Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5559/04.0TBLRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: MÚTUO BANCÁRIO
SEGURO DE VIDA
Data do Acordão: 01/11/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 4.º JUÍZO CÍVEL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 100.º; 426.º; 427.º DO CÓDIGO COMERCIAL
Sumário: 1. Sendo o risco contratado o de assegurar o pagamento da quantia mutuada em caso de morte da pessoa segura antes de terminado o prazo fixado para o mútuo, passando a caber à seguradora a responsabilidade pelo pagamento das quantias em dívida à data em que tal risco (morte da pessoa segura) ocorrer, é ao mutuário que incumbe comunicar ao beneficiário do seguro a ocorrência do facto que condiciona a responsabilidade da seguradora e fornecer os elementos e dados que se tornem necessários para que a seguradora possa assumir as responsabilidades que contratualmente assumiu, sob pena de o devedor continuar a ser responsável, perante o beneficiário, financiador, pelo pagamento das prestações em dívida.

2. Fornecidos ao Banco mutuante os dados sobre a morte do mutuário - pessoa segura - caberá àquele formular, perante a seguradora, o pedido de pagamento do capital em dívida após a morte da pessoa segura.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

            A..., residente na ....., veio deduzir oposição à execução, contra Banco B..., SA., alegando, para o efeito, que o requerimento executivo é inepto e que a oponente liquidou todas as quantias em dívida até ao falecimento do marido que ocorreu em 23/11/2005.

Argumenta ainda que existia um contrato de seguro que cobria todos os riscos do crédito no caso de falecimento de um dos mutuários.

Notificada veio a exequente pugnar pela improcedência da excepção de ineptidão e sustentar que os executados deixaram de pagar as prestações a que estavam obrigados em 2/05/2003, ou seja, 19 meses antes do falecimento do executado.

Quanto à existência de um seguro de vida, o exequente apenas tem cópia da referida apólice, desconhecendo as suas condições e cláusulas.

Acrescenta que a oponente nunca informou o banco da morte do marido e que não competia ao Banco diligenciar no sentido de participar o óbito à seguradora e requerer a instauração do respectivo processo de indemnização até porque se trata de uma companhia completamente autónoma e externa em relação ao exequente.

A oponente veio responder.

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Foi elaborado despacho saneador, no qual não se admitiu a resposta à contestação e foi julgada improcedente a excepção de ineptidão do requerimento executivo.

Nesse mesmo despacho foi dispensada a selecção da matéria de facto atenta a simplicidade da causa.

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Por apenso aos autos de execução foram habilitados como sucessores de C....., A..., D..... e E......

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Realizou-se a audiência de julgamento com observância do legal formalismo, após o que se respondeu à matéria constante dos articulados nos termos do despacho de fls. 131 a 133 e que não foi objecto de qualquer reclamação.

De seguida foi proferida a sentença de fl.s 135 a 142, na qual se julgou a oposição deduzida como improcedente e se determinou o prosseguimento da execução, ficando as custas a cargo da oponente.

            Inconformada com a mesma, interpôs recurso a oponente, recurso, esse, admitido como de apelação e com efeito devolutivo (cf. despacho de fl.s 149), concluindo as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1) A Recorrente A..., veio deduzir oposição à execução, contra Banco B....., SA, alegando para o efeito o que acima se transcreveu e aqui se requer a sua apreciação;

2) Notificada veio a exequente responder o que consta de fls;

3) Por apenso aos autos de execução foram habilitados como sucessores de C....., A..., D..... e E.....;

4) Realizou-se a audiência de julgamento com observância do legal formalismo, após o que se respondeu à matéria constante dos articulados nos termos do despacho de fls., 131 a 133 e que não foi objecto de qualquer reclamação;

5) Por Sentença de fls., decidiu o Meritíssimo Juiz: “…pelo exposto, julgo a presente oposição improcedente, por não provada e consequentemente determino o prosseguimento da execução.”;

6) Salvo o devido respeito, que é muito, não podemos concordar com a decisão recorrida;

7) Atendendo à prova produzida em sede de Audiência de Julgamento nunca se poderia ter decidido como se decidiu;

8) No caso em apreço, estamos perante título executivo, que para ter a força pretendida necessário será a observação de vários requisitos, nomeadamente: a certeza da obrigação, a exigibilidade da obrigação e a liquidez da obrigação;

9) Desta forma, e para fazer uso desta faculdade, a obrigação tem de ser exigível, isto é, tem de ser vencida, mas obviamente não cumprida;

10) Elemento necessário para a validade do título executivo;

11) Reportando-nos à prova produzida em sede de Audiência, claro ficou que o facto de existir uma escritura que constitui título executivo, não significa obrigatoriamente que essa escritura seja exigível, pois já pode ter sido pago o que dela consta;

12) Da prova produzida em sede de Audiência de Julgamento, nomeadamente pelo depoimento de parte de F..., cujo depoimento se encontra gravado no módulo H@bilus Media Studio, e que acima se transcreveu, dúvidas não existem que a Oponente aqui Recorrente nada deve à Recorrida, sendo que tudo o devido já foi regularizado;

13) Verifica-se que pelo depoimento acima transcrito, a Exequente não sabe ao certo o montante em divida, bem como o numero de prestações em atraso, caso as mesmas existam e em que termos;

14) Estamos perante um título nulo, considerando que em sede de audiência de discussão e julgamento, não se apurou a certeza a exigibilidade e liquidez do título;

