Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
811/12.4TMCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: MENORES
PROCESSO JUDICIAL
PROMOÇÃO
PROTEÇÃO
MEDIDA PROVISÓRIA
INTERNAMENTO
INSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 01/22/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MIRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 35, 37, 49 LEI Nº 147/99 DE 1/9 ( LPCJP), 67, 69 CRP, 1877 CC
Sumário: 1.- Os pressupostos materiais de aplicação de medidas de promoção e protecção, com natureza provisória (artigo 35.º, n.º 2, da LPCJP), são (i) a existência duma situação de emergência; e (ii) a necessidade de ser efectuado um diagnóstico da situação da criança para encaminhamento subsequente.

2.- A situação de emergência a que alude o preceito, para efeitos de aplicação de medida provisória, abarca as situações de urgência em que está em causa um perigo actual e eminente para a criança ou jovem.

3.- O recurso de decisão provisória proferida em processo de promoção e protecção não é o momento próprio para efectuar a apreciação das razões de facto aduzidas pelos recorrentes para contrariar os elementos indiciários constantes do processo que determinaram a aplicação de tal medida, os quais devem ser avaliados na instrução subsequente dos autos.

4.- Mostra-se justificada a aplicação da medida de internamento provisório em instituição de recém-nascida, se dos elementos trazidos aos autos pela unidade hospitalar resulta que estava a ser protelada a alta clínica da menor porque nem a mãe, nem o pai, naquele momento temporal da decisão, reuniam as condições reputadas adequadas para a entrega da menor em segurança, e nenhum elemento da família alargada assegurava a continuidade da prestação dos necessários cuidados no seu domicílio.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

1. O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de Família e Menores de Coimbra, requereu nos termos dos artigos 3.º, n.ºs 1 e 2, al. e), 73.º, n.º 1, al. b), e 105.º, n.º 1, da Lei n.º 147/99 de 1-9, a instauração, com carácter urgente, de processo judicial de promoção e protecção relativamente à menor A (…), actualmente internada na Maternidade Dr. Daniel de Matos.

      Em fundamento do requerido alegou os seguintes factos:

1.º A menor A (…) nasceu a 13/10/2012 na Maternidade Dr. Daniel de Matos e é filha de AS (…), de 38 anos de idade, e de DA (…), de 46 anos de idade, residentes na Rua (…) .

2.º A mãe da menor está internada no Serviço de Psiquiatria dos CHUC desde o dia 5 de Outubro por doença do foro psiquiátrico.

3.º Este casal tem outro filho de 18 meses de idade, que está presentemente entregue temporariamente aos cuidados de familiares em (...)s.

4.º A menor encontra-se com alta protelada desde o dia 16 de Outubro enquanto se averiguavam as condições dos seus progenitores para a receberem.

5.º Contudo, as limitações decorrentes da situação de saúde da mãe da menor, a incapacidade do pai da menor em prestar-lhe os cuidados adequados e constrangimentos do ponto de vista habitacional e económico impedem a ida desta menor para junto daqueles, após a alta.

6.º De facto, a mãe da menor não confeccionava as refeições para o casal nem para o outro filho, sendo a alimentação deste outro menor constituída por biberões e bolacha Maria.

7.º Quando não tinha tabaco, a mãe da menor colocava o outro filho num carrinho e deambulava com ele pelas ruas a apanhar pontas de cigarros.

8.º Aquele outro filho do casal passava dias inteiros em casa sentado numa cadeira enquanto a mãe e o pai estavam ao computador.

9.º As fraldas descartáveis deste outro filho do casal eram reutilizadas quando não tinham dinheiro para adquirir novas fraldas e a mãe da menor chegou a comprar tabaco e bolos em detrimento de novas fraldas.

10.º Muitos destes comportamentos da mãe da menor decorrem dos seus problemas de origem psiquiátrica, os quais o pai da menor não vigia e desvaloriza, sendo completamente omisso e negligente nos cuidados a prestar ao outro filho do casal.

11.º A menor A (…) encontra-se assim, em situação de perigo, sendo urgente a aplicação a seu favor de uma medida de promoção e protecção que se mostre adequada à defesa do seu superior interesse, que, no caso, se afigura ser a de acolhimento em instituição, em CAT a indicar com muita urgência pela Segurança Social.

12.º Importa, assim, instaurar procedimento judicial para urgente protecção desta menor.

Termina requerendo que nos termos dos arts. 35.º, n.º 1, al. f), e 37.º da Lei n.º 147/99, de 1-9, se aplique à menor, a título provisório, a medida de acolhimento em instituição, e requerendo a realização das diligências que elencou.

2. Com o requerimento inicial o Ministério Público juntou os seguintes documentos:

2.1. Ofício dirigido pelo Centro Hospitalar e Universidade de Coimbra – Área de Gestão Integrada de Saúde Materno Fetal, ao Juiz de Direito do Tribunal de Família e Menores de Coimbra, datado de 23-10-2012 e subscrito pela Técnica Superior de Serviço Social (Dr.ª (…)), que sob o assunto: “Pedido de intervenção (URGENTE) - bebé do sexo feminino, A (…), nascida a 13 de Outubro de 2012, que se encontra com alta clínica protelada desde o dia 16 de Outubro de 2012”, continha a seguinte informação:

«Cumpre-nos informar V. Ex.ª que nasceu nesta Maternidade, no dia 13 de Outubro de 2012, a recém-nascida supracitada, 2.ª filha de AS (…) de 38 anos, doméstica (internada no Serviço de Psiquiatria dos CHUC, desde o dia 05 de Outubro, também com alta clínica protelada desde o dia 18 de Outubro, pendente da alta da fiIha) e de DA (…), 46 anos, operário fabril (embalador), ambos a viver em união de facto na Rua do (…), contacto telefónico TM (…) (pai).

