Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
305/09.5TBTBU.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
ÁGUAS
EFEITO SUSPENSIVO
Data do Acordão: 05/11/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TÁBUA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.393, 670 CPC, 1385, 1389, 1392 CC
Sumário: I – O efeito suspensivo do recurso sobre a decisão recorrida significa que o efeito dessa decisão deve ficar suspenso até que transite em julgado a decisão a proferir pelo tribunal de recurso.

II - O efeito suspensivo do recurso abrange a totalidade da decisão recorrida.

III - A água que brota dum poço pode ser aproveitada em termos de direito de propriedade ou de direito de servidão, além de outros modos de aproveitamento, como constam dos artigos 1389º a 1397º do Código Civil.

IV - Provada a factualidade da qual se conclui que o demandado é titular do direito de servidão da água proveniente de poço do qual os demandantes são comproprietários (com terceiros) e co-utilizadores da água que dele brota, os actos de defesa desse direito de utilização da água por parte do demandado não se podem haver como actos de esbulho da posse dos demandantes e a providência de restituição provisória da posse deve ser indeferida.

Decisão Texto Integral: ACORDAM O SEGUINTE:

I - Relatório:

A (…) e marido B (…), reformados, residentes em Lisboa, intentaram o presente procedimento de restituição provisória da posse contra C (…) e marido D (…), E (…), e ainda contra F (…), todos residentes na área de (…), (...).

Alegaram, em síntese, que:

• São proprietários de um prédio rústico sito à (…) em ( ....) – ( ....) que adquiriram por via de partilha, referindo que, quando o acervo hereditário a que o prédio pertence não se encontrava partilhado, os interessados na herança e o proprietário do prédio rústico confinante construíram há cerca de 45 anos um poço à estrema de ambas propriedades. Alegam que o poço se destinava à rega das culturas do prédio rústico que agora é dos requerentes e também para o prédio urbano que era dos pais da requerente mulher, bem como para uso nos prédios rústico e urbano (…);

• Por essa ocasião colocaram tubo de 4/5 cm de diâmetro numa extensão de 32 mt no subsolo do prédio que agora é dos requerentes para conduzir a água até ao tanque em cimento sito à estrema de ambos prédios donde se retirava água a cântaro, sendo a água bombeada por um motor eléctrico accionado por interruptor que havia no poço;

• Em finais dos anos 60, inicio de 70, na sequência de partilhas verbais, foi adjudicado aos aqui requerentes o prédio rústico e o prédio urbano referidos supra.

• Em 1988/1989 os requerentes fizeram obras na casa herdada e canalizaram a água do poço, subterraneamente, para o seu prédio, à semelhança do que (…) havia feito (passando o cano a bifurcar: um para casa dos requerentes, outro para casa de (…)). Para licenciarem tais obras realizaram escritura de partilhas no dia 27.01.1988. Mercê dessas obras foram instalados mais 2 interruptores (além do geral) para que os gastos eléctricos fossem suportados por cada proprietário.

• Posteriormente os pais da requerida mulher manifestaram interesse em construírem casa em terreno próximo, e, queixando-se do facto de não terem água, os requerentes disseram “enquanto vocês forem vivos têm água, pois eu dou-vo-la” (dada a profunda amizade que os ligava e já que os pais da requerida mulher eram irmão e cunhada dos pais da requerente mulher), pelo que foi feita uma nova bifurcação no tubo que servia a casa de habitação dos requerentes para abastecimento da casa dos pais da requerida mulher. A cedência implicava coordenação, o que, à data não causava incómodos porque os requerentes habitavam em Lisboa.

• Aquando das partilhas, o prédio onde se situa, na estrema, metade do poço, foi adjudicado aos requerentes. Em tal data, porque o irmão da requerente havia falecido, a viúva (…) questionou se poderia continuar a usar a água ao que a requerente lhe disse que enquanto fosse viva, poderia fazê-lo. Nessa altura foram colocados cadeados nos quadros onde se encontravam os interruptores (ficando cada um com uma chave do seu interruptor e uma cópia do interruptor geral).

• Aquando do falecimento de (…) (há cerca de 4 anos) o cabeça de casal, irmão da requerida mulher, conhecedor do acordado com os seus pais, entregou as chaves dos quadros dos interruptores aos requerentes.

• Em Junho de 2009 foi adjudicada a casa aos 1ºs requeridos que usaram a água do poço. Esses, a fim de terem acesso aos quadros dos interruptores do poço, no dia 12.8.2009 invadiram a propriedade rústica dos requerentes, cortaram os cadeados aí existentes e substituíram-nos por novos cadeados dos quais possuem a chave.

Nessa altura enviaram uma carta aos 1.ºs requeridos solicitando a entrega de chaves do novo cadeado ou reposição do antigo. Os requerentes a fim de poderem voltar a aceder à àgua do poço, colocaram novos cadeados, mas em 28.08.2009 os 2.ºs requeridos procederam a novo corte do cadeado do interruptor geral da corrente.

• A 30.08.2009, 01.09.2009 e 10.09.2009, acompanhados dos segundos e terceiros requeridos, os dois últimos munidos de picareta, entraram na propriedade rústica dos requerentes, de picareta, abriram vala até encontrem tubo dos requerentes, seccionaram o tubo e fizeram ligação ao tubo que permite fornecimento à casa dos requeridos, bem como cortaram os cadeados e colocaram novos cadeados com, com ligação eléctrica para sua casa. Tais actos foram praticados diante dos requerentes que manifestaram a sua oposição tendo sido fisicamente ameaçados pelo 1º requerido sendo que em 30.08.2009, munido com um pau, aquele tentou agredir estes com um pau o que só não sucedeu porque foi chamada a GNR ao local.

