Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3296/14.7T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CONTRATO PROMESSA
EMPREITEIRO
DIREITO DE RETENÇÃO
Data do Acordão: 12/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
COMARCA DE VISEU - VISEU - JUÍZO COMÉRCIO - 2ª SEC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.102 CIRE, 442, 754, 755 CC
Sumário: 1. O contrato promessa resolvido em data anterior à declaração de insolvência do promitente vendedor não pode ser considerado um contrato “em curso”, encontrando-se fora do âmbito do disposto no Capítulo IV do CIRE.

2. Em caso de incumprimento definitivo imputável ao promitente vendedor que importe a extinção do contrato antes da declaração de insolvência deste, o crédito do promitente-comprador estará garantido pelo direito de retenção desde que verificados os pressupostos do art. 755º, nº1, CC.

3. O empreiteiro goza do direito de retenção sobre a obra construída em caso de não pagamento do preço da empreitada por parte do dono da obra, nos termos previstos no artigo 754º CC.

4. Dada a caraterística da indivisibilidade do direito de retenção, pode o credor empreiteiro, que realizou obras num prédio destinado à venda em propriedade horizontal, fazer valer a garantia resultante do seu direito de retenção sobre uma das frações do mesmo, para se pagar da totalidade do seu crédito.

Decisão Texto Integral:




                                                                                               

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

Por apenso ao processo onde foi declarada a insolvência de S (…), Lda., aberto concurso de credores foi pelo Administrador de Insolvência apresentada a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos.

Tal lista veio a ser impugnada, na parte em que:

1. Não reconheceu o direito de retenção relativamente ao crédito reclamado por L (…) sobre a fração reclamada sobre a letra “E”;

2. Reconheceu o direito de retenção:

- relativamente ao crédito reclamado por A (…), A (…), Lda., F (…) Lda., e J (…), Lda., relativamente à fração autónoma designada sob a letra “I”;

- relativamente ao crédito reclamado por A (…) e T (…) relativamente à fração autónoma designada sob a letra “F”;

- relativamente ao crédito reclamado por F (…), Lda., sobre  fração designada sob a letra “K”;

- relativamente ao crédito reclamado por M (…) e E (…) sobre a fração designada pela letra “D”;

- relativamente ao crédito reclamado por P (…), Lda., relativamente à fração autónoma designada pela letra “C”;

- relativamente ao crédito reclamado por S(…) Lda., relativamente à fração designada pela letra “A”;

- relativamente ao crédito reclamado por C (…) sobre a fração autónoma designada pela letra “Z”;

- relativamente ao crédito reclamado por D (…) sobre a fração autónoma designada pela letra “K”;

- o direito de retenção relativamente ao crédito reclamado por M (…) sobre a fração autónoma designada pela letra “X”;

- relativamente ao crédito reclamado por P (…) e A (…)sobre a fração designada pela letra “G”;

- relativamente ao crédito reclamado por S (…) sobre a fração autónoma designada pela letra “S”.

Realizada tentativa de conciliação que se mostrou infrutífera, e realizada audiência de julgamento foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos que, reconhecendo embora alguns dos impugnados direitos de retenção, não reconheceu o direito de retenção invocado pelos seguintes credores i) (…)

procedendo, no mais, à graduação dos créditos constantes da lista de credores elaborada pelo Administrador de insolvência, relativamente aos diversos bens apreendidos para a massa.

Não se conformando com a mesma, os credores reclamantes que não viram reconhecido o seu invocada direito de retenção ((…)), dela interpõem recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem parcialmente[1]:

(…)


*

Pelo Credor impugnante S (…), S.A., foram apresentadas contra-alegações no sentido da improcedência do recurso e da inadmissibilidade do pedido de condenação em litigância de má-fé só em sede de recurso.
Cumpridos que foram os vistos legais nos termos previstos no artigo 657º, nº2, in fine, do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo –, as questões a decidir são as seguintes
1. Impugnação da matéria de facto, com aditamento de novos factos.
2. Se os apelantes promitentes/compradores gozam do direito de retenção.
3. Se o apelante/empreiteiro goza do direito de retenção pelo valor dos serviços prestados.
4. Condenação do Banco Santander Totta como litigante de má-fé.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
2. Matéria de facto

São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida, que aqui se reproduzem, unicamente na parte que interessa à decisão em apreço, ou seja, relativamente aos créditos cujo direito de retenção não foi reconhecido na sentença recorrida:

Quanto aos créditos impugnados de A (…), A (…), L.da, F (…) L.da e J (…) L.da:

1. No dia 30 de Junho de Agosto de 2012 os credores atrás identificados e a insolvente celebraram um contrato promessa de compra e venda relativo à fração autónoma designada pela letra “I”, 1º andar direito do edifício (E2) habitação unifamiliar tipo T4, com garagem, do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 19-I da União de Freguesias de (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 3154;

