Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
81/10.9TBSAT-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: PROVA TESTEMUNHAL
LIMITES
SIGILO PROFISSIONAL
AGENTE DE EXECUÇÃO
Data do Acordão: 09/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DO SÁTÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 519º, Nº 1, E 618º, Nº 3 DO CPC.
Sumário: 1.ª Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados – artigo 519º, nº 1 do Código do Processo Civil.

2.ª Sucede que ao apontado dever jurídico de colaboração de todas as pessoas para a descoberta da verdade lhe amarrou o legislador determinadas limitações atendíveis, pois que não valendo a prova a qualquer preço, excepcionalmente alguma dela é inadmissível, impondo-se porém que tal excepcionalidade se apoie em alguma norma ou princípio jurídico, não carecendo já a defesa da respectiva admissibilidade de uma qualquer fundamentação suplementar.

3.ª Se anteriormente às alterações introduzidas no CPC pelo DL nº 329-A/95 a sujeição ao sigilo profissional, mais do que um mero fundamento legítimo de recusa a depor, consubstanciava um verdadeiro obstáculo ao depoimento, ou melhor, uma inibição para depor, agora a problemática acerca da admissibilidade da prova, não cumprindo o depoente a obrigação do nº 3 do art.º 618º, passou antes a colocar-se a posteriori, ou seja, mais no campo da respectiva valoração do que da sua admissão/prestação.

4.ª O art.º 618.º, n.º 3 do CPC não estabelece qualquer inabilidade ou impedimento da testemunha que esteja sujeita a sigilo profissional. O juiz não pode, em princípio, com base nesse preceito, impedir o depoimento de quem se lhe apresente e pretenda depor, antes o deverá admitir valorando depois o depoimento, tendo em atenção essa particularidade.

5.ª O preceito está concebido essencialmente para proteger o depoente e não para o impedir de depor, constitui uma prerrogativa, não um impedimento - um cidadão que desempenha as funções de agente de execução tem a capacidade e o dever cívico e processual de prestar depoimento sobre os factos de que tem conhecimento (regra geral), falecendo-lhe essa capacidade e impendendo sobre ele o dever de segredo profissional quando o seu conhecimento dos factos lhe advenha do exercício da profissão, nos estritos termos previstos no preceito citado (regra especial), excepto, neste caso, se for devidamente autorizado pela sua Ordem.

6.ª A al. b) do nº 1 do art.º 712º do Código do Processo Civil permite a modificação da matéria de facto se no processo houver prova irrefutável em sentido diverso. Este fundamento está, como se sabe, relacionado com o valor legal da prova, exigindo-se que a força probatória dos elementos coligidos no processo não possa ser afastada pela prova produzida em julgamento.

7.ª Ao abrigo desta alínea b) a alteração das respostas só é admissível quando haja no processo um meio de prova plena, resultante de documento, confissão ou acordo das partes, e esse meio de prova plena diga respeito a determinado facto sobre o qual o Tribunal também se pronunciou em sentido divergente.

8.ª O extracto de conta-corrente destes autos mais não é do que um controlo contabilístico do valor dos débitos e créditos existentes entre a exequente e a sociedade N…, Lda. de que o executado é sócio-gerente, ou seja, um documento particular, apresentando-se como meio de prova a valorar livremente pelo tribunal.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1.Relatório

A… deduziu oposição à execução comum n.º 81/10.9TBSAT, que corre por apenso aos presentes autos, no âmbito da qual é exequente a sociedade “M…, Lda.”, alegando, em síntese, que a mesma carece de fundamento quer fáctico quer jurídico.

 Alegou o oponente que nada comprou à exequente pelo que nada lhe deve.

Que o executado é apenas sócio-gerente da sociedade “N…, Lda.” que manteve relações comerciais com a sociedade exequente.

Que esta sociedade ficou com dívidas para com a sociedade exequente devidas por falta de pagamento atempado de mercadoria fornecida.

No entanto, alega que no âmbito do processo de execução n.º … que correu termos no presente Tribunal, o valor em dívida por parte da sociedade “N…, Lda.” para com a sociedade exequente foi totalmente pago, pelo que também esta sociedade nada deve à sociedade exequente.

Acrescenta que os cheques que foram dados à execução apenas serviram de garantia ao pagamento da quantia em dívida naquela execução e apenas foram passados para evitar a execução contra a sociedade que, não obstante, veio a ser instaurada.

O executado opôs-se, igualmente, à penhora efectuada no dia 01 de Setembro de 2011 que incidiu sobre o veículo automóvel …, a que foi atribuído o valor de € 500,00; o veículo automóvel usado da marca …, a que foi atribuído o valor de € 5.000,00; o prédio urbano sito no lugar de …, inscrito na matriz sob o artigo …, a que foi atribuído o valor de € 16.983.45; e o prédio rústico sito no lugar …, inscrito na matriz sob o artigo …, a que foi atribuído o valor de € 2.180,00, alegando que a penhora é excessiva já que o prédio urbano descrito sob o n.º … vale cerca de € 200.000,00 pelo que é mais do que suficiente para garantia o montante em dívida na presente execução.

