Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3224/17.8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: INEXISTÊNCIA DE TÍTULO EXECUTIVO
PRESCRIÇÃO
TÍTULO DE CRÉDITO
AVAL
Data do Acordão: 06/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA, COIMBRA, JUÍZO DE EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 30.º E 32.º I DA LULL (APLICÁVEIS EX VI SEU ARTIGO 77.º)
Sumário: 1. Prescrito o título de crédito, fica extinta a obrigação cambiária resultante do aval e, portanto, de nada serve o quirógrafo contra o avalista pois este garantiu apenas o cumprimento da extinta obrigação cartular e não o cumprimento da obrigação do subscritor/emitente que tem a sua fonte na relação subjacente.

2. Assim, inexistindo obrigação cambiária de aval, inexiste título executivo contra o executado demandado na qualidade de avalista de livrança prescrita.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

“A... , SA”, intentou a presente execução ordinária para pagamento de quantia certa, contra B...., ambos já identificados nos autos, pelo montante de 222.446,86 €, acrescido de juros de mora, à taxa de 4%, ao ano e correspondente imposto de selo, num total de 52.399,76 € e juros legais vincendos até integral e efectivo pagamento.

Dá em execução a livrança junta a fl.s 87, com data de emissão de 27/09/2010 e vencimento a 18/05/2012, preenchida pelo valor de 222.446,86 €, subscrita pela “C.... , L.da” e avalizada, entre outros, pelo ora executado B.... .

Refere, ainda, que a referida livrança foi subscrita e avalizada para garantia e segurança do bom e pontual cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de locação financeira imobiliária com o n.º (....) , tendo por objecto o imóvel identificado no requerimento executivo, tendo-se a subscritora obrigado a pagar as rendas nele especificadas, o que não veio a suceder.

Acrescenta que o executado, dando aval à referida livrança, assumiu o pontual cumprimento das obrigações de tal contrato de locação, conforme pacto de preenchimento e autorização, juntos aos autos.

Diz, ainda, que a livrança constitui título executivo, como mero quirógrafo, uma vez que invoca como causa de pedir a celebração do sobredito contrato de locação imobiliária e referindo que, em face do item 1, do Capítulo IX das respectivas condições particulares e autorização de preenchimento da livrança exequenda, faz a alegação e prova de que a “relação subjacente ao aval era uma fiança relativamente à obrigação que advinha para o avalizado, ou seja, a vontade do avalizado de se obrigar como fiador”, assim, dando o executado, o seu assentimento aos termos e condições do preenchimento da livrança e declara ter conhecimento do já mencionado contrato de locação financeira, cujo cumprimento garantira.

Conclusos os autos, ao M.mo Juiz a quo, cf. despacho de fl.s 89, foi ordenada a notificação do exequente para apresentar requerimento executivo aperfeiçoado, esclarecendo qual o valor processual atribuído à livrança: título cambiário ou quirógrafo, dada a existência de incompatibilidade processual entre ambos.

No seguimento do que, cf. requerimento de fl.s 90 v.º a 91 v.º, o exequente, veio esclarecer que a livrança dada em execução vale como “mero quirógrafo”, vinculando o ora executado, na qualidade de avalista, “consubstanciando este a alegação e prova, por parte do exequente, que a relação subjacente ao aval era uma fiança relativamente à obrigação que advinha para o avalizado, ou seja, a vontade do executado de se obrigar como fiador”, em face do teor da autorização de preenchimento da livrança.

De novo, conclusos os autos ao M.mo Juiz a quo, foi proferida a decisão de fl.s 93 a 95 (aqui recorrida), em que se indeferiu liminarmente o requerimento executivo, com o fundamento em que, resumidamente:

“…uma vez prescrito o título de crédito, fica extinta a obrigação cambiária resultante do Aval e, portanto, de nada serve o quirógrafo contra o Avalista pois este garantia apenas o cumprimento da também já extinta obrigação cartular da Subscritora/Emitente e não o cumprimento da obrigação da Subscritora/Emitente que tem a sua fonte na relação subjacente.