2. Nos termos do referido contrato aqueles prometeram comprar aquela fração pelo preço global de €96.000,00, fração que a insolvente prometeu vender;

3. Aqueles credores dedicam-se ao exercício da atividade de comercialização de materiais de construção;

4. O contrato-promessa de compra e venda surgiu na sequência de a insolvente se encontrar em dívida para com aqueles credores pelo fornecimento de diversos materiais de construção, tendo sido estipulado que os valores em dívida seriam tidos a título de sinal e princípio de pagamento da referida fração;

5. Os valores em dívida eram os que constam da lista apresentada pelo A.I., reconhecidos a cada um dos credores;

6. Em data não concretamente apurada as chaves da fração foram entregues a estes credores;

7. Por sentença proferida no dia 28 de Março de 2014, transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 444/13.8TBLMG do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Lamego, em que eram partes a insolvente e aqueles credores, foi, além do mais, declarada a resolução do contrato-promessa e foi reconhecido a estes credores o direito de retenção sobre o imóvel acima identificado;

8. A escritura pública de compra e venda não se realizou porque a insolvente não conseguiu dinheiro para pagar o distrate da hipoteca que onerava o imóvel;

Quanto ao crédito impugnado de L (…):

9. Este credor dedica-se ao exercício da atividade de carpintaria, fabrico, montagem e comercialização de portas, roupeiros, chãos em madeira, rodapés, entre outros;

10. A pedido da insolvente, este credor efetuou vários serviços de carpintaria nas obras de construção civil daquela, ao longo do tempo, encontrando-se em dívida a quantia de €65.068,84, acrescida de juros, quantia que a insolvente não pagou;

Quanto ao crédito impugnado de F (…), Lda.:

15. No dia 22 de Agosto de 2012, esta credora e a insolvente celebrou com um contrato-promessa de compra e venda referente à fracção autónoma designada pela letra “K”, 2º andar esquerdo do edifício (E2) habitação unifamiliar tipo T4, com garagem, do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 2641-K da União de Freguesias de (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 3153, tendo sido acordado a entrega de sinal no montante de €39.025,17;

16. Em data não concretamente apurada as chaves da fracção foram entregues a esta credora;

17. Por sentença transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 667/13.0TBLMG do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Lamego, em que eram partes a insolvente e aquela credora, foi, além do mais, declarada a resolução do contrato-promessa e foi reconhecido a esta credora o direito de retenção sobre o imóvel acima identificado;

18. A escritura pública de compra e venda não se realizou porque a insolvente não conseguiu dinheiro para pagar o distrate da hipoteca que onerava o imóvel;

Quanto aos créditos impugnados de M (…) e E (…)

19. No dia 30 de Junho de Agosto de 2012 os credores atrás identificados e a insolvente celebraram um contrato promessa de compra e venda relativo à fração autónoma designada pela letra “D”, rés-do-chão esquerdo do edifício (E1) estabelecimento comercial, com garagem e fracção autónoma designada pela letra “E” do rés-do-chão direito do edifício (E1), estabelecimento comercial e/ou serviços, ambas do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 19-D e 19-E da União de Freguesias de (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 3154;

20. Por conta do preço acordado, a título de sinal, estes credores entregaram à insolvente a quantia de 150.000,00;

21. Em data não concretamente apurada as chaves da fracção foram entregues a estes credores;

22. Por sentença proferida no dia 4 de Outubro de 2012, transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 376/12.7TBLMG do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Lamego, em que eram partes a insolvente e aqueles credores, foi, além do mais, declarada a resolução do contrato-promessa e reconhecido a estes credores o direito de retenção sobre o imóvel acima identificado;

23. A escritura pública de compra e venda não se realizou porque a insolvente não conseguiu dinheiro para pagar o distrate da hipoteca que onerava o imóvel;

Quanto ao crédito impugnado de P (…), L.da.

24. No dia 11 de Julho de 2012, esta credora e a insolvente celebrou com um contrato-promessa de compra e venda referente a fracção autónoma designada pela letra “C”, rés-do-chão do edifício (E2) garagem e arrumos do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 19-C da União de Freguesias de (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 3154, tendo sido acordado a entrega da quantia de €18.762,98;

25. Em data não concretamente apurada as chaves da fração foram entregues a esta credora;

26. Por sentença transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 521/13.5TBLMG do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Lamego, em que eram partes a insolvente e aquela credora, foi, além do mais, declarada a resolução do contrato-promessa e foi reconhecido a esta credora o direito de retenção sobre o imóvel acima identificado;

27. A escritura pública de compra e venda não se realizou porque a insolvente não conseguiu dinheiro para pagar o distrate da hipoteca que onerava o imóvel;

Quanto ao crédito impugnado de S (…), Lda.:

32. No dia 6 de Março de 2007 a credora atrás identificada e a insolvente celebraram um contrato promessa de compra e venda relativo à fração autónoma designada pela letra “A”, estabelecimento comercial, rés-do-chão do bloco 1 e 2, lote 1 do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 2641-A da União de Freguesias de (...) e descrito na na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 3153;