Termina pedindo que caso a oposição à execução seja improcedente que a penhora sobre os veículos automóveis e sobre o prédio descrito sob o n.º … seja levantada.

Devidamente notificada, a sociedade exequente respondeu na contestação por si apresentada que carece de fundamento a oposição à execução apresentada pelo executado.

Para tanto, refere que a sociedade exequente manteve relações comerciais com a sociedade “N…, Lda.” de que o executado é sócio-gerente, até meados de 2009.

Que a sociedade “N…, Lda.” em resultado das referidas relações comerciais ficou a dever à sociedade exequente o montante de € 6.038,00 (seis mil e trinta e oito euros). Que o executado assumiu perante a sociedade exequente o pagamento de tal montante em dívida motivo pelo qual preencheu e entregou os cheques dados à execução à sociedade exequente.

Acrescentou que em finais de Junho de 2010 a mulher do ora executado, I…, o filho do executado e a namorada deste, deslocaram-se ao escritório da mandatária da sociedade exequente, tendo a mulher do executado acordado em pagar o valor referente ao presente processo e ao processo n.º ...

Que relativamente ao processo n.º … acordou pagar 4 prestações, sendo as três primeiras no montante de € 2.500,00 e a última no montante de € 700,00, as quais foram todas liquidadas.

Que relativamente ao processo n.º … foi acordado o pagamento da quantia exequenda, juros e custas num total de € 8.000,00 em 4 prestações, sendo a primeira no montante de € 1.800,00 com vencimento no dia 30 de Setembro de 2010, a segunda no valor de € 2.500,00 com vencimento em 31 de Outubro de 2010, a terceira de € 2.500,00 com vencimento em 30 de Novembro de 2010 e a última com vencimento em 30 de Dezembro de 2010 no valor de € 1.200,00, não tendo sido paga qualquer importância.

Acrescentou que no dia 25 de Maio de 2011 quando a Sra. Agente de Execução se deslocou à residência do executado e a um armazém sua propriedade, o mandatário do executado propôs o pagamento do montante de € 2.000,00, estando presente no âmbito da referida execução, a Sra. Agente de execução, um funcionário da exequente, elementos das forças de segurança, a mulher do executado e o filho deste e, ainda, o mandatário do executado.

Conclui que oposição à execução deve ser julgada improcedente.

Quanto à oposição à penhora defende a sociedade exequente que os bens penhorados são necessários para garantir o pagamento integral do valor peticionado já que o prédio descrito sob o n.º … tem um valor patrimonial de € 16.983,45, valor determinado em 2009 e tem uma hipoteca a favor da …; o prédio descrito sob o nº … tem um valor patrimonial de € 2.180,00 e que nenhum dos veículos automóveis penhorados foi encontrado.

Foi proferida, pela Sr.ª Juiz do Tribunal Judicial do Sátão, a seguinte decisão:

“Pelo exposto, decide-se julgar a presente oposição à execução e à penhora deduzida por A… contra “M…, Lda.” improcedente e, em consequência, determina-se o prosseguimento da execução a que a estes autos são apensos.”.

O executado/oponente, A…, não se conformando tal decisão dela interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

A exequente apresentou contra alegações.

2. Do objecto do recurso

Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das ale­ga­ções do recorrente cumpre apreciar as seguintes questões:

-Deveria a 1.ª instância ter realizado prova pericial colegial?

O oponente requereu, em sede de requerimento probatório, a realização de prova pericial colegial, que deveria ter por objecto o seguinte quesito: “Digam os Senhores Peritos qual o valor de que é devedora a sociedade N…, Lda., e de que é credora a aqui exequente, resultante das relações comerciais havidas entre estas duas sociedades”.

O Tribunal da 1.ª instância entendeu, quanto a tal prova, e sem prejuízo de no futuro se revelar pertinente, que a diligência requerida não é necessária para a boa decisão da causa, razão pela qual indeferiu a realização de perícia nos termos requeridos pelo oponente.

Em sede de audiência de discussão julgamento, a solicitação do ora apelante, proferiu, ainda, sobre esta matéria o seguinte despacho:” A perícia ora requerida tal como consta do requerimento, já havia sido apreciada e decidida, no sentido de a sua realização não se justificar antes da realização da audiência de discussão e julgamento.

Uma vez que o executado, apenas baseia o novo pedido nos documentos que entretanto foram juntos pela exequente, entende o Tribunal que, tal como já havia sido decidido, se deverá realizar a audiência de discussão e julgamento e caso no final se venha a mostrar necessário, ordenar-se-á a realização da mesma”.

Terminada a produção de prova, nem o julgador nem a parte se voltaram a pronunciar sobre tal questão, sendo que na resposta à matéria de facto também nada foi dito ou requerido pelo recorrente.

Todos conhecemos o famoso postulado de que "dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se".

Assim, das duas, uma.

