Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
68/12.7TBCLB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
AUTO-ESTRADA
RESPONSABILIDADE
CONCESSIONÁRIA
DEVER DE SEGURANÇA
ÓNUS DA PROVA
DANOS
PERDA TOTAL
EXCESSIVA ONEROSIDADE
Data do Acordão: 03/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA - CELORICO BEIRA - INST. LOCAL - SEC. COMP. GEN. - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL Nº 44-D/2010 DE 5/5, LEI Nº 24/2007 DE 18/7, ART.566 CC
Sumário: 1.- No caso de acidente de viação em auto-estrada concessionada causado por algum das circunstâncias enunciadas no art.12 nº1 a), b) e c) da Lei nº 24/2007 de 18/7, sem prova de culpa do condutor do veículo, recai sobre a concessionária o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança.
2.- Este ónus da prova contém uma presunção indirecta de incumprimento das obrigações de segurança por parte da concessionária quanto aos acidentes causados pelos factores de risco que lhe compete dominar.

3 - Para que se mostre satisfeito o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, contido nº1 do art. 12º do DL 24/2007 de 18/7, não basta uma prova genérica do cumprimento de tais deveres, impondo-se a prova de medidas especificamente adequadas a prevenir a entrada de animais na via – características da vedação, periodicidade das inspecções e da sua reparação – ou a detectar a sua presença nela depois da sua entrada.

4 -Não tendo a Ré, na sua contestação, feito qualquer referência ao valor comercial do veículo antes do sinistro, nem de que este seria era muito inferior ao da reparação, para efeitos de perda total, não pode a Apelante, socorrendo-se do mecanismo previsto no nº2 do art. 5 CPC, pretender que o tribunal venha a dar como provado que “o veículo teria um valor venal de 300,00 €, ou quando muito, entre 1.800,00 €”, alegando que o mesmo resultou da instrução da causa.

5 - Sendo a reparação do veículo uma forma de restauração natural, era à ré que incumbia a alegação e prova de que aquela forma de restauração se afigurava “excessivamente onerosa”, ou seja, da ocorrência de uma flagrante desproporção entre o custo que ia suportar em relação ao interesse do lesado na reparação.

6 - Tal excessiva onerosidade terá de ser aferida pela ponderação de três elementos: preço da reparação, valor dos salvados e o valor necessário à aquisição de um veículo com características semelhantes.

Decisão Texto Integral:                                                                                                

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

 M (…) intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo sumário contra A(…) S.A., para efetivação da responsabilidade civil por dano emergente de acidente de viação,

alegando, em síntese, que no dia 20.11.2011, o autor conduzia o seu veículo  na A25 quando, do lado esquerdo da via, surgiram, à sua frente e a atravessar a faixa de rodagem, quatro javalis, não conseguindo o autor evitar o embate frontal com os mesmos, acidente que ficou a dever-se, única e exclusivamente, à falta de conservação e diligência por parte da ré, concessionária daquela autoestrada, uma vez que a vedação no local do acidente se encontrava bastante danificada, ao nível inferior, ostentando sinais de mau estado de conservação.

Em consequência, pede a condenação da ré a pagar ao autor:

1. O custo da reparação do veículo do autor, estimado em 3.370,41€ ou, em alternativa, o valor equivalente a essa reparação, necessário para adquirir um veículo com as características do veículo do autor;

2. O custo do empréstimo de uma viatura de substituição à razão diária de 25,00€, desde o dia 21/11/2011 até à reparação do veículo do autor;

3. O custo do parqueamento e guarda do veículo do autor na oficina “A (…) Lda.”, à razão diária de 9,00€ + IVA, desde o dia 20/11/2011, até à reparação do veículo do autor;

4. O valor de 69,81€ correspondente a um dia de trabalho do autor;

5. O valor de 22,00€ correspondente ao custo da certidão da participação do acidente de viação suportado pelo autor;

6. O custo da inspeção extraordinária a que o veículo do autor irá ser sujeito após reparação, a liquidar em execução de sentença;

7. A quantia referente aos danos patrimoniais que o autor vier a sofrer após a propositura da presente ação, a liquidar em execução de sentença;

8. A quantia de 2.500,00€ referente aos danos não patrimoniais sofridos pelo autor, acrescida da quantia referente aos danos morais que o autor vier a sofrer após a propositura desta ação, a liquidar em execução de sentença;

9. A sanção pecuniária compulsória no valor de 100,00€ por cada dia de atraso no não cumprimento da decisão que vier a ser proferida nestes autos.

A Ré contesta alegando, em síntese:

é possível que os animais tenham entrado na via através da vedação levantada, mas nesse caso foram os próprios animais que forçaram a vedação, levantando-a por forma a conseguirem aceder à via;

a A25 tem as características de auto-estrada sem portagens, pelo que os nós de entrada e saída da referida auto-estrada não são fechados, não existindo quaisquer barreiras físicas, designadamente, as habituais barreiras de portagem;

aquilo que lhe é exigido é a realização de patrulhamentos permanentes e regulares à concessão, bem como a manutenção e conservação das estruturas daquela via e, no caso de serem detetados animais nas vias, proceder de forma a expulsá-los o mais rapidamente possível, pelo que tais obrigações são e foram cumpridas na integra pela ré, o que sucedeu no dia do acidente e antes de o mesmo ter eclodido, indicando, para o efeito, os patrulhamentos efetuados, através dos quais não foi detetado qualquer animal, nem pela ré, nem pela Brigada de Trânsito da GNR.