15) Requisitos exigidos por lei, para que se possa considerar o documento dado à execução como título executivo;

16) O título dado à execução não obedece a todos os requisitos formais de que depende a sua validade e eficácia e previstos na lei;

17) Verifica-se efectivamente que o título executivo junto à Execução é nulo;

18) O título executivo tem o valor e dos documentos juntos e do depoimento de parte prestado o valor referido é muito inferior ao peticionado, veja-se depoimento acima transcrito;

19) Demonstra uma clara contradição entre os valores;

20) Demonstrando, ainda, a inexequidade do titulo executivo, que gera a nulidade do mesmo;

21) Nulidade esta que, desde já se requer a sua apreciação;

22) Julgamos, que depois da transcrição exposta em supra, que esse Venerando Tribunal, irá Revogar tal Sentença, alterando a matéria de facto dada como provada, atendendo ao disposto nos artigos 690º-A, e 712º do Código do Processo Civil, nos termos em que se deixaram requeridos;

23) Por outro lado, e ta l como ficou provado em audiência de julgamento existia um seguro que cobria todos os riscos do crédito, no caso de falecimento de um dos mutuários;

24) Tendo sido a Exequente a exigir a oponente e seu marido a que o seguro fosse feito, para poderem ter direito ao mútuo;

25) Sendo que as cláusulas gerais e especiais que regulavam tal seguro, garantiam o valor da dívida à data do falecimento da Oponente ou do seu marido;

26) A existir alguma divida por liquidar respeitante ao contrato de mútuo, teria sempre de ser a companhia de seguros a liquidar tal dívida e nunca a oponente;

27) Está-se assim na presença de um contrato de terceiro, a medida em que a seguradora Companhia de seguros (promitente) assumiu perante o falecido (promissário) a obrigação de prestar à exequente determinada quantia beneficiária – artigo 443º, n.º1 do Código Civil;

28) Deste modo, e pelo exposto, a oponente nada deve à exequente;

29) Devendo também nesta parte a sentença recorrida ser revogada;

30) Não foi assim, efectuada a mais correcta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto;

31) Por tudo o que acima se disse deverá a Sentença recorrida ser revogada com todas as consequências legais daí resultantes;

32) A Exequente não logrou provar os factos que alega, pelo que, a solução não poderia ser diferente que, a Oposição ser julgada totalmente procedente por provada;

33) Desta forma, e atendendo à natureza duvidosa do título referida, necessário seria averiguar a natureza das mesmas, averiguando se existe na realidade dívida ou não;

34) Tem a sentença recorrida ser considerada nula;

35) Desta forma, e porque condição necessária ao andamento de um processo de execução é o titulo executivo, perdendo este a sua força probatória, não existe fundamento para e execução;

36) Título executivo é considerado condição necessária e suficiente da acção executiva – Anselmo de Castro, A acção executiva Singular, Comum e Especial, Coimbra Editora, pag 14;

37) O título executivo é a condição necessária da execução na medida em que os actos executivos em que se desenvolve a acção apenas podem ser praticados na presença dele;

38) De acordo com o disposto no artigo 45º do C.P.C “ toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”;

39) Através da Acção Executiva pretende-se a realização concreta e efectiva do direito do exequente e já não a sua definição, e esse direito tem de estar perfeitamente definido no título dado à execução;

40) Este considera-se “…um documento que formaliza a faculdade da realização coactiva da prestação não cumprida, trata-se de um documento de acto constitutivo de obrigações…, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo civil, pag 58;

41) Na presença desse documento, dada a certeza da existência da divida, é dispensada a fase declarativa, sem prejuízo de se vir a demonstrar, na oposição por embargos, que a obrigação não existe;

42) Assim, tem obrigatoriamente de ser alterada a decisão proferida na sentença recorrida;

43) A decisão recorrida não efectuou uma correcta interpretação dos elementos constantes do processo;

44) A Sentença recorrida viola o disposto no artigo 158º e 668º do C.P.C., porque além de fazer uma errada interpretação e aplicação das normas enunciadas na mesma, não está fundamentada de facto e de direito, como impõem estas normas legais;

45) Lendo, atentamente, a decisão recorrida, verifica-se que não se indica nela um único facto concreto susceptível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efectiva situação, do verdadeiro motivo do não deferimento da pretensão dos Recorrentes;

46) A Meritíssima Juiz, limitou-se apenas e tão só, a emitir uma sentença “economicista”, isto é, uma decisão onde apenas de uma forma simples e sintética foram apreciadas algumas das questões sem ter em conta: a prova produzida em julgamento, os elementos constantes no processo, e a matéria dada como provada na sentença recorrida;

47) Deixando a Meritíssima Juiz de se pronunciar sobre algumas questões que são essenciais à boa decisão da causa, nomeadamente as acima expostas;

48) A Sentença recorrida viola: artigos 158º, alíneas b), c) e d) do artigo 668º e 712º do Código do Processo Civil; artigos 13º, 20º, 202º, 204º, 205º da C. R. P;

49) Deverá ser REVOGADA a decisão recorrida.

Termos em que se requer a V. Exas. A REVOGAÇÃO da Sentença recorrida, por ser de LEI, DIREITO e JUSTIÇA

           

            Não foram apresentadas contra-alegações.

           

            Colhidos os vistos legais, há que decidir.        

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos factos constantes do artigo 10.º da oposição e 10.º da contestação;

            B. Se o título executivo é nulo, por não se ter apurado qual o montante das prestações em dívida, aquando do falecimento do executado;

            C. Se a sentença recorrida é nula por violação do disposto nos artigos 158.º e 668.º, n.º 1, al.s b), c) e d), ambos do CPC.