33. Por conta do preço acordado, a título de sinal, este credor entregaram à insolvente a quantia de 337.500;

34. Em data não concretamente apurada as chaves da fração foram entregues a este credor;

35. Por sentença proferida no dia 5 de Julho de 2013, transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 279/13.8TBLMG do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Lamego, em que eram partes a insolvente e aquela credora, foi-lhe reconhecido o direito de retenção sobre o imóvel acima identificado;

36. A escritura pública de compra e venda não se realizou porque a insolvente não conseguiu dinheiro para pagar o distrate da hipoteca que onerava o imóvel;

44. A fracção autónoma designada pela letra “E”, 2º andar direito, do lote 1, bloco 1, sita na Avenida (...) , (...) , inscrita na matriz predial sob o artigo 2641-E da União de Freguesias de (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 3153/200222017, foi objecto de venda e entrega ao comprador no âmbito da execução fiscal n.º 2690201201004280, do Serviço de Finanças de (...) .

Haverá ainda que ter em consideração o seguinte facto, dada a relevância do mesmo para o conhecimento do objeto do recurso:

45. A insolvência de S (...) , S (…), Lda., foi declarada nos autos principais por sentença de 18 de Dezembro de 2014.


*

Respeitando a impugnação deduzida pelos credores unicamente à garantia de direito de retenção invocada por vários credores relativamente a várias frações que faziam parte do património da devedora insolvente, o juiz a quo veio a negar o reconhecimento de tal garantia a alguns deles, classificando-os como comuns:

1. Quanto aos credores: i) A (…), A(…)Lda., F (…) Lda, e J (…) Lda.; ii) Lda., F (…)Lda., iii) P (…), Lda. iv) e S (…) Lda., no seguimento do acórdão uniformizador de jurisprudência 4/2014, com fundamento em que estes promitentes compradores não podem ser considerados consumidores, pois não são utilizadores finais.

2. Quanto aos credores M (…) e E (…)porquanto para além das sentenças onde lhes foi reconhecido tal direito de retenção, não foram alegados nem demonstrados quaisquer factos que conduzissem à verificação de tal direito, sendo certo que tais sentenças não constituem caso julgado perante os demais credores; tratando-se de lojas comerciais, não poderiam considerar-se consumidores na aceção referida.

3. Quanto ao crédito de L (…), não estava em causa a celebração de um contrato promessa e sim o exercício do direito de retenção em face do crédito que detinha sobre a insolvente, não tendo alegado nem demonstrado quaisquer factos que pudessem sustentar o seu alegado direito de retenção (nomeadamente a alegada posse das chaves).

Antes de mais, temos de salientar encontrarem-se aqui em causa direitos de retenção com dois distintos fundamentos jurídicos:

- enquanto os credores identificados sob os pontos 1 e 2 invocam o direito de retenção atribuído pela al. f), do nº1 do artigo 755º CC ao beneficiário da promessa de transmissão ou constituição do direito real que obteve a transmissão da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442º;

- o credor identificado sob o ponto 3, invoca o direito de retenção pelo crédito resultante de despesas feitas por causa da coisa, nos termos do artigo 754º CC.

Comecemos pela análise das primeiras identificadas situações.

1. Direito de retenção de que gozam os créditos resultantes do incumprimento de contrato promessa.

O juiz a quo, considerando que, à dada da declaração de insolvência da devedora, os negócios titulados por estes contratos promessa “ainda se encontravam em curso, considerado o facto de ainda não estarem cumpridos”, teve por aplicável o disposto no artigo 102º, nº1 do CIRE e, no seguimento do decidido no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ 4/2014, de 19 de maio de 2014, dando por assente que os credores atrás identificados sob o ponto 1 não gozam do estatuto de consumidores por não serem utilizadores finais, negou-lhes a invocada garantia do direito de retenção, classificando-os como créditos comuns.

Contudo, em nosso entender, tal raciocínio assenta num pressuposto que, se releva errado: o de que, à data da declaração de insolvência, tais contratos promessa ainda se encontrariam “em curso” pelo facto de não terem sido cumpridos.

Contudo, se, de facto, tais contratos não se mostravam cumpridos, também já não o poderiam ser: da matéria de facto dada como provada, resulta claro que à data da declaração de insolvência da devedora – decretada por sentença de 18 de dezembro de 2014 – já todos esses contratos promessa haviam sido, há muito, objeto de resolução por parte dos respetivos promitentes-compradores e aqui reclamantes.

Com efeito, embora não conste dos autos qual a data em que data os credores A (…), A (…), , Lda., F (…), Lda., e J (…), Lda., terão comunicado à devedora a sua intenção de resolver o contrato, tal direito, bem como o consequente direito de retenção sobre o imóvel prometido vender, foi-lhes reconhecido por sentença proferida no dia 28 de Março de 2014, transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 444/13.8TBLMG do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Lamego.