Conclui pela sua absolvição do pedido.

No mais, deduz incidente de intervenção principal provocada, ao abrigo do disposto no artigo 325º e segs do Código de Processo Civil, requerendo o chamamento da C (…), S.A. – Sucursal em Portugal, para a qual havia transferido para aquela a sua responsabilidade civil/exploração.

Admitida a requerida intervenção da C (…), S.A. – Sucursal em Portugal, a mesma apresentou articulado.

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença, a julgar a ação parcialmente procedente:

I – Condenando a Ré, A(…) S.A., no pagamento ao autor da quantia total de 5.442,41 €, sendo:

a) A quantia de 3.370,41€, a título de reparação do veículo, acrescida dos juros de mora, à taxa civil legal, desde a citação, até efetivo e integral pagamento;

b) A quantia de 72,00 € a título de danos patrimoniais, referentes ao parqueamento do veículo sinistrado, acrescida dos juros de mora, à taxa civil legal, desde a citação, até efetivo e integral pagamento;

c) A quantia de 1.500,00€, a título de indemnização pela privação do uso do veículo, acrescida dos juros de mora, à taxa civil legal, desde a decisão até efetivo e integral pagamento;

d) A quantia de 500,00€, a título de danos morais, acrescida dos juros de mora, à taxa civil legal, desde a decisão até efetivo e integral pagamento.

II - Absolvendo a ré do restante peticionado.

Não se conformando com a mesma, a Ré A (...) dela interpôs recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:

(…)

Os autores apresentam contra-alegações no sentido da manutenção do decidido.
Cumpridos que foram os vistos legais, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo[1] –, as questões a decidir são unicamente as seguintes:
1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
2. Responsabilização da Ré/concessionária pelo acidente.
3. Indemnização pelos danos materiais ocorridos no veículo.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

(…)
A. Matéria de Facto
São os seguintes os factos dados como provados pelo juiz a quo, que se mantêm inalterados e que aqui se reproduzem parcialmente, na parte em que assumem relevo para as questões objeto do presente recurso:
1) Do documento denominado de “auto de ocorrência”, de fls.22 a 24, consta, além do mais, o seguinte teor, para o qual se remete e ora se dá por reproduzido:
“DATA E LOCALIZAÇÃO:
Data: 20-11-2011 Hora: 21H00
Designação da via: A25 Km: 135,50 Localidade: Vila Boa do Mondego
Concelho: Celorico da Beira (…) Estado do tempo: Bom
(…)
CARACTERIZAÇÃO DA OCORRÊNCIA:   
Caracterização: Colisão com animal de raça suína (javali).
DESCRIÇÃO DA OCORRÊNCIA:
(…)
Compareceu no local o funcionário do concessionária da via (Ascendi) tendo o mesmo removido o animal para as suas instalações. Esteve também no local o rebocador (reboques A25) para a remoção do veículo.
Foram detetadas pelo participante e funcionário da concessionária da via pelo menos dois locais próximos da ocorrência, em que a rede de proteção se encontrava levantada, permitindo assim passagem de animais para aqueles locais. (…)”
2) O piso da faixa de rodagem é em betão betuminoso e encontra-se em bom estado de conservação.
3) À data do sinistro, a R. A (...) havia transferido, até ao limite de trinta milhões de Euros para C (…), S.A., Sucursal em Portugal, a responsabilidade civil pelos eventuais danos causados a terceiros em virtude da sua atividade, por via da apólice n.ºPA09CP0040.
4) Além do mais, o documento de fls. 89 a 108, apresenta o seguinte teor, que ora se dá por reproduzido e para o qual se remete: (…).
(…)
6) No dia 20/11/2011, pelas 21h00m, M (…) conduzia o veículo ligeiro de passageiros de marca Citroen, modelo Saxo, matrícula (...) HH, de sua propriedade, na A25, no sentido Viseu/Guarda, ao KM 135,350.
7) Circulava na faixa da direita da referida A25, com atenção ao trânsito, a uma velocidade de cerca de 100km/h e com os médios ligados.
8) Na data, hora e local referidos em 6), entraram um número não concretamente apurado de javalis na faixa de rodagem onde circulava o veículo com a matrícula (...) HH, provenientes do lado esquerdo, atento o sentido de marcha do veículo, os quais embateram na zona frontal do referido veículo.
9) O autor apenas conseguiu imobilizar o veículo após o embate nos animais.
10) O local do embate, nas circunstâncias de tempo referidas em 6) proporcionava boa visibilidade.
11) No local do embate não existia qualquer iluminação exterior.
12) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 6), a vedação, junto ao local do acidente, encontrava-se levantada, ao nível inferior, em dois pontos distintos.
13) Na manhã do dia seguinte ao do acidente, a vedação ainda não tinha sido reparada pela ré, encontrando-se no estado referido em 12).
14) Na manhã do dia seguinte ao do acidente, o autor constatou a existência de um outro javali morto no separador central da auto-estrada.
15) Após o embate compareceram no local referido em 6) os funcionários da Ré, que recolheram um javali já morto e a GNR que elaborou o auto de ocorrência junto a fls. 22 e segs.
16) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 6), existiam vedações, em rede, que ladeavam a A25 nos dois sentidos Aveiro/Guarda e Guarda/Aveiro.
17) A vedação da A25, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 6), era uma vedação de malha progressiva (em arame), com fiadas de arame farpado nas suas partes inferior e superior, com cerca de 1,60 metros de altura, encontrando-se presa a prumos de madeira cravados no solo.  
18) Na data referida em 6), os funcionários da ré efetuaram mais do que um patrulhamento a toda a extensão da A25.
19) Passaram mais do que uma vez no local referido em 6).
20) E não detetaram qualquer animal, designadamente javalis, nas imediações daquele local.
21) Os patrulhamentos referidos em 18) são efetuados pelos funcionários da ré, em regime de turnos, durante as 24 horas de cada dia e em todos os dias de cada ano.
22) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 6), e do que a ré A (...) tem conhecimento, não ocorreu mais nenhum acidente envolvendo animais.
23) Em consequência do embate, o veículo com a matrícula (...) HH teve de ser retirado da A25 através de reboque, por estar impedido de circular.
24) Em consequência do embate, o veículo com a matrícula (...) HH sofreu os seguintes estragos: Serviço de chapa e pintura; G/lamas Fr Dr; G/lamas Fr Esq.; Capot; Frente chapa; Grelha central Fr; P/choques Fr; Ótica Fr Dr.; Ótica Fr Esq.; Piscas Fr Esq.; Radiador Água; Chapa matrícula; Cava roda Fr Dr.; Cava roda Fr Esq.; Pisca lateral Fr Esq. Laranja; Friso lateral Esq.; Friso porta Fr Esq.; Molas Friso; Anticongelante; Serviço de pintura; MO – Chapa e estrutura monobloco.
25) A reparação do veículo foi orçamentada em 3.370,41€.
26) O veículo com a matrícula (...) HH ainda não se encontra reparado e não pode ser utilizado por se encontrar impedido de circular.
27) O autor não dispõe da verba necessária para proceder, à sua custa, à reparação do veículo matrícula (...) HH.
28) O veículo matrícula (...) HH encontra-se imobilizado desde a data do acidente até ao presente.
29) O valor comercial do veículo com a matrícula (...) HH, em momento anterior ao embate, era inferior ao valor da reparação referido em 25).
 (…)
*
B. O Direito

