Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6714/06.4TBLRA. C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
SEGURANÇA SOCIAL
SUB-ROGAÇÃO
DIREITO ESTRANGEIRO
SUIÇA
Data do Acordão: 12/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.348, 495 CC, REGULAMENTO (CEE) Nº 1408/71
Sumário: 1.- O tribunal, caso o A. invoque direito estrangeiro ou tenha que decidir com base no mesmo, deve averiguar oficiosamente o seu conhecimento e conteúdo (art. 348º, nº 1, 2ª parte, e 2, do CC).

2.- Não sendo a Suíça um estado membro da União Europeia, por força do Acordo entre a Comunidade Europeia e os seus Estados Membros e a Confederação Suíça sobre a Livre Circulação de Pessoas, incluindo o seu anexo II, que regulamenta a coordenação dos sistemas de segurança social, com o objectivo de assegurar, nomeadamente a determinação da legislação aplicável, as partes contratantes acordaram aplicar entre elas, nos domínios da coordenação dos regimes de segurança social, os actos comunitários em vigor à data da sua celebração, entre os quais o Regulamento (CEE) 1408/71, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da comunidade.

3.- Dispõe o art. 93º, nº 1, do dito Regulamento que se, por força da legislação de um Estado Membro, uma pessoa beneficiar de prestações em resultado de dano sofrido por factos ocorridos no território de outro Estado Membro, os eventuais direitos da instituição devedora contra o terceiro responsável pela reparação do dano são regulados do seguinte modo: a) Quando a instituição devedora estiver sub-rogada, por força da legislação por ela aplicada, nos direitos que o beneficiário detém contra o terceiro, essa sub-rogação é reconhecida por cada um dos estados membros.

4.- Apurado, perante o direito suíço, que a seguradora suíça S (…) goza de sub-rogação legal pelas quantias despendidas em favor de cidadão nacional, residente e empregado nesse país, vítima de acidente de viação em Portugal, por culpa de condutor seguro na R., aquela seguradora pode exigir a esta tudo o que satisfez à vítima.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

1. J (…) e M (…) residentes em (...) , instauraram acção declarativa de condenação contra Z (…) com sede em (...) pedindo a condenação desta no pagamento de 170.000 €, acrescido de juros, a título de indemnização pelos danos sofridos em acidente de viação de que foi culpado o condutor do veículo seguro na ré com a matrícula (...) EO.

A ré contestou, pedindo a improcedência do peticionado. 

S (…) (adiante designada por S (...), com sede na Suiça, requereu a sua intervenção principal nos autos, o que veio a ser admitido, pedindo a condenação da ré no pagamento de:

a) 48.515,61 €, acrescido de juros de mora desde a citação e juros vencidos sobre a quantia de 44.795,08 €, no montante de 891,98 €;

b) os danos futuros nos quais a S (...) venha a incorrer decorrentes do acidente objecto destes autos, e mais concretamente a condenação da ré a indemnizar e reembolsar nos termos do art. 495º do CC todos os gastos desembolsados pela S (...) em virtude do acidente, indicando-se entre outros, despesas de assistência médica, medicamentosa ou outra e pensões, acrescidos dos correspondentes juros de mora vincendos calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, que é uma entidade equiparada à Segurança Social, que presta assistência aos seus beneficiários nos termos da lei Suíça. Em caso de acidente assume despesas com assistência médica, que não está sujeita a quaisquer limites de capital por sinistro ou a quaisquer limites temporais, sendo assegurada a assistência vitalícia. Paga também uma prestação pecuniária de 80% do montante do vencimento do segurado em caso de incapacidade total para o trabalho, ou em caso de incapacidade parcial, uma pensão diária calculada na proporção da mesma, sendo devidas tais prestações até à plena recuperação do sinistrado ou até à determinação da incapacidade permanente e da respectiva pensão definitiva. Assume também a S (...) uma prestação única destinada a cobrir o dano moral, dano à integridade física ou incapacidade genérica destinada a compensar a incapacidade do sinistrado, independentemente do seu vencimento e tentar cobrir e indemnizar parcialmente danos morais.

A ré deduziu oposição, alegando que o acidente em causa nos autos não foi um acidente de trabalho, nem as lesões dele decorrentes se reportam a qualquer doença profissional, pois o lesado estaria ocasionalmente em Portugal em férias ou para tratar de assunto pessoal, sendo que a S (...) é um organismo de ligação da segurança social Suíça em matéria de acidentes de trabalho e de doenças profissionais. Concluiu, pedindo a improcedência do reembolso das quantias indicadas, por falta de fundamento.

A S (...) veio responder, alegando que presta assistência aos seus beneficiários mesmo nas férias.

Posteriormente, a S (...) veio ampliar o seu pedido inicial, o que foi admitido, nos termos dos requerimentos de fls. 271 (mais 27.253,77 €), 295 (mais 29.568,31 €, que engloba a antecedente quantia), 449 (mais 29.627,72 €), 489 (mais 6.038,42 €) e 548 (mais 5.257,01 €).

Os AA e a R. vieram a celebrar transacção (a fls. 565), a qual foi homologada por sentença.

A final foi proferida sentença que julgou improcedente o pedido formulado pela interveniente S (...), absolvendo do mesmo a R.

A interveniente S (...) recorreu, tendo sido proferido acórdão que revogou a decisão recorrida e ordenou que o tribunal a quo averiguasse a legislação suíça aplicável. O que foi efectuado.