Trata-se de uma situação do conhecimento da CPCJ de (...) (Dr.ª (…)) sinalizada pela nossa MDM (conforme oficio n.º 143/2012, datado de 18-10-2012 - em anexo) no sentido de obter parecer quanto às condições de regresso desta recém-nascida ao domicílio.

Conforme deliberação da respectiva Comissão de Protecção de Menores (em anexo) e tendo em conta que não nos foi manifestada por parte da família materna qualquer tipo de disponibilidade para apoiar ou acolher esta bebé, ainda que temporariamente, decidimos expor o caso à consideração de V. Ex.ª, aguardando decisão judicial para acolhimento da recém-nascida em instituição adequada a designar pela Segurança Social de Coimbra (o mais breve possível).

Nesta mesma data, foi dado conhecimento ao progenitor deste "encaminhamento" para o V. Tribunal; tendo o mesmo concordado com esta medida de acolhimento temporário da sua filha (em CAT).

Mais informamos que a recém-nascida se encontra na Unidade de Cuidados Intensivos desta Maternidade (UCIRN), com alta clínica protelada desde 16/10 e a sua mãe internada no Serviço de Psiquiatria Mulheres dos CHUC, com alta clínica protelada desde o dia 18 de Outubro, aguardando apenas decisão judicial para concretização das respectivas altas (mãe e filha).».

2.2. O ofício anexo a que se reportava o ofício da unidade hospitalar, dirigido ao Presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de (...), mostra-se datado de 18.10.2012 e subscrito pela Técnica Superior de Serviço Social, Dr.ª (…) tendo como assunto: “Pedido de intervenção urgente para a menor, A (…), nascida no dia 13.10.2012, filha de AS (…)”, e contém a seguinte informação:

«Na sequência das diligências e contactos já efectuados com os V. serviços e Serviço Local da Segurança Social no sentido de uma melhor avaliação das condições socioeconómicas e familiares do agregado familiar da menor acima referendada, vimos por este meio solicitar a intervenção urgente da V. CPCJ para abertura de Processo de Promoção e Protecção à A (…), uma vez; que segundo a informação que reunimos com a V. colaboração não estão reunidas no imediato, condições de segurança mínimas, para o regresso da menor ao domicílio. Tal como já é do V. conhecimento, a mãe da menor encontra-se internada no Serviço de Psiquiatria do CHUC por doença do foro psiquiátrico, desconhecendo-se neste momento a duração do internamento e o pai da menor, Sr. DA (…) (contacto (…)), tem estado a acompanhar a filha na UCIRN desta Maternidade e a fazer treino de competências parentais para poder dar continuidade à prestação de cuidados no domicílio, o que até ao momento tem cumprido de forma adequada.

De acordo com a informação disponível, estes progenitores têm um outro filho de 18 meses que se encontra actualmente e temporariamente a cargo de familiares em (...), estando previsto o seu regresso para junto do pai a curto prazo.

Apesar deste pai estar a demonstrar competências parentais e a cumprir todas as orientações que lhe são dadas, manifestando vontade em cuidar sozinho da sua filha no domicílio, parece-nos haver informações contraditórias quanto aos cuidados que têm vindo a ser prestados ao seu outro filho, bem como à gestão dos seus rendimentos que em nosso entender também são escassos, face à vinda deste novo bebé. Resta-nos saber que tipo de condições habitacionais reúnem e se este pai já organizou o seu domicilio de forma a receber a bebé.

A A (…) encontra-se com alta protelada desde terça-feira, pelo que agradecemos a V. melhor colaboração no sentido de decidirmos o mais breve possível em que condições se deverá assegurar a continuidade de cuidados à recém-nascida, após a alta, de forma a garantir o seu desenvolvimento integral».

2.3. Em resposta à solicitação da Unidade Hospitalar, a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de (...), pelas técnicas (…) efectuou no dia 19/10/2012 uma visita programada com cerca de um dia de antecedência à residência do agregado familiar, por não ter sido possível aferir as condições habitacionais em visita tentada no dia 17/10/2012, em virtude de o pai da menor se encontrar na Maternidade a realizar um treino de competências parentais, tendo sido lavrada a seguinte informação por ofício datado de 22/10/2012:  

«Situação Habitacional

Trata-se de uma habitação arrendada, pela qual o agregado paga uma renda de 150 euros. Acrescem as despesas de água, luz e gás. É composta por uma sala com cozinha integrada, uma casa de banho e um quarto. Tem as condições mínimas de conforto, Já que se encontra em bom estado de conservação e possui o mobiliário essencial. De referir que, no quarto a mobília existente é uma cama de casal, uma cama de grades, um roupeiro, uma cómoda e um sofá.

A casa encontrava-se limpa e minimamente organizada.