            D. Se a sentença recorrida viola o disposto nos artigos 13.º, 20.º, 202.º, 204.º e 205.º da CRP e;

E. Se a existência de um seguro de vida que cobria os riscos do crédito, no caso de falecimento de um dos mutuários, afasta a responsabilidade da recorrente pelo pagamento da quantia exequenda.

           

            É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1º- O marido da oponente faleceu no dia 23 de Novembro de 2005 (art. 11º da oposição).

2º - A exequente tinha conhecimento da existência de um contrato de seguro e tinha na sua posse uma cópia da apólice (art. 12 da oposição e 11º da resposta)

3º- C..... celebrou, em 10 de Agosto de 2000, com a G... Companhia de Seguros Vida, SA um contrato de seguro, no qual consta como pessoa segura C..... e beneficiário o Banco H... , SA até ao valor em dívida no montante máximo do capital seguro de 14.500.000$00 (art. 13º da oposição).

4º- No documento complementar elaborado nos termos do número dois do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado, e que faz parte integrante da escritura lavrada em dois de Novembro de dois mil a fls. 16 do livro de notas setenta e dois – J do 1º Cartório Notarial de Leiria, consta na cláusula décima sétima que “ o Banco reserva-se o direito de resolver unilateralmente o contrato e considerar vencido todo o empréstimo, tornando-se imediatamente exigível toda a dívida, se os mutuários deixarem de cumprir alguma das obrigações resultantes do presente contrato (art. 4º da oposição).

5º- Os executados deixaram de pagar as prestações a que estavam obrigados em 2/05/03.

6º- Em data não concretamente apurada a oponente informou o banco da morte do seu marido (art. 12 da oposição).

Por resultar provado por documento autêntico e não impugnado, dá-se ainda como provado o seguinte facto:

7º- Por escritura pública, celebrada no dia 2 de Novembro de 2000, no Primeiro Cartório Notarial de Leiria, I..., na qualidade de primeiro outorgante, C... e mulher A..., na qualidade de segundos outorgantes, J...., em representação do Banco B....., SA, na qualidade de terceiros outorgantes e L....e mulher M... , na qualidade de quartos outorgantes, o primeiro outorgante declarou vender, pelo preço de doze mil e quinhentos contos, aos segundos outorgantes, que declararam aceitar uma casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, com a área coberta de setenta e quatro metros quadrados, logradouro com a área de setecentos e sessenta metros quadrados, sita na ..., inscrita na respectiva matriz sob o artigo numero ..., com o valor patrimonial de 13.737$00, e descrita na Segunda conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº ....

8º- No documento referido em 7) os segundos outorgantes confessaram-se ainda devedores ao “Banco B....., S.A.”, da importância de catorze mil e quinhentos contos, a serem aplicados quanto ao montante de onze mil e duzentos e cinquenta contos para a precedente aquisição e quanto ao montante de três mil duzentos e cinquenta contos para obras de conservação, que do mesmo Banco receberam a título deste empréstimo e que vai ser aplicada na precedente aquisição e obras.

Que para garantia do pagamento e liquidação da quantia mutuada, bem assim, dos respectivos juros à taxa anual de oito, virgula, trinta e seis por cento, acrescidos de uma sobretaxa de quatro por cento ao ano, em caso de mora, a título de cláusula penal, de despesas extrajudiciais fixadas para efeitos de registo em quinhentos e oitenta mil escudos, constituem a favor daquele Banco “HIPOTECA’” sobre o imóvel supra identificado e ora adquirido, a que atribuem o valor de catorze mil e quinhentos contos, após conclusão das obras.

- Nesta data, é entregue pelo Banco por crédito na conta dos mesmos primeiros outorgantes com o número ... aberta em nome dos mutuários junto do Banco B....., S.A., a primeira prestação da quantia mutuada, no montante de onze mil duzentos e cinquenta contos.

O remanescente de três mil duzentos e cinquenta contos será entregue após aquisição do imóvel, sendo disponibilizado o financiamento após vistoria a comprovar a boa conclusão das obras, também por crédito na conta aberta em nome dos mutuários junto do Banco, e num máximo de mais cinco prestações da quantia mutuada, a disponibilizar pelo Banco dentro do prazo de dois anos a contar desta data.

9º- No documento complementar elaborado nos termos do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado consta na cláusula quinta que o empréstimo é concedido pelo prazo de trezentos e sessenta meses a contar desta data e será amortizado em trezentas e sessenta prestações mensais, de capital e juros, com vencimento no mesmo dia do mês seguinte e as restantes com vencimento em igual dia dos meses seguintes.

10º- Na cláusula quarta do documento referido em 9) consta ainda que os mutuários obrigam-se a contratar um seguro de vida cujas condições, constantes da respectiva apólice, serão as indicadas pelo Banco, em sociedade de seguros de reconhecido crédito e da confiança do Banco, a pagar atempadamente os respectivos prémios, a fazer inserir na respectiva apólice a existência desta hipoteca para o efeito de, em caso de sinistro e vencida alguma das obrigações asseguradas, o Banco receber a respectiva indemnização e anular o débito seguro à data, assim como trazer pontualmente pagas as contribuições que incidirem sobre o imóvel hipotecado.

A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada – relativamente aos quesitos 19.º a 24.º, da base instrutória.