• Desde então os requerentes ficaram sem água do poço (não a tendo da rede) pois os requeridos usam a água do poço que não tem caudal para todos. De resto, face às ligações que os requeridos fizeram terem fugas de água, avariou-se o motor que trabalha mas não puxa água.

Ante tal factualidade, peticionam a restituição provisória da posse da água do poço, que afirmam pertencer-lhes em exclusivo, para que se determine que os requeridos: a) removam os cadeados dos interruptores existentes no poço; b) removam a ligação do tubo que ligaram ao tubo que abastece a casa dos requerentes, reparando-o; c) removam o fio eléctrico que ligaram ao poço para accionarem o motor.

Foi designada data para produção da prova arrolada pelos requerentes, sem contraditório prévio, e de seguida foi a fls. 54 e ss proferida decisão que julgou a providência procedente relativamente aos requeridos C (…) e D (…), determinando a restituição provisória da posse da água do poço nos termos peticionados e, quanto aos requeridos E (…) e F (…), foi julgada a providência improcedente.

Após a restituição da posse da água, foram citados os 1ºs requeridos, os quais sem êxito requereram a substituição da providência por prestação de caução e, a fls. 105 e ss, deduziram oposição à providência cautelar, propugnando pela sua improcedência. Para este efeito alegaram, em suma, que:

• São donos de um prédio urbano sito à ( ....) (dois pisos e quintal) que lhes adveio por partilha da herança dos pais da requerida mulher (…)). O pai da requerida construiu o poço em causa tendo os custos da construção sido suportados em partes iguais por ele e por (…) num terreno da herança, logo sendo colocado um motor no poço.

• Quando os requerentes adquiriram o terreno da herança, era sem prejuízo do uso da água pela (…), que continuou a usar água, até porque, quando foi construído o poço foi colocado um motor eléctrico e tubagem para cada da (…) e do (…) que ainda hoje existe sendo que só anos mais tarde foi colocada tubagem para a casa dos requerentes. Referem que à data o tubo era o mesmo (com 2 saídas) e que mais tarde com a ligação à casa da requerida, foi efectuada a 3ª ligação do mesmo tubo.

• Há cerca de 24 anos foram colocados um fio de electricidade (retirado em cumprimento da decisão proferida nos autos), que liga a água do poço à casa da requerida, e um fio à casa do Sr.(…), havendo 3 interruptores para além do geral, um para cada utilizador da água do poço: os requeridos, os requerentes e herdeiros do Sr. (…).

• Os requeridos sempre usaram água livremente, sem qualquer explicação, justificação ou autorização, não sendo verdade que os requerentes apenas tivessem cedido temporariamente aos pais da requerida a água por amizade (tanto mais que foi o pai deste e o Sr. (…) que abriram o poço até bem antes de a casa da requerente receber água do poço.

• No corrente ano começaram a surgir dificuldades à utilização da água pelos requeridos, tendo os requerentes desligado o interruptor geral impedindo a requerida de utilizar a água do poço e desligaram o tubo que conduz a água para casa dos requeridos, pelo que os requeridos refizeram ligações e colocaram novos cadeados, deixando no local as respectivas chaves para que todos os interessados continuassem a utilizar a água. Os requerentes desligaram novamente o interruptor central e fecharam à chave o local onde o mesmo se encontra e desde aí os requeridos deixaram de receber água no seu prédio, sendo que, recentemente arrendaram a casa de habitação a terceira pessoa, a qual não a pode utilizar em pleno por falta de água para consumo. A utilização da água pelos requerentes não é impeditiva da utilização da água pelos requeridos.

Defendem, em suma, que não houve esbulho, bem como não existe prejuízo ou receio que urja acautelar.

Em audiência final, foram inquiridas testemunhas e houve inspecção judicial ao local.

Foi proferida a sentença de 13.01.2010 que julgou a oposição procedente e, em consequência, revogou a providência anteriormente decretada e ordenou que os requerentes no prazo de 5 dias repusessem a situação no estado anterior ao decretamento da mesma.

Os requerentes solicitaram do tribunal o esclarecimento sobre se o efeito suspensivo do recurso que pretendiam interpor abrangia ou não a parte final da decisão.

O despacho de 22.01.2010 esclareceu que «esse recurso tem efeito suspensivo, o que na verdade não tem alcance prático».

Inconformados, os requerentes interpuseram recurso, em cujo requerimento referem que «os requerentes requereram aclaração da decisão proferida, não se conformando, também, com o despacho em consequência proferido, pelo que do mesmo igualmente recorrem (com efeitos suspensivos e subida imediata), pelo que alargam o objecto do presente recurso, também, à matéria de tal despacho de aclaração, incorporando-o nas respectivas alegações e conclusões do recurso (cf. art. 670º nº3 do CPC)». E juntaram alegação com as seguintes conclusões:

1- A decisão recorrida determinou que em consequência da improcedência da providência cautelar os requerentes repusessem em cinco dias a situação anterior à decisão que a havia ordenado;

2- Os recorrentes solicitaram aclaração da decisão nesta parte, na medida em que pretendendo interpor recurso, o qual tem efeitos suspensivos e sendo o prazo para interposição deste de 15 dias acrescido do prazo legal por se recorrer, também, da matéria de facto, afigurava-se que os 5 dias determinados colidiriam com a eficácia suspensiva do recurso a interpor, devendo, pois, tais cinco dias serem contados a partir do trânsito em julgado da decisão que confirmasse o decidido em 1ª instância;

3- Em douto despacho de aclaração de sentença, entende-se, contudo, se bem se entende, que tal segmento da decisão não a integra pelo que deveria ser cumprida de imediato;

4- Contudo, os recorrentes não se conformam com tal interpretação por considerarem que o recurso interposto da decisão, com efeitos suspensivos abrange toda a decisão, incluindo a reposição da situação anterior à decisão que decretou inicialmente a providência, devendo pois revogar-se tal despacho substituindo-o por outro que declare que os recorrentes só terão de cumprir o decidido, no prazo fixado, após o trânsito em julgado da decisão de indeferimento da Providência Cautelar (se assim se verificar). Cfr. Artºs 670º nº.3 e 692º nº3 al. d) ambos do C.P.C.