*

Foi, de novo, proferida sentença que voltou a julgar improcedente o pedido formulado pela interveniente S (...), absolvendo do mesmo a R.

*

2. A interveniente S (...) recorreu, concluindo que:

1. De facto, tal como em Portugal a Segurança Social presta assistência pecuniária aos seus beneficiários vítimas de acidentes, nomeadamente acidentes de viação, na Suíça tal atribuição compete à S (...).

2. Nestes termos é evidente que atenta Lei Suíça, aliás de acordo com os princípios gerais do artigo 495º do C. Civil, cabe à S (...) direito de reembolso dos montantes despendidos

3. O Tribunal recorrido entrou na 1 ª Sentença na maior contradição, pois aceita apenas que a S (...) é o organismo de ligação de segurança social suíço em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais e considera provados os seguintes factos (pedimos desculpa por novamente reescrever os mesmos):

33. a 50. (…..)

4. Basta ver os factos provados supra para se verificar que a S (...) não é apenas o organismo de ligação de segurança social suíço em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais, mas que cobriu os danos causados pelo acidente dos autos e pagou tais valores em virtude do mesmo.

5. De facto, pagou e pagou incapacidades temporárias, tratamentos médicos e paga pensões por causa do acidente…….. como decorre à saciedade da leitura de alguma Jurisprudência dos Tribunais superiores já junta aos autos e dos factos provados.

6. Por isso o Tribunal da Relação ordenou:

Ora, sendo a interveniente um organismo da segurança social suíço e tendo pago as quantias supra referenciadas ao abrigo da legislação desse País, será ao abrigo da mesma que terá que ser apreciado o direito que a interveniente pretende exercer nestes autos.

7. Ou seja, o Acórdão aceita que um organismo da SS Suíça efectuou prestações na sequência e em virtude de um acidente de viação e ordena ao Tribunal de Leiria, que averigúe, se de acordo com a legislação Suíça lhe assiste Direito de reembolso.

8. O Tribunal recorrido ao invés responde na presente Sentença, que desconhece a titulo foram prestadas as prestações e até se as mesmas tem nexo com o presente acidente. Citamos:

(… reprodução de parte da sentença recorrida).

9. O Tribunal recorrido na nossa modesta opinião não cumpre o Acórdão.

10. De facto, o Acórdão aceita que os pagamentos foram feitos por causa e em virtude do acidente. De facto, esta seria uma questão prejudicial e que o Tribunal da Relação deu por assente.

11. Ou seja, verificada a situação de existirem prestações em espécie e pecuniárias prestadas em virtude deste acidente o ponto da discórdia seria não o seu nexo e âmbito, mas tão só se a A tinha um direito de sub-rogação referente às mesmas.

12. Ao invés responde na presente Sentença, que desconhece a titulo foram prestadas as prestações e até se as mesmas tem nexo com o presente acidente!!!!!!

13. No entanto o mesmo Tribunal escreveu:

(… reprodução do facto 34.)

14. Ou seja, há uma contradição insanável entre os factos provados dos quais decorre que a S (...) assegurou a assistência ao lesado, após o acidente e a conclusão do Tribunal de Leiria peregrina; “ A questão inultrapassável é que ignoramos se o autor estava coberto pelo seguro contra riscos de acidentes não profissionais e assim se os pagamentos efectuados têm ou não nexo causal com o acidente em causa nos autos.”

15. Ora, verifica-se assim que na Sentença:

 O Tribunal deixou de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, ou seja, aplicar o direito Suíço sobre a sub-rogação.

 O Tribunal conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, ou seja matéria que já estava assente e que é prejudicial.

 Os fundamentos estão em oposição com a decisão, pois há uma ambiguidade e obscuridade, que torne a decisão ininteligível. De facto, ora se diz “Após ter sido comunicado à S (...) o acidente referido .., esta efectuou diversos pagamentos referentes a tratamentos médicos “ ora se escreve “ A questão inultrapassável é que ignoramos se o autor estava coberto pelo seguro contra riscos de acidentes não profissionais e assim se os pagamentos efectuados têm ou não nexo causal com o acidente em causa nos autos.”.

16. De facto, tal como em Portugal a Segurança Social presta assistência pecuniária aos seus beneficiários vítimas de acidentes, nomeadamente acidentes de viação, na Suíça tal atribuição compete à S (...),

17. O Tribunal recorrido indica que: Pois se é certo que se provou que trabalhava para a empresa (…), não se encontra demonstrado nos autos em que regime o fazia, designadamente se exercia actividade para este empregador ou qualquer outro, pelo menos oito horas por semana.”

18. Ora, dos documentos juntos em 2014-04-07 decorre que o salário anual seguro era de 68328 CHF, o que corresponde a cerca de 50.000.00, pelo que da leitura dos valores abonados como incapacidades temporárias e como pensões decorre com a maior clareza que o sinistrado trabalhava mais de 8 horas.

19. O direito de sub-rogação tem fundamento legal, quer segundo a legislação portuguesa, quer segundo a legislação suíça e convencional…

20. Face às perguntas do Tribunal recorrido, ou seja: “Se a Lei Federal Suiça sobre a parte geral do direito da segurança social ou outra lei Suiça admite o direito de regresso ou equivalente por parte da S (...), que lhe permita reaver as quantias referidas em d), por danos resultantes de acidente de viação, ocorrido em Portugal, ainda que tais danos não resultem de acidente de trabalho ou doença profissional.