Em conclusão, inexistindo obrigação cambiária de Aval, inexiste título executivo contra o Executado demandado na qualidade de Avalista de Livrança prescrita.”.

E acrescentando que, na acção executiva, em face da natureza e especificidade do aval, não é possível executar o avalista, com base na responsabilidade do fiador, porque in casu não foi junto qualquer documento comprovativo do alegado contrato de fiança, só podendo averiguar-se da existência de uma fiança, no âmbito de uma acção declarativa, intentada com tal objectivo.

Inconformado com a mesma, interpôs recurso o exequente A.... , recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – (cf. despacho de fl.s 106), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto do despacho indeferimento liminar do requerimento executivo, datado de 16.06.2017, com a referência n.º (....) , que em suma, indeferiu liminar o requerimento executivo quanto ao Executado avalista B... .

2. A decisão recorrida considerou que, uma vez prescrito o título de crédito, fica extinta a obrigação cambiária resultante do aval e, portanto, de nada serve o quirógrafo contra o avalista pois este garantiu apenas o cumprimento da extinta obrigação cartular e não o cumprimento da obrigação do subscritor/emitente que tem a sua fonte na relação subjacente.

3. E assim, inexistindo obrigação cambiária de aval, inexiste título executivo contra o executado demandado na qualidade de avalista de livrança prescrita.

4. Ora, como primeira questão importa saber o momento que que o tribunal a quo poderia ter decidido como decidiu.

5. Pois no seu requerimento Executivo o Exequente, ora recorrente, alegou os factos que consubstanciam a causa de pedir, invocou a operação subjacente à emissão da livrança dada à execução e, em tal documento, é feita menção à relação causal Operação de Locação financeira imobiliária com o n.º (....) .

6. A livrança junta aos autos, apesar de prescrita, nos termos do artigo 70° da LULL é título executivo suficiente, como documento particular, nos termos do n.º 1 do artigo 703°, alínea c) do CPC.

7. Não devia ter sido proferido despacho a indeferir liminarmente o requerimento executivo contra o avalista executado, uma vez foi alegada pela exequente a obrigação subjacente.

8. Nos presentes autos não foram deduzidos quaisquer Embargos de Executado, nem existe qualquer elemento que permita supor que tal aconteça. E se tal vier a acontecer e aí, em sede própria, tenha sido invocada essa excepção da prescrição, então poderá o Tribunal a quo se pronunciar nos termos em que o fez.

9. Pois, a prescrição tem de ser invocada por aquele a quem aproveita, nos termos dos artigos 301° e 303°, ambos do Código Civil.

10. A prescrição não é de conhecimento oficioso, porque se está na presença de matéria não excluída da disponibilidade das partes.

11. Deste modo, não poderia o Tribunal a quo ter proferido despacho a indeferir liminarmente o requerimento executivo contra os avalistas executados, por ainda não lhes aproveitar a prescrição da livrança.

12. Devendo a acção executiva, neste momento, prosseguir contra o executado.

13. Mais ainda que assim não se entenda, o que apenas se concebe por mera cautela e hipótese académica, sempre se dirá que, ainda que a livrança dada à execução haja perdido a sua natureza cambiária poderá a mesma consubstanciar um documento particular assinado pelo devedor, previsto no n.º 1 da alínea c) do artigo 703º do Código de Processo Civil, conquanto nela se mencione a causa da relação jurídica subjacente ou que tal causa de pedir seja invocada no requerimento executivo.

14. Pois, extinta a obrigação cartular incorporada na letra, livrança ou cheque, estes mantêm a sua natureza de título executivo, enquanto documento particular assinado pelo devedor, desde que neles se mencione a causa da relação jurídica subjacente ou que tal causa de pedir seja invocada no requerimento executivo, podendo ser impugnada pelo executado na oposição que vier a deduzir e desde que a obrigação a que se reporta não resulte de um negócio jurídico formal, tendo em consideração o regime de reconhecimento de dívida previsto no art. 458º do Código Civil e a autonomia do título executivo em face da obrigação exequenda. Do disposto do aludido art 458º do Código Civil resulta uma presunção de causa (presunção da existência de uma relação negocial ou extra negocial) e a inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental.

