Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
218/14.9TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
IMPUTAÇÃO DO PAGAMENTO
FIANÇA
Data do Acordão: 01/24/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JC CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.783, 784 CC, 217 CIRE
Sumário: 1 - No apenso de reclamação e reconhecimento de créditos em insolvência, é possível a imputação do pagamento, nos termos do artº 783º e sgs do CC.

2 - Efetuada tal imputação pelo credor, que não abrangeu certos créditos, e não se provando que estes serão satisfeitos no âmbito da insolvência, pode ele demandar os fiadores do devedor insolvente em ação autónoma para a sua satisfação.

Decisão Texto Integral:




ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

C (…), instaurou contra M (…), A (…), A (…), M (…), S (…), C (…)  ação declarativa, de condenação, na forma comum.

Pediu:

Sejam os réus condenados a pagar à autora a quantia de € 42.340,29  acrescida de juros vincendos calculados sobre os montantes de capital em divida, às taxas contratualmente acordadas, a contar desde 13.02.2014 até efetivo e integral pagamento.

Alegando, em síntese:

No exercício da sua atividade bancária, celebrou com a sociedade D (…) S.A., entretanto declarada insolvente, dois contratos de mútuo de 50 e 75 mil euros.

Os Réus constituíram-se solidariamente fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas pela Ré D (…), no âmbito do referido contrato, tendo renunciado expressamente ao benefício da excussão prévia;

Os réus faltaram ao pagamento de várias das prestações do contrato.

Os réus (…), contestaram.

Disseram:

Na qualidade de credora reclamante junto dos autos de insolvência da sociedade, a Autora já recebeu a quantia de 162,000,00 por conta do crédito que ora reclama.

O processo de insolvência ainda não findou, sendo que, não tendo sido ainda liquidado todo o património da insolvente, é de expectar que a Autora ainda irá receber pagamentos por conta do crédito.

Se os réus figuram nos contratos celebrados na qualidade de devedores/fiadores/ principais pagadores, não podem ser confrontados com obrigações duplicadas de pagamento, pelo que, se torna imperioso proceder ao necessário e inevitável acerto de contas;

 A autora, na presente ação está a exigir juros de mora a uma taxa variável e uma cláusula penal calculada a uma taxa de 4% sem que especificasse as respetivas fases de cálculo.

Pedem:

A improcedência da ação, devendo reduzir-se ou até extinguir-se a quantia peticionada em função das quantias já recebidas pela autora e provenientes do procedimento de liquidação efetuado no processo de insolvência, absolvendo-se os réus em conformidade.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decido:

«Nestes termos e nos mais de direito, julgo a presente acção procedente por provada e condeno os réus solidariamente a pagar à autora a quantia de € 42.340,29 (quarenta e dois mil trezentos e quarenta euros e vinte e nove cêntimos), acrescida de juros vincendos calculados sobre os montantes de capital em divida, às taxas contratualmente acordadas, a contar desde 13.02.2014 até efectivo e integral pagamento.»

3.

Inconformados recorreram os réus.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

Contra alegou o autor  pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais:

          (…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e  639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é  a seguinte:

Condenação dos réus no que se liquidar em execução de sentença.

5.

Foram dados como provados os seguintes factos que importa considerar:

A- A.A Autora é uma Instituição de Crédito e no exercício da sua actividade bancária, celebrou com a sociedade “D (…) S.A.”, em 29 de Março de 2010, um contrato de mútuo ao abrigo da linha de crédito PME INVESTE IV – Montepio n.º 033- 36.100056-6, no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), pelo prazo de 12 (doze) trimestres, a reembolsar em 8 (oito) amortizações trimestrais de capital, constantes e sucessivas, acrescidas dos respectivos juros, no montante de € 6. 250,00 – cfr. documento de fls. 9 a 23 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido.

B- De acordo com a cláusula décima noma do aludido contrato, os Réus (…), confessaram-se e constituíram-se solidariamente fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas pela “D (…) S.A.”, no âmbito do referido contrato, tendo renunciado expressamente ao benefício da excussão prévia.