5- Em sede de oposição foram ouvidas na qualidade de testemunhas arroladas na oposição pelos requeridos, aqui recorridos, (…) e (…) contudo os mesmos não poderiam ter deposto na qualidade de testemunhas uma vez que são partes no presente procedimento cautelar, não obstante terem sido absolvidos do pedido na primeira decisão proferida sem contraditório, a verdade é que a mesma não transitou ainda em julgado, pelo que mantinham a mesma qualidade quando prestaram declarações, muito embora de facto os recorrentes só em sede das alegações do presente recurso tenham detectado tal situação. Pelo que nos termos do artº 617º. do C.P.C. não podem tais depoimentos fundamentar a decisão tomada em primeira instância.

6- Dos autos constam todos os meios de prova, uma vez que os depoimentos prestados pelas testemunhas foram gravados em CD através do sistema HABILUS, pelo que pode a instância superior alterar a decisão da matéria de facto, atentos os depoimentos colhidos nas várias audiências de julgamento.

7- O Tribunal recorrido não levou em consideração os depoimentos das únicas testemunhas que têm conhecimento directo dos factos por serem comproprietários da água do poço e filho e nora dos antecessores dos requeridos tendo pois assistido pessoalmente aos factos em discussão dos autos, respectivamente (…) e (…), as quais, não obstante terem declarado estarem incompatibilizadas com os requeridos, desse facto não resultou uma menor credibilidade dos respectivos testemunhos, sendo que a testemunha Inácia, nem sequer é mencionada na fundamentação da decisão, quando se trata de uma testemunha que igualmente esclareceu factos importantes.

8- Do ponto cinco dos factos provados deveria constar o seguinte:

Há quarenta anos, (…), em representação da herança e dos demais herdeiros interessados na herança de seus falecidos pais (irmão da requerente/pai da requerida), e proprietário do prédio rústico confinante ((…)) construíram um poço à estrema de ambas as propriedades para captação e armazenamento de água, tendo sido colocado um motor que começaram a usar, colocando subterraneamente um tubo até dois tanques em cimento edificados à estrema das propriedades de ambos os proprietários, para onde era bombeada a água do poço.

9- Para tanto concorrem os depoimentos de (…)

10- No ponto seis refere-se a final “cadeados esses colocados em data não concretamente apurada” embora em parte tal afirmação seja verdade, pode, pelo menos, dar-se por provado que tais cadeados existiam, no mínimo desde o tempo da falecida (…).

11- Com fundamento nos depoimentos de (…)

12- No ponto sete onde se diz em data não concretamente apurada, deve referir-se pelo menos que foi após a construção da casa dos requerentes.

13- Neste sentido, (…) depoimento gravado (…)

14- Antes do ponto 12 e dado que os factos dados por provados seguem aparentemente uma certa ordem cronológica deveriam ter sido dados por provados os seguintes factos:

A) “Posteriormente às obras na casa dos requerentes, os pais da requerida mulher manifestaram interesse em construírem uma casa em terreno próximo queixando-se do facto de não terem água, tendo os requerentes afirmado que enquanto os primeiros fossem vivos lhes dariam água, o que sucedeu atenta a profunda relação de amizade que os ligava aos pais da requerente mulher de quem eram irmão e cunhada.”

B) “Assim, os requerentes disponibilizaram água para casa do irmão da requerente mulher permitindo que este colocasse no tubo que serve a casa de habitação dos requerentes uma nova bifurcação para o abastecimento de água à referida casa de habitação”.

C) “Tal cedência de água implicava alguma coordenação pois quando os pais da requerida mulher bombeavam água, os requerentes não o podiam fazer, tendo que aguardar que o poço enchesse de novo para que a água, assim bombeada, enchesse o reservatório existente na sua casa de habitação;

D) “No entanto, como os requerentes habitualmente residiam em Lisboa, utilizando a casa da ( ....) apenas em férias, a utilização da água por parte do seu irmão, nunca lhes causou incómodos ou transtornos, tendo este colocado um interruptor com ligação ao quadro eléctrico a fim de não gastar energia eléctrica da sua irmã”.

15- Para prova destes factos concorrem os seguintes depoimentos, (…),

16- Deve dar-se por provado que “Após o falecimento do irmão da requerente pai da requerida, os requerentes disseram à sua viúva, (…), que enquanto a mesma fosse viva podia usar água do poço.” E “A referida (…)cunhada dos requerentes faleceu em Abril de 2007”.

17- Para tanto concorrem os depoimentos testemunhais (…)

18- Deve dar-se por provado que “As obras de conservação, reparação e manutenção do poço e acessórios do poço, nomeadamente o respectivo motor, foram sempre suportado em partes iguais entre requerentes e o primo Virgílio e, depois da sua morte, pelos herdeiros deste”.