21. Citamos a resposta da Suíça: (… reprodução da mesma).

22. O Tribunal estava habilitado a verificar a existência do direito de subrogação, que é coerente com toda a prova existente, pois o próprio A subrogou a S (...) nos seus direito por declarações escrita junta aos autos, que transcrevemos supra e na qual indica uma relação dos valores pagos.

23. O depoimento da testemunha J (…) a minutos 9.20 e seguintes e 27 a 30 e seguintes é esclarecedor e importante, pois a testemunha indica que por a S (...) cobrir riscos equivalentes a uma SS e por estar escrito na lei que a S (...) tem o dever e a obrigação de pedir às seguradoras as prestações que pagou.

24. A Testemunha a minutos 9.30 esclarece as funções, coberturas e os valores pagos.

25. Este depoimento é claro, coerente e merece toda a credibilidade.

26. Ora, parece-nos evidente que o lesado estava coberto pela S (...), que lhe deu assistência e lhe paga uma pensão.

27. A presente sentença é incoerente, há contradições, obscuridades e é a única sentença até à data que não aceita o direito de regresso da S (...) – matéria pacífica discutida até ao STJ.

28. Tem a característica de ser uma sentença peregrina que considerada “Inultrapassável” uma questão decidida pelo Tribunal da Relação.

29. Em suma, em a sentença viola os princípios do artigo 475 do CC e viola expressamente as normas suíças apuradas pelo Gabinete de Documentação e Direito Equiparado, ou seja o artigo 72 da Lei Geral do Direito das seguradoras Sociais, que é a norma aplicável.

30. Atento o teor do artigo 72º não nos chocar uma condenação em todos os valores vencidos, bem como na provisão matemática dos valores a vencer.

Atento o exposto, afigura-se-nos, que deve ser reconhecido á S (...) o direito a receber do responsável, aquilo que despendeu liquidado até à última sessão do julgamento e desde essa data até hoje no valor de CHF 1,266.75, ou seja 1,051.40 € e vai despender a prestar assistência médica e pecuniárias ao lesado. Tal reconhecimento impõe-se pela Lei, pela Justiça e pela natureza das coisas.

A primeira condenação parece-nos inultrapassável, devendo ser a Sentença revogada e substituída por outra que condene a R assim se fazendo a costumada Justiça.

3. A R. contra-alegou, e formulou as seguintes conclusões:

(…)

II - Factos Provados

 

1- No dia 29 de Novembro de 2003, pelas 17 horas e 30 minutos, na EN 1, ao Km 131,2, freguesia da Boavista, concelho e distrito de Leiria, ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes os veículos ligeiros com as matrículas (...) EO, (...) LS e (...) TQ.

2- O local do acidente é uma recta com duas vias de trânsito no sentido Porto/Lisboa e uma no sentido oposto.

3- As hemi-faixas de rodagem estão delimitadas entre si por uma linha dupla longitudinal contínua, sendo que as vias da hemi-faixa de rodagem do sentido Porto-Lisboa estão separadas por tracejado longitudinal descontínuo.

4- O tempo estava bom.

5- O veículo ligeiro LS era propriedade de A (…) e era por este conduzido.

6- O veículo automóvel ligeiro de mercadorias, com a matrícula (...) EO pertencia e era conduzido por A (…), que havia transferido a sua responsabilidade por danos causados a terceiros na circulação, para a ré Z (…), mediante contrato de seguro em vigor à data e titulado pela apólice (...).

7- O acidente referido em 1 ocorre dentro da localidade e ao condutor do EO apresentara-se-lhe o sinal indicativo de que transitava dentro de localidade.

8- O EO circulava no sentido Norte-Sul.

9- A via, várias centenas de metros antes do local do acidente, atento o sentido de trânsito do EO é visivelmente ladeada por casas que a marginam de ambos os lados.

10- A dado momento o EO abandona as vias de trânsito destinadas ao tráfego Norte-Sul, numa altura em que circulava a uma velocidade instantânea superior a 100 Km/hora, indo o seu condutor desatento ao tráfego que se processava para diante, sentido Norte-Sul.

11- O EO pisa e transpõe as linhas longitudinais contínuas separadoras dos sentidos de trânsito e penetra dentro da via de trânsito destinada exclusivamente ao trânsito que se processava no sentido Sul-Norte, não havendo evidência de que tenha tentado travar ou retomar a trajectória correcta.

12- Nessa precisa ocasião, circulava na via de trânsito destinada ao sentido Sul-Norte o ligeiro de passageiros LS.

13- O condutor do LS surpreendido pelo aparecimento súbito, à sua frente, do EO desviou o veículo que conduzia para o lado direito, sentido Sul-Norte, tentando com a manobra evitar a colisão frontal e eminente.

14- Não obstante, o LS ainda foi embatido na lateral esquerda junto à porta do condutor pela frente do EO.

15- O EO, após ter colidido com o LS, rumou desgovernado no sentido Norte Sul, e foi ainda embater frontalmente no TQ, veículo este que também circulava no sentido Sul-Norte, à rectaguarda do LS, não sendo possível ao condutor do TQ fazer qualquer manobra que evitasse o embate.

16- O ligeiro de passageiros (...)TQ era propriedade dos autores, que o haviam adquirido e pago o preço e que detinham a sua direcção efectiva, circulando com o mesmo, ordenando reparações e revisões, pagando-as, bem como pagando imposto de selo e prémios de seguros, lavando e introduzindo combustível.

17- Na ocasião o TQ era conduzido pelo autor J (…) e a autora M (…) seguia no interior do veículo, no banco da frente ao lado do seu marido e com o cinto de segurança colocado.