Trata-se de um anexo da casa da senhoria - D. (…), uma senhora de 90 anos, que na medida do possível, tem prestado algum apoio a esta família, inclusive do ponto de vista económico, já que vai permitindo alguns atrasos nos pagamentos e já chegou a emprestar algumas quantias de dinheiro para fazer face a necessidades da família, nomeadamente fraldas para o menor (…)

Análise da Situação familiar

Considerando quer a entrevista com o pai da criança, quer com a senhoria D. (…) (realizada no dia 17/10/2012), são evidentes as limitações decorrentes da situação de saúde da mãe dos menores e alguns constrangimentos do ponto de vista habitacional e económico.

Da entrevista com a D(…) foi possível apurar que o menor (…) vinha sendo alvo de negligência grave, de há vários meses a esta parte, conforme a informação já disponibilizada pela Dra. (…), por email a 18 de Outubro, da qual passo a referir alguns pontos:

- A mãe não confeccionava as refeições, nem para o filho nem para o casal. A alimentação do menor era constituída por biberões de leite e bolacha Maria;

- A mãe quando não tinha tabaco, colocava a criança no carrinho, agasalhava-o bem e deambulava pelas ruas a apanhar pontas de cigarros, das quais aproveitava o tabaco para fazer novos cigarros com papel higiénico;

- O menor (...) passava dias inteiros fechado em casa, sentado na cadeira de comer a bater com a cabeça para a frente e para trás, enquanto a mãe e o pai passavam horas no computador;

- Quando não tinham dinheiro para adquirir as fraldas para o (…) estas eram muitas vezes reaproveitadas pela mãe, que as limpava e as voltava a colocar à criança.

A D. (…) chegou a dar dinheiro para comprar um pacote de fraldas e a mãe comprou apenas um pacote de fraldas dos mais pequenos e o restante dinheiro comprou tabaco e bolos;

- A higiene e organização habitacional não era feita;

- Não eram habituais as manifestações de carinho por parte dos pais para a criança.

Se na maioria destes pontos, é possível imputar a responsabilidade à falta de acompanhamento médico e tratamento da mãe e consequente descompensação notória no comportamento deste, é obrigação do pai supervisionar e inclusivamente garantir a prestação destes cuidados ao filho, sendo neste caso o progenitor completamente omisso e igualmente responsável pela negligência.

Da conversa do pai depreendemos que este se mostra confiante quanto ao seu desempenho e considera certa a recuperação da mãe. Mostra demasiada segurança no papel que esta virá a desempenhar futuramente enquanto mãe e enquanto esposa. Desconsidera meses de comportamento instável, atendendo a que com a medicação ela se torna uma "pessoa completamente normal' sic. Pelo exposto, não está de todo consciente da responsabilidade que terá de assumir, prestando cuidados aos filhos e supervisionando o tratamento e o comportamento da esposa. Aparenta portanto demasiada calma e despreocupação face ao futuro.

Quando confrontado com as falhas na prestação de cuidados ao filho menor (...) durante os últimos meses, ora nega que tal acontecesse, ora desresponsabiliza-se totalmente, referindo que no estado em que a A (...) se encontrava, não era possível convencê-la a fazer nada. A mesma justificação apresenta quando é questionado acerca do facto de nunca terem procurado realizar o devido acompanhamento médico desta gravidez.

Para além do exposto, importa referir, que embora o pai tenha apresentado na Segurança Social o requerimento para licença de paternidade por incapacidade da mãe, atendendo a que esta teve alta, provavelmente ele não terá direito a gozar este período, o que inviabiliza a possibilidade de este supervisionar os cuidados a prestar à A (…) e ao (…).

Conclusão

Com as informações disponíveis de momento, consideramos que se trata de uma situação de perigo para os menores a permanência neste agregado, principalmente da AS (...), tratando-se de uma recém-nascida, atendendo à deficiente ou praticamente inexistente estrutura de apoio, enquanto não se avaliar a adaptação que a mãe fará ao tratamento prescrito».

2. Por decisão provisória proferida em 24-10-2012, o Mm.º Juiz do tribunal a quo depois de reproduzir o requerimento inicial apresentado pelo Ministério Público, considerou que «perante esta factualidade o Exm.º Sr. Procurador promove a aplicação de medida provisória a favor da menor, isto é, a sua confiança provisória a um CAT, a indicar urgentemente pela EMAT, devendo aguardar entretanto na Maternidade Dr. Daniel de Matos onde se encontra, nos termos do art. 37º da LPCJP.

O que se nos afigura adequado.

Decidindo, considerando tudo o exposto, ao abrigo dos arts. 35.º/1, f), 37.º e 49º da LPCJP, aplico à menor acima identificada, provisoriamente, a medida de acolhimento em instituição a indicar urgentemente pela EMAT, devendo aguardar, entretanto, na Maternidade Dr. Daniel de Matos onde se encontra e a quem se confia nos mesmos termos».

No mesmo despacho, foi declaro aberta a fase da instrução e determinada a remessa dos autos ao Tribunal Judicial de Mira, por ser o competente, em face da área de residência da menor.