Quanto ao credor F (…), Lda., o direito à resolução do contrato e o consequente direito de retenção foi-lhe reconhecido por sentença transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 667/13.0TBLMG do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Lamego. Ora, embora não conste dos autos em que data terá sido proferida a sentença em tais autos, o direito à resolução do contrato foi exercido pela credora, se não antes, extrajudicialmente, pelo menos, tê-lo-á sido com a propositura da identificada ação declarativa: ora, dado o número atribuído ao processo, tal ação foi proposta no ano de 2013, em data anterior à declaração de insolvência.

Quanto aos credores M (…) e mulher, o direito à resolução do contrato e consequente direito de retenção foi-lhes reconhecido por sentença proferida a 4 de outubro de 2012, transitada em julgado.

Não se poderá, assim, falar de “contratos em curso”.

Segundo o citado nº1 do artigo 102º do CIRE (sob a epígrafe, “Princípio geral quanto a negócios ainda não cumpridos”, “em qualquer contrato bilateral que, à data da declaração de insolvência, não haja ainda total cumprimento nem pelo insolvente nem pela outra parte, o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento”.

Para a aplicabilidade de tal norma é necessário, antes de mais, que o contrato se encontre ainda em vigor. Ora, a resolução do contrato declarada por uma das partes (ainda que infundada), acarreta consigo a extinção automática do contrato.

A resolução extingue o vínculo contratual, fazendo cessar a relação contratual que existia entre as partes. Os contraentes deixam de estar obrigados a cumprir as prestações a que se vincularam, pelo que a cessação do contrato determina a extinção das respetivas obrigações[2].

O que a resolução pode gerar é a atribuição de um direito de indemnização pelos danos ocorridos a suportar pelo contraente incumpridor, mas esta já não é uma prestação “emergente” do contrato.

Tratando-se de contratos há muito resolvidos pelos promitentes/compradores, ao administrador de insolvência não lhe era permitido exercer qualquer uma das faculdades atribuídas pelo nº1 do artigo 102º CIRE: ainda que quisesse, não poderia agora o administrador da insolvência optar por cumprir tais contratos, celebrando com os promitentes-compradores as respetivas escrituras de compra e venda[3].

O disposto no Capitulo IV do CIRE pressupõe que os negócios ainda possam ser cumpridos, estando claramente excluídos de tal regime os contratos que tenham sido previamente à relação de insolvência resolvidos por uma das partes por incumprimento ou aqueles ainda não resolvidos, mas cujo incumprimento tenha sido impossibilitado por uma das partes[4].

Se tiver havido resolução do contrato por qualquer das partes antes da declaração de insolvência, não estamos perante um negócio em curso no sentido do Capítulo IV do CIRE mas face a um crédito sobre a insolvência[5].

Em tal situação, os direitos à restituição do sinal em dobro e ao direito de retenção sobre a fração prometida vender consolidaram-se na esfera de tais credores antes da declaração de insolvência, declaração esta que não os pode afetar.

A doutrina desenvolvida no citado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 4/2104, que distingue entre o promitente/comprador consumidor e o não consumidor, para o efeito de negar a garantia do direito de retenção ao crédito de goza o promitente/comprador “não consumidor” que veja o seu contrato resolvido pelo administrador de insolvência, não tem qualquer aplicação ao caso em apreço.

Como salienta Fernando de Gravato Morais[6], o incumprimento definitivo (imputável ao promitente vendedor) da promessa de compra e venda que importe a extinção do contrato-promessa antes da declaração de insolvência – no caso de entrega da coisa ao promitente-comprador que sinalizou a promessa – gera a aplicação das seguintes regras civilísticas gerais, a saber:

- o pagamento do sinal dobro (art. 442º, nº2, do CC);

- a atribuição ao promitente comprador do direito de retenção [art. 755º, nº1, alínea f), CC].

Ou, como afirma L. Miguel Pestana de Vasconcelos[7], nesta eventualidade, verificando-se os pressupostos do artigo 755º, nº1, alínea f), o crédito está garantido, beneficiando de um direito de retenção.

Assim, quanto aos credores identificados em 1. – A (…), A (…), Lda., F (…) Lda., e J (…), Lda. – e em 2. – F (…), Lda., – ser-lhes-á de reconhecer, sem mais considerações, o invocado direito de retenção previsto na al. f), do nº1 do artigo 755º CC, sobre cada uma das frações prometidas vender.

Tal posição acarretará a inutilidade da impugnação à decisão da matéria de facto deduzida pelos apelantes relativamente a tais credores.


*

Quanto aos credores M (…) e mulher, o direito de retenção por si invocado é-lhes ainda negado com fundamento em que “porquanto para além das sentenças onde lhes foi reconhecido tal direito de retenção, não foram alegados nem demonstrados quaisquer factos que conduzissem à verificação de tal direito, sendo certo que tais sentenças não constituem caso julgado perante os demais credores”.