Alega a recorrente que do depoimento de parte prestado por F..., se tem de retirar a conclusão de que a recorrente nada deve ao exequente ou, pelo menos, não deve as quantias peticionadas, pelo que devem os factos contidos no artigo 10.º da oposição serem considerados como provados e os contidos no 10.º da contestação, como não provados.

           

            Posto isto, e em tese geral, convém, desde já, deixar algumas notas acerca da produção da prova e definir os contornos em que a mesma deve ser apreciada em 2.ª instância.

Toda e qualquer decisão judicial em matéria de facto, como operação de reconstituição de factos ou acontecimento delituoso imputado a uma pessoa ou entidade, esta através dos seus representantes, dependente está da prova que em audiência pública, sob os princípios da investigação oficiosa (nos limites e termos em que esta é permitida ao julgador) e da verdade material, se processa e produz, bem como do juízo apreciativo que sobre a mesma recai por parte do julgador, nos moldes definidos nos artigos 653, n.º 2 e 655, n.º 1, CPC – as já supra mencionadas regras da experiência e o princípio da livre convicção.

Submetidas ao crivo do contraditório, as provas são pois elemento determinante da decisão de facto.

Ora, o valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte dos factos em apreço, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade.

Por outro lado, certo é que o juízo de credibilidade da prova por declarações, depende essencialmente do carácter e probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos e qualidades, como regra, não são apreensíveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto directo com as pessoas, razão pela qual o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.

Quanto à apreciação da prova, actividade que se processa segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção, certo é que em matéria de prova testemunhal (em sentido amplo) quer directa quer indirecta, tendo em vista a carga subjectiva inerente, a mesma não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência e conhecimentos científicos, tudo se englobando na expressão legal “regras de experiência”.

Estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias, nada impede que o tribunal superior, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.

Não se pode olvidar que existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso, ainda que com base nas transcrições dos depoimentos prestados, a qual, como é óbvio, decorre de que só quem o observa se pode aperceber da forma como o testemunho é produzido, cuja sensibilidade se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e observação directa dos comportamentos objectivados no momento em que tal depoimento é prestado, o que tudo só se logra obter através do princípio da imediação considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão.

As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que quando a opção do julgador se centre em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v. g. quando o julgador refere não foram (ou foram) convincentes num determinado sentido) o tribunal de recurso não tem possibilidades de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.

Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, reacções imediatas, o contexto em que é prestado o depoimento e o ambiente gerado em torno de quem o presta, não sendo, ainda, despiciendo, o próprio modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo isso contribuindo para a convicção do julgador.

A comunicação vai muito para além das palavras e mesmo estas devem ser valoradas no contexto da mensagem em que se inserem, pois como informa Lair Ribeiro, as pesquisas neurolinguísticas numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder - “Comunicação Global, Lisboa, 1998, pág. 14.

Já Enriço Altavilla, in Psicologia Judiciaria, vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12, refere que “o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras”.

Então, perguntar-se-á, qual o papel do tribunal de recurso no controle da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento?

Este tribunal poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso, admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz ou seja o processo lógico. Porém, o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação.

No seguimento de tais princípios, tem entendido a nossa jurisprudência, maioritariamente, que só quando os elementos dos autos conduzam inequivocamente a uma resposta diversa da dada em 1.ª instância é que deve o tribunal superior alterar as respostas que ali foram dadas, situação em que estaremos perante erro de julgamento, que não ocorrerá perante elementos de prova contraditórios, caso em que deverá prevalecer a resposta dada em 1.ª instância, no domínio da convicção que formou com fundamento no princípio da sua livre convicção e liberdade de julgamento.

Tendo por base tais asserções, dado que se procedeu à gravação da prova produzida, passemos, então, à reapreciação da matéria de facto em causa, a fim de averiguar se a mesma é de manter ou de alterar, em conformidade com o disposto no artigo 712, n.º 1, al. a), do CPC., pelo que, nos termos expostos, nos compete apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de 1.ª instância, face aos elementos de prova considerados.

Vejamos, então, as respostas postas em causa pela ora recorrente.

Alteração das respostas dadas aos artigos 10.º da oposição e 10.º da contestação.

           

Para melhor esclarecimento e facilitar a decisão desta questão, passa-se a transcrever o teor de tais artigos:

“10.º da oposição:

A opoente não deve a quantia que lhe é pedida na execução, pois liquidou todas as quantias em dívida até ao falecimento do seu marido, também executado.

10.º da contestação:

Ora, os executados deixaram de pagar as prestações a que estavam obrigados em 02/05/2003, ou seja 19 meses antes do falecimento do executado marido, pelo que se impugna o vertido no artigo 10.º”.

Como consta de fl.s 131 e 132, a M.ma Juiz deu-lhes as seguintes respostas

Artigo 10.º da petição inicial (oposição): Não Provado.

Artigo 10.º da contestação: Os executados deixaram de pagar as prestações a que estavam obrigados em 2/05/2003.

Motivou tais respostas da seguinte forma (cf. fl.s 132 e 133):

“A decisão da matéria de facto assentou na análise crítica e conjugada dos diversos documentos juntos aos autos, nomeadamente assento de óbito de fl.s 17, contrato de seguro de fl.s 91 e seg.s, extractos bancários de fl.s 118 e seg.s, requerimento executivo dos autos principais e documentos juntos.

Valorou-se ainda o depoimento de parte de F..... que referiu que à data da morte do marido da oponente estavam em dívida mais de um ano de prestações.