3. Inconformados, os requeridos interpuseram o presente recurso de apelação, formulando extensas e prolixas conclusões[1] que se sintetizam nos seguintes pontos das mesmas:

(…)

Termos em que, e sempre com o Douto Suprimento de VªS. EXªS, deverá conceder-se provimento ao presente Recurso, e consequentemente:

Anular-se ou Revogar-se a Decisão recorrida, e Determinar-se a imediata entrega da menor aos seus pais, sem aplicação de qualquer medida de protecção, por desnecessária, ou, caso assim se não entenda, sempre se deverá proceder á entrega imediata da menor aos recorrentes com a aplicação da medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, prevista no artigo 35º, nº 1, al. a) da LPCJP, assim fazendo V. Exas. Meritíssimos Juízes Desembargadores a Costumada JUSTIÇA».

4. O Ministério Público apresentou contra-alegações, pugnando pelo acerto da medida decretada.

5. Dispensados os vistos, cumpre decidir.


*****

II. O objecto do recurso[2].

A questão essencial a decidir no presente recurso de apelação é a de saber se, em face dos elementos probatórios existentes nos autos, devia ou não o tribunal ter decretado a medida provisória de acolhimento em instituição.


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II – Fundamentos

II.1. – Os factos com interesse para a decisão do presente recurso são os supra referidos no relatório.


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II.2. – O mérito do recurso

Se bem sintetizamos o seu pensamento, os apelantes sustentam a sua pretensão recursiva na inexistência de elementos no processo que permitissem ao tribunal ter decretado a medida provisória de acolhimento em instituição, e na falsidade ou distorção das imputações de negligência relativamente ao seu outro filho menor que foram referidas pelas assistentes sociais, reunindo os mesmos todas as condições para terem consigo a sua filha recém-nascida.

Em primeiro lugar, cumpre afirmar que, ao contrário do pretendido pelas longas alegações dos recorrentes que contradizem os factos considerados na decisão recorrida e aduzem factos novos em fundamento da sua pretensão para agora serem considerados, o mesmo acontecendo, parcialmente, na fundamentação das contra-alegações produzidas pelo Ministério Público, os recursos em geral e o presente recurso em particular, não se destina a apreciar o desenvolvimento processual subsequente à decisão recorrida, para determinar se a mesma foi ou não correcta e, muito menos, a saber se em face dos actuais elementos do processo a mesma seria de manter. O recurso interposto destina-se tão-somente a apreciar se no momento em que a decisão provisória foi proferida nos autos o Mm.º Juiz do tribunal a quo, efectuou ou não uma correcta apreciação da situação que, então, lhe foi apresentada.

Vale esta primeira precisão para afirmar que irrelevam para a apreciação do recurso interposto todas as questões colocadas pelos recorrentes que se reportam a novos elementos de prova para contrariar a versão dos factos que naquele momento foi apresentada ao Mm.º Juiz e, bem assim, a reapreciação da matéria de facto reproduzida no despacho recorrido, deste prisma em que é trazida pelos recorrentes, mormente com a junção de documentos para apreciação probatória.

Expliquemos por que razão assim é, enquadrando primeiramente o caso dos autos.

Como é consabido, a família, enquanto fenómeno da vida e realidade social objectiva[3], por ser um elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros, conforme se mostra estatuído no artigo 67.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa[4], incumbindo ao Estado para tal efeito, designadamente, promover a independência económica e social dos agregados familiares e, bem assim, cooperar com os pais na educação dos filhos (alíneas a) e c) do n.º 2 do referido preceito).

 Em decorrência de ser uma realidade social objectiva, o legislador garante a família enquanto instituição jurídica necessária razão pela qual comete aos pais, no interesse dos filhos, o poder-dever que consiste na responsabilidade de zelarem pela segurança e saúde destes, proverem ao seu sustento, dirigirem a sua educação, representarem-nos e administrarem os seus bens (artigo 1878.º, n.º 1, do Código Civil[5]).

Daqui resulta que quando, no decurso do período da duração das responsabilidades parentais (artigo 1877.º do CC), o menor tem uma família, e nomeadamente, progenitores, que cumprem os seus aludidos deveres para com aquele, o Estado não intervém no seio das relações familiares.

Porém, se o poder paternal não é satisfatoriamente exercido, e se não existem familiares próximos que possam assumir tal função, compete ao Estado tomar com urgência as medidas adequadas para proporcionar ao menor a efectiva salvaguarda dos seus superiores interesses, porquanto as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral (artigo 69.º da CRP).

Tal salvaguarda encontra-se consagrada na Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo[6] que tem por objecto a promoção dos direitos e a protecção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral (artigo 1.º), o qual implica a realização dos seus direitos sociais, culturais, económicos e civis[7].

Por isso, a legitimidade da intervenção do Estado para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo (artigo 3.º, n.º 1, da LPCJP).

As situações em que se considera que a criança está em perigo, encontram-se exemplificativamente elencadas no artigo 3.º, n.º 2, da LPCJP, traduzindo-se na existência de uma situação de facto que ameace a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o seu desenvolvimento, não se exigindo a verificação da efectiva lesão e bastando a existência de circunstâncias actuais das quais resulte um perigo real ou muito provável para os referidos direitos da criança[8].

Assim, as medidas de promoção dos direitos e de protecção das crianças e dos jovens em perigo, visam afastar o perigo actual em que estes se encontram e proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral (artigo 34.º da LPCJP), encontrando-se taxativamente elencadas nas alíneas a) a g) do artigo 35º da citada Lei, consistindo no apoio junto dos pais; no apoio junto de outro familiar; na confiança a pessoa idónea; no apoio para a autonomia de vida; no acolhimento familiar; no acolhimento em instituição; e na confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção.