15. De resto, face a uma declaração de cumprimento ou a uma declaração de reconhecimento da dívida, resulta do nº 1 do artigo 458º, nº 1 do Código Civil, a presunção de causa (presunção da existência de uma relação negocial ou extra negocial) e a inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental vide por todos Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 21.01.2010, proferido no âmbito do Processo n.º 21422/04.2YYLSB-A.L1-2, cuja consulta se encontra disponível in www.dgsi.pt.

16. Assim, concluímos que uma livrança prescrita (a obrigação cartular respectiva) pode servir de título executivo, enquanto quirógrafo ou documento particular, desde que o exequente na sua petição inicial expressamente invoque a respectiva obrigação causal, passível de oposição por parte do executado, nos termos dos arts. 728 e 856º, ambos do CPC.

17. Deste modo a prescrição da obrigação cartular constante de livrança opera pelo decurso do prazo prescricional, seguida de manifestação de vontade do devedor no sentido de que pretende prevalecer-se da prescrição.

18. Podendo a livrança prescrita constituir título executivo como documento particular contra os avalistas da mesma, podendo ser exigido coercivamente aos avalistas o pagamento do valor aí titulado, atenta a alegação e prova, por parte do exequente, que a relação subjacente ao aval era uma fiança relativamente à obrigação que advinha para o avalizado, ou seja, a vontade dos executados de se obrigarem como fiadores, o que se verificou in casu vide por todos Acórdão do tribunal da Relação do Porto, datado de 26.05.2015, proferido no âmbito do Processo n.º 665/13.3TBLSD-A.P1 e cuja consulta se encontra disponível in www.dgsi.pt.

19. Pois, a prescrição da obrigação cambiária não acarreta a extinção da obrigação fundamental, sendo certo que, ainda que prescrita enquanto obrigação cartular, a livrança continua a constituir um título executivo válido contra quem a assinou, in casu, o emitente e seus avalistas, confessando a dívida.

20. Com efeito, o Executado avalista reconheceu e constitui-se garante do bom pagamento da dívida da sociedade subscritora, sendo certo que o Executado B... era sócio gerente da sociedade subscritora da livrança em causa.

21. É, por isso, solidariamente responsável por todas as obrigações emergentes do contrato junto aos autos com o Requerimento Executivo (Docs. 2 a 4), que todos foram assinados pelo Executado avalista cfr. cláusula IX das condições particulares do Doc. 2 junto com o RE; º cfr. cláusula 17ª das condições gerais do Doc. 2 junto com o RE; Escritura constante do Doc. 3 junto com o RE e pacto de preenchimento com assinaturas reconhecidas junto como Doc. 4 do RE.

22. Aliás, conforme resulta do Doc. 3 junto com o RE, a operação de locação financeira imobiliária em apreço consistiu num lease-back onde também interveio o aqui Executado.

23. Ainda que a obrigação cartular se extinga, os avalistas são sempre responsáveis pelo pagamento da quantia peticionada, tanto a título de capital como de juros moratórios, uma vez que dívida não se considera prescrita, de acordo com o disposto no artigo 309º e na alínea d) do artigo 310º do Código Civil.

24. A dívida existe e é devida nos precisos e exactos termos invocados, sendo que, até ao presente momento, o Executado não colocou em causa, a existência ou validade das garantias por ele prestadas.

25. Face a tudo o exposto não deveria ter o Tribunal a quo decidiu como decidiu e, em consequência, deveria ter sido admitido o requerimento executivo apresentado nestes autos, articulado com p requerimento do aqui recorrente, datado de 01.06.2017, com a referência citius 25934766, ao abrigo do disposto no n.º 6 do art. 726º do CPC, porquanto, in casu não se verifica nenhuma das situações elencadas no art. 725º e 726º, n.º 1 a 5 do referido diploma legal.