18- Actualmente, a autora apresenta vestígio cicatricial no dorso da mão, arredondado de cerca de dez por oito mm, junto ao quinto metacárpico e no membro inferior esquerdo duas cicatrizes no terço médio da face anterior da perna de vinte por cinco mm e de quinze por cinco mm, distando entre si cinco mm.

19- O quatum doloris é quantificável em grau 4 numa escala de 1 a 7 e o dano estético quantificável num grau de 1 numa escala de 0 a 7.

20- Após o acidente a autora foi transportada para o hospital de Santo André, onde ficou internada no serviço de ortopedia até 05.12.2003, data em que teve alta para o domicílio com indicação de repouso e mobilização progressiva de acordo com sintomatologia dolorosa.

21- A autora apresentava fractura dos 7º arco costal esquerdo e 10º e 11º arcos costais direitos e fractura vertebral e teve ferimentos na zona dorsal da mão esquerda e na zona da tíbia esquerda, sendo que também apresenta na coluna dorsal inferior e lombo sagrada discretas alterações de intensidade do sinal do prato superior de L2, com discreta deformação em cunha, em relação com antiga lesão traumática.

22- A autora sofreu um período de incapacidade temporária geral total num período de 37 dias, esteve totalmente incapacitada para o trabalho por um período de 80 dias, tendo a data da consolidação das lesões ocorrido em 18.02.2004.

23- Em consequência das lesões referidas em 21 a autora teve dores.

24- Em consequência do acidente referido em 1 o autor teve traumatismo do hemitorax esquerdo e tíbio-társica e pé esquerdo de que resultou luxação tarso-metatarsica.

25- No dia do acidente foi transportado para o hospital de Santo André, onde ficou internado até 01-12.2003 tendo-lhe sido aplicada bota gessada à esquerda.

26- Após a alta, o autor veio para o domicílio, onde permaneceu com uma incapacidade temporária geral total por um período de 31 dias, tendo-lhe sido retirado o gesso em 30.12.2003, sofreu uma incapacidade temporária geral parcial de 31.12.2003 a 30.06.2004 (183 dias) e uma incapacidade temporária profissional total num total de 214 dias.

27- Em consequência das lesões referidas em 24, o autor teve que fazer fisioterapia e teve dores.

28- Em consequência das lesões decorrentes do acidente, o autor apresenta área cicatricial eritematosa na face interna do terço distal da perna de 100x80 mm e cicatriz na face externa de 80x20 mm com as mesmas características, alterações tróficas do terço inferior da perna, edema residual do pé e rigidez das articulações médio társicas.

29- Em consequência das mesmas lesões o pé esquerdo apresenta estreitamento articular escafo 1ª cunha e diástase da articulação Lisfranc entre o 1º e 2º metatarso, sendo portador de rigidez médiotarsica do pé esquerdo e dismorfia distal da perna esquerda.

30- Em consequência das sequelas referidas em 29 há movimentos que lhe causam dor e usa meia elástica permanente na perna esquerda por frequente agravamento da insuficiência venosa com aparecimento de úlcera varicosa da perna.

31- Em consequência das sequelas referidas em 29, o autor pode exercer a sua actividade profissional habitual, não obstante a mesma implicar um esforço suplementar.

32- Em consequência do acidente o autor é portador de uma incapacidade permanente geral de 8 pontos.

33- Na data referida em 1, o autor trabalhava na Suiça e exercia ali a profissão de encarregado da construção civil, residindo na Rue (…) Suiça, e trabalhando na empresa H (…)

34- Após ter sido comunicado à S (...) o acidente referido em 1, esta efectuou diversos pagamentos referentes a tratamentos médicos, baixa por incapacidade temporária, subsídio por alta incapacidade e, a partir de 05.01.2005, uma pensão referente a uma IPP de 26%.

35- Em 31.03.2004 a S (...) pagou o montante de CHF 1.048,90 (€ 638,83) referente a (…) Sion Radiologia, Instituto de radiologia.

36- Em 05. 05.2004 a S (...) pagou o montante de CHF 173,50 (€ 105,67) referente a (…) Genéve 17, Farmácia.

37- Em 06.05.2004 a S (...) pagou CHF 312,00 (€ 190,02) referente a (…), Fisioterapeuta.

38- Em 03.06.2004 a S (...) pagou CHF 374,50 (€ 228,09) referente a (…) Ortopedista.

39- Em 09.06.2006 a S (...) pagou CHF 62,15 (€ 37,85) referente a (…), médico.

40- Em 24.06.2004 a S (...) pagou CHF 731,55 (€ 445,55) referente a (…)

41- Em 30.06. 2004 a S (...) pagou CHF 374,50 (€ 228,09) referente a (…) Ortopedista.

42- Em 01.07.2004 a S (...) pagou CHF 238,45 (€ 145,23) referente a (…)Farmácia.

43- Em 28.06.2004 a S (...) pagou CHF 179,15 (€ 109,11) referente a O (…)

44- Em 24.09.2004 a S (...) pagou CHF 106,55 (€ 64,89) referente a (…) médico.

45- Em 19.04.2005 a S (...) pagou CHF 188,85 (€ 115,02) referente a (…), Instituto de Radiologia.

46- A S (...) pagou ao autor, a título de pensões diárias por incapacidade temporária profissional (ITP), no período de 02.12.2003 a 02.05.2004 e 19.05.2004 a 14.06.2004 a quantia global de € CHF 30,375,00 (€ 21.202,71).