Os princípios orientadores de toda a intervenção do Estado para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem, vêm previstos nas várias alíneas do artigo 4.º da LPCJP, ressaltando desde logo que a intervenção das entidades competentes deve ser efectuada logo que a situação de perigo seja conhecida[9]; na medida necessária, adequada e indispensável a remover o perigo em que a criança se encontra no momento em que a medida é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a tal finalidade e enquanto tal acontecer[10]; a intervenção deve ser efectuada de modo a que os pais assumam os seus deveres parentais, devendo ser dada prevalência às medidas que integrem a criança na sua família ou que promovam a sua adopção[11]; e a intervenção deve ser efectuada sucessivamente pelas pessoas e entidades cuja acção seja necessária à obtenção do resultado pretendido, sendo os tribunais a última instância de intervenção[12].

 Acresce que toda a intervenção deve ser efectuada de acordo com a protecção do interesse superior da criança e do jovem, que sendo um conceito vago e genérico, foi utilizado pelo legislador por forma a permitir quer às entidades com competência de intervenção em matéria de infância e juventude, quer ao juiz, alguma discricionariedade, bom senso e criatividade na escolha das medidas, cujo conteúdo deve ser o mais adequado a cada caso concreto[13].

   Assim, o superior interesse do menor é o critério prevalecente nas decisões que lhe digam respeito, e pode consubstanciar-se no “direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social em condições de liberdade e dignidade”[14], aferidas em face do tempo em que se aplica a lei, uma vez que estamos afinal perante “…uma noção cultural intimamente ligada a um sistema de referências vigente em cada momento, em cada sociedade, sobre a pessoa do menor, sobre as suas necessidades, as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e ao seu bem estar material e moral”[15].

Finalmente, importa atentar que, nas situações de emergência ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente, podem ser aplicadas medidas provisórias cuja duração não pode prolongar-se por mais de seis meses (artigo 37.º da LPCJP), situação a que se reporta o presente recurso.

Os pressupostos materiais de aplicação de medidas de promoção e protecção, com natureza provisória (artigo 35.º, n.º 2, da LPCJP), são, consequentemente, a existência duma situação de emergência; e a necessidade de ser efectuado um diagnóstico da situação da criança para encaminhamento subsequente.

A situação de emergência a que alude o preceito, para efeitos de aplicação de medida provisória, “há-de incluir as situações de urgência em que esteja em causa um perigo actual e iminente para a vida ou integridade física da criança ou do jovem, mas também outros direitos da criança ou do jovem, ou seja, sempre que exista uma situação de perigo actual e eminente que afecte a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento”[16].

Tratando-se, no caso em apreço, de medida proferida para acautelar uma situação de emergência, não se verifica a alegada violação do princípio do contraditório em virtude de não terem sido ouvidos os progenitores da menor antes do seu decretamento, porquanto a mesma foi aplicada com tal carácter de emergência, e, como tal, o interesse principal a acautelar no imediato é a segurança e protecção do menor, que se sobrepõe à audição prévia de ambos os pais, tanto mais no caso em apreço em que o pai já havia consentido na institucionalização temporária. A situação é semelhante à que ocorre no âmbito do Código de Processo Civil em que, o princípio do contraditório vertido no respectivo artigo 3.º também é postergado nos procedimentos cautelares, decretados sem audição da parte contrária.

Ora, a espoleta do caso em apreço, ocorreu com o pedido de intervenção urgente efectuado pelo Hospital ao Tribunal e que esteve na base do requerimento inicial do Ministério Público, fundado no facto de a recém-nascida A (…), nascida no dia 13 de Outubro de 2012, se encontrar com alta protelada desde o dia 16 do referido mês, porquanto a sua mãe AS (…), de 38 anos, se encontrava internada no Serviço de Psiquiatria dos CHUC, desde o dia 05 de Outubro, também com alta clínica protelada desde o dia 18 de Outubro, pendente da alta da fiIha.

Nesse pedido do Hospital constava, para além do mais, que se tratava de uma situação do conhecimento da CPCJ de (...) (Dr.ª (…)) sinalizada pela nossa MDM (conforme oficio n.º 143/2012, datado de 18-10-2012 que também se encontrava em anexo) no sentido de obter parecer quanto às condições de regresso desta recém-nascida ao domicílio; que conforme deliberação da respectiva Comissão de Protecção de Menores (em anexo), tendo em conta que não nos foi manifestada por parte da família materna qualquer tipo de disponibilidade para apoiar ou acolher esta bebé, ainda que temporariamente, decidimos expor o caso à consideração de V. Ex.ª, aguardando decisão judicial para acolhimento da recém-nascida em instituição adequada a designar pela Segurança Social de Coimbra (o mais breve possível); e que nesta mesma data, foi dado conhecimento ao progenitor deste "encaminhamento" para o V. Tribunal, tendo o mesmo concordado com esta medida de acolhimento temporário da sua filha (em CAT).

Portanto, deste ofício proveniente da entidade hospitalar resulta desde logo implícito que o fundamento primeiro do pedido de intervenção do tribunal com vista a medida de acolhimento temporário da menina em instituição, reside no facto de ter sido entendido pelos técnicos da referida unidade clínica que nem a mãe nem o pai da recém-nascida reuniam condições para cuidar da mesma.