C- Ainda no exercício da sua actividade bancária a Autora celebrou com a “D (…)l S.A.”, em 22 de Dezembro de 2010, um contrato de mútuo PME INVESTE IV – Montepio n.º 033-36.100096-6 no valor de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), pelo prazo de 20 (vinte) trimestres, a reembolsar em 19 (dezanove) amortizações trimestrais de capital, constantes e sucessivas, acrescidas dos respetivos juros, no montante de € 3.947,87 – cfr. documento de fls. 24 a 35 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido.

D- De acordo com a cláusula décima noma do aludido contrato, os Réus (…) confessaram-se e constituíram-se solidariamente fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas pela “D (…) S.A.”, no âmbito do referido contrato, tendo renunciado expressamente ao benefício da excussão prévia.

E- A sociedade “D (…) S.A.” foi declarada insolvente no âmbito do processo 2644/12.9TJCBR, que correu termos pelo extinto 4º Juízo Cível de Coimbra, no dia 10 de Agosto de 2012.

F- Os réus foram interpelados para o cumprimento dos contratos referidos em A), em 29 de Março de 2012 e C), em 22 de Março de 2012, mas não efectuaram o pagamento das prestações vencidas.

G- No âmbito do processo de insolvência referido em E) foi reconhecido o crédito da autora resultante de mútuo com hipoteca até ao limite de € 310.369,49 e graduado em segundo lugar sobre o prédio urbano a que corresponde a verba n.º 3 dos bens apreendidos no âmbito daqueles autos.

H- No âmbito do aludido processo foi adjudicado à Autora o prédio urbano sito em (...) , Coimbra, inscrito na matriz sob o artigo x(...) , descrito na C.R.Predial de Coimbra sob o n.º y(...) da mesma freguesia, pelo preço de € 180.000,00, tendo sido dispensada do pagamento de 90% do referido preço e entregue ao Administrador da Insolvência um cheque no valor de € 18.000,00 (correspondente a 10% do aludido preço).

I- A dívida resultante do incumprimento do contrato referido em A) ascende ao montante global de € 7.470,23 (sete mil quatrocentos e setenta euros e vinte e três cêntimos), sendo:

i.capital em dívida € 6.250,00 (seis mil duzentos e cinquenta euros),

ii.juros moratórios vencidos, calculados a uma taxa variável que à data da proposição da ação era de 2,380%, no montante de € 587,15 (quinhentos e oitenta e sete euros e quinze cêntimos),

iii.a cláusula penal calculada a uma taxa de 4% desde a data do incumprimento até à data da propositura da ação, no montante de € 586,16 (quinhentos e oitenta e seis euros e dezasseis cêntimos),

iv.imposto de selo no montante de € 46,92 (quarenta e seis euros e noventa e dois cêntimos);

J- A dívida resultante do incumprimento do contrato em C) ascende ao montante global de € 34.870,06 (trinta e quatro mil oitocentos e setenta euros e seis cêntimos) sendo:

i.capital em dívida € 29.605,32 (vinte e seis mil seiscentos e cinco euros e trinta e dois cêntimos),

ii.juros moratórios vencidos, calculados a uma taxa variável que à data da proposição da ação era de 3,576%, no montante de € 2.789,01 (dois mil setecentos e oitenta e nove euros e um cêntimos),

iii.a cláusula penal calculada a uma taxa de 4% desde a data do incumprimento até à data da proposição da ação no montante de € 2.273,24 (dois mil duzentos e setenta e três euros e vinte e quatro cêntimos),

iv.imposto de selo no montante de € 252,49 (duzentos e cinquenta e dois euros e quarenta e nove cêntimos);

K- .Os créditos vencidos e não pagos resultantes dos contratos referidos em A) e C) foram reclamados no âmbito do processo de insolvência referido em E);

L- Em sede de reclamação de créditos junto dos autos de insolvência, peticionou a aqui autora e aqui reclamante ( cf. doc. de fols. 333) créditos resultantes de:

“ 1º …. seguintes contratos:

- Contrato de abertura de conta de depósitos à ordem, com o n° 033.10.0624212, titulada pela Insolvente, conforme ficha de assinaturas e extrato …. ;

- Contrato de utilização de cartão de cartão de crédito, associado à conta bancária nº 033.03.102942-5, titulado pela Insolvente, conforme ficha de assinaturas e extracto…;