47- As pensões são pagas 12 vezes ao ano.

48- Por força da IPP referida em 34, a S (...) pagou ao autor de Janeiro de 2005 a Novembro de 2013 a quantia de CHF 132.764,25.

49- A S (...) pagou ao autor uma quantia a título de indemnização por danos morais no valor de CHF 10.680,00 (€ 6.504,65).

50- Os valores referidos pagos pela S (...) ao autor foram transferidos para a conta bancária deste no Banque (…)

51- A interveniente S (...) é o organismo de ligação de segurança social suiço em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais.

52- A interveniente assegura também os riscos decorrentes para os trabalhadores empregados na Suiça decorrentes de acidentes não profissionais, desde que tais trabalhadores trabalhem, pelo menos, oito horas por semana junto do mesmo empregador.

IV – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Questões prévias.

- Direito de reembolso da recorrente S (...).

2.1. Na conclusão 15. do seu recurso a recorrente afirma que o Tribunal deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, e que os fundamentos estão em oposição com a decisão, havendo uma ambiguidade e obscuridade, que torna a decisão ininteligível. Estas asserções poderiam configurar, a nível de direito, eventuais nulidades da sentença recorrida, atenta a previsão legal resultante do art. 615º, nº 1, d) e e). Mas tal sanção da nulidade depende da sua arguição pela parte interessada (nº 4 do mesmo preceito). Ora, a recorrente embora dê como verificadas essas eventuais situações de nulidade da sentença acaba por não arguir formalmente qualquer nulidade, pelo que a alegação ínsita na dita conclusão termina por ser inócua e sem sentido útil para o recurso.

De modo que se impõe concluir que nenhuma nulidade da sentença foi arguida.   

2.2. Nas conclusões 23. a 25. de tal recurso a apelante aborda o depoimento da testemunha J (…). Acontece que a mesma não deduziu nenhuma impugnação da matéria de facto – fê-lo aquando do seu 1º recurso para a Relação, onde tal impugnação foi julgada improcedente pelo nosso anterior acórdão, decisão esta já transitada -, pelo que, mais uma vez, tal abordagem ao referido depoimento se revela inócua e desprovida de utilidade.

De maneira que temos por seguro e incontroverso que nenhuma impugnação da matéria de facto foi apresentada.   

3. Na sentença recorrida disse-se que:

“Pretende a interveniente (adiante designada por S (...)), com os presentes autos, ser ressarcida dos montantes pagos ao sinistrado J (…), referentes a tratamentos médicos, pensões pagas durante o período de baixa do sinistrado, pensões pagas em virtude de ter sido fixada uma incapacidade permanente ao sinistrado de 26% e quantia paga a título de danos morais.

(…)

A vexata quaestio nos presentes autos não se prende, pois, com a dinâmica do acidente, aceite que foi pela ré, nos termos supra referidos, mas sim com o direito que a interveniente se arroga de peticionar o reembolso das quantias que pagou a J (…).

E efectivamente encontra-se provado que a interveniente S (...) pagou a este os seguintes montantes:

a) A quantia global de € 2.308,36 a título de despesas médicas e medicamentosas;

b) A quantia global de € 21.202,71 a título de pensões por incapacidade temporária profissional;

c) A quantia de € 6.504,65 a título de indemnização por danos morais;

d) A quantia global de CHF 132.764,25 a título de pensões por incapacidade permanente parcial de 26% de Janeiro de 2005 a Novembro de 2013.

A interveniente funda a demanda contra a ré seguradora na responsabilidade extracontratual que decorre para a mesma pelo facto de se encontrar transferida para si a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo de matrícula (...) EO, que como vimos, foi causador do acidente de viação do qual resultaram lesões e sequelas para J (…)

Como vimos, quanto à responsabilidade do condutor do veículo seguro, nos termos do artº 45º, é aplicável a Lei Portuguesa. Quanto à concreta questão em apreciação, qual seja o direito da interveniente ao recebimento das quantias que pagou e tem vindo a pagar a J (…) já assim não é, uma vez que se trata de matéria não directamente relacionada com o evento lesivo.

(…)

Sendo a interveniente um organismo da segurança social suiço e tendo pago as quantias supra referenciadas ao abrigo da legislação deste País, será ao abrigo da mesma que terá que ser apreciado o direito que a interveniente pretende exercer nestes autos.

Importa ainda ter presente que nos termos do artº 8º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado e de direito democrático.

Em anotação a este artigo, referem-nos J.J. Canotilho e Vital Moreira 1Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição, 2007, pg 265 que o mesmo mais não significa que as normas dos tratados, bem como as normas emanadas pelas instituições europeias, prevalecem sobre as normas de direito interno.

Decorre precisamente do artº 249º do Tratado C.E que os regulamentos do Conselho têm carácter geral, são obrigatórios em todos os seus elementos e directamente aplicáveis em todos os Estados Membros.

É certo que a Suiça não é um estado membro da União Europeia. No entanto, em 21 de Junho de 1999 foi firmado o Acordo entre a Comunidade Europeia e os seus Estados Membros e a Confederação Suiça sobre a Livre Circulação de Pessoas, incluindo os seus anexos e protocolos, bem como a Acta Final com as declarações (adiante designado por Acordo), o qual foi ratificado pelo Decreto do Presidente da República 48/2000 2Publicado no DR de 13.11.2000, Iº Série-A.