Tanto assim que é do ofício anexo ao ofício da unidade hospitalar, dirigido ao Presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de (...), datado de 18.10.2012 e subscrito pela Técnica Superior de Serviço Social, Dr.ª (…), consta que «na sequência das diligências e contactos já efectuados com os V. serviços e Serviço Local da Segurança Social no sentido de uma melhor avaliação das condições socioeconómicas e familiares do agregado familiar da menor acima referendada, vimos por este meio solicitar a intervenção urgente da V. CPCJ para abertura de Processo de Promoção e Protecção à AS (...), uma vez que segundo a informação que reunimos com a V. colaboração não estão reunidas no imediato, condições de segurança mínimas, para o regresso da menor ao domicílio. Tal como já é do V. conhecimento, a mãe da menor encontra-se internada no Serviço de Psiquiatria do CHUC por doença do foro psiquiátrico, desconhecendo-se neste momento a duração do internamento e o pai da menor, Sr. DA (…) (contacto (…)), tem estado a acompanhar a filha na UCIRN desta Maternidade e a fazer treino de competências parentais para poder dar continuidade à prestação de cuidados no domicílio, o que até ao momento tem cumprido de forma adequada.(…)

Apesar deste pai estar a demonstrar competências parentais e a cumprir todas as orientações que lhe são dadas, manifestando vontade em cuidar sozinho da sua filha no domicílio, parece-nos haver informações contraditórias quanto aos cuidados que têm vindo a ser prestados ao seu outro filho, bem como à gestão dos seus rendimentos que em nosso entender também são escassos, face à vinda deste novo bebé. Resta-nos saber que tipo de condições habitacionais reúnem e se este pai já organizou o seu domicilio de forma a receber a bebé.

A A (…) encontra-se com alta protelada desde terça-feira, pelo que agradecemos a V. melhor colaboração no sentido de decidirmos o mais breve possível em que condições se deverá assegurar a continuidade de cuidados à recém-nascida, após a alta, de forma a garantir o seu desenvolvimento integral».

De facto, ao invés do que os recorrentes afirmam, se aquele não fosse o pressuposto primeiro da actuação da instituição, então, tendo a mesma a identidade e contacto de ambos os progenitores, se a mãe, que à data do pedido se encontrava já com alta protelada, tivesse sido considerada pelos médicos apta para cuidar da recém-nascida, nesse caso o Hospital teria dado alta a ambas e nunca o processo teria chegado ao Tribunal.

Portanto, primeira e evidente conclusão é a de que, a mãe da menor, apesar de ter tido alta clínica, a mesma ocorreu após um internamento compulsivo nos serviços de Psiquiatria ocorrido já quase no termo da gravidez – a 5 de Outubro, e a bebé nasceu a 13 – significando apenas que a mesma se encontrava clinicamente estável, o que não é equivalente a estar capaz para assumir as suas responsabilidades parentais, como a mera existência do pedido efectuado ao tribunal claramente atesta.

Improcedem, portanto, as conclusões do recurso tendentes a demonstrar que a mãe da menor à data da decisão já tinha alta e, como tal, podia cuidar da sua filha.

A segunda conclusão a retirar da existência do referido pedido, respeita ao pai da recém-nascida. Também este era conhecido no Hospital, onde frequentava um curso de responsabilidades parentais, estando a cumprir com o solicitado. Vale aqui o mesmo raciocínio expresso quanto à mãe. Se os técnicos dos serviços do Hospital tivessem entendido, com segurança, que este pai estava apto a cuidar, por si só e no seu ambiente familiar, de uma bebé recém-nascida, então teriam dado alta à menina. Que o mesmo não estava imediatamente apto a fazê-lo resulta da mera necessidade de estar a frequentar aquele curso quanto tinha em casa outro bebé com 18 meses de idade[17], existindo informações genéricas que não tranquilizavam os técnicos quanto à qualidade dos cuidados que lhe eram prestados, sendo especialmente relevante a entrevista que as técnicas tiveram com o mesmo e da qual depreenderam «que este se mostra confiante quanto ao seu desempenho e considera certa a recuperação da mãe. Mostra demasiada segurança no papel que esta virá a desempenhar futuramente enquanto mãe e enquanto esposa. Desconsidera meses de comportamento instável, atendendo a que com a medicação ela se torna uma "pessoa completamente normal' sic. Pelo exposto, não está de todo consciente da responsabilidade que terá de assumir, prestando cuidados aos filhos e supervisionando o tratamento e o comportamento da esposa. Aparenta portanto demasiada calma e despreocupação face ao futuro.

Quando confrontado com as falhas na prestação de cuidados ao filho (…)durante os últimos meses, ora nega que tal acontecesse, ora desresponsabiliza-se totalmente, referindo que no estado em que a AS (…) se encontrava, não era possível convencê-la a fazer nada. A mesma justificação apresenta quando é questionado acerca do facto de nunca terem procurado realizar o devido acompanhamento médico desta gravidez.

Para além do exposto, importa referir, que embora o pai tenha apresentado na Segurança Social o requerimento para licença de paternidade por incapacidade da mãe, atendendo a que esta teve alta, provavelmente ele não terá direito a gozar este período, o que inviabiliza a possibilidade de este supervisionar os cuidados a prestar à A (…) e ao (…)», e que pelo seu teor não também poderiam descansar o tribunal para entrega da menor ao pai, naquele momento.