- Contrato de Mútuo com o nº 033.36.100096-2, celebrado em 22.12.2010, pelo montante de € 75.000 (setenta e cinco mil euros),…; [ajuízado][contrato referido em C) dos factos assentes]

- Contrato de Mútuo com o nº 033.36.100056-6, celebrado em 29.03.2010, pelo montante de € 50.000 (cinquenta mil euros), …; [ajuizado][ contrato referido em A) dos factos assentes]

- Contrato de Abertura de crédito em conta corrente, com o n° 033.37.0000300, celebrado em 18.05.2006, até ao montante de € 100.000 (cem mil euros), posteriormente modificado pelo adicional de 13.06.2007, estipulando-se que o montante máximo do crédito em conta corrente seria de € 125.000 (cento e vinte e cinco mil euros),…

- Contrato de Abertura de crédito em conta corrente, com o nº 033.30.100130.2, celebrado em 27.01.2009, até ao montante de € 100.000 (cem mil euros), …

- Contrato de Mútuo com o nº 033.32.100155-5, celebrado em 07.12.2007, pelo montante de € 100.000 (cem mil euros), …;

2° A ora Credora é ainda portadora de 38 letras, sacadas sobre a Insolvente,…. [ que enuncia e descreve], … todas no montante global de € 38.276,15 (trinta e oito mil duzentos e setenta e seis euros e quinze cêntimos).

3° Em razão das obrigações emergentes dos títulos acima mencionados, a ora Credora pôs à disposição da Insolvente os montantes acima discriminados nos contratos de mútuo e abertura de crédito em conta corrente, consentiu na utilização da conta de depósitos à ordem e cartão de crédito, bem como aceitou o desconto das letras das quais é portadora. ….

6º Assim, todas as responsabilidades supra referidas estão abrangidas pelas hipotecas que foram constituídas.

7º Deste modo a ora Reclamante é credora que goza de garantia real sobre o bem imóvel supra identificado, sendo que pelas hipotecas, adquiriu o direito de ser paga com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior…

9º Sucede que a insolvente não cumpriu as suas obrigações no que aos contratos acima mencionados diz respeito, nos termos que a seguir se discriminam:

…..A conta de depósitos à ordem junta como Doc. 1, apresentava um saldo devedor em 30.08.2012;

…. A conta bancária associada ao Cartão de crédito junto como Doc. 2, apresentava um saldo devedor em 18.07.2012;

Contrato de mútuo, junto como Doc. 3 - não foi paga a prestação vencida em 22.03.2012, nem as subsequentes;

Contrato de mútuo, junto como Doc. 4 - não foi paga a prestação vencida em 29.03.2012, nem as subsequentes;

Contrato de abertura de crédito em conta corrente junto como Doc. 5 - não foi paga a prestação vencida em 18.02.2012, nem as subsequentes; [correspondente ao Contrato de Abertura de crédito em conta corrente, com o n° 033.37.0000300],

Contrato de abertura de crédito em conta corrente junto como Doc. 6 - não foi paga a prestação vencida em 11.05.2012, nem as subsequentes; [corresponde ao Contrato de Abertura de crédito em conta corrente, com o nº 033.30.100130.2],

Contrato de mútuo junto como Doc. 7 - não foi paga a prestação vencida em 18.02.2012, nem as subsequentes;

[corresponde ao contrato de Mútuo com o nº 033.32.100155-5],

Da mesma forma as letras juntas como Docs 8 a 21, não foram pagas na data do seu vencimento, nem em data posterior.

….

13° Pretende a ora Reclamante reaver todo o capital e os juros e despesas em dívida dado que; o incumprimento por parte da Insolvente, tornou vencida toda a dívida….

….

14º

….

