Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1501/11.0TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE DESPEDIMENTO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Data do Acordão: 04/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA - º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 387º, NºS 1 E 2, E 423º DO CÓDIGO DO TRABALHO (VIGENTE DESDE 17/02/2009); 98º C DO CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO
Sumário: I – O nº 2 do artº 387º do Código do Trabalho (vigente desde 17/02/2009) consigna a forma para a apreciação da regularidade e licitude do despedimento pelo tribunal – apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior.

II – Na sequência dessa inovação, veio a consagrar-se no CPT a acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento – arts. 98ºC e ss.

III – O formulário inicial desse processo especial tem que conter a declaração do trabalhador de oposição ao despedimento.

IV – Se da petição inicial apresentada pelo trabalhador decorrer, sem margem para dúvidas, tal declaração, não se vê porque não aproveitá-la e remeter os autos para a forma processual especial adequada.

V – Na verdade, o aproveitamento só não será possível se do facto resultar diminuição das garantias do réu – artº 199º/2 do CPC.

Decisão Texto Integral:    Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Coimbra:

   A..., residente em..., interpôs recurso do despacho de indeferimento liminar da petição inicial.

   Pede que se altere a decisão recorrida no sentido de ser deferida a Petição Inicial, marcando-se a audiência de partes para que o processo siga os trâmites legalmente aplicáveis.

   Formula as seguintes conclusões:

1.ª As normas jurídicas aplicáveis aos presentes autos impõem decisão diversa da que foi proferida;

2.ª A Petição Inicial foi enviada para o Tribunal através do sistema informático CITIUS, no qual é necessário utilizar o formulário do “Assistente de entrega de peça processual” para o envio de peças processuais;

3.ª O formulário do “Assistente de entrega de peça processual” é composto por campos, nos quais se indicam a forma de processo, a espécie e o objecto da acção;

4.ª A Autora indicou a forma correcta de processo Acção de Declarativa (Comum ou Especial) de Processo Laboral, como Espécie Acção de Processo Comum e como objecto da acção Impugnação de despedimento [Trabalho];

5.ª A informação que consta dos campos do “Assistente de entrega de peça processual”, bem como dos restantes campos dos formulários, não carece de ser repetida nos ficheiros que se anexam, fazendo parte integrante da peça processual, nos termos do n.º 2 do artigo 5.º da Portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro;

6.ª Não existe erro na forma de processo aplicável;

7.ª A existir erro, o que não é o caso, o mesmo não conduz ao indeferimento liminar da petição inicial, mas à correcção da forma de processo aplicável e o aproveitamento dos actos praticados, ou seja, da petição inicial, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 199.º do Código de Processo Civil;

8.ª Gozando a Autora o benefício de aperfeiçoamento da petição inicial, por aplicação do artigo 476.º do CPC;

9.ª O erro na forma de processo aplicável não tem enquadramento no n.º 1 do artigo 234.º-A do CPC;

10.ª O erro na forma do processo não conduz ao indeferimento liminar da

Petição Inicial;

11.ª A douta Sentença proferida faz uma errada interpretação e aplicação

das normas jurídicas aplicáveis.

   Não foram proferidas contra-alegações.

   O MINISTÉRIO PÚBLICO junto desta Relação emitiu parecer segundo o qual é possível o aproveitamento da petição inicial.


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   É o seguinte o teor da decisão recorrida (na parte que ora releva):

   “É na ilicitude do seu despedimento por violação do disposto nos Artºs 423º e ss. do CT que o autora fundamenta a sua pretensão.

   Pelo que ficou dito, fácil será concluir que não é a acção declarativa comum mas sim a acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento que é forma processualmente adequada para o trabalhador se insurgir contra a comunicação escrita por si recebida.

   O erro na forma de processo importa a anulação dos actos que não possam ser aproveitados – artº 199º, nº 1 do Cód. Proc. Civil – e o juiz pode conhecer da nulidade, mesmo oficiosamente, até ao despacho saneador se antes a não tiver apreciado – artº 206º, nº 2 do Cód. Proc. Civil. No caso vertente, o erro na forma de processo inquina todo o processado o que conduz ao indeferimento liminar da petição, nos termos do disposto no artº 234º-A, nº 1 do CPC, aqui aplicável ex vi artº 1º, nº 2, al. a) do CPT.

   Pelo exposto, e ao abrigo das citadas disposições legais, indefiro liminarmente a petição inicial.”


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   Das conclusões acima exaradas extraem-se duas questões a decidir:

   1ª – Não existe erro na forma do processo?

   2ª – A existir erro, o mesmo não conduz ao indeferimento liminar da petição inicial?


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   Detenhamo-nos, então, sobre a 1ª questão – se não existe erro na forma do processo.

   A A. interpôs a presente acção pedindo que se reconheça ter celebrado um contrato de trabalho por tempo indeterminado, que a R. a despediu ilicitamente e que se condene a mesma no pagamento de diversos créditos que discrimina, entre os quais indemnização por despedimento e salários intercalares.

   Funda-se na existência de um contrato de trabalho e na comunicação escrita, da autoria da R., a dar-lhe conta da respectiva cessação com efeitos a partir de 30/09/2011 e com fundamento em decréscimo da actividade.

   O Artº 387º/1 do CT (vigente desde 17/02/2009) dispõe que a regularidade e licitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial.

   No nº 2 consigna-se a forma para tal apreciação – apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior.

   E, na sequência desta inovação, veio a consagrar-se no CPT a acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, acção esta que obedece a processado próprio e absolutamente distinto do processado para a acção comum (Artº 98ºC e ss.).

   Ponto de partida para esta acção é a existência de uma comunicação escrita de despedimento.

   No caso, a A. invoca tal comunicação no Artº 8º da petição inicial, pelo que não restam dúvidas acerca da necessidade de implementar o processado específico.

   E, do mesmo modo, também não é duvidoso que exista erro na forma de processo, já que, conforme a própria refere, e está bem explícito na petição inicial, vem instaurada uma acção declarativa comum emergente de contrato de trabalho.


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   Podemos, assim, dirigir-nos para a 2ª questão enunciada – se o erro assim causado impõe ou não o indeferimento liminar.

   Decorre do que vem disposto no Artº 199º/1 do CPC que o erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.

   Como é apanágio do moderno processo civil, também nesta sede o legislador se inclina para o máximo aproveitamento possível dos actos processuais.

   Ora, o formulário inicial do processo especial tem que conter a declaração do trabalhador de oposição ao despedimento (Artº 98ºC).

   Assim, se da petição apresentada decorrer, sem margem para dúvidas, tal declaração – como efectivamente decorre – não se vê porque não aproveitá-la e remeter os autos para a forma adequada.

   Não cabem nesta sede quaisquer considerandos acerca da tempestividade do acto, esses sim dependentes de alegação.

   Deste modo, não nos repugna que a petição inicial possa aproveitar-se de modo a implementar o processo especial e, a partir daí, levá-lo a cabo como se aquela fosse o formulário.

   Na verdade, o aproveitamento só não será possível se do facto resultar diminuição das garantias do réu, o que não se vê que possa ocorrer, considerando que o processo está em fase inicial (Artº 199º/2 do CPC).

   Termos em que a apelação procede.


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   Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência revogar a decisão recorrida, ordenando-se que seja agendada audiência de partes.

   Sem custas.

   Notifique.

  


MANUELA BENTO FIALHO (Relatora)

LUÍS AZEVEDO MENDES

JOAQUIM JOSÉ FELIZARDO PAIVA