Contudo, face aos factos dados como provados sob os pontos 19 a 23, em que se tem por provada a celebração do contrato promessa, a entrega do sinal à insolvente, a entrega das chaves da fração aos promitentes-compradores, e resultando que o direito de resolução foi exercido, se não antes, através da ação nº 376/12.7TBMLG, e que a escritura pública não se realizou porque a insolvente não conseguiu dinheiro para pagar o distrate da hipoteca, tais credores nada mais tinham que provar para que o tribunal a quo lhes reconhecesse gozarem os mesmos do invocado direito de retenção sobre a fração prometida vender (sem necessidade da invocação de qualquer caso julgado resultante da sentença que terão exibido com a sua reclamação de créditos).

Também relativamente a estes credores se tornar inútil a apreciação da impugnação da matéria de facto deduzida pelos apelantes.


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   2. Direito de retenção do empreiteiro pelo crédito resultante da prestação de diversos serviços na fração E.

O credor L (…) pretende ver reconhecido o seu direito de retenção sobre o produto da venda da fração “E”, no montante de 44.300,00 €, porquanto o crédito no valor de 65.068,84 € que lhe foi reconhecido é proveniente de serviços de carpintaria, fabrico e montagem comercialização de portas, roupeiros, chãos em madeira, rodapé, entre outros, que, o reclamante aplicou em obras da reclamada; mais alega que, assim que verificaram atrasos nos pagamentos ficou na posse da fração autónoma designada pela letra E, fração onde aplicou diversos materiais; o impugnante está na posse da fração desde 2011, fração que veio a ser vendida num processo de execução fiscal.

Relativamente a este credor, apenas foram dados como provados os seguintes factos:

“9. Este credor dedica-se ao exercício da atividade de carpintaria, fabrico, montagem e comercialização de portas, roupeiros, chãos em madeira, rodapés, entre outros;

10. A pedido da insolvente, este credor efetuou vários serviços de carpintaria nas obras de construção civil daquela, ao longo do tempo, encontrando-se em dívida a quantia de €65.068,84, acrescida de juros, quantia que a insolvente não pagou;”

Em sede impugnação da matéria de facto, os apelantes pretendem que o ponto 10, seja alterado, de modo a assumir a seguinte redação:

10. A pedido da insolvente e até ao valor de 21.800,00 euros, e após a pedido do credor hipotecário Banco (…) até ao valor de 65.068,84 euros, este credor prestou vários serviços de carpintaria no prédio da insolvente, com aplicação dos respetivos materiais e mão-de- obra própria.

Mais pretendem o aditamento dos seguintes factos.

10.4 – O referido credor encontrava-se na posse do referido imóvel, tendo sido interpelado, pelo serviço de finanças de (...) , de que teria de entregar as chaves do imóvel, em função da venda coerciva que foi levada a efeito, sendo notificada pelo mesmo serviço de finanças de que o seu direito de retenção foi transferido para o produto da venda desse bem em função do direito de retenção que vinha a exercer sobre o imóvel.

10.5 – O credor L (…)eclamou da decisão atrás para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu e após recorreu da decisão ali proferida, tendo sido obrigado a entregar a posse do imóvel e as chaves (após prolação de Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo – 2ª secção - Contencioso Tributário – Processo 1428/14 (documentos junto com a impugnação em 4 de Março de 2015, constante a fls. …) a declarar válida a venda e a reconhecer a transferência do seu direito de retenção para o produto da venda do bem), no dia 15 de Julho de 2015 (Documentos juntos com o requerimento de 15 de Julho de 2015, fls. …. dos autos).

10.6 – O credor L (…) é empreiteiro da obra, tendo aplicado diversos materiais e fornecido a respetiva mão-de-obra à S (…), no prédio em construção, do qual faz parte integrante a referida fração, sendo o seu crédito em parte resultante dos bens e do trabalho aplicados e realizado nessa fração.


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Ora, dos documentos juntos pelo reclamante com a impugnação por si deduzida à lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos (fls. 4 a 35 dos autos), resulta que na sequência de obras que andou a efetuar em tal fração, o credor L (…) teve consigo as chaves da fração “E”, até que, na sequência da respetiva venda em execução fiscal e de ter sido expressamente notificado para tal, que é confirmada pelas das testemunhas (…) bom como do depoimento do legal representantes da insolvente, (…)

L (…) e C (…) e o próprio Credor L (…), ouvido em declarações, confirmaram igualmente que este credor efetuou trabalhos de carpintaria lá no prédio, a pedido da insolvente, no valor de vinte mil e poucos euros e mais obras, a pedido do banco, tendo-lhe ficado a dever por conta dos trabalhos que realizou em tal prédio o valor global de cerca de 65.000,00 €.