26. Tendo a decisão recorrida violado os arts. 301°, 303°, 309º, 310º, alínea d) e 458°, todos, do Código Civil e no artigo 703° n.º 1, alínea c), 725º e 726º, todos do CPC.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, e, consequentemente, a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra nos exactos termos aqui explanados.

Decidindo assim farão V. Exas. a costumada Justiça!

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.         

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se deve ou não, ser admitido o requerimento executivo, com base na livrança dada em execução, por, não obstante, a mesma já se encontrar prescrita, se manter a responsabilidade do executado, decorrente da sua qualidade de avalista da subscritora e no requerimento executivo se encontrar alegada a relação subjacente ao aval.

Para além do que já consta do relatório que antecede, é a seguinte a matéria de facto a ter em conta, para a decisão da questão sub judice:

1. O exequente A.... intentou a presente execução ordinária para pagamento de quantia certa, contra o ora executado B... , peticionando a quantia de 222.446,86 €, acrescida da de 52.399,76 €, de juros de mora vencidos e impostode selo e, ainda, os juros de mora vincendos, até integral e efectivo pagamento.

2. Junta, como título executivo, a livrança de fl.s 87, aqui dada por integralmente reproduzida, na qual consta como data de emissão 27/09/2010 e de vencimento a de 18/05/2012, no montante de 222.446,86 €, subscrita por C... , L.da.

3. No verso da mesma encontra-se aposta a seguinte declaração: “Bom para Aval Ao Subscritor”, seguida da assinatura do ora executado.

4. Conforme cláusula IX do contrato de locação financeira imobiliária, com o n.º (....) , junto, por cópia de fl.s 25 a 33, aqui dado por reproduzido, consta como “Garantias Acessórias Livrança subscrita pela Locatária e avalizada por D... , B... e E... ” – cf. fl.s 26 v.º.

5. Consta da cláusula 17.ª das Condições Grerais do mesmo contrato (cf. fl.s 32 v.º), sob a epígrafe “Garantias”, o seguinte: “Como garantia do bom cumprimento das obrigações emergentes deste contrato, são constituídas a favor do locador as garantias referidas nas condições particulares”.

6. A fl.s 39 v.º., encontra-se junto, por cópia, um documento, denominado “Autorização”, aqui dado por inteiramente reprodzuido, do seguinte teor:

“Para garantia e segurança do bom e pontual cumprimento das obrigações decorrentes da operação do Contrato de Locação Financeira imobiliária (Processo n.º (....) ) refernte a bem(ns) imóvel(eis) à data do seu vencimento, ou das suas eventuais prorrogações, compreendendo o montante das rendas vencidas, das rendas vincendas, juros moratórios, indemnizações e quaisquer outras despesas que o A.... tenha sido obrigado a realizar para cobrança do seu crédito, junto remetemos livrança subscrita por C... L.da e avalizada por

(…)

B...

(…)

Livrança esta cujo local de pagamento é na Avenida (....) , com o montante e data de vencimento em branco, para que o A.... os fixe, completando o preenchimento do título, quando considerar oportuno proceder ao seu desconto o que, desde já, e por esta, se autoriza.

O(s) Subscitor(es) e o(s) Avalista(s) acima identificados dão o seu assentimento aos termos e condições de remessa desta Livrança e declaram conhecer os termos do Contrato de Locação Financeira cujo cumprimento aqui e por este modo garante, pelo que comigo assinam a presente autorização.

Lisboa, 27 de Setembro de 2010”.

Seguem-se as assinaturas dos gerentes da subscritora e dos avalistas.

7.  No item 29.º do requerimento executivo, consta o seguinte:

“O presente título é igualmente válido e suscetível de ser exigido coercivamente o pagamento do valor titulado na livrança prescrita ao Executado avalista, atento o teor do doc. 1, capítulo IX das condições particulares e doc. 4 – autorização de preenchimento da livrança dada à execução, consbstanciando este a alegação e prova, por parte do exequente, que a relação subjacente ao aval era uma fiança relativamente à obrigação que advinha para o avalizado, ou seja, a vontade do executado de se obrigar como fiador”.