V. O capital em dívida do contrato junto como Doc. 5, [correspondente ao Contrato de Abertura de crédito em conta corrente, com o n° 033.37.0000300], ascende ao montante de € 125.000 (cento e vinte e cinco mil euros) e vence juros a uma taxa variável, sendo a última de 9,040%, até integral e efectivo pagamento, acrescendo ainda os montantes a título de Cláusula Penal a uma taxa de 4% e imposto de selo e despesas diversas que abaixo se discriminam, conforme notas de débitos anexas ao referido documento;

Assim, os juros moratórias do capital no montante de € 125.000 (cento e vinte e cinco mil euros), desde a data do seu vencimento até à data da declaração da insolvência ascendem a € 5.379,17 (cinco mil trezentos e setenta e nove euros e dezassete cêntimos) a que acrescem € 1.166,67 (mil cento e sessenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos) a título de cláusula penal, € 216,74 (duzentos e dezasseis euros e setenta e quatro cêntimos) a título de mutuários conta despesas, € 5,58 (cinco euros e cinquenta e oito cêntimos) a título de juros moratórias  sobre mutuários conta despesas, € 8,89 (oito euros e oitenta e nove cêntimos) a título de imposto sobre despesas e € 311,83 (trezentos e onze euros e oitenta e três cêntimos) a título de imposto de selo e desde a data da declaração da insolvência até a apresentação da presente reclamação, os juros moratórias ascendem a € 1.192,77 (mil cento e noventa e dois euros e setenta e sete cêntimos) a que acrescem € 527,77 (quinhentos e vinte e sete euros e setenta e sete cêntimos) a título de cláusula penal, € 50 (cinquenta euros) a título de mutuários conta despesas, € 2,52 (dois euros e cinquenta e dois cêntimos) a título de juros moratórias sobre mutuários conta despesas, € 2,10 (dois euros e dez cêntimos) a título de imposto sobre despesas e € 68,22 (sessenta e oito euros e vinte e dois cêntimos) a título de imposto de selo, tudo no total de € 133.932,86 (cento e trinta e três mil novecentos e trinta e dois euros e oitenta e seis cêntimos).

VI. O capital em dívida do contrato junto como Doc. 6 [ corresponde ao Contrato de Abertura de crédito em conta corrente, com o nº 033.30.100130.2], ascende ao montante de € 98.705,60 (noventa e oito mil setecentos e cinco euros e sessenta cêntimos) e vence juros a uma taxa variável, sendo a última de 9,040%, até integral e efectivo pagamento, acrescendo ainda os montantes a título de Cláusula Penal a uma taxa de 4%, imposto de selo e imposto sobre comissões, que abaixo se discriminam, conforme notas de débitos anexas ao referido documento;

Assim, os juros moratórias do capital no montante de € 98.705,60 (noventa e oito mil setecentos e cinco euros e sessenta cêntimos), desde a data do seu vencimento até à data da declaração da insolvência ascendem a € 2.255,53 (dois mil duzentos e cinquenta e cinco euros e cinquenta e três cêntimos) a que acrescem € 5,73 (cinco euros e setenta e três cêntimos) a título de comissões financeiras, € 0,23 (vinte e três cêntimos) a título de imposto sobre comissões e € 208,66 (duzentos e oito euros e sessenta e seis cêntimos) a título de imposto de selo e desde a data da declaração da insolvência até a apresentação da presente reclamação, os juros moratórias ascendem a € 941,87 (novecentos e quarenta e um euros e oitenta e sete cêntimos) a que acrescem € 405,79 (quatrocentos e cinco euros e setenta e nove cêntimos) a título de cláusula penal, € 50 (cinquenta euros) a título de juros mutuários conta despesas, € 2,00 (dois euros) a título de imposto sobre despesas, € 2,39 (dois euros e trinta e nove cêntimos) a título de comissões financeiras, € 0,09 (nove cêntimos)a título de imposto sobre comissões e € 53,90 (cinquenta e três euros e noventa cêntimos) a título de imposto de selo, tudo no total de € 102.631,79 (cento e dois mil seiscentos e trinta e um euros e setenta e nove cêntimos).