19- Para prova deste facto concorrem os documentos juntos na 1ª audiência de julgamento para audição das testemunhas da oposição, correspondentes a facturas datadas de 1988 relativas a trabalhos no poço e motor deste em nome dos requerentes e partilhadas com o primo (…)

20- E os seguintes depoimentos: (…)

21- Ao ponto 12 dos factos dados por provados deve acrescentar-se “E desde essa data, esta e o marido usam a água do poço não obstante saberem que não lhes assiste tal direito”, bem como rectificar o Ponto 14 dizendo que “A fim de terem acesso aos quadros dos interruptores do poço, dado que não dispunham de chave e logo depois de lhes ter sido adjudicada a casa em partilhas que tiveram lugar a 8 de Junho de 2009, entrando na propriedade rústica dos requerentes, cortaram os cadeados aí existentes e substituíram-nos por novos cadeados dos quais têm chave, sabendo que os requerentes se opunham a tal actuação.”

22- Para tanto depuseram as testemunhas, (…)

23- Rectificar o facto nº 13 acrescentando que em data não concretamente apurada do verão de 2009 mas depois dos factos relatados no ponto 14, os requerentes desligaram o interruptor central e desligaram o tubo que conduz a água a casa dos requeridos.” E rectificar o ponto 19: “Os requerentes não são abastecidos por água da rede, sendo o caudal do poço diminuto para três casas, pelo que, mercê da actuação dos requeridos, desde essa data, 30 de Agosto, os requerentes deixaram de ter água em casa dado que os requeridos ao encherem os seus depósitos impedem que os requerentes possam também abastecer-se.”Acrescentando:

a)“A fim de poderem abastecer-se de água os requeridos mantêm consigo a chave do seu interruptor cortando todos os cadeados que os requerentes aí colocam.”

b) “As ligações que os requeridos fizeram não estão devidamente executadas verificando-se fugas de água na bifurcação do cano dos requerentes com o cano dos requeridos.”

c) “Os requeridos avariaram o motor que, pese embora trabalhe, não puxa água”.

23- Com fundamento no facto de se poder concluir dos depoimentos testemunhais (…)

24- Não deveria ter sido dado como provado o facto sob nº. 20, desde logo atenta a inabilidade para deporem, das testemunhas (…), e mesmo com fundamento no depoimento do primeiro a prova é em sentido contrário, como resulta das concretas passagens do seu depoimento, (…)

25- Corrigindo-se nos termos reclamados a matéria de facto, demonstrado está que os requeridos não são possuidores nem compossuidores de qualquer direito relativamente à água do poço, pois os seus antecessores, dos quais herdaram a casa, recebiam tal água por mero favor pessoal dos requerentes, pelo que eram possuidores precários, ou exerciam uma mera detenção da água, favor esse que cessou com o falecimento dos antecessores dos requeridos conforme sempre esteve acordado com aqueles.

26- O facto dos antecessores dos requeridos nunca terem comparticipado em qualquer despesas de conservação, manutenção ou reparação do poço, do motor e demais acessórios, é bem demonstrativo do animus com que detinham a água do poço, ou seja, como um mero favor e não no exercício de um direito.

27- Mesmo que se admitisse a composse de um direito de servidão de água, para usos domésticos, conforme defendido pelos requeridos, esta sempre seria incompatível com o direito de propriedade dos requerentes pois o caudal do poço é insuficiente para abastecimento de três casas, o mesmo é dizer que: não existindo águas sobejas, como de facto nunca sucedeu, pois o abastecimento dos antecessores dos requeridos só era possível porque os proprietários da água não residiam durante o ano na ( ....), não pode ter-se constituído qualquer direito de servidão de água, pois o artº 1557º do Cod. Civil define como um dos pressupostos para a constituição do mesmo, que existam águas sobrantes no prédio serviente, o que não é o caso;

28- Os requerentes foram esbulhados na sua posse, uma vez que a utilização de água pelos requeridos priva os requerentes, pelo menos parcialmente, do volume necessário de água para os seus gastos domésticos;

30º. A conduta dos requeridos, ao cortarem os cadeados no verão de 2009 por não terem chaves dos mesmos, logo após herdarem a casa, a fim de abastecerem de água tal moradia, determinou tal privação parcial da posse de água pelos requerentes;

31º. Os actos levados a cabo pelos requeridos no dia 30 de Agosto que voltaram a cortar os cadeados que aí haviam sido repostos pelos requerentes, emendaram o tubo de ligação de água para sua casa, seccionando o tubo dos requerentes, não obstante a oposição dos requerentes, esbulhou os requerentes da posse da água, pois ao ser ligado o motor pelos requeridos para enchimento do seu depósito e estando tal ligação mal executada, a água perdeu-se por tal emenda, donde jorrava, fazendo com que o caudal do poço deixasse de existir e o motor avariasse por bombear água em seco.

32º. Desde essa data os requerentes ficaram totalmente privados de águas, tendo que solicitar o abastecimento aos Bombeiros Voluntários de ( ....).

33º. Os requerentes só cortaram o tubo de ligação de água e os cadeados, depois de os requeridos terem cortado os cadeados antigos aí existentes para abastecerem de água a sua moradia e após o envio de carta registada junta ao requerimento inicial, onde se solicitava aos requeridos que repusessem as coisas no seu estado inicial.

34º.Pelo que, verificando-se a posse e o esbulho com violência dado que os requerentes foram ameaçados com um pau pelo requerido marido, devia a providência cautelar de restituição provisória da posse ter sido decretada. Termos em que deve ser revogada a decisão proferida.

Os 1ºs requeridos contra-alegaram, concluindo:

1-O despacho de aclaração os recorridos é um despacho de mero expediente o qual não admite recurso.

2-Os recorrentes pretendem com o recurso e com a atribuição de efeitos suspensivos ao recurso da decisão e do despacho de aclaração a manutenção de uma situação que lhes não foi reconhecida judicialmente.