Referiu ainda que sabia que existia um seguro de vida uma vez que um dos pressupostos para o banco conceder crédito imobiliário é a celebração de um contrato de seguro.

Recorda-se que houve uma altura (há cerca de 4 anos) que a oponente foi ao banco e disse que o marido tinha falecido.

Assim, a resposta negativa ao artigo 10 da petição inicial e a resposta positiva ao artigo 10 da resposta à oposição resulta do facto de a parte a quem incumbia o ónus da prova do pagamento, neste caso a oponente, não a ter feito por nenhuma prova ter sido produzida nesse sentido, conjugado com os extractos bancários de fl.s 118 e ss.

A resposta ao artigo 11 da petição resulta da certidão de óbito junta aos autos.

A resposta ao artigo 12.º da petição e 11 da oposição – resulta do depoimento de parte e da confissão da exequente.

A resposta 13.º resulta da análise do contrato de seguro junto aos autos pela G... Companhia de Seguros Vida, SA.

A resposta ao artigo 4 da resposta à oposição resulta da análise dos documentos juntos com o requerimento executivo.

A resposta ao artigo 12 do depoimento de parte.”.

           

            Vejamos, então, se do depoimento invocado pela recorrente, e sem olvidar as considerações prévias, quanto a tal, já acima explanadas, existem motivos para que as supras mencionadas respostas sejam modificadas ou alteradas.

Como já referimos, a recorrente pretende que com base no depoimento de parte acima já referido, se deve ter por provada matéria vertida no artigo 10.º da oposição e como não provada a vertida no artigo 10.º da contestação.

Ora, do referido depoimento prestado por F..., que foi gerente na agência do exequente para onde transitou o processo de empréstimos dos executados e, actualmente, na agência do exequente, em ... resulta, resumidamente, que o mesmo referiu que as prestações vencidas ascendiam ao montante de cerca de 10/12.000 euros.

Isto porque já não eram pagas há mais de um ano, por referência à data da morte do executado, que situou ter ocorrido há 4 anos.

Mais disse que teve conhecimento da morte do executado, por a viúva o ter disso informado, verbalmente, no balcão da agência, uma vez que aí se deslocou, não sabendo exactamente a data em que lhe foi prestada tal informação, mas que situa ter ocorrido há três ou quatro anos.

Ora, em face de tal depoimento, conjugado com a ausência de qualquer outra prova que comprovasse o pagamento das prestações vencidas e tendo, ainda, em conta os extractos bancários juntos a fl.s 118 e seg.s, não se pode acolher a tese da recorrente, no sentido de que tais prestações haviam sido pagas até ao falecimento do executado, não podendo, no que a tal concerne, obter o seu recurso vencimento.

Assim, nesta parte, improcede o presente recurso, mantendo-se as respostas que foram dadas aos artigos 10.º da oposição e 10.º da contestação.

Consequentemente, permanece inalterada a factualidade dada como provada na decisão recorrida.

B. Se o título executivo é nulo, por não se ter apurado qual o montante das prestações em dívida aquando do falecimento do executado.

Com vista a tal desiderato, alega a recorrente que não se demonstrou qual era a quantia que se encontrava em dívida quando faleceu o executado.

O que acarreta a incerteza, a inexigibilidade e a ilíquidez da obrigação exequenda.

           

            A obrigação é certa quando a respectiva prestação se encontra qualitativamente determinada.

            É exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do artigo 777.º, n.º 1, do CC, de simples interpelação ao devedor.

            É ilíquida quando tem por objecto uma prestação cujo quantitativo não está ainda apurado – cf., Lebre de Freitas, in A Acção Executiva …, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2004, pág.s 82 a 85.

            A argumentação usada pela recorrente (não demonstração da quantia em dívida) é infundada, tal como se expôs aquando da análise e decisão do recurso sobre a matéria de facto.

            Assim e sem necessidade de mais considerações tem de se concluir que o título executivo, melhor dito, a obrigação que lhe subjaz, não padece dos vícios que a recorrente lhe aponta.

            Pelo que, também, quanto a esta questão, tem o presente recurso de improceder.

            C. Se a sentença recorrida é nula por violação do disposto nos artigos 158.º e 668.º, n.º 1, al.s b), c) e d), ambos do CPC.

            Para tal sustenta a recorrente que a sentença recorrida, ao apreciar o pedido por si formulado, não indica um único facto concreto susceptível de revelar, informar e fundamentar o motivo da sua improcedência, nem se encontra fundamentada, tanto a nível de facto como de direito.

            Na sentença recorrida, o pedido de oposição da recorrente à execução que contra si foi formulado acha-se apreciado de fl.s 139 a 142, tendo ali sido julgado improcedente, com o fundamento em que existia uma solidariedade na obrigação de pagamento da quantia exequenda, entre os executados e a seguradora, pelo que o exequente poderia exigir o respectivo pagamento de qualquer dos obrigados.

O artigo 668, n.º 1, al.s b), c) e d), do CPC, sanciona com a nulidade a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b), quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão (al. c) ou quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. d).

O referido artigo 158.º, n.º 1, CPC, impõe a fundamentação das decisões proferidas no processo.

            Para que a sentença sofra de nulidade de falta de fundamentação, é necessário que haja falta absoluta, quer relativamente aos fundamentos de facto quer aos de direito e não já uma justificação deficiente, incompleta ou não convincente – cf. A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, a pág. 669 e, de acordo com os mesmos autores, in ob. e loc. cit, a oposição entre a decisão e os respectivos fundamentos, respeita à contradição real entre os fundamentos e a decisão, em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto.