VII. O capital em dívida do contrato junto como Doc. 7 [ corresponde ao contrato de Mútuo com o nº 033.32.100155-5] ascende ao montante de € 11.078,90 (onze mil e setenta e oito euros e noventa cêntimos) e vence juros a uma taxa variável, sendo a última de 4,970%, até integral e efectivo pagamento, acrescendo ainda os montantes a título de cláusula Penal a uma taxa de 4%, imposto de selo e despesas diversas, que abaixo se discriminam, conforme notas de débitos anexas ao referido documento; Assim, os juros moratórias do capital no montante de € 11.078,90 (onze mil e setenta e oito euros e noventa cêntimos), desde a data do seu vencimento até à data da declaração da insolvência ascendem a € 52 (Cinquenta e dois euros) a que acrescem € 41,85 (quarenta e um euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de cláusula penal, € 50 (cinquenta euros) a título de mutuários conta despesas, € 2,00 (dois euros) a título de imposto sobre despesas e € 3,75 (três euros e setenta e cinco cêntimos) a título de imposto de selo e desde a data da declaração da insolvência até a apresentação da presente reclamação, os juros moratórios ascendem a € 58,12 (cinquenta e oito euros e doze cêntimos) a que acrescem € 46,78 (quarenta e seis euros e setenta e oito cêntimos) a título de cláusula penal, € 50 (cinquenta euros) a título de mutuários conta despesas, € 2 (dois euros) a título de imposto sobre despesas e € 4,20 (quatro  euros e vinte cêntimos) a título de imposto de selo, tudo no total de € 11.389,60 (onze mil trezentos e oitenta e nove euros e sessenta cêntimos).

15° O crédito da ora Reclamante ascende, assim, ao montante total de € 378.462. 18 … - capital, juros moratórios, despesas várias e imposto de selo.

IV- Dos Juros Vincendos.

16° A ora Reclamante pretende ainda reaver o valor dos juros que se vençam posteriormente à data de apresentação da presente Reclamação, contados sobre os valores de capital referido nos pontos I a VIII do artigo 15°, às taxas mencionadas no mesmo artigo.

V- Da Natureza e Garantias dos Créditos reclamados:

17°. Face à cláusula abrangente das hipotecas voluntárias constituídas pela Insolvente sobre o imóvel já identificado na presente reclamação, os créditos reclamados devem ser considerados abrangidos pela referida cláusula, nos termos que a seguir se discriminam:

a) As quantias de €14,21 (catorze euros e vinte e um cêntimos); € 5,377,68 (cinco mil trezentos e setenta e sete euros e sessenta e oito cêntimos); € 54.389,94 (cinquenta e quatro mil trezentos e oitenta e nove euros e noventa e quatro cêntimos); € 61.106,01 (sessenta e um mil cento e seis euros e um cêntimo); € 25.612,11 (vinte e cinco mil seiscentos e doze euros e onze cêntimos); € 133.932,86 (cento-e trinta e três mil novecentos e trinta e dois euros e oitenta e seis cêntimos); € 102.631,79 (cento e dois mil seiscentos e trinta e um euros e setenta e nove cêntimos); € 11.389,60 (onze mil trezentos e oitenta e nove euros e sessenta cêntimos); € 38.937,92 (trinta e oito mil novecentos e trinta e sete euros e noventa e dois cêntimos), tudo no total de € 378.462,18 (trezentos e setenta e oito mil quatrocentos e sessenta e dois euros e dezoito cêntimos) – têm NATUREZA GARANTIDA nos termos do disposto do art.° 47° n? 4 aI. a) e 48°, b) ; ambos do CIRE.

Por outro lado,

… FACE AO EXPOSTO, DEVE A PRESENTE RECLAMAÇÃO SER ADMITIDA E CONSIDERADO RECONHECIDO E VERIFICADO O CRÉDITO RECLAMADO, NO MONTANTE GLOBAL DE € 378.462,18 (TREZENTOS E SETENTA E OITO MIL QUATROCENTOS E SESSENTA E DOIS EUROS E DEZOITO CÊNTIMOS) ACRESCIDO DE JUROS VINCENDOS CALCULADOS ÀS TAXAS CONTRATUALMENTE ACORDADAS E LEGAIS DESDE 17.09.2012 ATÉ EFECTIVO E INTEGRAL PAGAMENTO.