 

Se deve ou não, ser admitido o requerimento executivo, com base na livrança dada em execução, por, não obstante, a mesma já se encontrar prescrita, se manter a responsabilidade do executado, decorrente da sua qualidade de avalista da subscritora e no requerimento executivo se encontrar alegada a relação subjacente ao aval.

Como resulta do relatório que antecede, na decisão recorrida decidiu-se indeferir liminarmente, o requerimento executivo, porque prescrito o título de crédito, fica extinta a relação cambiária resultante do aval e, por isso, não existe título executivo contra o avalista, que só garante o cumprimento da obrigação cartular e não a obrigação resultante da relação subjacente à emissão da livrança exequenda.

Embora aceitando que se verifica a prescrição da livrança dada em execução, o recorrente defende que tal prescrição não atinge a relação causal, pelo que se mantém a responsabilidade dos avalistas pelo respectivo pagamento, valendo a livrança como documento particular que titula a peticionada dívida.

Desde já adiantando razões, carece o recorrente de razão nesta sua pretensão.

Em primeiro lugar, convém esclarecer que o fundamento para ter sido liminarmente indeferido o requerimento executivo, não é o facto de a livrança se encontrar prescrita, o que, aliás, o recorrente aceita e refere que a mesma apenas vale como mero quirógrafo, para o que, defende, alegou e provou a relação subjacente ao aval, como lho impõe o artigo 703.º, n.º 1, al. c), do CPC, que entende ser uma fiança, a “vontade de se obrigar como fiador”, cf. item 29.º do requerimento executivo.

Mas sim pelas razões, ora, primeiramente, referidas, com o que se concorda.

Efectivamente, conforme disposto nos artigos 30.º e 32.º I da LULL (aplicáveis ex vi seu artigo 77.º):

“O pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte garantido por aval.

Esta garantia é dada por um terceiro ou mesmo por um signatário da letra.”.

“O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada.”.

A forma de dar aval, nos termos do disposto no artigo 31.º da LULL, exprime-se pelas palavras «bom para aval» ou equivalente e pode resultar da simples assinatura do dador aposta na face anterior da letra.

No caso e em face da factualidade provada é indubitável que se trata de aval prestado por B... à subscritora da livrança.

A natureza jurídica do aval tem vindo a ser encarada sobre diversas perspectivas (para o que se pode ver Abel Delgado, in LULL, Anotada, 5.ª Edição (actualizada), Petrony, 1984, pág. 193 e seg.s), mas, seguindo Carolina Cunha, Letras e Livranças Paradigmas Actuais e Recompreensão de um Regime, Almedina, 2012, a pág.s 117 e 286, podemos concluir que “o avalista se caracteriza como um puro obrigado de garantia cujo ingresso no círculo cambiário supõe, de forma estrutural e estruturante, a aparência de uma ligação à posição jurídica de outro obrigado (sacador, aceitante, emitente de livrança, endossante – ou mesmo de outro avalista). A segunda conclusão é a de que a configuração cambiária e literal da responsabilidade desse obrigado de referência (o avalizado) vai servir de modelo à delimitação da obrigação do avalista, sem embargo de este assumir uma vinculação cambiária autónoma.”.

Daí que, como propugnado nos Acórdãos da Relação do Porto de 28/05/2009, Processo 3093/07.6TBSTS e desta Relação de 21/05/2013, Processo n.º 4052/10.7TJCBR-B.C1, cada um deles disponível no respectivo sítio do itij, se considere que a obrigação do avalista reveste uma natureza estruturalmente cambiária, porque o aval é um acto cambiário, que origina uma obrigação autónoma e independente da obrigação emergente da relação subjacente ou fundamental, do que resulta, para além do mais, que inexiste uma relação fundamental ou causal do aval, que tem a sua razão de ser apenas e tão só no título cambiário.