Preceitua o artº 8º do Acordo que as Partes Contratantes regulamentarão, nos termos do anexo II, a coordenação dos sistemas de segurança social, com o objectivo de assegurar, nomeadamente:

a) A igualdade de tratamento;

b) A determinação da legislação aplicável;

c) A totalização, no que se refere ao início e à manutenção do direito às prestações, bem como para o cálculo destas últimas, de todos os períodos considerados pelas diferentes legislações nacionais;

d) O pagamento das prestações às pessoas que residem no território das Partes Contratantes;

e) A assistência mútua e a cooperação administrativa entre as autoridades e as instituições. Anteriormente a este Acordo existia já uma convenção entre Portugal e a Suiça sobre Segurança Social, aprovada pelo Decreto 30/76 do Ministério dos Negócios Estrangeiros, a qual, todavia, por força do artº 20º do mencionado Acordo ficou suspensa, salvo a 2ª frase do artº 3º (cf. secção A do anexo II do Acordo).

Assim, de acordo com o anexo II do acordo, as partes contratantes acordaram aplicar entre elas, nos domínios da coordenação dos regimes de segurança social, os actos comunitários em vigor à data da sua celebração, entre os quais o Regulamento (CEE) 1408/71 do Conselho (adiante designado por Regulamento), relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da comunidade 3Este Regulamento foi revogado pelo Regulamento (CEE) 883/2004, não obstante se manter em vigor na parte respeitante ao Acordo com a Suiça sobre a Livre Circulação de Pessoas.

Nos termos do artº 93º nº 1, se, por força da legislação de um Estado Membro, uma pessoa beneficiar de prestações em resultado de dano sofrido por factos ocorridos no território de outro Estado Membro, os eventuais direitos da instituição devedora contra o terceiro responsável pela reparação do dano são regulados do seguinte modo:

a) Quando a instituição devedora estiver sub-rogada, por força da legislação por ela aplicada, nos direitos que o beneficiário detém contra o terceiro, essa sub-rogação é reconhecida por cada um dos estados membros;

b) Quando a instituição devedora tiver um direito directo contra o terceiro, cada um dos estados membros reconhece esse direito.

Acresce que este direito sub-rogação legal encontra-se, igualmente previsto no artº 72º da Lei Geral de Seguros Sociais da Confederação Suiça 4Disponível nos links referidos a fls 1104, que prevê tal direito pelas prestações pagas à pessoa segura contra os terceiros responsáveis pelo facto danoso.

No entanto, uma vez mais entendemos que não se encontra demonstrado que a interveniente tenha adquirido qualquer direito de sub-rogação por referência ao acidente dos autos.

Com efeito, é consabido que a sub-rogação legal verifica-se quando um terceiro (sub-rogado) adquire os direitos do credor originário na justa medida em que tiver garantido o cumprimento da obrigação. O que se ignora é a que título foram efectuados os pagamentos reclamados pela S (...), uma vez que não se encontra demonstrado que o autor na Suiça estivesse abrangido por um seguro com a cobertura do risco de acidentes não profissionais.

Na verdade, ficou provado que a S (...) é o organismo de ligação de segurança social Suiço em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais e que assegura também os riscos decorrentes para os trabalhadores empregados na Suiça decorrentes de acidentes não profissionais, desde que tais trabalhadores trabalhem, pelo menos, oito horas por semana junto do mesmo empregador (cf factos 51 e 52).

Porém, o que não decorre dos autos, como refere a ré nas suas alegações, é que o autor se encontrasse nessas condições. Pois se é certo que se provou que trabalhava para a empresa H (…), não se encontra demonstrado nos autos em que regime o fazia, designadamente se exercia actividade para este empregador ou qualquer outro, pelo menos oito horas por semana.

Naturalmente que não acreditamos, como refere a interveniente nas suas alegações, que os pagamentos efectuados por esta o tenham sido altruisticamente e sem razão de ser. A questão inultrapassável é que ignoramos se o autor estava coberto pelo seguro contra riscos de acidentes não profissionais e assim se os pagamentos efectuados têm ou não nexo causal com o acidente em causa nos autos.”.

Por seu turno, no anterior acórdão que proferimos escreveu-se que:

Ora, sendo a interveniente um organismo da segurança social suíço e tendo pago as quantias supra referenciadas ao abrigo da legislação desse País, será ao abrigo da mesma que terá que ser apreciado o direito que a interveniente pretende exercer nestes autos. Parece-nos óbvio. Tal como explicado na sentença recorrida, não sendo a Suíça um estado membro da União Europeia, por força do Acordo entre a Comunidade Europeia e os seus Estados Membros e a Confederação Suíça sobre a Livre Circulação de Pessoas, incluindo o seu anexo II, que regulamenta a coordenação dos sistemas de segurança social, com o objectivo de assegurar, nomeadamente a determinação da legislação aplicável, as partes contratantes acordaram aplicar entre elas, nos domínios da coordenação dos regimes de segurança social, os actos comunitários em vigor à data da sua celebração, entre os quais o Regulamento (CEE) 1408/71, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da comunidade.

Dispõe o transcrito art. 93º, nº 1, do Regulamento que se, por força da legislação de um Estado Membro, uma pessoa beneficiar de prestações em resultado de dano sofrido por factos ocorridos no território de outro Estado Membro, os eventuais direitos da instituição devedora contra o terceiro responsável pela reparação do dano são regulados do seguinte modo: a) Quando a instituição devedora estiver sub-rogada, por força da legislação por ela aplicada, nos direitos que o beneficiário detém contra o terceiro, essa sub-rogação é reconhecida por cada um dos estados membros.