M- Para garantia do integral e bom cumprimento de todas as obrigações a que se comprometeu e assumiu perante a reclamante aqui autora, constituiu a Insolvente voluntariamente duas hipotecas sobre o prédio urbano descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra, sob o nº y(...) , freguesia de Eiras, inscrito na matriz sob o nº x(...) , a saber, uma registada sob a ap. 33 de 2001/09/10 e ap. 4 de 2004/03/09;

N- As hipotecas acima mencionadas foram constituídas para garantia de todas as obrigações emergentes de contrato até aos montantes máximos de 46.025.000$00/ € 229.571,73 e € 151.500 (cento e cinquenta e um mil e quinhentos euros), e para garantia de qualquer quantia que a “seja ou venha a ser credora da sociedade hipotecante”, isoladamente, em conjunto ou solidariamente sendo que ambas as hipotecas foram constituídas com cláusula de efeito abrangente;

O- Por sentença de 9 de Maio de 2013, rectificada proferida em sede de incidente de verificação e graduação de crédito- apenso B dos supra-referidos autos de insolvência, foi decidido:

“ a) Sobre o produto do prédio urbano (verba n.º 3 do auto de apreensão)[ bem imóvel adjudicado à aqui autora, aí reclamante]

. Em primeiro lugar, dar-se-á pagamento aos créditos de (…) e de (…). [ credoras laborais];

. Em segundo lugar, dar-se-á pagamento ao crédito da Caixa Económica Montepio Geral, até ao valor de € 310.369,49 (trezentos e dez mil trezentos e sessenta e nove euros e quarenta e nove cêntimos). [ valor em que se incluem os créditos ajuizados]

. Em terceiro lugar, dar-se-á pagamento ao crédito do Instituto de Segurança Social, I.P. até ao valor de € 20.322,75.

. Em quarto lugar dar-se á pagamento rateadamente aos demais créditos reclamados, com excepção dos juros dos créditos comuns constituídos após a declaração de insolvência, que serão pagos em último lugar.

b) Sobre o produto dos prédios rústicos (verbas n.ºs 1 e 2 do auto de apreensão)

• Em primeiro lugar, dar-se-á pagamento ao crédito do Instituto de Segurança Social, I.P. até ao valor de € 20.322,75.

• Em segundo lugar dar-se á pagamento rateadamente aos demais créditos reclamados, com excepção dos juros dos créditos comuns constituídos após a declaração de insolvência, que serão pagos em último lugar.”

c) Sobre o produto dos bens móveis

• Em primeiro lugar, dar-se-á pagamento aos créditos de (…) e de (…)

• Em segundo lugar, dar-se-á pagamento ao crédito do Instituto de Segurança Social, I.P. até ao valor de € 20.322,75.

• Em terceiro lugar dar-se á pagamento rateadamente aos demais créditos reclamados, com excepção dos juros dos créditos comuns constituídos após a declaração de insolvência, que serão pagos em último lugar.”

P- O valor do imóvel adjudicado [€161990, dada a retenção de 10%, valor este depositado e outras despesas] foi pela autora imputado em três créditos: contrato de abertura de crédito em conta corrente, com o n° 033.37.0000300, celebrado em 18.05.2006 [€ 133 932,86]; contrato de abertura de crédito em conta corrente, com o nº 033.30.100130.2, celebrado em 27.01.2009 [€ 16 667,54]; e contrato de mútuo com o nº 033.32.100155-5, celebrado em 07.12.2007 [€ 11 389,60 ] (ou seja a nenhum dos créditos ajuizados nos presentes autos)- ficando aqueles 3 contratos ainda com remanescente em dívida [ valores parcelares de € 97.048,98, 28997,10 e 1832,85].

 Matéria de facto não provada:

Os bens apreendidos no processo de insolvência referido em E) são suficientes para o pagamento dos aludidos créditos vencidos e não pagos; (facto tema 4 dos temas de prova)

6.

Apreciando.

6.1.

O Sr. Juiz decidiu alicerçado na seguinte argumentação/exegese jurídica:

«Questão controversa será saber se pode haver uma condenação certa e líquida - aceitando assim a imputação efectuada pela credora- a “ alocação dos valores pagos”, feita de modo unilateral e com um critério algo “aleatório”; ou se deve aquele valor “pago” deve ser ser proporcional e rateado por todos os créditos que garantia…?...