 É assim de deferir parcialmente a reclamação do credor, alterando-se o ponto 10 da matéria de facto, nos termos requeridos pelos apelantes, e aditando-se os factos por si descritos sob os pontos 10.4 a 10.6., embora com as seguintes restrições:

10.4 – O referido credor encontrava-se na posse da fração E, tendo sido interpelado, pelo serviço de finanças de (...) , de que teria de entregar as chaves da mesma, em função da venda coerciva que foi levada a efeito, sendo notificada pelo mesmo serviço de finanças de que o seu direito de retenção foi transferido para o produto da venda desse bem em função do direito de retenção que vinha a exercer sobre o imóvel.

10.5 – O credor L (…) reclamou da decisão atrás para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu e após recorreu da decisão ali proferida, tendo sido obrigado a entregar a posse da identificada fração e as chaves (após prolação de Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo – 2ª secção - Contencioso Tributário – Processo 1428/14 (documentos junto com a impugnação em 4 de Março de 2015, constante a fls. …) a declarar válida a venda e a reconhecer a transferência do seu direito de retenção para o produto da venda do bem), no dia 15 de Julho de 2015.

10.6 – O credor L (…) é empreiteiro da obra, tendo aplicado diversos materiais e fornecido a respetiva mão-de-obra à S (…), no prédio em construção, do qual faz parte integrante a referida fração, sendo o seu crédito em parte resultante dos bens e do trabalho aplicados e realizado nessa fração.

Quanto à matéria que os reclamantes pretendem ver aditada sob os pontos 10.1 a 10.3, relativa ao conhecimento por parte do Banco Santander, da ação interposta pelo credor Luís na qual peticionava o seu direito de retenção, e que foi este que lhe pediu que continuasse os trabalhos, surgem-nos como perfeitamente irrelevantes para a questão em apreço.


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Vejamos o direito aplicado a tais factos.

 Dispõe o artigo 754º do CC:

O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos nela causados”.

O único dos pressupostos para a verificação do direito de retenção que poderá ter-se por discutível é a conexão causal entre o crédito garantido e a coisa retida, a qual há de resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos nela causados, o que nos remete para a questão altamente debatida na doutrina se saber se o empreiteiro goza do direito de retenção sobre a obra construída em caso de não pagamento do preço da empreitada por parte do dono da obra.

Independentemente de alguma doutrina em contrário, entendemos ser de responder afirmativamente a tal questão[8], dada a conexidade objetiva entre o crédito e a coisa: no cumprimento do programa contratual a que está vinculado, o empreiteiro tem necessariamente que realizar atos (aquisição de matérias-primas, contratação de trabalhadores e pagamento de salários, utilização de máquinas e demais instrumentos para a construção da obra, etc.) de que resultam despesas relacionadas com a obra nos termos do artigo 754º CC[9].

E, como refere pelo Prof. Galvão Telles[10], mal seria que se admitisse o direito de retenção a quem realizou benfeitorias e não se concedesse ao empreiteiro que constrói, modifica ou repara uma coisa: contribuindo, a expensas suas, para introduzir na coisa um valor, deve pois ser por ele pago.

Quanto à questão, igualmente debatida na doutrina e jurisprudência sobre se o direito de retenção conferido ao empreiteiro abrange ou se limita às despesas realizadas para a execução de obra, ou se se abrange o preço por inteiro onde se inclui o lucro, aderimos ao entendimento proposto por Calvão da Silva[11], segundo o qual “a lei fala de crédito resultante de despesas feitas por causa da coisa e não propriamente e não propriamente do crédito das despesas, podendo dizer-se que o próprio lucro, que se sabe em regra existir embora possa não se saber o quantum, não deixa de ter a sua causa na coisa e nas despesas com ela feitas.”

O caso em apreço levanta ainda uma última questão relativamente à medida do crédito garantido – respeitando o seu crédito ao preço de obras realizadas no prédio (destinado à venda em propriedade horizontal) no valor de cerca de 65.000,00 € (algumas das quais terão sido executadas na fração autónoma designada pela letra “E”[12], o credor/empreiteiro pretende fazer valer a garantia resultante do direito de retenção sobre a fração E, para se pagar pela totalidade do seu crédito com preferência sobre o produto da venda da referida fração.

Ora, como salientam Ferrer Correia e Joaquim de Sousa Ribeiro, a excluir-se a possibilidade de o empreiteiro consentir na venda ou ocupação de outras frações sem afetar a com isso a consistência do direito de retenção, pela totalidade do crédito, sobre as que conserve em seu poder, o exercício do direito de retenção, concebido para reforçar a garantia de cumprimento da dívida, poderia contraditoriamente contribuir para dificultar a voluntária satisfação do crédito. A favor de que o facto de abrir mão de algumas das frações do prédio não pode afetar o seu direito de garantia, tais autores invocam ainda a caraterística da indivisibilidade do direito de retenção, podendo ser exercido “pela totalidade do crédito sobre cada parte da coisa que forma o objeto dele”: “Não estando nenhuma parte da coisa afetada a uma parte do crédito, a perda parcial dela deixa intacto o direito de retenção sobre a parte restante, mantendo-se esse direito integralmente até total satisfação do crédito[13]”.