3- Numa primeira audiência sem contraditório a providência foi decretada, tendo os recorridos cumprido a determinação judicial de retirar o cadeado que existia no motor, o fio eléctrico que ligava a respectiva casa de habitação ao motor e o tubo que canalizava as águas do poço em causa para a casa dos recorridos.

4-Após a realização do contraditório a providência cautelar foi indeferida, tendo sido ordenado aos ora recorrentes que repusessem a situação anteriormente existente, o que não fizeram por considerarem que a interposição de recurso tem efeitos suspensivos apenas quanto à decisão proferida após o contraditório que significaria manter no tempo os efeitos da providência inicialmente decretada.

5-Tal entendimento carece de fundamento, pois a atribuição de efeitos suspensivos à decisão que indeferiu a providência cautelar, significa repor a situação existente anteriormente ao decretamento da providência cautelar, caso contrário estar-se-ia a desvirtuar o efeito da decisão judicial, mantendo o efeito pretendido com a providência cautelar indeferida.

6-Em 2009, os requeridos adquiriram por partilha um prédio urbano composto por casa de habitação e quintal, sito na ( ....), ( ....), ( ....).

7-Aquando da aquisição deste prédio o mesmo era servido por água proveniente de um poço, existindo ligação de rede eléctrica entre a casa que o integra e o motor eléctrico de tal poço, bastando accionar o interruptor para ligar o motor e iniciar a captação de água que era conduzida por tubos subterrâneos até à casa dos requeridos.

8-No poço em causa além da ligação à casa dos requeridos existia e existe a ligação a duas outras casas, a casa da requerente e a casa dos herdeiros do Sr. (…).

9-Cada um dos utilizadores dispunha de um interruptor autónomo inacessível a terceiros por se encontrarem fechados por um cadeado.

10-Além dos interruptores individuais existia, e existe, um interruptor geral, o qual estando desligado implica que nenhum dos três utilizadores tenha acesso á captação de água do poço, e o qual tem igualmente um cadeado, tendo cada um dos utilizadores uma chave.

11-Essa situação existente aquando da aquisição do prédio pelos requeridos vem ocorrendo há décadas, sem quaisquer litígios entre os utilizadores.

12- O poço foi construído pelo pai da requerida- (…)- ao qual esta sucedeu, a meias com o (…), sendo que inicialmente somente os dois tinham acesso à captação da água do poço.

13-Posteriormente, com a realização de obras no prédio que actualmente pertence à requerente, também a casa que o integra passou a dispor de água proveniente do poço.

14-Durante todos estes anos a água forneceu as três casas, sem que tenha existido problemas de qualquer ordem, designadamente de caudal.

15-Acontece que quando a requerida adquiriu o seu prédio, os requerentes, seus tios, com a qual não têm um bom relacionamento, entenderam que a mesma não deveria continuar a utilizar a água e portanto seccionaram os tubos que canalizavam a água para o prédio da requerida, retiraram o cadeado que a mesma detinha no seu interruptor e colocaram um novo cadeado, privando os requeridos da utilização da água.

16- Após os requerentes repuseram a ligação de água, repondo a ligação do tubo que os requeridos haviam cortado e colocaram um novo cadeado no interruptor, o que foram forçados a efectuar porque os requerentes haviam decidido unilateralmente que não poderiam utilizar a água.

17-Foram pois os requerentes e não os requeridos que praticaram actos de esbulho, assistindo-se desde logo ao decaimento de um dos fundamentos da providência cautelar requerida.

18-As testemunhas inquiridas foram unânimes em assegurar que até ao verão de 2009 a ligação da água ao prédio dos requeridos se processava da forma descrita, livre, sem que pedissem qualquer autorização a quem quer que fosse, accionando o interruptor sempre que necessitavam de retirar água.

19-A testemunha indicada pelos requerentes- (…)- irmão da requerida (…), quando ouvido na fase do contraditório, referiu que a mãe ((…)) dispunha de uma chave do interruptor que estava sempre na balança da cozinha e que essa chave não a entregou aos requerentes, tendo-lhes entregue uma chave que lhes tinha sido emprestada pelos requerentes e não outra.

20-Há mais de 20,30 anos, os requeridos e seus antecessores utilizavam a água proveniente do poço, à vista de todos, continuadamente, sem interrupções, na convicção de que exerciam um direito próprio sendo possuidores da água, da mesma foram que era inicialmente o Sr. (…) (agora (…)) e, após, os próprios requerentes. Assim existe um composse na água de tal poço.

21- Não foi demonstrado que o caudal do poço não seja suficiente para abastecer as três casas, pois inquirida a testemunha (…) o mesmo referiu não haver problemas de água, e que a utilização da água pelos três utilizadores não privava nenhum deles de água, até porque cada um deles tem um reservatório que periodicamente enche para a utilização que faz individualmente.

22- Devido ao mau relacionamento existente entre (…) (um dos interessados e utilizador da água), requerentes e testemunha (…) (irmão da requerida e com o qual há menos de um ano foi concluído o processo de partilhas judiciais) e os requeridos, foi utilizada em modo de desculpa uma eventual insuficiência de caudal não demonstrada nos autos.

23- Mas ainda que assim fosse, importaria coordenar a utilização da água, por forma a que cada um dos utilizadores aprovisionasse o respectivo depósito com uma determinada periodicidade por forma a que todos pudessem dispor de água.

24-Os requeridos tinham acesso à água do poço, dispondo da chave outrora utilizada pela mãe da requerida para aceder ao interruptor, posto que apenas a chave que havia sido emprestada pelos requerentes ao irmão da requerida foi por este devolvida aos requerentes.

25-Os requerentes não foram privados da água, contrariamente ao que alegam pois a utilização por um dos titulares de tal direito ((…) requerentes e requeridos) não impede nem dificulta a utilização pelo outro titular, situação que existe há várias décadas.