Mas sobretudo e essencialmente o que mais relevaria para a tomada de decisão, sempre seria o facto de nessa altura, o próprio pai ter assumido a sua incapacidade para naquele momento o fazer, o que resulta da concordância que o ora recorrente deu na CPCJ para acolhimento temporário da filha.

Portanto, também quanto ao pai da menor, improcedem as conclusões de recurso quanto à sua capacidade, possibilidade ou disponibilidade para, ao tempo da decisão, cuidar, por si só, da menor.

Finalmente, resulta ainda do pedido efectuado pelo Hospital, que contactada a família materna a mesma não revelou qualquer possibilidade ou disponibilidade para acolher a bebé, ou sequer dar apoio ao pai, donde resulta que tudo foi tentado para encontrar uma solução no enquadramento familiar da recém-nascida.

E estes são os factos que no caso concreto, e por si só, bastariam para a intervenção urgente do tribunal na sequência da solicitação hospitalar porquanto, a decisão que o tribunal tinha que tomar era entre manter a criança em ambiente hospitalar ou encaminhá-la para uma instituição, posto que os pais, por razões diferentes, não tinham naquele concreto momento, condições para cabalmente darem à A (…) todos os cuidados que um recém-nascido requer, não havendo ninguém da família ou próximo que os tivesse querido assegurar.

Vale isto por dizer que, quando o pedido de intervenção urgente deu entrada no tribunal, foi com esta situação essencial que o Mm.º Juiz se deparou – ausência de adulto com capacidade para assegurar os cuidados que a recém-nascida precisava -, sendo os demais elementos carreados aos autos relativos às informações prestadas pelas técnicas, quanto às condições de vida e à dinâmica da vida familiar deste casal e da sua relação com o outro menor, situações que assumem uma relevância secundária em face daquela constatação primeira.

Por isso, será inútil estar aqui a apreciar “ponto por ponto” se tais situações assumiriam gravidade bastante para a entrega provisória da menor a instituição, quando os factos essenciais, que são os sobreditos, só por si, fundariam uma tal decisão.

Se as mesmas ocorreram, conforme informaram as técnicas dos Serviços Sociais e da Comissão de Protecção de Menores, ou nunca ocorreram, ou aconteceram em diverso contexto, como pretendem os recorrentes, é matéria a demonstrar no decurso da instrução destes autos – que está a ser devidamente desenvolvida com vista ao apuramento de todos os elementos essenciais para determinar “se”, “quando”, e “em que circunstâncias”, com ou sem acompanhamento, deve a A (…) voltar ao seio da família -, e que manifestamente extravasa o âmbito da decisão do recurso da aplicação desta medida provisória.

Finalmente, importa referir que não se verifica falta de fundamentação da decisão, porquanto, ainda que por remissão por referência ao requerimento do Ministério Público, da mesma resultam claras as razões pelas quais o Mm.º Juiz entendeu ser de decretar a medida provisória, aderindo aos elementos que os documentos juntos aos autos continham, e que já tinham sustentado o pedido efectuado por aquele magistrado.

Pelo que, também nesta parte, tem o presente recurso de improceder, o qual, assim, improcede na sua totalidade.

Conclui-se, portanto, que as principais questões que os recorrentes trouxeram em sede de recurso, só agora, no âmbito da instrução do processo de promoção e protecção de menor, terão o seu lugar próprio de apreciação destinando-se a decidir a revogação ou manutenção da medida provisória e não ao âmbito do presente recurso, sendo certo que, caso se venha a demonstrar nos autos e em período temporal curto, que os mesmos têm as condições pessoais que dizem ter para cuidar da sua filha, o tribunal não deixará de aplicar os princípios que norteiam a aplicação deste tipo de medidas e que os recorrentes invocaram, porquanto não serão, como bem afirmam, as suas precárias condições económicas a determinar a institucionalização da filha, caso dos autos decorra que os mesmos têm condições para assumir as respectivas responsabilidades parentais, ainda que para tal necessitem de apoio das instituições.

Porém, ao momento em que a decisão recorrida foi tomada, estavam reunidos todos os pressupostos legais para o efeito, pelo que, tal decisão provisória deve ser confirmada.


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II.3. Síntese conclusiva:

I - O recurso de decisão provisória proferida em processo de promoção e protecção não é o momento próprio para efectuar a apreciação das razões de facto aduzidas pelos recorrentes para contrariar os elementos indiciários constantes do processo que determinaram a aplicação de tal medida, os quais devem ser avaliados na instrução subsequente dos autos.

II - Mostra-se justificada a aplicação da medida de internamento provisório em instituição de recém-nascida, se dos elementos trazidos aos autos pela unidade hospitalar resulta que estava a ser protelada a alta clínica da menor porque nem a mãe, nem o pai, naquele momento temporal da decisão, reuniam as condições reputadas adequadas para a entrega da menor em segurança, e nenhum elemento da família alargada assegurava a continuidade da prestação dos necessários cuidados no seu domicílio. 


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III - Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a decisão provisória recorrida.  

Custas pelos recorrentes.