O sublinhado é nosso, confirmando este excerto legal o que tínhamos há pouco acabado de evidenciar: será ao abrigo da legislação suíça que terá que ser apreciado o direito que a interveniente pretende exercer nestes autos, neste caso um direito de sub-rogação (legal ou convencional).

Quedando, pois, inaplicável o art. 495º do CC, como a recorrente propugna.     

E no nosso caso a sub-rogação a considerar será apenas a legal, pois o fundamento do pedido da aludida interveniente acobertou-se apenas nela, e não em nenhuma sub-rogação convencional, como a recorrente vem agora invocar (na sua conclusão de recurso 31.) – que, aliás, seria uma questão nova, não cognoscível em recurso.

Tal norma constante do dito Regulamento, exige, assim, que a apelante demonstre que face à sua lei nacional ficou sub-rogada nos direitos do seu segurado.

É certo que ….. a apelante invoca a existência de inúmeros diplomas que consagram essa sub-rogação legal, embora não especifique quais !! E transcreve o art. 72º que consagra esse direito de reembolso. Parece que esse normativo constará da LPGA (Lei Federal sobre a parte geral do direito dos seguros sociais, cuja cópia se encontra a fls. 815, embora a tradução da apelante e a anteriormente apresentada não seja rigorosamente igual).

Mas a mesma interrogação e dúvida permanecem: e essa norma que consagra essa sub-rogação aplica-se no caso concreto dos autos ?

Não sabemos, porque a recorrente não o comprovou, apesar de a isso estar obrigada, nos termos do art. 348º, nº 1, 1ª parte, do CC.

É certo, ainda, que o tribunal tentou obter o seu conhecimento já depois de encerrada a audiência de julgamento, tendo até reaberta a mesma e proferido despacho (a fls. 755/756) a convidar a S (...) a apresentar a legislação suíça que lhe conferisse o direito a peticionar da R. as importâncias referidas no seu articulado de intervenção espontânea, pois até aí apenas vinha indicado um sítio da internet onde podia ser encontrada a Lei Federal da Segurança Social, mas redigida em alemão, tendo posteriormente ordenado a junção da legislação suíça sobre a matéria (cfr. fls. 880,) o que a S (...) nunca logrou alcançar, não tendo junto qualquer elemento documental que permitisse fazer prova inequívoca de que seria também a entidade competente em termos de Segurança Social para prestar assistência aos seus beneficiários em caso de acidente ocorrido fora do contexto laboral, ou seja, em férias ou noutra actividade pessoal.

Por outro lado, e como sabemos, é preciso não esquecer que se apurou que a recorrente é o organismo de ligação de segurança social suíço em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais (facto 51.), o que é confirmado, por outro lado, pelo dito Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça, onde se constata, também que é no âmbito dos acidentes de trabalho e de doenças profissionais que tem acolhimento a sua intervenção. Sendo certo, de outra banda, que não se demonstrou que o acidente dos autos se reporta a qualquer acidente de trabalho …..

Deste modo, o apuramento do direito estrangeiro, da legislação suíça sobre a dita sub-rogação, é essencial.

É verdade que a recorrente não logrou, até agora, comprovar a existência e conteúdo da norma pertinente, mas também é seguro que o tribunal tem o dever de averiguar, por si, a existência e conteúdo desse direito estrangeiro, como resulta do aludido art. 348º, nº 1, 2ª parte, e 2, do CC.

Impõe-se, por isso, decidir nesse sentido, com a consequente revogação da decisão …”.

Desta fundamentação jurídica exarada no referido anterior acórdão duas evidências emergem: por um lado o art. 495º do CC é inaplicável Por outro lado, também irreleva a sub-rogação convencional. De sorte que as referências feitas pela apelante no seu recurso são meramente repetitivas e de desconsiderar.

O que realmente é importante é, pois, saber se existe a invocada sub-rogação legal face à legislação suíça e foi esse o esforço desenvolvido na 1ª instância após o anterior acórdão da Relação o ter determinado.

Nessa sequência, com prévio accionamento à Convenção Europeia de 1968 do Conselho da Europa sobre informação sobre lei estrangeira, a respectiva autoridade suíça comunicou, sobre a matéria em apuramento e em discussão nos autos, o que consta do ofício a fls. 1118/1119 dos autos.

Com base no teor de tal ofício, onde se explica o que resulta do art. 1º da Lei Relativa aos Seguros de Acidentes, o tribunal a quo deu como provado o facto 52. Relembre-se que, tendo em conta, como já tínhamos referido no anterior acórdão, que não se demonstrou que o acidente dos autos se reportava a qualquer acidente de trabalho, era preciso apurar, ao invés, se a apelante deve prestar e presta assistência aos seus beneficiários em caso de acidente ocorrido noutras circunstâncias, por exemplo em férias ou noutra actividade pessoal e em que concreto condicionalismo.

Perante o aludido facto 52., não se tendo provado que o autor acidentado trabalhava, pelo menos, 8 horas por semana junto do mesmo empregador – o que é lógico, pois que a apelante nem sequer o alegou nos seus articulados -, a sub-rogação legal prevista na legislação suíça no apontado art. 72º da Lei Geral do Direito das Seguradoras Sociais não podia operar, por não verificado o mencionado circunstancialismo.