O aval, do ponto de vista estritamente cambiário, radica, tem como causa de pedir a simples aposição do aval, ao passo que a acção causal se fundamenta no negócio ou na relação jurídica que se estabeleceu entre o avalista e o avalizado e que condicionou a prestação de aval.

Desta configuração do aval tem de se extrair a conclusão de que o mesmo se esgota no título cambiário e perde toda a sua eficácia se a relação cambiária se extinguir, designadamente, entre outras razões, por prescrição, precisamente porque o mesmo, do ponto de vista cambiário, nada tem que ver com a relação fundamental, não podendo transmutar-se em fiança, a não ser que se alegue e demonstre que o avalista se queria obrigar como fiador relativamente à obrigação fundamental, assumindo o respectivo pagamento, o que não se verifica in casu, uma vez que apenas se alega a existência da prestação do aval, desligada da relação causal, uma vez que, como consta das condições acima transcritas, apenas se refere a existência de aval e na referida “Autorização” também apenas se refere a existência do aval e o conhecimento dos termos do contrato de locação financeira em causa, pelo que não se pode concluir pela existência de uma fiança por parte dos avalistas, relativamente ao negócio que subjaz à subscrição e aceite da livrança dada em execução.

Do que tem de se extrair a conclusão de que prescrita a acção cambiária, deixa de ter o aval relevância para que o avalista possa ser responsável pelo pagamento da dívida corporizada pelo negócio/relação causal.

Como referido no Acórdão do STJ, de 06/11/1979, Processo 068082, sumariado no respectivo sítio do itij “extinta a obrigação cambiária, o aval não pode transformar-se automaticamente em fiança da relação subjacente.”.

Também Carolina Cunha, in ob. cit., a pág.s 292 e 293, defende que é de rejeitar “liminarmente a pretendida “transformação” do aval em fiança: a prescrição não legitima semelhante reconversão do negócio de onde o direito promana, A existir, a fiança constituirá um negócio paralelo, que acresce ao aval e que carece de ser demonstrado por outro expediente que não a simples declaração cambiária do avalista.”.

Especificando que para ser possível a afirmação da existência de uma fiança da obrigação fundamental não basta a simples declaração de aval, exigindo-se, para além disso, a alegação e prova dos “dados extra-cartulares”, “os factos de que tais obrigações possam resultar”, em consonância com o estatuído no artigo 628.º, n.º 1, do Código Civil, que exige que a vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada.

Face ao exposto, não se pode concluir que os avalistas pretendessem prestar fiança relativamente ao negócio subjacente à emissão da livrança, sendo apenas demandados na qualidade de avalistas e, por isso, extinta a relação cambiária, por prescrição – a única que foi alegada – não subsiste qualquer responsabilidade por parte dos avalistas, não havendo, consequentemente, que censurar o decidido.

Efectivamente, inexiste qualquer declaração da qual se possa extrair a conclusão de que houve a vontade, por parte dos avalistas, em prestar fiança à relação subjacente à emissão da livrança – a que os avalistas são estranhos – tendo, como já referido, a declaração que corporiza a fiança, de ser, expressamente, declarada pelos avalistas, o que não se vislumbra.

Nas condições gerais e particulares, acima referidas, reitera-se, apenas se menciona o aval e na denominada “Autorização” – fl.s 39 v.º e 40 – também, apenas se refere, a subscrição da letra e o aval e declaração dos avalistas de que conhecem os termos do contrato de locação, garantindo e responsabilizando-se pelo seu bom cumprimento, natural e legalmente, através da assunção do aval, mas nada apontando ou sequer, indiciando, que pretendiam assumir uma fiança.

Consequentemente, não pode dar-se como assente a existência de fiança por parte dos avalistas, com as consequências acima assinaladas, sendo, por isso, de manter a decisão recorrida, a qual, não padece dos vícios que lhe são assacados.

Pelo que, improcede o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

Coimbra, 12 de Junho de 2018.