As regras de imputação do cumprimento acham-se previstas na SUBSECÇÃO V da secção I - Cumprimento, do capítulo VII, do título I do Livro das Obrigações: assim:

- o art. 783º respeita às situações de Designação pelo devedor:

1. Se o devedor, por diversas dívidas da mesma espécie ao mesmo credor, efectuar uma prestação que não chegue para as extinguir a todas, fica à sua escolha designar as dívidas a que o cumprimento se refere;

2. O devedor, porém, não pode designar contra a vontade do credor uma dívida que ainda não esteja vencida, se o prazo tiver sido estabelecido em benefício do credor; e também não lhe é lícito designar contra a vontade do credor uma dívida de montante superior ao da prestação efectuada, desde que o credor tenha o direito de recusar a prestação parcial.

Ora, este meio de defesa que assistia à mutuária sociedade – (entretanto, massa insolvente) não terá sido exercido e não vemos que possa ser deferido ao fiador, obviamente interessado em imputar um pagamento que lhe é alheio a divida que afiança em detrimento de outra ou outras contra si não accionadas ou a que seja estranho.

A escolha pelo devedor ou pelo seu fiador pressuporia aliás um cumprimento espontâneo - cf. ac. STJ de 25-11-2004, Revista n.º 3806/04 - 7.ª Secção, Salvador da Costa (Relator)…

Mas mesmo que se entenda que - não tendo sido feita escolha - valem as regras supletivas ( artigo 784.º do CCivil), diremos:

 1. Se o devedor não fizer a designação, deve o cumprimento imputar-se na dívida vencida; entre várias dívidas vencidas, na que oferece menor garantia para o credor; entre várias dívidas igualmente garantidas, na mais onerosa para o devedor; entre várias dívidas igualmente onerosas, na que primeiro se tenha vencido; se várias se tiverem vencido simultâneamente, na mais antiga em data.

  2. Não sendo possível aplicar as regras fixadas no número precedente, a prestação presumir-se-á feita por conta de todas as dívidas, rateadamente, mesmo com prejuízo, neste caso, do disposto no artigo 763.º.

Ora, a imputação feita pela credora obedece claramente ao critério de ter sido alocado o valor à dívida com menor garantia e bem assim mais antigas na data….

Do exposto, esgotado já o valor do bem dado em garantia na satisfação de diversos créditos, atenta a renúncia ao benefício de excussão, procede a pretensão da autora.».

 Perscrutemos.

O recurso teria logo de improceder atento o modo como os recorrentes circunscrevem a essência do mesmo: a condenação não em quantia líquida, mas antes na que se apurar em posterior liquidação.

É que o disposto no artº 609º nº2 do CPC reporta-se apenas aos casos de, no processo, não haver elementos para se fixar o objeto ou a quantidade do pedido formulado pelo autor.

Ora nos autos tal impossibilidade não ocorre.

O autor formulou um pedido que claramente liquidou e quantificou.

Nem os réus, em sede recursiva, contestaram tal liquidação. Nem, aliás, contestam a própria dívida.

Logo, na dicotomia: condenação em quantia certa versus condenação no que se vier a liquidar, a condenação operada na sentença está certa e é legal.

Obviamente que o cerne da questão recursiva, e as alegações dos recorrentes assim o inculcam – ainda que tenham impetrado uma atuação do tribunal desconforme – coloca-se noutro plano, qual seja, quais os efeitos que o reconhecimento dos créditos em causa no respetivo apenso da insolvência da devedora tem na presente ação.

E estes apenas se podem traduzir em uma de duas hipóteses: ou o autor pode obter ganho de causa na presente ação, como obteve em primeira instância, ou não pode; que não já  ser admissível um tertium genus, qual seja: permitir a condenação no que se liquidar.

A essência do recurso reside, pois, em saber se  podem ser aplicadas, em sede de processo de insolvência, as regras de imputação do cumprimento dos artºs 783º e sgs. do Código Civil.

Entendemos ser a resposta positiva.

Não se alcança impedimento legal para tal.

Na verdade, tais regras civilísticas, se bem interpretamos, têm como fito definir e clarificar a situação debitória complexa existente entre as partes.

Pois que de  entre as várias dívidas existentes fixam-se as que se têm como  totalmente pagas pelo cumprimento parcial, assim se concretizando as que ainda estão por cumprir, as quais, consequentemente, mais facilmente  poderão  ser exigidas ulteriormente.