Todavia, o referido ofício não se ficou por tal informação. Adicionalmente deu a conhecer que nos termos do art. 65º, alínea 1, da Lei de Circulação Rodoviária se prevê igualmente que o lesado pode intentar acção directa contra a seguradora por responsabilidade civil do automobilista, e uma vez que a seguradora por acidentes está sub-rogada, até ao montante das prestações legais, nos direitos do segurado contra o terceiro responsável, pode agir contra a seguradora de responsabilidade civil do automobilista, prevendo, aliás, essa possibilidade aquele acima indicado art. 72º, nº 4. Concluindo que esta regulamentação se aplica igualmente à Caixa Nacional Suíça de Seguros em caso de Acidentes (CNA), igualmente designada pelo acrónimo alemão “ S (...)”, que é a principal seguradora suíça, em caso de acidente rodoviário.

Desta feita, perante a averiguação e determinação da Lei suíça aplicável ao caso concreto, pois estamos face a um acidente rodoviário, impõe-se concluir que a interveniente goza do direito de sub-rogação legal invocado.

Por conseguinte, considerando a matéria provada, a R. tem a pagar à interveniente as quantias já apuradas de 2.308,35 € (soma dos montantes constantes dos factos 35. a 45.) referentes a prestações médico-medicamentosas, 21.202,71 € (facto 46.) referente a ITP, e 6.504,65 € (facto 49.) referente a danos morais, o que tudo perfaz 30.015,71 €. Tem, ainda, de pagar o contravalor em euros do montante de 132.764,25 francos suíços (facto 48.), atinente a IPP. A que acrescem juros legais desde a notificação do pedido da interveniente à R., ocorrida em 16.7.2017 (visto que a notificação foi expedida em 12.7, como decorre de fls. 175, e 15.7 foi Domingo), bem como os juros vencidos até à entrada em juízo de tal pedido da interveniente sobre a quantia de 44.795,08 € (que esta liquidou em 891,08 €).

Adicionalmente, tendo em conta a pretensão da interveniente, deve a R. pagar à mesma os valores que ela entretanto tiver satisfeito, desde a sua última ampliação do pedido em Novembro de 2013 (a fls. 548 e segs.) até ao encerramento da audiência de julgamento, a liquidar em sentença, nos termos do art. 609º, nº 2, do NCPC, acrescidos dos respectivos juros de mora legais até efectivo pagamento.                

A recorrente pretendia igualmente receber o que pagou ou vier a pagar desde o encerramento da audiência de julgamento (cfr. o seu pedido e o que agora renovou na parte final das suas conclusões de recurso). Tal não é, contudo, admissível, pois como decorre do Assento (hoje com o valor de Acórdão Uniformizador de Jurisprudência) do STJ de 9.11.1977, BMJ, 271, pág. 100), a sub-rogação não se verifica em relação a prestações futuras. Terá, pois, a interveniente de recorrer a mecanismo extrajudicial ou judicial processual próprio posterior.

4. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) O tribunal, caso o A. invoque direito estrangeiro ou tenha que decidir com base no mesmo, deve averiguar oficiosamente o seu conhecimento e conteúdo (art. 348º, nº 1, 2ª parte, e 2, do CC);

ii) Não sendo a Suíça um estado membro da União Europeia, por força do Acordo entre a Comunidade Europeia e os seus Estados Membros e a Confederação Suíça sobre a Livre Circulação de Pessoas, incluindo o seu anexo II, que regulamenta a coordenação dos sistemas de segurança social, com o objectivo de assegurar, nomeadamente a determinação da legislação aplicável, as partes contratantes acordaram aplicar entre elas, nos domínios da coordenação dos regimes de segurança social, os actos comunitários em vigor à data da sua celebração, entre os quais o Regulamento (CEE) 1408/71, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da comunidade;

iii) Dispõe o art. 93º, nº 1, do dito Regulamento que se, por força da legislação de um Estado Membro, uma pessoa beneficiar de prestações em resultado de dano sofrido por factos ocorridos no território de outro Estado Membro, os eventuais direitos da instituição devedora contra o terceiro responsável pela reparação do dano são regulados do seguinte modo: a) Quando a instituição devedora estiver sub-rogada, por força da legislação por ela aplicada, nos direitos que o beneficiário detém contra o terceiro, essa sub-rogação é reconhecida por cada um dos estados membros;  

iv) Apurado, perante o direito suíço, que a seguradora suíça S (...) goza de sub-rogação legal pelas quantias despendidas em favor de cidadão nacional, residente e empregado nesse país, vítima de acidente de viação em Portugal, por culpa de condutor seguro na R., aquela seguradora pode exigir a esta tudo o que satisfez à vítima.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, assim se revogando a sentença recorrida, e, em consequência, condena-se a R. a pagar à interveniente S (...) as quantias já apuradas de 30.015,71 €, mais o contravalor em euros do montante de 132.764,25 francos suíços, a que acrescem juros legais desde a notificação do pedido da interveniente à R. (ocorrida em 16.7.2017), bem como os juros vencidos até à entrada em juízo de tal pedido da interveniente sobre a quantia de 44.795,08 € (que esta liquidou em 891,08 €), e adicionalmente pagar à mesma os valores que ela entretanto tiver satisfeito, desde a sua última ampliação do pedido em Novembro de 2013 até ao encerramento da audiência de julgamento, a liquidar em sentença, acrescidos dos respectivos juros de mora legais até efectivo pagamento.               

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Custas pela R. 

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                                                                     Coimbra, 19.12.2018

                                                                     Moreira do Carmo ( Relator )

                                                                     Fonte Ramos

                                                                     Maria João Areias