            Não indicam a recorrente a concreta causa das apontadas nulidades, nem nós as vislumbramos.

            Na sentença recorrida descrevem-se os factos tidos por apurados, bem como lhes foram aplicadas as normas legais atinentes e que ao longo da mesma se foram, uns e outros referindo, pelo que não se verifica a nulidade com fundamento com base na falta da fundamentação quer de direito quer de facto.

            E igualmente não padece a sentença recorrida da nulidade com base na oposição entre os seus fundamentos e a decisão que nela foi proferida.

            Isto porque na mesma se considerou que se tratava de obrigação solidária e por isso, poderia o exequente exigir o pagamento quer dos executados quer da seguradora, em função do que teria o respectivo pedido de improceder.

A nulidade a que se refere a al. d), do artigo 668, CPC, radica na omissão de pronúncia (não aprecia questões de que devia conhecer – 1.ª parte) ou no seu inverso, isto é, do conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento, por não terem sido postas em causa (2.ª parte).

Como decorre da análise da sentença recorrida, esta debruçou-se sobre todas as questões que lhe impunha conhecer e só destas, nos assinalados termos, não indicando a recorrente, em concreto, qual a questão que ficou por conhecer.

Ao invés, conheceu-se do pedido formulado em sede de oposição à execução, mas em termos de que a ora recorrente discorda, o que não configura a aludida nulidade.

Ou seja, conheceu a sentença recorrida de todas as questões que havia que conhecer, no âmbito das respectivas alegações das partes processuais, sem que se tenha ultrapassado tal condicionalismo.

Consequentemente, não padece a sentença recorrida da apontada nulidade.

            Pelo que e assim sendo, não padece a sentença recorrida das invocadas nulidades, nem de qualquer outra, pelo que, também, nesta parte, o presente recurso tem de improceder.

D. Se a sentença recorrida viola o disposto nos artigos 13.º, 20.º, 202.º, 204.º e 205.º, da CRP.

            Se é que conseguimos atingir os fundamentos recursivos tidos em vista pela ora recorrente, no que a tal questão respeita, a mesma fundamenta as ora mencionadas inconstitucionalidades no facto de a sentença recorrida não se encontrar devidamente fundamentada, ser “economicista”.

            Vício de que decorrem, na sua óptica, as inconstitucionalidades que assacam à decisão recorrida.

            Como já vimos, a sentença recorrida justifica e fundamenta o porquê da improcedência do pedido formulado, o qual radica na alegada existência de uma obrigação solidária, pelo que o exequente poderia exigir o pagamento das prestações em dívida dos executados.

            Se o fez bem ou mal, em termos substantivos, é coisa de que neste âmbito não importa averiguar, uma vez que nos movemos no domínio da simples fundamentação ou não fundamentação de tal decisão, ou seja, a nível formal.

            De acordo com o artigo 13.º da CRP, consagra-se o direito de igualdade de todos perante a lei e no seu 20.º, n.º 1, que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, princípio que vem igualmente, plasmado no n.º 2 do seu artigo 202.º, de acordo com o qual, incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.

            O artigo 205.º estabelece a obrigação de fundamentação legal das decisões proferidas pelos tribunais e o 204.º a obrigação de, nas suas decisões, os tribunais respeitarem os comandos ínsitos na Constituição da República.

            Ora, no caso em apreço, todas as partes processuais tiveram ao seu dispor os articulados respectivos, nos quais alegaram, em pé de igualdade e em obediência às leis processuais civis, as respectivas pretensões e fundamentos.

            A audiência de julgamento seguiu os trâmites legalmente estabelecidos, designadamente em obediência ao princípio do contraditório e “da igualdade de armas” concedidos a ambas as partes.

            No seguimento do normal iter processual foi proferida a sentença recorrida que apreciou e decidiu, de acordo com a lei, o conflito de interesses que subjaz aos presentes autos.

            Assim, nenhum destes comandos constitucionais se mostra violado, o que afasta, por seu turno, a alegada violação do disposto no artigo 204.º da CRP.

            Por último, de acordo com o artigo 205.º, n.º 1, da mesma CRP exige-se que os tribunais fundamentem as suas decisões.

            Como já concluímos, a sentença recorrida encontra-se fundamentada, nos termos legais, pelo que, igualmente, não se mostra violado este preceito da nossa Lei fundamental.

            Consequentemente, também, com base nesta questão, tem o presente recurso de improceder.

            E. Se a existência de um seguro de vida que cobria os riscos do crédito, no caso de falecimento de um dos mutuários, afasta a responsabilidade da recorrente pelo pagamento da quantia exequenda.

            No que a esta questão respeita, alega a recorrente que qualquer quantia que estivesse em dívida, no momento em que o seu marido faleceu, passa a ser da responsabilidade da seguradora com quem foi contratado, por orientação e exigência do exequente, um seguro de vida, cobrindo o risco do crédito por este concedido aos aqui executados.

            Na sentença recorrida defendeu-se que o contrato de seguro celebrado entre as partes é um contrato comercial, do que resulta que a obrigação de pagamento das prestações em dívida para com o exequente é solidária, nos termos do artigo 100.º do Código Comercial, seguindo, de muito perto, o decidido no Acórdão da Relação de Lisboa, de 13/01/2009, Processo 6766/2008-1, disponível no site deste Tribunal da Relação da dgsi.