 1. Responsabilidade da Ré/Concessionária da A25.

A grande questão colocada pela Ré/concessionária nas suas alegações de recurso respeita à sua responsabilidade relativamente ao acidente ocorrido na A25 na sequência de um embate entre a viatura dos AA. e alguns javalis que na altura atravessavam a faixa de rodagem.

A sentença recorrida julgou verificada tal responsabilidade, considerando que embora tenha provado “genericamente ter cumprido as suas obrigações de vigilância e vedação”, a Ré não conseguiu elidir a presunção de culpa que sobre si impendia por força do artigo 12º da Lei nº24/2007, de 18 de Julho.

Insurge-se a Ré contra tal entendimento, defendendo que o nº1 do artigo 12º da citada Lei não estabelece uma presunção de culpa em desfavor das concessionárias, implicando, tão só, uma inversão do ónus da prova que agora impende sobre as concessionárias, ónus da prova que, no seu entendimento, se mostra cumprido.

Com o presente recurso, e quanto à responsabilidade da Ré, discute-se, tão só, se a Ré A (...)logrou fazer a prova “do cumprimento das obrigações de segurança”, em conformidade com o disposto no art. 12º, nº1, da Lei nº 24/2007, de 18 de Junho.

Antes de respondermos a tal questão, faremos um breve enquadramento do tratamento que a jurisprudência e doutrina têm vindo a dar à questão em apreço.

A responsabilidade civil das concessionárias de autoestradas por acidentes de viação ocorridos por falha objetiva de condições de segurança (na qual se incluem, quer os acidente ocorridos na sequência de introdução de animais, quer por objetos caídos na mesma) foi sendo objeto de larga indagação jurisprudencial e doutrinária, com inúmeras soluções jurídicas, desde os que optam pela responsabilidade contratual[2] (a partir da existência de um contrato inominado entre o utente e a Brisa, ou através da figura do contrato a favor de terceiro), aos que optam pela responsabilidade extracontratual [3](uns considerando que ao lesado incumbe a prova da culpa do autor da lesão, e outros defendendo a aplicação da presunção legal de culpa do nº1 do artigo 493º do CC), e ainda, por fim, aos que defendem a verificação de um concurso aparente de responsabilidades, extracontratual e contratual, conferindo ao lesado a possibilidade de optar por um ou por outro[4].

Tal discussão perdeu, contudo, algum do seu interesse, face à publicação da Lei nº 24/2007, de 18 de Junho, que entrou em vigor a 19 de Julho de 2007 e que veio definir os direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas, itinerários principais ou itinerários complementares.