A apelação é de proceder, nesta parte, impondo-se o reconhecimento das garantias resultantes dos invocados direitos de retenção e a reformulação da sentença de verificação e graduação de créditos, de acordo com a garantia real que assiste aos créditos dos Apelantes – tal direito de retenção prevalece sobre a hipoteca, ainda que registada anteriormente (nº2 do artigo 759º CC).

5. Condenação do Banco (…) como litigante de má-fé.
Sendo a condenação do Banco (…) como litigante de má-fé, peticionada, pela primeira vez, em sede de alegações do presente recurso, com base na conduta processual assumida por este na 1ª instância, ao deduzir impugnação alegando o desconhecimento dos créditos dos recorrentes quando era conhecedor das ações intentadas pelos vários credores, não será de conhecer, nesta parte, do objeto do recurso.
Com efeito, como é entendimento pacífico, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre questões novas, ou seja, sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida e sobre pedidos que nela não foram formulados[14].

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida, relativamente ao reconhecimento das garantias invocadas pelos Apelantes, reformulando a graduação de créditos, respeitante aos imóveis apreendidos para a massa sob as verbas nº 14, 27, 10, 24 (frações autónomas designadas pelas letras “I”, “K”, “D”, “A”), e produto da venda da fração “E”, nos seguintes termos:

2. Do produto da venda do bem imóvel descrito como verbas ns. 10 e 11 do auto de apreensão de bens imóveis de fls. 3 e ss. do apenso B (frações “D” e “E” do prédio descrito na CRP sob o nº 3154) dar-se-á pagamento:

a) Ao crédito reclamado pelo Ministério Público referentes a IMI;

b) Aos créditos reclamados pelos credores M (…) e mulher, E (…), garantidos por direito de retenção;

c) Aos créditos reclamados pelo Banco (…) S.A., garantidos por hipoteca;

d) Ao crédito reclamado pelo Ministério Público referente a IRC e IRS;

e) Aos créditos reclamados pelo ISS.IP, de natureza privilegiada;

f) do remanescente, dar-se-á pagamento, rateadamente, aos credores comuns.

5. Do produto da venda do bem imóvel descrito como verba nº 14 do auto de apreensão de bens imóveis de fls. 3 e ss. do apenso B (fração “I” do prédio descrito sob o nº 3154), dar-se-á pagamento:

a) Ao crédito reclamado pelo Ministério Público referentes a IMI;

b) Aos créditos reclamados pelos credores A (…), A (…),Lda., F (…), Lda., J (…) Lda., garantidos por direito de retenção;

c) Aos créditos reclamados pelo Banco (…) S.A., garantidos por hipoteca;

d) Ao crédito reclamado pelo Ministério Público referente a IRC e IRS;

e) Aos créditos reclamados pelo ISS.IP, de natureza privilegiada;

f) do remanescente, dar-se-á pagamento, rateadamente, aos credores comuns.

9.1. Do produto da venda do bem imóvel descrito como verba nº 24 do auto de apreensão de bens imóveis de fls. 3 e ss. do apenso B (fração “A” do prédio descrito na CRP sob o nº 3153), dar-se-á pagamento:

a) Ao crédito reclamado pelo Ministério Público referentes a IMI;

b) Ao crédito reclamado pelo credor S (…), Lda., garantido por direito de retenção;

c) Aos créditos reclamados pelo Banco (…), S.A., garantidos por hipoteca;

d) Ao crédito reclamado pelo Ministério Público referente a IRC e IRS;

e) Aos créditos reclamados pelo ISS.IP, de natureza privilegiada;

f) do remanescente, dar-se-á pagamento, rateadamente, aos credores comuns.

9.2. Do produto da venda do bem imóvel descrito como verba nº 27 do auto de apreensão de bens imóveis de fls. 3 e ss. do apenso B (fração “K”, do prédio descrito sob o nº 3153), dar-se-á pagamento:

a) Ao crédito reclamado pelo Ministério Público referentes a IMI;

b) Ao crédito reclamado pelo credor F (…)Lda., garantido por direito de retenção;

c) Aos créditos reclamados pelo Banco (…), S.A., garantidos por hipoteca;

d) Ao crédito reclamado pelo Ministério Público referente a IRC e IRS;

e) Aos créditos reclamados pelo ISS.IP, de natureza privilegiada;

f) do remanescente, dar-se-á pagamento, rateadamente, aos credores comuns.