            Com o devido respeito pela opinião aqui expendida e seguida na decisão sob recurso, não sufragamos tal entendimento.

            É indiscutível (e nem as partes o põem em causa) que estamos perante um seguro de vida que visa cobrir o risco do crédito concedido pelo exequente aos executados, constituindo obrigação da seguradora o pagamento do capital mutuado ao beneficiário, no caso da pessoa segura falecer antes de uma determinada data, normalmente e por via de regra, antes do termo do prazo estipulado para o mútuo.

            Como o refere F. Gravato Morais, in Contratos De Crédito Ao Consumo, Almedina, 2007, a pág. 364:

            “O seguro de vida vincula a entidade seguradora à realização da prestação acordada se a pessoa segura falecer antes do termo do contrato de crédito.

            Cobre, portanto, o risco de morte da pessoa segura.”.

            Em sentido idêntico, se pronuncia José Vasques, in Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999, a pág.s 75 e 76.

            Neste tipo de contratos de seguro de vida, o mutuário, em rigor, não é um estranho ao mesmo mas surge como verdadeira parte contratante, uma vez que impõe a celebração do mesmo, dele surgindo como beneficiário, e com uma seguradora por ele escolhida, deparando-se o mesmo, para a pessoa segura, como um verdadeiro contrato de adesão – neste sentido Gravato Morais, ob. cit., a pág.s 367 e 371 e Calvão da Silva, in RLJ, ano 136, pág. 158.

            Efectivamente, neste tipo de contratos de seguro de vida cobrindo o risco de crédito, verifica-se uma estreita conexão entre o crédito (mútuo) e o seguro, ficando este condicionado àquele e que a pessoa segura outorga, a maioria das vezes, sem que existam quaisquer contactos entre si e a entidade seguradora, que o próprio financiador indica ou é mesmo por si detida (pertencem ao mesmo grupo económico), sem esquecer que o próprio credor é o único beneficiário do seguro contratado.

            Ora, uma vez que o risco contratado é o de assegurar o pagamento da quantia mutuada em caso de morte da pessoa segura antes de terminado o prazo fixado para o mútuo, passando a caber a responsabilidade pelo pagamento das quantias em dívida à data em que tal risco (morte da pessoa segura vier a ocorrer) à seguradora, é ao mutuário que incumbe comunicar ao beneficiário do seguro a ocorrência do facto que condiciona a responsabilidade da seguradora e fornecer os elementos e dados que se tornem necessários para que a seguradora possa assumir as responsabilidades que contratualmente assumiu, sob pena de o devedor continuar a ser responsável, perante o beneficiário, financiador, pelo pagamento das prestações em dívida.

            Como refere José Vasques, in ob. cit., a pág. 300:

            “A participação do sinistro à seguradora não é uma obrigação do segurado, antes constitui um ónus jurídico, no sentido de que dele dependerá a obtenção da prestação da seguradora, cuja inobservância a poderá condicionar ou excluir.”.

            Acrescentando a fl.s 301 que, para além de tal informação, sobre o segurado incumbe a obrigação de “fornecer informação complementar sobre o sinistro”.

            Idêntica é a posição defendida por Gravato Morais, ob. cit., a pág. 370.

            No que se refere ao prazo em que tal participação deve ser feita não preceitua a lei qualquer prazo para que a mesma seja feita, mas nada obstando a que nas cláusulas de um concreto seguro de vida tal seja fixado.

            Seguindo, mais uma vez, o que refere José Vasques, ob. cit. a pág. 306:

            “A (aparente) lacuna parece encontrar justificação no facto de, ao contrário do que sucede nos seguros dos ramos Não-vida, a realização do risco seguro, a morte do segurado ou o prolongamento da vida deste além do tempo prefixado (artigo 455 Parágrafo único, do Código Comercial), poder ser demonstrada com independência do rigor dos prazos, bem como de, da ultrapassagem de um eventual prazo, não resultarem quaisquer danos.”.

            O que permite concluir que, como decidido no Acórdão do STJ, de 03/02/2009, Processo 08A3947, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj, que “… se a lei ou as cláusulas contratuais não estabelecem qualquer prazo para a apresentação da morte da pessoa segura, (…), tal parece apontar para a razoabilidade do entendimento de que a apresentação da participação do sinistro, incluindo a sua instrução com todos os elementos reputados necessários, para o efeito, não seja dominada por um rígido prazo preclusivo.”.

           

            Traçado este quadro teórico, importa, agora, que nos debrucemos sobre as cláusulas que regeram a celebração do contrato de seguro em apreço, uma vez que este é um negócio formal, regido pelas estipulações da respectiva apólice e, no que estas não prevejam, pelas disposições do Código Comercial – cf. artigos 426.º e 427.º deste Código.     No que respeita, especificamente, aos seguros de vida, estes compreenderão todas as combinações que se possam fazer, pactuando entregas de capitais em troca da constituição de uma renda, ou vitalícia ou desde certa idade, ou ainda o pagamento de certa quantia, desde o falecimento de uma pessoa, ao segurado, seus herdeiros ou representantes, ou a um terceiro, e outras quaisquer combinações semelhantes ou análogas – cf. artigo 455.º do Código Comercial.

            In casu, tal como consta da certidão de fl.s 200 e seg.s, estamos em presença de um negócio de compra e venda, acompanhada de mútuo com hipoteca e fiança, na sequência do que o exequente financiou os executados, através da concessão de um mútuo, para estes adquirirem o imóvel ali identificado.