26-Os requerentes/recorrentes permaneceram no uso da água, contrariamente ao que alegam, após a reposição das ligações e não existia qualquer situação que precisasse de ser acautelada com urgência e não se compadecesse com a demora de um processo judicial.

27-A situação em causa nos presentes autos, deverá no nosso entender ser discutida nos autos do processo principal, mantendo-se o indeferimento da providência requerida.

28- Não se verificam os requisitos para que fosse decretada, devendo por isso ser reposta de imediato a situação anterior, isto é, dotar o prédio dos requeridos das ligações necessárias à utilização da água pelos requeridos/recorridos, as quais foram por estes retiradas em cumprimento das medidas inicialmente decretadas.

29-Não merece pois qualquer reparo a douta sentença proferida pela Meritíssima Juiz, devendo a mesma manter-se nos exactos termos em que foi proferida, concedendo-se efeito suspensivo à decisão de indeferimento da providência com consequente reposição imediata da situação anteriormente existente.

Correram os vistos.

Nada obsta ao conhecimento do objecto do recurso.

II - Questões a solucionar:

1ª). Extensão do efeito suspensivo do recurso;

2ª). A impugnação da decisão de facto;

3ª). O mérito do cautelar.

III- Fundamentos:

A 1ª instância julgou sumariamente provado o seguinte:

1) Os requerentes têm inscrito a seu favor na Conservatória de Registo Predial de ( ....) sob o n.º ( ....) o prédio rústico sito à ( ....), na freguesia de ( ....), concelho de ( ....), composto por terreno de cultura com oliveiras, inscrito na respectiva matriz sob o art. ( ....);

2) Por escritura pública celebrada em 12.03.1990 no Cartório Notarial de ( ....), fls. 140-145 do livro de Notas n.º 508-B), foi partilhada a herança líquida e indivisa dos pais da requerente mulher, (…) e (…), cabendo aos requerentes o prédio referido em 1;

3) Há mais de 20 anos que os requerentes (e antes deles, os referidos antecessores) cultivam o prédio em questão, limpam-no, colhem frutos, fruindo e retirando todas as utilidades que aquele pode proporcionar, convictos de serem seus únicos e exclusivos donos, aos olhos de toda a gente, nunca tendo havido oposição de ninguém, designadamente dos requeridos;

4) A requerida é dona e legítima possuidora do prédio urbano sito em ( ....), freguesia de ( ....), composto por casa de habitação de dois pisos e quintal, que lhe adveio por partilha da herança de (…) e (…).

5) Há cerca de 40 anos, (…) (irmão da requerente/pai da requerida) e o proprietário do prédio rústico confinante ((…)) construíram um poço à estrema de ambas as propriedades para captação e armazenamento de água, logo tendo sido colocado um motor, que começaram a usar, colocando tubos que abasteceram as respectivas habitações;

6) A água era e é bombeada do poço para o tubo por força de um motor eléctrico funcionando actualmente com um interruptor central e três outros interruptores, um para cada utilizador da água do poço: os requeridos, os requerentes e os herdeiros do mencionado Sr. (…), cadeados esses colocados em data não concretamente apurada;

7) Em data não concretamente apurada foram colocados fios de electricidade que ligam o motor do poço à casa da requerida.

8) Em finais dos anos 60, início da década de 70, os interessados na herança, onde se incluíam os pais da requerida mulher ((…)e (…)), procederam à partilha verbal do acervo hereditário de seus pais, tendo cabido aos aqui requerentes, além do mais, a casa de habitação dos falecidos e o prédio rústico referido em 1,

9) Alguns anos mais tarde, nos anos de 1988/1989, os requerentes decidiram realizar obras de conservação na casa de habitação e canalizaram subterraneamente a água do poço para o seu prédio;

10) Em 27.01.1988 foi celebrada escritura pública de partilha do prédio urbano no Cartório Notarial de ( ....);

11) Em 1990 os requerentes formalizaram as partilhas verbais que haviam realizado há tantos anos, celebrando a escritura referida em 2, tendo o prédio rústico onde se situa o poço (à estrema) cabido aos requerentes;

12) Em Junho de 2009 a casa em questão, em sede de partilhas, coube à requerida;

13) Em data não concretamente apurada, no ano de 2009, os requerentes desligaram o interruptor central e desligaram o tubo que conduz a água a casa dos requeridos;

14) A fim de terem acesso aos quadros dos interruptores do poço, em data não concretamente apurada no Verão de 2009, entrando na propriedade rústica dos requerentes, cortaram os cadeados aí existentes e substituíram-nos por novos cadeados dos quais têm chave, sabendo que os requerentes se opunham a tal actuação;

15) Os requerentes a fim de poderem voltar a aceder à água do poço, colocaram novos cadeados; Contudo em data não concretamente apurada, no Verão de 2009, os requeridos procederam de novo ao corte do cadeado do interruptor geral da corrente que alimenta o motor do poço;

16) Em 30 de Agosto de 2009, os primeiros requeridos, munidos de picareta entraram na propriedade rústica dos requerentes, abriram uma vala até encontrarem o tubo de água que fornece a habitação destes, seccionaram tal tubo e fizeram uma ligação ao tubo que permite o fornecimento à casa que actualmente pertence aos requeridos;

17) Dirigiram-se ao poço, cortaram os cadeados e colocaram novos cadeados com chave fazendo ligação eléctrica do interruptor geral para sua casa, aí deixando chave;

18) Tais factos foram praticados na presença dos requerentes que manifestaram a sua oposição ao que estava a ser feito, tendo sido fisicamente ameaçados com um pau pelo primeiro requerido marido a 30 de Agosto de 2009, tendo sido chamada a G.N.R. ao local;

19) Os requerentes não são abastecidos por água da rede, sendo o caudal do poço diminuto para três casas;

20) A requerida e seus antecessores sempre utilizaram livremente a água do poço para consumos domésticos e cultivo de produtos agrícolas no quintal do respectivo prédio urbano, sem necessidade de justificação ou autorização, à vista de todos, sem oposição de ninguém e sem interrupções, com a convicção de que não lesavam interesses de outrem;

21) A casa da requerida não tem ligação à rede pública de águas, sendo necessária a utilização da água do poço que estava a ser recebida há semanas em pouca quantidade.