10. Do produto da venda proveniente da venda em execução fiscal da fração autónoma designada pela letra “E” (no valor de 44.300,00 €), dar-se-á pagamento:

a) Ao crédito reclamado pelo Ministério Público referente a IMI;

b) Ao crédito reclamado pelo credor L (…), garantido por direito de retenção;

c) Aos créditos reclamados pelo Banco (…) S.A., garantidos por hipoteca;

d) Ao crédito reclamado pelo Ministério Público referente a IRC e IRS;

e) Aos créditos reclamados pelo ISS.IP, de natureza privilegiada;

f) Do remanescente, dar-se-á pagamento, rateadamente, aos credores comuns.

As custas da apelação serão a suportar pela apelada.           

Coimbra, 06 de dezembro de 2016

Maria João Areias ( Relatora )

Vítor Amaral

Luís Cravo

V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.

1. O contrato promessa resolvido em data anterior à declaração de insolvência do promitente vendedor não pode ser considerado um contrato “em curso”, encontrando-se fora do âmbito do disposto no Capítulo IV do CIRE.

2. Em caso de incumprimento definitivo imputável ao promitente vendedor que importe a extinção do contrato antes da declaração de insolvência deste, o crédito do promitente-comprador estará garantido pelo direito de retenção desde que verificados os pressupostos do art. 755º, nº1, CC.

3. O empreiteiro goza do direito de retenção sobre a obra construída em caso de não pagamento do preço da empreitada por parte do dono da obra, nos termos previstos no artigo 754º CC.

4. Dada a caraterística da indivisibilidade do direito de retenção, pode o credor empreiteiro, que realizou obras num prédio destinado à venda em propriedade horizontal, fazer valer a garantia resultante do seu direito de retenção sobre uma das frações do mesmo, para se pagar da totalidade do seu crédito.

 


[1] Dado o nítido incumprimento pela parte do dever de sintetizar os fundamentos do recurso imposto pelo nº1 do artigo 639º CPC.
[2] Pedro Romano Martinez, “Da cessação do contrato”, 2ª ed., Almedina, pág. 184.
[3] Como refere Fernando Gravato Morais, “verificada a insolvência posteriormente à extinção do contrato, não cabe aplicar o disposto nos artigos 102º e 106º, dado que o regime integrado no capítulo IV referente aos “efeitos sob os negócios em curso”, pressupõe que o cumprimento ainda seja possível” –  “A promessa obrigacional de compra e venda com tradição da coisa e insolvência do promitente-vendedor, in Cadernos de Direito Privado, nº 29, pág. 4.
[4] Neste sentido, Gisela César, “Os efeitos da insolvência sobre o contrato-promessa em curso”, Almedina 2105, pág. 73.
[5] Neste sentido, L. Miguel Pestana de Vasconcelos, “Direito de Retenção, contrato-promessa e insolvência”, Cadernos de Direito Privado, Ano 33, pág. 9.
[6] “A promessa obrigacional de compra e venda com tradição da coisa e insolvência do promitente-vendedor”, in Cadernos de Direito Privado, nº 29, pág. 4.
[7] Artigo e local citados, pág. 10.
[8] A doutrina e a jurisprudência dominantes são atualmente claramente favoráveis ao reconhecimento do direito de retenção ao empreiteiro sobre a obra construída – na doutrina, cfr, entre outros, Pedro de Albuquerque e Miguel Assis Raimundo, “Direito das Obrigações, Contratos em Especial, 2012, Vol. II, Contrato de Empreitada”, Almedina, págs. 292 a 294; Pedro Romano Martinez, “Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos, Compra e venda, Locação e Empreitada”, 2ª ed., Almedina, págs. 376 a 379; na jurisprudência, cfr., entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03-06-2008, relatado por Cardoso de Albuquerque, in http://bdjur.almedina.net/juris.php?field=node_id&value=1326527, de 10.05-2011, relatado por Gabriel Catarino e de 29.01.2014, relatado por João Bernardo, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[9] Neste sentido, Ferrer Correia e Joaquim de Sousa Ribeiro, “Direito de retenção, empreiteiro”, in CJ Ano XIII, T1, pág. 5 a 14.
[10] “O Direito de retenção no contrato de empreitada”, in “O Direito”, nº 106, pág. 119. Em igual sentido, se pronunciaram Ferrer Correia e Joaquim de Sousa Ribeiro, “Direito de retenção, empreiteiro”, in CJ Ano XIII, T1, pág. 5 a 14, Pedro Romano Martinez, “Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos”, 2ª ed. Almedina, págs. 376 a 379, e Calvão da Silva, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, págs. 375 e ss.
[11] “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, págs. 343.
[12] Sabendo-se que o empreiteiro também executou obras nessa fração, desconhece-se (nem sequer tal foi alegado) qual o valor ou o preço das obras por si executadas em tal fração, o que é compreensível uma vez que dificilmente as mesmas terão sido orçamentadas e faturadas por referência a cada uma das partes do edifício que se vieram a constituir em frações autónomas.
[13] “Direito de retenção, empreiteiro”, local citado.
[14] Cfr., neste sentido, entre outros, Acórdão do TRC de 22.10.2013, relatado por Barateiro Martins, disponível in www.dgsi.pt.