Ou o apelante recorria da decisão proferida pela Sr.ª Juiz do Tribunal Judicial do Sátão – nos precisos termos n.º 2, al.i) do artigo 691.º do Código do Processo Civil, que será doravante o diploma a citar sem menção de origem – ou, teria de reclamar da omissão desta magistrada quando, no final da produção de prova, não se pronunciou da necessidade de tal diligência probatória.

Não fez uma coisa nem outra, pelo que, vedado está a este Tribunal pronunciar-se quanto à pertinência/necessidade de tal elemento probatório.

- A testemunha M… estava impedida de depor atenta a sua qualidade de agente de execução, sendo nulo o seu o depoimento?

Escreve o apelante que “… No âmbito destes autos, por videoconferência, foi inquirida, na qualidade de testemunha, M…, agente de execução. Aos costumes disse que conhece a opoída e a oponente no âmbito do exercício das suas funções. Ora, a Agente de Execução que, como tal, desempenha e desempenhou funções nos autos de execução, não podia ter deposto enquanto testemunha.

O dever de segredo profissional previsto no art.° 110.° do Estatuto da Câmara dos Solicitadores será de aplicar também aos solicitadores de execução, mas tão só na medida dos factos conhecidos no exercício da profissão (rectius, das funções de solicitador de execução) e que, exclusivamente, digam respeito ao processo em que esse conhecimento ocorreu.

Conclui que “…o depoimento desta testemunha é nulo e, porque este depoimento foi relevante, no âmbito da apreciação global da prova, para o sentido da decisão, impõe-se a anulação da decisão e a repetição de toda a prova”.

Será assim?

Considerando que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos - art.º 341º do Código Civil -, diz-nos o art.º 515º, sob a epígrafe de provas atendíveis, que “ O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado “.

Isto, porque o escopo primacial do processo será a realização do direito através do atingir de uma verdade material, objectivo este reforçado na nova filosofia processual.

E daí que, estipula logo a seguir o artigo 519º, nº 1- sob a epígrafe de dever de cooperação para a descoberta da verdade – que, “ Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados”.

Sucede que, ao apontado dever jurídico de colaboração de todas as pessoas para a descoberta da verdade, logo lhe amarrou o legislador determinadas limitações atendíveis, pois que, não valendo a prova a qualquer preço, excepcionalmente alguma dela é inadmissível, impondo-se porém que tal excepcionalidade se apoie em alguma norma ou princípio jurídico, não carecendo já a defesa da respectiva admissibilidade de uma qualquer fundamentação suplementar.

Não temos dúvidas de que a função que o solicitador de execução desempenha é de cariz essencialmente público, de natureza idêntica à desempenhada anteriormente pelo oficial de justiça e pelo próprio juiz.

Trata-se de um agente de justiça, de natureza privada, mas que prossegue fins públicos, estando ainda dotado das correspondentes prerrogativas de autoridade.

Por isso, pode ler-se no Estatuto da Câmara dos Solicitadores, neste particular, o seguinte:

(Artigo 110.º Segredo profissional)

“1 - O solicitador é obrigado a segredo profissional no que respeita: a) A factos referentes a assuntos profissionais que lhe tenham sido revelados pelo cliente, por sua ordem ou comissão, ou conhecidos no exercício da profissão; b) A factos que, por virtude de cargo desempenhado na Câmara, qualquer colega ou advogado, obrigado, quanto aos mesmos factos, a segredo profissional, lhe tenha comunicado; c) A factos comunicados por co-autor, co-réu, co-interessado do cliente, pelo respectivo representante ou mandatário; d) A factos de que a parte contrária do cliente ou o respectivo representante ou mandatário lhe tenha dado conhecimento durante negociações com vista a acordo. 2 - A obrigação do segredo profissional existe, independentemente de o serviço solicitado ou cometido envolver representação judicial ou extrajudicial e de dever ser remunerado, bem como de o solicitador ter aceite, desempenhado a representação ou prestado o serviço. 3 - Cessa a obrigação do segredo profissional em tudo quanto seja absolutamente necessário à defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do solicitador, do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional. 4 - No caso de a dispensa ser requerida por membro actual ou antigo de órgão nacional ou regional ou por membro dos órgãos de colégio de especialidade, a decisão compete ao presidente da Câmara. 5 - Da decisão referida nos n.os 3 e 4 pode ser interposto recurso, respectivamente, para o presidente da Câmara e para o conselho superior. 6 - Não fazem prova em juízo as declarações feitas com violação do segredo profissional.

No entanto, se anteriormente e designadamente, com a prestação de depoimento por parte de pessoas que, porque inábeis por motivo de ordem moral, maxime porque em face da respectiva profissão estavam vinculadas ao sigilo profissional, não podiam depor como testemunhas - tratava-se de uma das então denominadas inabilidades legais que, a verificarem-se, implicava a inadmissibilidade da prova, não podendo ela em circunstância alguma ser produzida e , por arrastamento, ser valorada/atendida - , podendo e devendo o Juiz, logo que se apercebesse em sede de interrogatório preliminar que o declarante era inábil para ser testemunha, não a admitir a depor, com as alterações introduzidas pelo DL nº 329-A/95, e como resulta desde logo do respectivo relatório, foi o Código do Processo Civil, no campo da prova testemunhal, profundamente modificado e aperfeiçoado , nomeadamente, no que toca à capacidade, impedimentos e admissibilidade de recusa legítima a depor, tudo em homenagem à busca da verdade material, alargando-se assim o leque de potenciais depoentes, o que tudo redundou v.g. na eliminação da, até então consagrada , “ (…) total inabilidade para depor por motivos de ordem moral”.