22) A requerida arrendou a casa de habitação a terceira pessoa.

Sobre a 1ª questão:

Quanto à extensão do efeito suspensivo do recurso, a 1ª instância esclareceu que a declaração desse efeito não tem alcance prático.

Contra esse entendimento manifesta-se a alegação do recurso. Os apelados defendem que o despacho de aclaração é de mero expediente e que não deve ser revogado.

Os apelantes fizeram incluir na alegação e conclusões do recurso, e fizeram-no correctamente, ao abrigo do disposto no artigo 670º nº 3 do CPC (red. do DL nº 303/2007).

Os apelantes têm razão na sua discordância.

O despacho de aclaração não é de mero expediente porque se integra em decisão que não é de mero expediente. E o entendimento ali expresso não é correcto.

Na verdade, o efeito suspensivo do recurso sobre a decisão recorrida significa que o efeito dessa decisão deve ficar suspenso até que transite em julgado a decisão a proferir pelo tribunal de recurso. O mesmo vale por dizer: essa decisão, na sua totalidade, não tem de ser executada sem que o tribunal de recurso se pronuncie definitivamente sobre a questão.

O efeito do recurso abrange evidentemente toda a decisão recorrida e não apenas uma parte ou, quando haja várias decisões, aquelas que tenham sido impugnadas pelo recurso em razão do qual é declarado tal efeito.

Sobre a 2ª questão: Da impugnação da decisão de facto:

(…)

Após análise e ponderação dos meios de prova disponíveis, maxime dos depoimentos ouvidos, concluímos que a decisão da matéria de facto impugnada deve ser alterada apenas quanto ao seguinte:

No ponto de facto nº 5 deve passar a constar indiciariamente provado que «Há cerca de 40 anos, (…), irmão da requerente e co-herdeiro de (…) (falecido em 17.01.1957) e de (…) (falecida em 29.12.1959), e (…), proprietário de um prédio rústico confinante, construíram um poço à estrema do prédio matriciado ( ....) do prédio de (…), para captação e armazenamento de água, logo tendo sido aí colocado um motor e colocado tubos, que começaram a usar, para abastecerem as respectivas habitações de um e outro prédio»;

No ponto de facto nº 6 deve passar a constar indiciariamente provado que «A água era e é bombeada do poço para os tubos por força de um motor eléctrico, funcionando com um interruptor central e três outros interruptores, um para cada utilizador da água do poço: os requeridos, os requerentes e os herdeiros do mencionado Sr. Virgílio, tendo esses interruptores cadeados que foram colocados ainda em vida de (…) cônjuge de (…), a qual veio a falecer em Agosto de 2007».

No ponto de facto nº 7 deve passar a constar indiciariamente provado que «Após a construção da casa dos requerentes foram colocados fios de electricidade que ligam o motor do poço à casa da requerida».

A seguir ao ponto de facto nº 11, adita-se o ponto de facto nº 11-A, onde passa a constar indiciariamente provado que «Posteriormente às obras na casa dos requerentes, (…) (…) pais da requerida mulher, manifestaram interesse em construírem uma casa em terreno próximo, queixando-se, perante os ora requerentes, do facto de não terem água».

E adita-se o ponto de facto nº 11-B, onde passa a constar indiciariamente provado que «Os requerentes disponibilizaram água para casa de (…), irmão da requerente mulher, permitindo que este colocasse no tubo que serve a casa de habitação dos requerentes uma nova bifurcação para o abastecimento de água à referida casa de habitação, dele (…)».

E adita-se o ponto de facto nº 11-C, onde passa a constar indiciariamente provado que «Os requerentes habitualmente residiam em Lisboa, utilizando a casa da ( ....) apenas em férias».

E adita-se o ponto de facto nº 11-D, onde passa a constar indiciariamente provado que «(…), irmão da requerente e pai da requerida (…), faleceu em 25.6.89,e (…) que era casada com (…) e mãe da mesma requerida, faleceu em Agosto de 2007».

Deve ainda aditar-se o ponto de facto nº 11-E: «Os requeridos mantêm consigo a chave do seu interruptor».

Quanto ao provado nº 20, apenas se altera o que aí consta para o seguinte indiciariamente provado: «A requerida e, antes dela, seus pais sempre utilizaram água do poço para consumo doméstico na sua casa de habitação e cultivo de produtos agrícolas no respectivo quintal, desde que o dito pai da requerida colocou o tubo como se refere em 11º-B, ou seja, desde há pelo menos 20 anos, à vista de todos, sem oposição de ninguém e sem interrupções até cerca do Verão de 2009, com a convicção de que não lesavam interesses de outrem».

No restante, a pretendida modificação da decisão de facto improcede.

 Sobre a 3ª questão: O mérito do cautelar:

O artigo 393º do CPC estatui que, “no caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência”.

Desta feita, os três requisitos de procedência de uma providência de restituição provisória da posse são os seguintes: posse, esbulho e violência.