Dispõe no artigo 12º, nº1, do citado diploma:

1. Nas autoestradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário com consequências danosas para as pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, quando a respetiva causa diga respeito a:

a) Objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;

b) Atravessamento de animais;

c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.

2. (…)

3. São excluídos do número anterior os casos de força maior, que diretamente afetem as atividades da concessionária e não imputáveis ao concessionário, resultantes de:

a) Condições climatéricas manifestamente excecionais, designadamente, graves inundações, ciclones ou sismos;

b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio;

c) Tumulto, subversão, atos de terrorismo, rebelião ou guerra.

Não tomando qualquer opção sobre a natureza obrigacional ou delitual da responsabilidade, a citada norma pôs a cargo das concessionárias o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, sempre que os acidentes digam respeito a objetos arremessados para a via ou existentes na faixa de rodagem [alínea a)], atravessamento de animais [alínea b)] e líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais [alínea c)].

Perante a referida norma, é agora líquido que, no caso de acidente de viação em autoestrada concessionada causado por alguma das circunstâncias descritas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do artigo 12º, sem prova de culpa do condutor do veículo, recai sobre a concessionária o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança e não ao lesado demonstrar que tais obrigações não foram observadas.

Tal ónus da prova contém uma presunção indireta de incumprimento das obrigações de segurança por parte da concessionária, quanto aos acidentes causados pelos fatores de risco que lhe compete dominar.

A doutrina tem divergido sobre a natureza desta presunção – presunção de ilicitude, presunção de culpa ou mesmo ambas –, o que não é indiferente à solução final a dar ao caso em apreço, por contender com diferentes padrões de cuidado a exigir às concessionárias.

Menezes Cordeiro[5] referindo-se à opção do legislador de não recorrer ao termo civil comum (presunção de culpa), quer da responsabilidade obrigacional quer da delitual (arts. 799º, nº1 e 493º, do CC), sustenta que a presunção de incumprimento perante determinados factos configura algo de muito próximo da responsabilidade objetiva ou pelo risco: a menos que se exiba um “culpado”, relativamente ao qual qualquer prevenção fosse impossível, não se alcança como arcar com o “ónus da prova do cumprimento”.

Pedro Pires Fernandes[6] encara a inversão do ónus da prova a que se chegou do ponto da obrigação de meios: para se exonerar de responsabilidades, à concessionária bastará provar que cumpriu todas as obrigações que para si advêm do contrato de concessão ou, por outro lado, demonstrar que o incumprimento se ficou a dever a uma causa que lhe é de todo alheia. Segundo tal autor, tal presunção de incumprimento não envolve a imputação à concessionária de uma presunção de culpa na ocorrência do sinistro, uma vez que se tivesse sido essa a opção do legislador, a exoneração da concessionária só poderia ocorrer, sem contar com as possibilidades previstas no nº3, no caso de se provar o evento causal que conduziu à produção do acidente.

Para Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde[7], o nº1 do artigo 12 consagra uma presunção de ilicitude sobre a concessionária: cabe-lhe, agora, comprovar a correspondência entre a idoneidade das medidas que adotou para prevenir este tipo de acidentes ou remover as suas consequências e as exigências ditadas pelo critério do bonus pater familas. Em sua opinião, a Lei nº 24/2007 não contém um regime de responsabilidade civil objetiva, podendo a concessionária fazer a prova da ausência de culpa e não apenas nos casos de força maior. Os danos sofridos em consequência de sinistros causados por atravessamento de animais, manchas de óleo, pneus rebentados ou objetos espalhados nas vias de circulação, sendo todos eles inerentes à normal utilização das autoestradas, encontram-se sujeitos à presunção de culpa contida no art. 493º do CC[8] (pelos danos causados por coisas detidas pelas pessoas com o dever de as vigiar). A elisão de tal presunção faz-se mediante a demonstração de terem sido respeitados os deveres de comportamento exigíveis, sem que seja necessário provar o facto estranho que desencadeou o sinistro, uma vez que tais deveres fixam a medida do risco permitido.

Vejamos, então, se a Ré, enquanto concessionária da A25, deverá, ou não, ser civilmente responsabilizada pelos danos decorrentes do acidente em questão.

As Bases da Concessão da autoestrada em apreço constam do Dec. Lei nº44-D/2010, de 5 de Maio, que, introduzindo alterações ao Dec. Lei nº 142-A/2001, de 24 de Abril, procedeu à republicação de tais bases.

Nelas se destacam as seguintes normas regulamentares:

Base XXX, nº4. al. a) -  Vedação – a Auto-Estrada é vedada em toda a sua extensão, utilizando-se, para o efeito, tipos de vedações a aprovar pelo InIR, devendo as passagens superiores em que o tráfego de peões seja exclusivo ou importante serão também vedadas lateralmente em toda a sua extensão.

Base XLV

 1 – A concessionária deve manter a Auto-Estrada, bem como os demais bens que integram ou estejam afetos à Concessão, em funcionamento ininterrupto ou permanente, em bom estado de conservação e em perfeitas condições de utilização e segurança, nos termos e condições estabelecidos nas disposições legais regulamentares aplicáveis e no Contrato de Concessão, realizando oportunamente, as reparações e as adaptações que se tornem necessárias e todos os trabalhos e alterações necessários para que os mesmos satisfaçam cabal e permanentemente os fins a que se destinam.

 (…) 4- A concessionária deverá respeitar os padrões de qualidade, designadamente para a regularidade e aderência do pavimento, conservação da sinalização e do equipamento de segurança e apoio aos utentes, fixados no Manual de Operação e Manutenção e no plano de controlo de qualidade”;

Base LIII nº2- A concessionária deverá estudar e implementar os mecanismos necessários para garantir a monitorização do tráfego, a identificação das condições climatéricas adversas à circulação, a deteção de acidentes e a consequente e sistemática informação de alerta ao utente, no âmbito da concessão (…)”.

Tem vindo a ser entendido que o dever da concessionária de “assegurar a circulação em boas condições de segurança e comodidade”, aliado ao dever de colocar vedações em toda a extensão da autoestrada e de assegurar a sua manutenção, legitima que, perante a presença de um animal na autoestrada, se possa presumir o incumprimento de tais deveres por parte da concessionária.

No caso em apreço, encontram-se provados os seguintes factos, com interesse para a imputabilidade do acidente:

7) O veículo (...) HH circulava na faixa da direita da referida A25, com atenção ao trânsito, a uma velocidade de cerca de 100km/h e com os médios ligados.

8) Na data, hora e local referidos em 6), entraram um número não concretamente apurado de javalis na faixa de rodagem onde circulava o veículo com a matrícula (...) HH, provenientes do lado esquerdo, atento o sentido de marcha do veículo, os quais embateram na zona frontal do referido veículo.

9) O autor apenas conseguiu imobilizar o veículo após o embate nos animais.

10) O local do embate, nas circunstâncias de tempo referidas em 6) proporcionava boa visibilidade.

11) No local do embate não existia qualquer iluminação exterior.

12) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 6), a vedação, junto ao local do acidente, encontrava-se levantada, ao nível inferior, em dois pontos distintos.

13) Na manhã do dia seguinte ao do acidente, a vedação ainda não tinha sido reparada pela ré, encontrando-se no estado referido em 12).

14) Na manhã do dia seguinte ao do acidente, o autor constatou a existência de um outro javali morto no separador central da auto-estrada.

15) Após o embate compareceram no local referido em 6) os funcionários da Ré, que recolheram um javali já morto e a GNR que elaborou o auto de ocorrência junto a fls. 22 e segs.

16) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 6), existiam vedações, em rede, que ladeavam a A25 nos dois sentidos Aveiro/Guarda e Guarda/Aveiro.

17) A vedação da A25, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 6), era uma vedação de malha progressiva (em arame), com fiadas de arame farpado nas suas partes inferior e superior, com cerca de 1,60 metros de altura, encontrando-se presa a prumos de madeira cravados no solo.  

18) Na data referida em 6), os funcionários da ré efetuaram mais do que um patrulhamento a toda a extensão da A25.

19) Passaram mais do que uma vez no local referido em 6).

20) E não detetaram qualquer animal, designadamente javalis, nas imediações daquele local.

Face a tal factualidade, teremos de concordar com o juiz a quo quando afirma que “apenas se provaram os genéricos procedimentos da ré, os quais, como se viu, não foram bastantes e suficientes para evitar a presença e/ou a remoção atempada do animal da faixa de rodagem”.

É entendimento comum na jurisprudência de que não basta a prova genérica do cumprimento dos deveres de segurança para afastar a presunção de incumprimento contida no nº1 do artigo 12º[9].

E, sobretudo, não satisfará esse ónus quando, como se afirmou já por este tribunal da relação[10], a concessionária se limita a alegar e a provar medidas gerais de segurança, isto é, medidas que não tiveram como fim específico prevenir a entrada de animais na via ou detetar a sua presença nela depois da entrada deles.

Como refere Rui Mascarenhas Ataíde, “compete, pois à concessionária comprovar que cumpriu os deveres no tráfego ajustados aos riscos que lhe cabe gerir: inspeções periódicas da rede de vedação seguidas das imediatas reparações que se apresentem necessárias, patrulhamentos permanentes de vigilância e rápida remoção de quaisquer obstáculos à circulação, controlo dos nós de acesso e entrada na autoestrada, etc.. Feita a prova de se terem cumprido em concreto os deveres impostos pela diligência normativa, o risco dos acidentes de causa ignorada corre, forçosamente, por conta dos utentes[11]”.

É óbvio que a obrigação de “assegurar permanentemente a circulação da AE em boas condições de segurança e comodidade”, não pode ter o sentido de lhe ser exigível uma omnipresença na autoestrada, bastando-nos a prova de comportamentos preventivos ou reparadores situados na faixa delimitada por aquilo que, de acordo com as circunstancias, seja razoavelmente exigível, “pode mostrar-se relevante a demonstração de um esforço que exteriorizem designadamente, os meios humanos e técnicos postos ao serviço das referidas obrigações de segurança, o modo como foram concretamente aplicados, a previsibilidade dos fenómenos causadores de risco para a circulação, as cautelas adotadas tendo em conta a maior ou menor previsibilidade ou os alertas que tenham sido dados[12]”.

No caso em apreço, a ré apenas demonstrou que no dia do acidente, “os funcionários da ré efetuaram mais do que um patrulhamento a toda a extensão da A25, passaram mais do que uma vez no local referido em 6), e não detetaram qualquer animal, designadamente javalis, nas imediações daquele local”.

Ora, mesmo entendendo que a presunção de incumprimento não implica a prova positiva do concreto evento que produziu o dano[13] (demonstração concreto do local por onde entrou o animal e de quando tal ocorreu), no caso em apreço nem sequer se encontra demonstrado que os referidos procedimentos genéricos adotados pela ré fossem adequados e suficientes para evitar a introdução de animais na via e à sua rápida remoção da mesma.

Com efeito, demonstrado que a vedação, junto ao local do acidente, se encontrava levantada em dois pontos distintos, a ré nem sequer alegou com que periodicidade procede à verificação das vedações[14], nem quando ocorrera a ultima verificação. Ou seja, em relação à vedação, e esta surge no caso em concreto como um dos locais de provável entrada dos animais, a ré nem sequer alegou os tais procedimentos genéricos por si executados com vista à sua manutenção ou conservação – quais as diligências a que procede e com que regularidade –, para garantir, com um mínimo de segurança, a não entrada de animais.

Por outro lado, os procedimentos exigíveis e o grau de cuidado necessário – tipo de vedação a adotar, periodicidade das inspeções às vedações, bem como a periodicidade dos patrulhamentos, etc. –, terão de ser aferidos em função das características da zona e do tipo de animais aí existentes.

É a concessionária quem em melhores condições se encontra para, sabendo tratar-se de uma área onde existem javalis, e que, sendo animais de grande porte, terão maior facilidade em destruir as redes de vedação, tomar as providências necessárias a diminuir ao mínimo as hipóteses da sua introdução na auto-estrada, alegando quais as providências por si tomadas, a fim de o tribunal apreciar se as mesmas são abstratamente adequadas a remover eficazmente o perigo de introdução e circulação de tais animais.

Por isso mesmo, a al. a), do nº4 da Base XXX, ao impor a implantação e vedações em toda a sua extensão, deixa ao critério da concessionária, considerando o tipo de fauna existente nos terrenos que ladeiam a autoestrada e a proximidade ou não de localidades, a definição dos parâmetros de segurança que devem estar subjacentes ao desenho da rede da vedação a implantar[15]: quem propõe o tipo de vedações a implantar é a concessionária, sujeito, tão só, a aprovação posterior do InIR.

Competindo à imposição de vedação da autoestrada em toda a sua extensão, o objetivo de reforçar a segurança, impedindo, nomeadamente, a entrada de animais[16], aquela terá de, pelas suas caraterísticas, se demostrar, adequada à obtenção de tal desiderato – altura, tipo de malha, resistência dos materiais escolhidos, forma de implantação –, obstando a que os animais a perfurem ou a transponham, saltando, ou que, igualmente, escavando, a contornem por baixo.

Resultando da factualidade dada como provada, ter o acidente ocorrido numa zona onde existem javalis, impunha-se à concessionária o ónus da prova de que os seus procedimentos são adequados ao risco acrescido para a circulação daí decorrente (alegando um eventual reforço ou adaptação da vedação às características destes animais, um encurtamento dos períodos de inspeção e reparação das mesmas). Ora, no caso em apreço, não só não se apurou que tenham sido os próprios animais que embateram no veículo do autor a forçarem a vedação e que o tenham feito pouco tempo antes do acidente, como se provou que, apesar de após o acidente, ter sido removido um dos javalis, no dia seguinte, ainda se encontrava um javali na via, e a vedação ainda se encontrava levantada em dois pontos distintos na proximidade do acidente, o que demonstra que os tais procedimentos genéricos que a Ré tem vindo a adotar são insuficientes para prevenção e remoção do perigo.

Não se mostrando ilidida a presunção de incumprimento, sobre a Ré/A (...) impende o dever de indemnizar, tal como foi decidido pelo tribunal recorrido.

2. Indemnização pelos danos materiais causados na viatura.

Insurge-se a apelante contra a decisão recorrida, na parte em que foi condenada a proceder ao pagamento do valor orçamentado para a reparação da viatura sinistrada, 3.370,41 €, alegando que o seu valor de mercado não excederia os 300,00 €.

A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (nº1 do artigo 566º do CC).

O princípio da reparação do dano é o da reposição da coisa no estado anterior à lesão, exceto se a reparação for excessivamente onerosa para o devedor, excessividade que há de aferir-se objetivamente em face dos elementos que a traduzem.

O Prof. Antunes Varela[17] equipara a restauração natural excessivamente onerosa para o devedor com a situação de a reconstituição in natura importar manifesta desproporção entre o interesse do lesado que importa recompor e o custo que a reparação natural envolve para o responsável.

Ascendendo a reparação do veículo sinistrado ao valor 3.370,41 €, apenas se provou que “o valor comercial do veículo, em momento anterior ao embate, era inferior ao valor da reparação”, o que será notoriamente insuficiente para considerar a reparação veículo como “excessivamente onerosa” para a seguradora.

Impondo o princípio da restauração natural a reposição do lesado ao estado anterior à lesão, é bom de ver que, se antes do acidente o autor tinha na sua disponibilidade uma viatura apta a funcionar, não é concebível que a atribuição ao autor dos alegados 300,00 € o colocasse em situação equivalente à que se encontrava na data anterior ao acidente. Em relação a um veículo antigo como este (de 1996), o valor que o mesmo pode ter para o seu proprietário tem muito mais a ver com o valor de uso, as utilidades que dele pode retirar, do que com o seu “valor venal”, enquanto quantia que lhe poderão dar por ele num Stand, sobretudo se não for em retoma de um outro veículo.

Pretendendo a lei que o lesado seja restituído à situação que teria se não fosse a lesão, será indiferente que o custo da reparação seja superior ao valor comercial do veículo, se a reparação dos danos do veículo preencher os objetivos da indemnização: “O entendimento no sentido de não ser aconselhável a reparação quando o custo desta é superior ao valor comercial do veículo é válido apenas quando o veículo danificado é novo ou a reparação não garanta a restituição do lesado à situação anterior. (...) Um veículo muito usado fica desvalorizado e vale pouco dinheiro, mas, mesmo assim, pode satisfazer as necessidades do dono, enquanto a quantia, muitas vezes irrisória, equivalente ao seu valor comercial pode não conduzir à satisfação dessas mesmas necessidades, o que é o mesmo que dizer que pode não reconstituir a situação que o lesado teria se não fossem os danos[18]”.

Por outro lado, atentar-se-á em que, pedindo o autor o valor da reparação do veículo, a Ré não alega nunca, na sua contestação, a perda total do mesmo, ou seja, que a reparação se não justifique pelo facto de seu valor ser excessivo face ao valor do veículo (limitando-se, quanto aos invocados prejuízos, a impugnar os factos, a tal respeito, alegados pelos autores).

A questão do valor do veículo é trazida aos autos pelo autor, que alega no artigo 27 da petição inicial que, “atentas as características, a relativa antiguidade, o equipamento e o excelente estado do veículo em causa, o seu valor comercial no momento anterior ao acidente rondava um valor aproximado ao da referida reparação, ou seja, nunca inferior a 3.300,00 €”.

Sendo a reparação do veículo uma forma de restauração natural, era à ré que incumbia a alegação e prova de que aquela forma de restauração se afigurava “excessivamente onerosa” no caso em apreço, ou seja, a ocorrência de uma flagrante desproporção entre o custo que ia suportar em relação ao interesse do lesado na reparação.

De qualquer modo, da circunstância de o valor comercial do veículo sinistrado, em momento anterior ao embate, ser inferior ao valor da reparação (único facto provado a tal respeito) não se pode extrair, por si só, a onerosidade excessiva da reparação.

Como se afirma no Acórdão do STJ, de 04.12.2007[19], esta “excessividade” há de aferir-se pela diferença entre dois polos, e se um deles é o preço da reparação, o outro não é o valor venal do veículo mas o seu valor patrimonial, o valor que o veículo representa dentro do património do lesado. Como tal, se a ré seguradora quer beneficiar da exceção não lhe basta «encostar-se» ao valor venal; antes precisa de alegar e provar que o autor podia adquirir no mercado, e por que preço, um outro veículo que igualmente lhe satisfizesse as suas necessidades «danificadas»”.

Por fim e ainda que não vinculativo para os tribunais – por se tratar de regras a observar pelas empresas de seguros no âmbito da regularização amigável de sinistros – atentar-se-á no que dispõe o artigo 41º do DL 291/2007, de 21 de Agosto (Regime Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel), sob a epígrafe “Perda total”:

1. Entende-se que um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo, quando se verifique uma das seguintes hipóteses:

a) Tenha ocorrido o seu desaparecimento ou a sua destruição total;

b) Se constate que a reparação é materialmente impossível ou tecnicamente não aconselhável, por terem sido gravemente afetadas as suas condições de segurança;

c) Se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100% ou 120% do valor venal do veículo consoante se trate respetivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos.

2. O valor venal do veículo antes do sinistro corresponde ao seu valor de substituição no momento anterior ao acidente.

3. O valor da indemnização por perda total corresponde ao valor venal do veículo antes do sinistro calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respetivo salvado caso este permaneça na posse do respetivo proprietário, de forma a reconstituir a situação que existira se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização.

De tais regras ressalta que o legislador, sensível às tendências jurisprudenciais que já então se faziam sentir, parte de um valor venal enquanto valor de substituição, ou seja, o valor necessário à aquisição de um veículo com caraterísticas semelhantes, fornecendo na alínea c) do nº1, um critério objetivo para a excessiva onerosidade.

No caso em apreço, apurado tão só o valor estimado para a reparação e que o valor comercial do mesmo na data anterior ao sinistro seria inferior ao da reparação (desconhecendo-se o valor de substituição e o valor dos respetivos salvados), tais elementos não nos permitiriam concluir pela “perda total” do veículo, pela aplicação dos critérios previstos em tal diploma.

Concluindo, na ausência da prova da sua excessiva onerosidade, será a Ré obrigada à restauração in natura, isto é, à reparação do veículo sinistrado.

A apelação será de improceder na sua totalidade, confirmando-se a sentença recorrida.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a suportar pelo Apelante.

                                                                            Coimbra, 24 de março de 2015

Maria João Areias ( Relatora )

Fernando Monteiro

Inês Moura



[1] Tratando-se de decisão proferida após a entrada em vigor do novo código, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em ação instaurada depois de 1 de Janeiro de 2008, aplicar-se-á o regime de recursos constante do novo código, de acordo com o art. 5º, nº1 do citado diploma – cfr., neste sentido, António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 16.
[2] Cfr., entre outros, na doutrina, Menezes Cordeiro, “Igualdade Rodoviária e Acidentes de Viação nas Auto-Estradas, Estudo de Direito Civil Português”, Almedina 2004, pag. 56, e Carneiro da Frada, “Sobre a Responsabilidade Civil das Concessionárias por acidentes ocorridos em Autoestradas”, in ROA, 2005, Vol. II, págs. 407 e ss; na jurisprudência, cfr., Acórdão do STJ de 22-06-2004, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0 e Acórdão do TRC de 12-04-2005, disponível in http://www.dgsi.pt/nsf/c3.
[3] Cfr., entre outros, e a título meramente exemplificativo, na doutrina, Cardona Ferreira, “Acidentes de Viação em Auto-Estrada – Casos de Responsabilidade Contratual”, Coimbra Editora 2004; na jurisprudência, cfr., Acórdão do STJ de 14-04-2004, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0, Acórdão do TRL de 15-05-2007, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33, e Acórdão do TRC de 20-11-2007, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3.
[4] Cfr., Acórdão do TRC de 10-01-2006, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf, e estudo do Prof. Sinde Monteiro, no qual defende ser possível perspetivar os factos, face ao nosso Código Civil e à legislação específica do direito estradal, de molde a justificar, a mais do que um título (e quer ao nível da responsabilidade extracontratual, quer no âmbito da responsabilidade contratual), a inversão do ónus da prova da culpa – RLJ Anos 131 e 132, anotação ao Acórdão do STJ de 12 de Novembro de 1996.
[5] “A Lei dos direitos dos utentes das auto-estradas e a Constituição (Lei nº 24/2007, de 18 de Julho)”, in Revista da Ordem dos Advogados, 2007, Ano 67, Vol. II, págs. 551 a 572.
[6] “Responsabilidade das Concessionárias por acidentes de viação ocorridos em Auto-Estradas”, in Estudos Sobre o Incumprimento do Contrato”, Coimbra Editora, Coordenação de Maria Olinda Garcia, págs. 152 e 153.
[7] “Acidentes em Auto-Estradas: Natureza e Regime Jurídico da Responsabilidade dos Concessionários”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Carlos Ferreira de Almeida, Vol. II, Almedina, págs. 159 e 195.
[8] Cfr., Artigo e local citados, em especial pág. 170.
[9] Cfr., entre outros, Ac. do TRG de 13.09.2012, relatado por Isabel Rocha, e Acórdãos do TRL de 17.05.2012, relatado por Teresa Soares, e de 26-06-2012, relatado por Cristina Coelho.
[10] Cfr. Acórdão do TRC de 16-09-2014, relatado por Emídio Francisco Santos, disponível in www.dgsi.pt.
[11] “Acidentes em Auto-Estradas: Natureza e Regime Jurídico (…)”, local citado, pág. 177.
[12] Cfr., Acórdão do STJ de 14.03.2013, relatado por Abrantes Geraldes, disponível in www.dgsi.pt.
[13] Ao contrário do que é defendido por alguma jurisprudência – cfr., no sentido de que a concessionária, para afastar a sua responsabilidade tem de fazer a prova do modo concreto de intromissão do animal, e que este não lhe é de todo imputável, Acórdãos do STJ de 09-09-2008, relatado por Garcia Calejo, de 08.02.2011, relatado por Paulo Sá, do TRC de 17.07.2014, relatado por Freitas Neto, do TRP de 09.12.2012, relatado por José Igreja de Matos, de 12-01-2015, relatado por Manuel Domingos Fernandes, do TRL de 29-05-214, relatado por Maria José Mouro, todos disponíveis in www.dgsi.pt
[14] Tendo uma das suas testemunhas afirmado que tal verificação era feita de seis em seis meses, o que a ser verdade, se nos afiguraria insuficiente.
[15] Cfr., neste sentido, Acórdãos desta relação de 09-03-2010, relatado por Jacinto Meca e de 17.07.2014, relatado por Freitas Neto, disponíveis in www.dgsi.pt.
[16] Neste sentido, Sinde Monteiro, RLJ Ano 131, pág. 111, anotação ao acórdão do STJ de 12.12.96.
[17] “Das Obrigações em Geral”, Almedina, Vol. I, 6a ed., pág. 877.
[18] Neste sentido, entre outros, Acórdão da Rel. Lisboa de 16.06.98, in CJ Ano XXIII, T 3, pág. 123, Acórdão do STJ de 07.07.99, in CJ-STJ Ano VII, T3, pág. 16.
[19] Acórdão relatado por Pires da Rosa, disponível in www.dgsi.pt.