Assim, se anteriormente às alterações introduzidas no CPC pelo DL nº 329-A/95, a sujeição ao sigilo profissional, mais do que um mero fundamento legítimo de recusa a depor, consubstanciava um verdadeiro obstáculo ao depoimento, ou melhor, uma inibição para depor, agora, a problemática acerca da admissibilidade da prova, não cumprindo o depoente a obrigação do nº 3, do art.º 618º, passou antes a colocar-se a posteriori, ou seja, mais no campo da respectiva valoração do que da sua admissão/prestação.

O art.º 618.º, n.º 3 não estabelece qualquer inabilidade ou impedimento da testemunha que esteja sujeita a sigilo profissional. O juiz não pode, em princípio, com base nesse preceito, impedir o depoimento de quem se lhe apresente e pretenda depor, antes o deverá admitir valorando depois o depoimento, tendo em atenção essa particularidade.

 O preceito está concebido essencialmente para proteger o depoente e não para o impedir de depor, constitui uma prerrogativa, não um impedimento - um cidadão que desempenha as funções de agente de execução tem a capacidade e o dever cívico e processual de prestar depoimento sobre os factos de que tem conhecimento (regra geral), falecendo-lhe essa capacidade e impendendo sobre ele o dever de segredo profissional quando, o seu conhecimento dos factos lhe advenha do exercício da profissão nos estritos termos previstos no preceito citado (regra especial), excepto, neste caso, se for devidamente autorizado pela sua Ordem.

Se aquele que está sujeito a um dever de sigilo, ainda assim pretender depor, fá-lo-á, podendo posteriormente estar sujeito a eventual responsabilidade disciplinar ou mesmo civil. É porém livre de optar.

Efectivamente hoje, como é referido no Acórdão da Relação de Lisboa de 15.03.2011, retirado do site www.dgsi.pt, “ o campo da prova testemunhal encontra-se profundamente modificado e aperfeiçoado, maxime no que toca à capacidade, impedimentos e admissibilidade de recusa legítima a depor, tudo em homenagem à busca da verdade material, alargando-se assim o leque de potenciais depoentes, o que tudo redundou v.g. na eliminação da, até então consagrada, “(…) total inabilidade para depor por motivos de ordem moral”.

Não sendo, assim, a situação em apreço um caso de inabilidade para depor como testemunha, o depoimento em causa, a ser admissível, teria de ser objecto de particular ponderação por parte do juiz julgador, sendo pois uma questão de valoração de prova e não de admissibilidade de depoimento.

Ou seja, a actual regulamentação legal do depoimento de quem esteja vinculado ao segredo profissional inculca que não compete ao juiz antecipar um juízo sobre a admissibilidade ou não do depoimento.

Mesmo que haja nos autos elementos indiciadores de que o conhecimento da testemunha sobre os factos está abrangido pelo sigilo profissional, deve ser dada à pessoa em causa oportunidade de se escusar ou não e à parte que a indicou como testemunha a oportunidade de questionar a legitimidade da escusa e de suscitar o incidente previsto nos artigos 519º, nº4 e 618º, nº3.

Nos nossos autos está em causa o depoimento da testemunha M…, agente de execução.

Esta não se escusou a prestar depoimento invocando o sigilo profissional, o apelante nada disse em sede de julgamento ou no momento da fixação da matéria de facto pelo Tribunal da 1.ª instância - prestado o depoimento, quanto a nós nasce para a parte que entender que esse testemunho não poderá vir a fazer prova nos autos, alegar a nulidade do mesmo, para tanto, alegando e discriminando os pontos de facto que ressaltaram do depoimento prestado, suas razões, etc., que quanto a si, foram violadoras do sigilo profissional a que a testemunha estava adstricta -, pelo que o tendo feito, importa agora apreciar da validade do mesmo, tendo por adquirido que não fazem prova em juízo as declarações feitas com violação do segredo profissional, nos termos do n.º 6 do citado artigo 110.º.

O depoimento da mesma foi tomado pelo Tribunal Judicial do Sátão e consequentemente, considerado para a decisão da matéria de facto, apenas no tocante aos Pontos 26 a 28 relativos ao requerimento de contestação à oposição.

Ora, o que aí se respondeu, em nada viola o segredo profissional da testemunha.

De facto, a realidade que se extraiu do dito depoimento apresenta-se inócua para o desfecho desta acção, daí constando, apenas que esta foi informada que o executado iria proceder a um pagamento (e não já a liquidação da quantia em débito nestes autos) e que o mandatário do executado propôs o pagamento da quantia de €2.000,00, sendo que tais factos decorrem, também, do auto de penhora de fls.58 e 59.

Como supra escrevemos, o simples facto de exercer a profissão de agente de execução, não impede a testemunha de depor em juízo.

A limitação ao seu depoimento é excepcional só devendo ocorrer na medida do estritamente necessário à salvaguarda do escopo que preside ao estabelecimento de um segredo profissional próprio.

Não encontramos nos autos qualquer indício de violação do segredo profissional a que a testemunha M… estava vinculada, pelo que mantemos a valoração feita pela 1.ª instância do seu depoimento, afastando a nulidade do seu depoimento.

Avançando no conhecimento da instância recursiva.

- O documento intitulado de “conta corrente”, junto com o requerimento com a Referência …, remetido a 21 de Junho de 2012 o executado/recorrente, como havia invocado, provou a ausência de uma relação fundamental entre si e a exequente e os vícios que invalidam os cheques enquanto fonte ou causa da obrigação exequenda, como condição de se libertar das consequências próprias da acção executiva?

Da leitura das alegações apresentadas pelo apelante resulta, desde logo, que foi sua intenção impugnar a decisão da matéria facto fixada pela 1.ª instância.

Para merecimento da sua alegação diz:

“A pedido do oponente, a exequente juntou aos autos um documento que titulou de “conta corrente”, requerimento com a Referência …, remetido a 21 de Junho de 2012.

Com este documento o executado/recorrente, como havia invocado, provou a ausência de uma relação fundamental entre si e a exequente e os vícios que invalidam os cheques enquanto fonte ou causa da obrigação exequenda, como condição de se libertar das consequências próprias da acção executiva.

O oponente provou o fundamento da oposição relativo à inexistência de obrigação exequenda vinculativa.

O oponente alegou e provou que a sociedade exequente não é portadora legítima dos cheques uma vez que os mesmos foram emitidos como garantia do pagamento de uma dívida de fornecimentos da sociedade exequente à sociedade N…, Lda. de que o executado é sócio gerente, quantia essa, entretanto, já paga, pelo que a sociedade exequente possui os cheques de forma ilegítima.

De contrário, a exequente teria junto aos autos a conta corrente ou facturas emitidas a favor do oponente. O que não fez”.

Como todos sabemos, a modificabilidade pela Relação da decisão da matéria de facto pressupõe que, para além da indicação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, sejam indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou de gravação realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida - cfr. os arts. 685-B nº 1 e 712º nº1 als. a) e b) do Código do Processo Civil - e só se esses meios de prova determinarem e forçarem decisão diversa da proferida se pode concluir ter a primeira instância incorrido em erro de apreciação das provas legitimador da respectiva correcção pelo Tribunal Superior.

A divergência quanto à decisão da primeira instância sobre a matéria de facto será relevante na Relação apenas quando resultar demonstrada pelos meios de prova indicados pelo recorrente a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, sendo necessário para que ele se verifique, que os mencionados meios de prova se mostrem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente.

Deste modo, não basta ao apelante atacar a convicção que o julgador formou sobre cada uma ou sobre a globalidade das provas para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, devendo ainda proceder a uma análise critica da prova de molde a demonstrar que a decisão proferida sobre cada um dos concretos pontos de facto, que pretende ver alterados, não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável - tais exigências legais têm por principal finalidade impedir que o recurso seja utilizado para atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, visando a reapreciação de toda a prova produzida em primeira instância, traduzindo-se como expediente meramente dilatório.

Até porque, como sabe o recorrente, no recurso em matéria de facto, está primordialmente em causa a regra da livre apreciação das provas - artigo 655º, nº 1, do citado diploma - com o significado de que a probabilidade por elas sugestionada há-de enquadrar-se numa harmonia com indícios encontrados a partir de - outros - instrumentos disponíveis, conformar-se com ditames de experiência comum e ilações razoáveis que possam ser formuladas - artigos 350º e 351º do Código Civil.

Porém, não foi este o procedimento seguido pelo apelante, na medida em que não indicou as razões concretas do descontentamento com a factualidade apurada - a Sr.ª Juiz da 1.ª instância motivou a sua decisão fáctica, devidamente explanada, no escrito que está a fls. 295 a 301 -.

Não basta dizer que o Tribunal da 1.ª instância ignorou os documentos que estão nos autos para este Tribunal poder alterar a decisão fáctica escrita pela 1.ª instância, nomeadamente, aceitando-se que “a sociedade exequente não é portadora legítima dos cheques uma vez que os mesmos foram emitidos como garantia do pagamento de uma dívida de fornecimentos da sociedade exequente à sociedade N…, Lda. de que o executado é sócio gerente, quantia essa, entretanto, já paga, pelo que a sociedade exequente possui os cheques de forma ilegítima”.

Na preocupação de realização efectiva e adequada do direito material e no entendimento de que será mais útil à paz social e ao prestígio e dignidade que a administração da justiça envolve, corrigir que perpetuar um erro insustentável, permite-se, o suprimento do erro de julgamento mediante a reparação da decisão de mérito pelo próprio juiz decisor, nos casos em que - no que para aqui interessa - dos autos constem elementos, designadamente de índole documental que, só por si e inequivocamente, impliquem decisão em sentido diverso e não tenham sido considerados igualmente por manifesto lapso

A al. b) do nº 1 do art.º 712º permite a modificação da matéria de facto se, no processo, houver prova irrefutável em sentido diverso.

Este fundamento está, como se sabe, relacionado com o valor legal da prova, exigindo-se que a força probatória dos elementos coligidos no processo não possa ser afastada pela prova produzida em julgamento.

Ao abrigo desta alínea b) a alteração das respostas só é admissível quando haja no processo um meio de prova plena, resultante de documento, confissão ou acordo das partes, e esse meio de prova plena diga respeito a determinado facto sobre o qual o Tribunal também se pronunciou em sentido divergente.

Escreve o Prof. Alberto dos Reis, - Código do Processo Civil Anotado, vol. VI, pág. 472 -, no que concerne à alínea b), ao explicar o que nela se dispunha na redacção na altura vigente e que era praticamente idêntica à actual, apenas se refere à hipótese de estar junto aos autos documento que faça prova plena ou cabal de determinado facto e o juiz, na sentença, ter admitido facto oposto, com base na decisão do tribunal colectivo, caso em que incumbiria à Relação fazer prevalecer a força do documento.

Manuel de Andrade, citado por Alberto dos Reis e pelo acórdão do S.T.J. de 12.3.81, B.M.J. n.º 305, pág. 276, também se refere ao caso de o tribunal “a quo” ter desprezado a força probatória de documento não impugnado nos termos legais.

O Supremo Tribunal de Justiça, de que é exemplo o citado acórdão, adoptou uma posição menos rígida, admitindo a alteração das respostas do tribunal colectivo "quando haja no processo um qualquer meio de prova plena, que, por isso mesmo, não possa ser destruído por quaisquer outras provas. Nesta conformidade, a Relação pode alterar a resposta a um quesito com base quer em documento quer em confissão ou acordo de partes...”

Como ensina o Prof. Alberto dos Reis – Obra citada -, “se estiver junto aos autos documento que faça prova plena ou cabal de determinado facto e o juiz, na sentença, tiver admitido facto oposto, com base na decisão do tribunal colectivo, incumbe à Relação fazer prevalecer a força probatória do documento”, sendo que os documentos a que se reporta o art.º 659.º, n.º 3, são os documentos que fazem prova plena, nos termos do art.º 371.º e 376.º do Código Civil, dado que os demais são meros meios de prova de apreciação livre aquando do julgamento da matéria de facto - se o documento carece dos requisitos legais está sujeito à livre apreciação, segundo a convicção formada pelo tribunal de acordo com critérios da lógica, regras da experiência e ponderação da globalidade dos elementos probatórios disponíveis, ao abrigo das normas dos arts. 366º do Código Civil e 651º n.º 1 do Código do Processo Civil -.

Em causa está o documento denominado “conta corrente” elaborado no âmbito das relações comerciais havidas entre a exequente e a sociedade N…, Lda. de que o executado é sócio-gerente.

Não poderemos confundir o conceito jurídico e legal de contrato de conta corrente e o documento contabilístico, também designado de conta corrente, em causa nestes autos.

É que dá-se o contrato de conta corrente quando duas pessoas - singulares ou colectivas - tendo de entregar valores uma à outra, se obrigam a transformar os seus créditos em artigos de "deve" e "haver", sendo apenas exigível o saldo final resultante da sua liquidação.

Diferente, é o documento através do qual se formaliza de modo contabilístico a exteriorização de relações comerciais.

O simples facto de uma pessoa singular ou colectiva elaborar uma conta corrente onde lança todos os movimentos a crédito e a débito que expressam as relações entre ele e outrem não significa que exista um contrato de conta corrente, na medida em que esse processo contabilístico de escrituração de transacções, em rubricas de "deve" e "haver", "débitos" e créditos" é comum a comerciantes e não comerciantes, o que não se confunde com a existência de uma convenção entre as partes no sentido de lançarem a débito e a crédito os valores que reciprocamente tenham que entregar uma à outra e de se exigir apenas o saldo final que se venha a apurar.

Tal contrato - de conta-corrente - nada tem a ver com a conta corrente contabilística - que é tão só o processo de registo contabilístico de operações efectuadas a crédito e débito -, pela qual se exprime numericamente o movimento ou resultado de qualquer operação ou transacção, que por sua vez se traduz num saldo credor ou devedor.

Por outras palavras, não se confunde com a forma técnica de o comerciante, sem intervenção do seu cliente ou fornecedor, registar numericamente o movimento das suas transacções, designadamente fornecimentos ou empréstimos e respectivas amortizações, ou seja, com a técnica de escrituração, através de descrições genéricas de lançamentos em forma de conta corrente, com que ele, unilateralmente, vai exprimindo o seu giro" - A Relação de Lisboa, em acórdão de 15.04.1999, publicado no BMJ, 486.º, pág. 357), escreveu que "O registo de operações comerciais segundo a técnica contabilística de inserção de colunas de deve e haver, vulgarmente designado por conta corrente, constitui realidade essencialmente diversa do contrato de conta corrente a que se reporta o artigo 344º do Código Comercial –“.

O extracto de conta-corrente destes autos mais não é do que um controlo contabilístico do valor dos débitos e créditos existentes entre a exequente e sociedade N…, Lda. de que o executado é sócio-gerente, ou seja, um documento particular, apresentando-se como meio de prova a valorar livremente pelo tribunal.

Assim, mantemos a matéria de facto fixada pela 1.ª instância, que é a seguinte:

Sendo estes os factos, correcta se mostra a aplicação do direito elaborada pela Sr.ª Juiz da 1.ª instância, para cuja decisão remetemos.

Estão em causa seis cheques, todos sacados da conta nº...

Os referidos cheques foram apresentados a pagamento e foram devolvidos por falta de provisão.

Como escreve a 1.ª instância: A obrigação cartular nasce da emissão do título de crédito. Como título de crédito, possui as características de literalidade, autonomia e abstracção – cfr. artigos 12.º e 28.º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque.

Por outro lado, o próprio negócio cartular tem a sua razão de ser num negócio jurídico, que o justifica e o fundamenta, e se denomina negócio subjacente ou causal.

Mas o cheque em benefício de terceiro é, fundamentalmente, um meio de pagamento, que pode corresponder a uma pluralidade de situações. O preenchimento do cheque tem implícita a constituição ou reconhecimento de uma dívida, a satisfazer através da cobrança dum direito de crédito, contra a instituição bancária.

A emissão de um cheque configura o reconhecimento da obrigação de pagamento.

Alega, porém, o oponente que entre ele e o opoído não existiu qualquer negócio que justificasse a emissão dos cheques.

Assim, a questão essencial decidenda é a de saber se o opoído dispõe ou não de título executivo susceptível de fundar a acção executiva para pagamento de quantia certa que intentou contra o oponente.

O princípio da literalidade que envolve as obrigações cambiárias significa que o seu conteúdo, extensão e modalidades são os que as respectivas declarações objectivamente definam e revelem.

Por seu turno, o princípio da abstracção implica que as obrigações cambiárias vinculam os respectivos sujeitos, independentemente dos possíveis vícios da causa, inoponíveis ao respectivo portador, ou seja, as obrigações cambiárias resultantes dos cheques assentam em determinadas relações jurídicas que lhe são subjacentes.

Todavia, de harmonia com os princípios da abstracção e da autonomia, a obrigação cambiária decorrente do cheque é independente da respectiva situação jurídica subjacente, isto é, aquela abstrai desta, e o portador mediato do título que a incorpora é um credor originário, por ter um direito cartular autónomo. Só assim não será se estivermos no âmbito das relações imediatas.

De facto, a lei expressa que as pessoas accionadas em virtude de um cheque não podem opor ao portador as excepções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, salvo se o portador, ao adquirir o cheque, tiver procedido conscientemente em detrimento de devedor (artigo 22º da LUCH).

Ora, um cheque está no domínio das relações imediatas quando os sujeitos cambiários e os que figuram nas respectivas relações jurídicas extracartulares coincidem; e está no âmbito das relações mediatas quando o seu portador é estranho às relações extracartulares…No caso os autos, como os cheques foram assinados pelo executado, na posição de sacador, foram entregues à sociedade exequente que é o seu actual portador e a única entidade que alguma vez os deteve como tais, certo é que, na espécie, se está no domínio das relações jurídicas imediatas.

Ora, como os mencionados cheques se encontram no domínio das relações imediatas entre o respectivo sacador, o executado, e o seu beneficiário, o exequente, certo é lhes não ser aplicável o disposto no normativo supra indicado.

Todavia, conforme de algum modo decorre do mencionado normativo, à contrario, o oponente e o opoído podem discutir na oposição à execução a inexistência idónea de relação jurídica subjacente, ou seja, excepções baseadas nas relações pessoais existentes entre ambos, o executado como sacador e o exequente como tomador e sujeito cambiário imediato.

Mas ao executado é que cabe invocar e provar a ausência de uma relação fundamental ou de vícios que a possam invalidar como fonte ou causa da obrigação exequenda, como condição de se libertar das consequências próprias da acção executiva.

Vejamos, finalmente, se ocorre ou não no caso vertente o fundamento de oposição relativo à inexistência de obrigação exequenda vinculativa do executado.

O oponente alegou que a sociedade exequente não é portadora legítima dos cheques uma vez que os mesmos foram emitidos como garantia do pagamento de uma dívida de fornecimentos da sociedade exequente à sociedade “N…, Lda.” de que o executado é sócio gerente, quantia essa, entretanto, já paga, pelo que a sociedade exequente possui os cheques de forma ilegítima.

Analisada a prova produzida, a verdade, porém, é que o executado não logrou provar que os cheques foram passados como garantia do pagamento dos fornecimentos feitos pela sociedade exequente à sociedade “N…, Lda.”.