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Albertina Pedroso ( Relatora )

 Virgílio Mateus

Carvalho Martins     


[1] Efectivamente, de acordo com o preceituado no artigo 685.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”. A nossa jurisprudência, estribada nos ensinamentos doutrinários, tem vindo a entender quanto a este preceito legal, que as conclusões da alegação do recurso devem ser um resumo, uma síntese, explícita e clara, das razões que o recorrente expôs na fundamentação das alegações, havendo que delas se depreender claramente quais as questões postas ao Tribunal ad quem, quais os supostos erros cometidos na decisão recorrida e quais os fundamentos por que se pretende obter a sua alteração ou revogação. Na verdade, sendo pelas conclusões que se limita o objecto do recurso, à luz dos princípios que enformam os preceitos legais aplicáveis, mormente, o princípio da cooperação, o ónus de formular conclusões sintéticas visa facilitar a realização do contraditório, e evidentemente balizar o objecto do recurso, a fim de permitir ao Tribunal decidir sobre todas as questões que lhe sejam colocadas pelo recorrente. De facto, o texto da lei é claro, impondo ao recorrente o ónus de, no final das suas alegações, expor de forma sintética os fundamentos pelos quais pede a alteração ou anulação da decisão.
No caso sub judice, apreciadas as extensas conclusões de recurso apresentadas pelos apelantes, verifica-se que as mesmas não configuram um resumo, uma síntese do que expuseram nas respectivas alegações, antes repetindo a fundamentação anteriormente expressa no corpo das alegações, e repetindo tal fundamentação nas próprias conclusões, porque pura e simplesmente optaram por quase reproduzir o corpo das alegações formuladas, agrupando agora em letras aquilo que antes tinham colocado por vários números, em técnica jurídica claramente arredada do cumprimento do preceito legal em referência. Como, porém, estamos perante processo urgente e é facilmente perceptível determinar aquilo com que não se conformam os recorrentes, optou-se por não determinar o cumprimento integral de tal preceito, procedendo à imediata análise do recurso.
[2] Com base nas disposições conjugadas dos artigos 660.º, 661.º, 664.º, 684.º, n.º 3, 685.º-A, n.º 1, e 713.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
[3] Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, 2.ª ed. revista e ampliada, Coimbra Editora 1984, 1.º vol., pág. 352.
[4] Doravante, abreviadamente designada CRP.
[5] Doravante abreviadamente designado CC.
[6] Aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01-09, alterada pela Lei n.º 31/2003, de 22-08, e doravante abreviadamente designada LPCJP. Esta lei consagra o estatuído na Convenção Sobre os Direitos da Criança (adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20/11/1989, assinada por Portugal em 26/1/1990, aprovada pela Resolução da AR n.º 20/90, de 12/9 e ratificada pelo Decreto do PR n.º 49/90, ambos publicados no DR I, de 12/9), a qual impõe que os Estados aderentes tomem medidas de protecção das crianças contra todas as formas de violência, quer na família quer fora dela (artigo 19.º, n.º 1), também constitucionalmente consagrada no referido artigo 69.º da CRP.
[7] Cfr. a exposição de motivos inserida na Proposta de Lei n.º 265/VII, que deu origem à referida Lei.
[8] Cfr. neste sentido, Tomé d’Almeida Ramião, in Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Anotada e Comentada, 4.ª edição, Revista e Aumentada, Quid Juris, Lisboa 2006, pág. 26.
[9] Trata-se do princípio da intervenção precoce previsto na alínea c) do referido artigo.
[10] Princípios da intervenção mínima, da proporcionalidade e da actualidade previstos nas alíneas d) e e) do citado artigo.
[11] Princípios da responsabilidade parental e da prevalência da família previstos nas alíneas f) e g) do referido artigo 4.º, os quais têm protecção constitucional em face do que dispõe o artigo 36.º, n.º 6 da CRP o qual prevê que “os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial”.
[12] Trata-se do princípio da subsidiariedade previsto na alínea j) do mesmo artigo.
[13] Cfr. neste sentido, Maria Clara Sottomayor, in Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, 2.ª edição, págs. 36 e 37.
[14] Cfr. Almiro Rodrigues, in “Interesse do menor, contributo para uma definição”, Revista Infância e Juventude, n.º 1, 1985, pág. 18. O que seja o interesse da criança por via da protecção dos seus direitos decorre nomeadamente também do disposto nos artigos 3.º, 9.º, 18.º, n.º 1, e 20.º, da citada Convenção sobre os Direitos da Criança, aplicável no nosso ordenamento jurídico em face do disposto no artigo 8.º da CRP.
[15] Cfr. Rui Epifâneo eAntónio Farinha, in Organização Tutelar de Menores, anotada, 1987, pág. 326.
[16] Cfr. Tomé d’Almeida Ramião, ob. e loc. cit., págs. 64 e 65.
[17] Pensamos que nem se justifica entrar aqui na apreciação das razões pelas quais o menino estava em casa dos tios, porquanto entendemos serem as mesmas perfeitamente compreensíveis considerando que tal período coincide com o internamento hospitalar da mãe, pelo que trabalhando o pai, e estando a acompanhar a mãe no Hospital, conforme resulta da frequência do curso, não podia, com tranquilidade, cuidar também desta criança ainda tão pequenina e a carecer dos muitos cuidados e atenção próprios da sua faixa etária. Por isso, não se retira desta situação, em face das circunstâncias familiares da época, qualquer conclusão quanto à incapacidade do pai para cuidar do menor, caso não tivesse a mãe no Hospital.