E ademais se  evitando discussões sobre o que ainda está, e não está, em dívida, e até, eventual duplicação de pagamento.

Ora tal ratio parece ter validade para a reclamação de créditos em insolvência.

Até porque, nos termos do disposto no artº 217º nº4 do CIRE:

«As providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação, mas estes sujeitos apenas poderão agir contra o devedor em via de regresso nos termos em que o credor da insolvência pudesse exercer contra ele os seus direitos».

Como se expende no Ac. da RC de de 06.07.2016, p. 9499/15.0T8CBR.C1, aqui  inequivocamente perspetivável, pois que apenas está em causa o montante do crédito:

«Os credores dos co-obrigados e terceiros garantes ficaram totalmente protegidos; o devedor fica protegido nos termos em que as providências do plano com incidência no seu passivo forem aprovadas; os condevedores ou terceiros garantes ficaram parcialmente desprotegidos, pois só poderão reaver em regresso parte do que eventualmente liquidarem, conforme o que o plano aprovar com incidência sobre o passivo do devedor, e mesmo essa parte se o devedor tiver cabedal financeiro/monetário para isso.

É uma solução que, quanto a esta desprotecção dos condevedores ou terceiros garantes, pode ser questionada quanto à sua justeza mas trata-se claramente de uma opção do legislador que de caso pensado por ela optou e expressis verbis a contemplou (neste sentido Carvalho Fernandes/J. Labareda, CIRE Anotado, 2ª Ed., 2013, nota 12. ao artigo 217º, pág. 838, e Carolina Cunha, Aval em branco e plano de insolvência, RLJ, Março-Abril de 2016, págs. 218/226).»

(itálico nosso).

Sendo assim, tais normas, são subsidiariamente aplicáveis, pois que não contrariam o disposto no CIRE, maxime num apenso de cariz declarativo, como é o do  reconhecimento e  graduação de créditos - cfr. artº 17º  aplicável, mutatis mutandis.

Como se vê, a lei atribui tal faculdade ao credor – artº 783º.

Mas se este a não exercer, então a própria lei determina, supletivamente, a que dívidas o cumprimento parcial deve ser imputado – artº 784º.

No caso vertente, não tendo a insolvente exercido o seu direito de imputação, sempre emergiria, caso a questão da imputação se colocasse,  como veio a colocar-se neste processo, a regra supletiva.

No entanto mais se provou que o próprio credor efetivou a imputação.

Obviamente que deveria respeitar os critérios da norma do artº 784º.

E, como é mencionado na sentença e se confirma,  assim fez, pois que operou a imputação relativamente a dívidas que parece que gozam de garantia inferior às em causa, ou, ao menos, são mais antigas.

Ora da imputação efetivada resulta que a dívida dos mútuos em causa ainda está por solver in totum.

Tanto basta para que se possa concluir que nos encontramos perante uma dívida vencida, exigível, e liquidada  em valor certo: exatamente o que é pedido foi concedido e, até, é confessado pelos réus.

Aqui falecendo um outro argumento nuclear dos recorrentes: que a dívida não está líquida, sendo incerta, o que oneraria o fiador em âmbito mais alargado do que onera o principal devedor, o que é proibido pelo artº 631º do CPC.

Aqui chegados, cumpre referir que a posição dos réus apenas poderia eventualmente  singrar se se provassem que, não obstante a mencionada imputação, o crédito desta  nossa ação seria totalmente satisfeito na insolvência.

Mas tal, como dimana do facto dado como não provado, não ficou assente.

Antes, pelo contrário, ressumando do processo, aliás como costuma ser regra, que os bens da insolvente não satisfarão todos os créditos.

Improcede, brevitatis causa, o recurso.

6.

Sumariando- artº 663º nº7 do CPC.

I - No apenso de reclamação e reconhecimento de créditos em insolvência, é possível a imputação do pagamento, nos termos do artº 783º e sgs do CC.

II -  Efetuada tal imputação pelo credor, que não abrangeu certos créditos, e não se provando que estes serão satisfeitos no âmbito da insolvência, pode ele demandar os fiadores do devedor insolvente em ação autónoma para a sua satisfação.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelos recorrentes.

Coimbra, 2017.01.24.

 

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos