, quando os respetivos crimes não estiverem todos numa mesma relação de concurso.

 

*

            O concurso de crimes, diz a lei, acontece quando o agente cometeu vários tipos de crime ou quando o mesmo tipo de crime foi cometido várias vezes pelo agente – art. 30º do Código Penal.

            Portanto, o concurso de crimes existe independentemente da condenação.

            Já para a condenação exige-se, evidentemente, o seu conhecimento. E o conhecimento será atempado quando ocorrer antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles – art. 77º, nº 1, do Código Penal -, caso em que todos os crimes serão conhecidos e punidos (se sobrevier a condenação, claro) no mesmo processo. Será superveniente, ao invés, quando o conhecimento do concurso acontecer apenas depois de uma condenação transitada em julgado, caso em que intervirá, então, o art. 78º do Código Penal.

            Efetivamente, para o caso do conhecimento superveniente do concurso dispõe o nº 1 do art. 78º do Código Penal, cuja epígrafe é “conhecimento superveniente do concurso”, que «se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes».

            E o artigo anterior determina, no seu nº 1 – o relevante para o caso -, que «quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena».

            A nossa lei adotou o sistema da pena única, ou pena do concurso, à luz da consideração unitária da pessoa ou da personalidade ao agente e, ainda para mais, que é a culpa e a prevenção que dominam nas regras de escolha e fixação da pena [1].

            Assim, quando ocorra o concurso de crimes as várias penas correspondentes a cada um dos crimes serão transformadas numa só pena em cuja fixação «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente» - art. 77º, nº 2, do Código Penal. As penas parcelares não se extinguem mas são, por via da aplicação da pena do concurso, transformadas numa outra pena, a pena conjunta, encontrada nos termos desta norma, cujo critério especial obriga a uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.

            Neste momento tudo passa a acontecer «como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência … criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade …» [2].

            O mesmo critério valerá para a realização do cúmulo jurídico em caso de superveniência do conhecimento do concurso. Também aqui são considerados os factos e a personalidade do agente, pois que as regras substanciais para a fixação da pena única são iguais, quer se trate de conhecimento atempado do concurso, quer estejamos perante o conhecimento superveniente.

            Neste caso, porém, o limite inultrapassável para a inclusão de condenações no cúmulo jurídico a realizar é, como diz a lei, o trânsito em julgado da condenação. Conforme tem sido decisão unânime – na estrita aplicação da lei -, nestes casos «o limite, determinante e intransponível, da consideração da pluralidade de crimes para efeito de aplicação de uma pena única, é o trânsito em julgado da condenação que primeiramente tiver ocorrido por qualquer dos crimes praticados anteriormente: no caso de conhecimento superveniente aplicam-se as mesmas regras, devendo a última decisão, que condene por um crime anterior, ser considerada como se fosse tomada ao tempo do trânsito da primeira, se o tribunal, a esse tempo, tivesse tido conhecimento da prática do facto» [3].

            A condenação transitada é o limite, pois que sendo o crime posterior já poderá relevar para efeitos de reincidência, mas já não de concurso.

            E, então, qual o tribunal competente para o efeito?

Diz o art. 471º do C.P.P.:

«1 - Para o efeito do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 78.º do Código Penal é competente, conforme os casos, o tribunal colectivo ou o tribunal singular. É correspondentemente aplicável a alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º.

2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, é territorialmente competente o tribunal da última condenação».

            Daqui retira o acórdão recorrido que quando haja lugar à realização de vários cúmulos, nos termos do nº 1 do art. 78º do Código Penal, podem ser vários os tribunais chamados a intervir, cada um realizando o cúmulo jurídico cuja competência lhe couber, determinada por aplicação desta norma.

            Não obstante o acórdão recorrido estar apoiado em jurisprudência, nomeadamente desta relação, entendemos que a razão está do lado do Ministério Público.

           

            Como já dissemos, a filosofia que preside à aplicação de uma única pena ao arguido condenado pela prática de vários crimes é que o tribunal analise todo o passado criminal do arguido, tenha em conta a sua personalidade, e decida.

            E o tribunal ao qual incumbe esta tarefa é, já vimos, o da última condenação.

            Conhecido o concurso diz o nº 1 do art. 472º que este tribunal designará dia para realização da audiência.

            E realização da audiência para quê?

            Para analisar os pressupostos legais de determinação da pena do concurso, ou seja, os factos a considerar (subjacentes a todas as condenações) e a personalidade.

            Citando o decidido pelo S.T.J. no processo proferido no processo 98/04.2GCVRM [4], «quando o legislador – art. 472º, nº 2, do CPP – impõe a tarefa desse novo julgamento ao foro da “última condenação”, tem em mente implicar nele o tribunal que, justamente por ser o último a intervir em tempo e na cadeia das condenações, dispõe dos elementos de ponderação mais completos e actualizados, nomeadamente, quanto aos factos (e nestes não pode ser esquecido o papel que tem para a determinação da medida da pena, por exemplo, a conduta posterior – art. 71º, nº 2, al. e), do CP) e que, portanto, a todas as luzes, é o que está em melhor plano para colher a visão que se quer de panorâmica completa e actual do trajecto de vida do arguido, circunstância que, manifestamente, arreda qualquer interpretação restritiva daquela disposição processual».

A lei é clara quanto à indicação do tribunal a quem compete a elaboração da pena do concurso: o tribunal competente é o tribunal da última condenação. A única exceção a esta regra ocorre quando o tribunal da última condenação é o tribunal singular e as penas a cumular excedem os cinco anos de prisão.

É o tribunal da última condenação, portanto, que tem competência para realização do julgamento e para elaboração da decisão de aplicação da pena do concurso que se lhe segue.

            Feito o julgamento, se o tribunal concluir que nem todas as penas do agente integram o mesmo cúmulo esta decisão, posterior à decisão de realizar o julgamento para elaboração da pena do concurso, não pode, evidentemente, interferir naquela outra, que determina a competência do tribunal, e “invalidá-la” retroativamente. Neste caso o que acontece é a realização de mais do que um cúmulo: «Se os crimes conhecidos forem vários, tendo uns ocorrido antes de condenação anterior e outros depois dela, o tribunal proferirá duas penas conjuntas, uma a corrigir a condenação anterior e outra relativa aos factos praticados depois daquela condenação …» [5].

Citando, de novo, o decidido pelo S.T.J. no processo 98/04.2GCVRM, diremos que a letra da lei «é suficientemente clara e inequívoca …».

            Portanto, o tribunal competente para a elaboração do cúmulo jurídico das penas aplicadas ao agente é um só: o da última condenação – art. 471º, nº 2, do C.P.P.

            Determinada, desta forma, a competência do tribunal, é este tribunal que, nos termos do art. 472º, nº 1, do C.P.P., vai realizar a audiência e que elaborará a decisão subsequente. E nesta decisão realizará um só cúmulo jurídico ou vários cúmulos jurídicos, dependendo de todas as condenações integrarem, ou não, um mesmo concurso [6].

            Assim, e conforme o alegado no recurso interposto, verifica-se o vício da omissão de pronúncia porque o tribunal competente para apreciar toda a situação criminal do arguido omitiu o seu dever de pronúncia relativamente a uma parte das condenações, o que integra a nulidade do art. 379º, nº 1, al. c), do C.P.P.

            Em consequência, terá o tribunal recorrido que elaborar nova decisão, em que conheça de todo o passado criminal do arguido para, em função dos factos e da personalidade apurada, proceder à elaboração da decisão do cúmulo.

            E nesta procederá à realização de um só cúmulo jurídico, com aplicação de uma só pena conjunta, ou à realização de vários cúmulos jurídicos, com outras tantas penas conjuntas, dependendo de todas as condenações estarem numa relação de concurso, à luz do nº 1 do art. 78º do Código Penal, ou em várias.

            Excluídas do(s) cúmulo(s), e conforme decidiu o acórdão recorrido, ficam as penas suspensas já declaradas extintas nos termos do art. 57º, nº 1, do Código Penal, as penas suspensas cujo prazo de suspensão já findou, enquanto não constar do processo despacho a julgar extinta a pena, ou a mandar executar, ou a ordenar a prorrogação do prazo de suspensão não sendo de integrar, por isso, as penas aplicadas nos processos 36/08.3PBVIS e 70/10.3GCTND.

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DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos, e na procedência do recurso, anula-se o acórdão recorrido, e deve ser substituído por outro em que o tribunal conheça de todas as condenações aplicadas ao arguido, exceção feita às referidas, integrando-as num único cúmulo jurídico ou em vários, dependendo esta decisão de todas as condenações integrarem, ou não, a mesma relação de concurso, aferida à luz do art. 78º, nº 1, do Código Penal.

Sem custas.


Coimbra, 2014-04-09

Olga Maurício (Relatora)

Luis Teixeira


[1] Figueiredo Dias, in Direito Penal Português-As Consequências jurídicas do Crime, 2005, pág.280.
[2] Autor e obra citados, pág. 291.
[3] Acórdão do S.T.J. de 14-3-2013, processo 287/12.6TCLSB, relatado pelo sr. conselheiro Henriques Gaspar.
[4] Acórdão de 6-1-2010, relatado pelo sr. conselheiro Pereira Madeira.
[5] Acórdão do S.T.J. de 15-5-2013, processo 125/07.1SAGRD.S1, relatado pelo sr. conselheiro Armindo Monteiro.
[6] Neste sentido também os acórdãos da Relação de Lisboa de 2-11-2011, processo 435/06.5PDSNT, e de Évora de 25-2-2014, processo 6/08.1GBGLG.E1