            Estamos, pois, no âmbito da união de contratos, tal como acima já explicitado, em que a celebração do seguro de vida surge, por exigência e sob as condições impostas pelo financiador, como forma de acautelar o risco do crédito, em caso da morte do segurado antes de terminado o prazo do mútuo.

            Efectivamente, como consta da clausula 14.ª do Documento Complementar à Escritura efectuada consta que “os mutuários se obrigam a contratar um SEGURO DE VIDA cujas condições, constantes da respectiva apólice, serão as indicadas pelo Banco, em sociedade de seguros de reconhecido crédito e da confiança do Banco …”.          

            Cotejando, agora, as cláusulas da apólice contratada (juntas a fl.s 92 e seg.s) e as particulares (juntas a fl.s 96), bem como a respectiva proposta, aceite pela seguradora (junta de fl.s 97 a 100), verifica-se que a pessoa segura era o falecido executado e o beneficiário o Banco, entendendo-se este como a pessoa ou entidade a favor da qual é celebrado o contrato – cf. cláusula 1.1.1 d) das Condições Gerais do Seguro.

            De acordo com a cláusula 2.ª das mesmas Condições, em caso de morte da pessoa segura, durante o prazo do contrato, a seguradora garante, o pagamento do capital que consta nas Condições Particulares, aos Beneficiários designados.

            Mais se refere na Cláusula 13.ª.1, que o pagamento das importâncias seguras será efectuado nos escritórios da Seguradora, após o tomador do seguro ter enviado à seguradora o pedido do beneficiário, juntamente com os documentos justificativos mencionados no ponto 12.

            Ou seja, daqui resulta que a executada, na qualidade de viúva do falecido executado e que figurava como pessoa segura no contrato de seguro em apreço, deveria informar o exequente, na qualidade de beneficiário do mesmo seguro, do falecimento do seu marido, com ela executado nos autos que deram origem à presente oposição.

            Mais sobre ela impendia a obrigação de fornecer a este, se lho solicitasse, os documentos e demais elementos, referidos no ponto 12 das Condições Gerais, designadamente documentos de identificação civil e fiscal do falecido; respectiva certidão de óbito e participação do sinistro.

            Tudo o resto, nomeadamente, a formulação do pedido de pagamento do capital em dívida à seguradora e démarches atinentes, deveriam ser realizadas pelo beneficiário do seguro, tal como decorre do item 13.1 das Condições Gerais.

            Ora, conforme item 6.º dos factos dados como provados na sentença recorrida, está demonstrado que a executada, em data não concretamente apurada, informou o banco da morte do seu marido, sendo que este faleceu em 23 de Novembro de 2005 – cf. item 1.º dos mesmos factos e sem olvidar que tendo tal informação que ter sido prestada após ter ocorrido a morte deste, o foi há cerca de três anos contados da data da realização do julgamento, conforme depoimento ali prestado.

            No entanto, o que releva, quanto a isto é que a executada informou o banco exequente de que o co-executado, seu marido, tinha falecido.

            Daqui decorre, pois, que a executada cumpriu com a obrigação que sobre ela impendia – a de informar o banco do decesso do seu marido, nada mais lhe competindo fazer a não ser fornecer-lhe os documentos e demais elementos referidos no ponto 12 da Condições Gerais e que o banco, ora exequente, não alega ter-lhe pedido, nem que esta não lhos tenha fornecido.

            Em face da informação que lhe foi prestada, o exequente, na qualidade de beneficiário do seguro de vida em causa, deveria ter efectuado à seguradora a participação da morte da pessoa segura e, concomitantemente, reclamar junto desta o pagamento das quantias ainda em dívida (naturalmente, após ter ocorrido a morte do segurado), accionando o contrato de seguro, cuja celebração havia imposto aos executados.

            Não o tendo feito, não pode exigir o pagamento das quantias em dívida da executada, uma vez que tal obrigação, mercê da existência do aludido contrato de seguro, pertence à seguradora.

            Dado que o co-executado faleceu em 23 de Novembro de 2005 (item 1.º dos factos provados), mas os executados deixaram de pagar as prestações a que estavam obrigados em 02 de Maio de 2003 (item 5.º dos mesmos factos), a responsabilidade pelo pagamento das prestações em dívida entre Maio de 2003 e Novembro de 2005, continua a pertencer à executada e demais sucessores do falecido co-executado, apenas sendo a seguradora responsável pelo pagamento das prestações em dívida após a data da morte do seu segurado.

            Assim, quanto a esta questão, tem o presente recurso de proceder parcialmente, procedendo a oposição deduzida no que se refere às prestações em dívida respeitantes ao período do contrato de mútuo que se segue à data da morte do co-executado.

Nestes termos se decide:       

Julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação interposto pela opoente, em função do que se revoga a decisão recorrida, na parte em que julgou improcedente a oposição deduzida, no que se refere às prestações em dívida, relativas ao período do contrato que se segue à morte do segurado, com a consequente extinção da execução, nesta parte;

a qual poderá prosseguir os seus termos, apenas no que se refere às prestações que se encontravam, já em dívida à data da morte do segurado, ou seja, as respeitantes ao período que vai de Maio de 2003 a Outubro de 2005.

Custas por apelante e apelado, na proporção dos respectivos decaimentos, em ambas as instâncias.


Arlindo Oliveira (Relator)
Emídio Francisco Santos
António Beça Pereira