De facto, o que ficou provado é que os cheques dados à execução se destinaram ao pagamento da dívida da sociedade “N…, Lda.” perante a sociedade exequente, o que configura uma “transmissão singular de dívida” (assunção de dívida) a que se reporta a alín. a) do n.º 1 do art.º 595.º do Código Civil.

Assim, a sociedade exequente é legítima portadora dos cheques.

É verdade que o executado alegou, também, que a sociedade “N…, Lda.” nada deve à sociedade exequente mas a verdade é que também não logrou provar que os cheques emitidos foram pagos por outros meios e, assim, que a dívida já não existe por se encontrar paga.

Em jeito de conclusão diríamos que o oponente/executado invocou a inexistência da relação que esteve na base da emissão dos cheques. Porém, não o consegui provar. De facto, ficou provado que havia uma relação entre a sociedade exequente e a sociedade “N…, Lda.” e que o executado assumiu o pagamento de fornecimentos entre ambas, ou seja, assumiu a dívida da sociedade “N…, Lda.”, tendo para isso emitido os cheques dados à execução.

Logo, sendo a sociedade exequente legítima portadora dos cheques, poderá fazer uso dos mesmos devendo a execução prosseguir os seus termos.

O oponente veio, igualmente, opor-se à penhora de dois veículos automóveis e do prédio rústico supra identificados alegando que a penhora do prédio urbano é suficiente para garantir a dívida atendendo ao seu valor venal.

A verdade, porém, é que o executado não provou o valor dos bens penhorados pelo que não foi possível apurar se a penhora é ou não excessiva, motivo pelo qual improcede a oposição à penhora dos bens supra identificados” – fim de citação.

Deste modo, porque o Executado não logrou provar os factos constitutivos da pretensão deduzida em juízo, terá a mesma que improceder na totalidade, devendo, em consequência, a execução prosseguir os seus termos, com bem decidiu a 1.ª instância.

São estas as conclusões:

1.ª Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados – artigo 519.º n.º 1 do Código do Processo Civil -.

2.ª Sucede que, ao apontado dever jurídico de colaboração de todas as pessoas para a descoberta da verdade, logo lhe amarrou o legislador determinadas limitações atendíveis, pois que, não valendo a prova a qualquer preço, excepcionalmente alguma dela é inadmissível, impondo-se porém que tal excepcionalidade se apoie em alguma norma ou princípio jurídico, não carecendo já a defesa da respectiva admissibilidade de uma qualquer fundamentação suplementar.

3.ª Se anteriormente às alterações introduzidas no CPC pelo DL nº 329-A/95, a sujeição ao sigilo profissional, mais do que um mero fundamento legítimo de recusa a depor, consubstanciava um verdadeiro obstáculo ao depoimento, ou melhor, uma inibição para depor, agora, a problemática acerca da admissibilidade da prova, não cumprindo o depoente a obrigação do nº 3, do art.º 618º, passou antes a colocar-se a posteriori, ou seja, mais no campo da respectiva valoração do que da sua admissão/prestação.

4.ª O art.º 618.º, n.º 3 não estabelece qualquer inabilidade ou impedimento da testemunha que esteja sujeita a sigilo profissional. O juiz não pode, em princípio, com base nesse preceito, impedir o depoimento de quem se lhe apresente e pretenda depor, antes o deverá admitir valorando depois o depoimento, tendo em atenção essa particularidade.

5.ª O preceito está concebido essencialmente para proteger o depoente e não para o impedir de depor, constitui uma prerrogativa, não um impedimento - um cidadão que desempenha as funções de agente de execução tem a capacidade e o dever cívico e processual de prestar depoimento sobre os factos de que tem conhecimento (regra geral), falecendo-lhe essa capacidade e impendendo sobre ele o dever de segredo profissional quando, o seu conhecimento dos factos lhe advenha do exercício da profissão nos estritos termos previstos no preceito citado (regra especial), excepto, neste caso, se for devidamente autorizado pela sua Ordem -.

6.ª A al. b) do nº 1 do art.º 712º do Código do Processo Civil permite a modificação da matéria de facto se, no processo, houver prova irrefutável em sentido diverso. Este fundamento está, como se sabe, relacionado com o valor legal da prova, exigindo-se que a força probatória dos elementos coligidos no processo não possa ser afastada pela prova produzida em julgamento.

7.ª Ao abrigo desta alínea b) a alteração das respostas só é admissível quando haja no processo um meio de prova plena, resultante de documento, confissão ou acordo das partes, e esse meio de prova plena diga respeito a determinado facto sobre o qual o Tribunal também se pronunciou em sentido divergente.

8.ª O extracto de conta-corrente destes autos mais não é do que um controlo contabilístico do valor dos débitos e créditos existentes entre a exequente e sociedade N…, Lda. de que o executado é sócio-gerente, ou seja, um documento particular, apresentando-se como meio de prova a valorar livremente pelo tribunal.

3.Decisão

Assim, na improcedência da instância recursiva, mantemos a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Sátão.

Custas pelo apelante.

José Avelino Gonçalves (Relator)

Regina Rosa

Artur Dias