Ou seja, no caso: incumbe aos requerentes obter a prova de que:

-- detinham a posse da coisa (a água);

-- dessa posse foram esbulhados pelos requeridos;

-- e esse esbulho foi violento. Violência contra coisas ou contra as pessoas, em qualquer caso exercida de modo idóneo a espoliar (esbulhar) a posse dos requerentes.

No caso dos autos, os requerentes defendem que o poço donde brotam as águas em disputa se situa à estrema de dois prédios, ou seja, em parte no prédio rústico deles requerentes e em parte no prédio vizinho de propriedade de (…)(ou agora dos sucessores deste). O que está em harmonia com o provado.

Tal significa, antes de mais, que o poço é objecto de compropriedade (de requerentes e (…) ou sucessores) como parte componente desses dois prédios. E, como também resulta do provado, eles têm tido a posse correspondente, utilizando água desse poço nas suas casas de habitação. Até que no Verão de 2009 surgiu uma questão sobre o uso da água, dando origem à instauração deste cautelar: enquanto os requerentes defendem que foram violentamente esbulhados da sua posse sobre a água pelos requeridos, os requeridos defendem que também são compossuidores da água que brota do poço e que serve o seu prédio vizinho (os autos não o referem como contíguo aos anteriores), tendo-se limitado a assegurar (defender) a sua composse.

As águas em geral, enquanto ligadas a prédios, são havidas pela lei como imóveis. Podem como tais ser objecto de negócios jurídicos e adquiridas independentemente dos prédios donde brotam.

As águas, apesar de bens imóveis, têm no âmbito dos direitos reais um regime específico, diferenciado do regime referente aos restantes imóveis em geral.

O Capítulo IV iniciado no artigo 1385º do CC rege a “propriedade das águas”, e a sua Secção II, contendo os artigos 1389º a 1397º, rege o “aproveitamento das águas”, enquanto a Secção III rege o condomínio das águas.

Sobre o aproveitamento das águas, vejamos o enquadramento normativo que, ao nível substantivo, pode interessar para tratamento da questão:

O artigo 1389º preceitua: «O dono do prédio onde haja alguma fonte ou nascente de água pode servir-se dela e dispor do seu uso livremente, salvas as restrições previstas na lei e os direitos que terceiro haja adquirido ao uso da água por título justo».

O artigo 1390º define esse título justo, enquanto no artigo 1392º se encontram algumas daquelas “restrições previstas na lei”.

Assim, o artigo 1390º preceitua, nos seus primeiros dois nºs: «1. Considera-se título justo de aquisição da água das fontes e nascentes, conforme os casos, qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade de coisas imóveis ou de constituir servidões. 2. A usucapião, porém, só é atendida quando for acompanhada da construção de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio; sobre o significado das obras é admitida qualquer espécie de prova.

E o artigo 1392.º, sobre as restrições ao uso das águas, preceitua:

«1. Ao proprietário da fonte ou nascente não é lícito mudar o seu curso costumado, se os habitantes de uma povoação ou casal há mais de cinco anos se abastecerem dela ou das suas águas vertentes para gastos domésticos.

«2. Se os habitantes da povoação ou casal não houverem adquirido por título justo o uso das águas, o proprietário tem direito a indemnização, que será paga, conforme os casos, pela respectiva junta de freguesia ou pelo dono do casal».

Ora, o provado nº 20 mostra indiciariamente (o que basta neste cautelar) que os requeridos têm o direito de servidão sobre a água que brota do poço alheio e que utilizam, mediante aquisição por usucapião, ou seja, pela posse de boa fé, em nome próprio, obtida pacificamente e pública no seu exercício, durante mais de 15 anos, e a qual se manifesta por obras que revelam a captação e a posse (o interruptor e cadeado, bem como a canalização para o seu prédio).

Ainda que, porventura, não se verificasse o direito de servidão, ainda assim os requeridos teriam o direito à utilização da água em proveito do seu casal (casa de habitação) para gastos domésticos nos termos do artigo 1392º por o casal utilizar a água há mais de cinco anos (sendo irrelevante a identidade dos seus habitantes). Só que perante esse preceito o direito dos requeridos teria como contrapartida a eventual pretensão dos comproprietários da nascente a uma indemnização.

Tanto basta para se concluir que os requeridos têm o direito à utilização da água, tanto quanto o indiciariamente provado permite concluir. De modo que a conduta dos requeridos, ao refazerem a ligação do tubo e colocarem novo cadeado, mais não representa do que a defesa do seu direito, sem que isso implique o esbulho ou privação da posse dos requerentes sobre a água como já antes estes a utilizavam.

Em resumo e conclusão:

1). O efeito suspensivo do recurso sobre a decisão recorrida significa que o efeito dessa decisão deve ficar suspenso até que transite em julgado a decisão a proferir pelo tribunal de recurso.

2). O efeito suspensivo do recurso abrange a totalidade da decisão recorrida.

3). A água que brota dum poço pode ser aproveitada em termos de direito de propriedade ou de direito de servidão, além de outros modos de aproveitamento, como constam dos artigos 1389º a 1397º do Código Civil.

3). Provada a factualidade da qual se conclui que o demandado é titular do direito de servidão da água proveniente de poço do qual os demandantes são comproprietários (com terceiros) e co-utilizadores da água que dele brota, os actos de defesa desse direito de utilização da água por parte do demandado não se podem haver como actos de esbulho da posse dos demandantes e a providência de restituição provisória da posse deve ser indeferida.

IV - Decisão:

Pelo exposto, acordam no seguinte:

a). Em revogar a decisão de aclaração, para passar a valer o entendimento expresso na solução da 1ª questão;

b). Em julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão que julgou o cautelar improcedente e ordenou a reposição da situação no statu quo ante;

c). Em condenar os apelantes nas custas da apelação.