Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2331/13.0TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONCESSIONÁRIO
AUTO-ESTRADA
ANIMAL
Data do Acordão: 03/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T. J. DA COMARCA DE VISEU - VISEU - J. C. CÍVEL - JUIZ3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 12.º DA LEI Nº 24/2007, DE 18 DE JULHO
Sumário: 1. O art. 12.º da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, faz recair sobre a concessionária a presunção de incumprimento de obrigações de segurança quando os acidentes sejam causalmente imputados a objectos arremessados, a objectos ou líquidos existentes nas faixas de rodagem ou ao atravessamento de animais. É à concessionária que cabe o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, de modo a ilidir a presunção de culpa que sobre ela recai.
2. A concessionária tem uma obrigação reforçada de meios e uma diligência acrescida tanto na observância de regras de segurança, para evitar a entrada de animais na via, como igualmente no que respeita ao dever de vigilância, para detectar e remover animais que entrem na faixa de rodagem.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


*

A... intentou a presente acção comum contra a ré “B... , SA” pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de € 79.644,65, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação, quantia essa na qual contabilizou os danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos em consequência do acidente.

Alegou, em síntese: que foi vítima de acidente de viação que consistiu em despiste, na sequência de embate com cão de grande porte que se encontrava na via; que não logrou evitar tal embate, causado pela presença de canídeos na via, que integra a autoestrada concessionada pelo Estado Português à ré, e na qual é possível a penetração de animais, por se encontrar vedada de forma deficiente.

Contestou a ré, alegando, no essencial: que a vedação da via à data do sinistro se encontrava em boas condições, além de que as vedações em questão mereceram a prévia aprovação por parte do concedente (Estado Português); que os nós de entrada e de saída daquela infraestrutura viária não eram, nem são, vedados, sendo que a explicação mais plausível para a presença do animal na via é a da sua entrada através de um dos nós; assim, visto que a ré cumpriu devidamente o dever de vigilância e de patrulhamento da via, não lhe é imputável a presença do animal naquele local.

Pediu a improcedência da acção, por não provada.

A ré requereu ainda a intervenção principal provocada da “C..., SA – Sucursal em Portugal”, para quem, segundo alegou, havia transferido a sua responsabilidade civil decorrente de sinistros como os que estão em causa nos autos, mediante seguro facultativo, intervenção que foi admitida.

Também a interveniente apresentou contestação, confirmando a celebração do contrato de seguro invocado, esclarecendo que no mesmo foi convencionado que por cada sinistro participado, a ré suportaria uma franquia de € 5.000,00. Defendeu-se, ainda, por impugnação, considerando que no dia do acidente a ré cumprira o dever de vigilância que sobre si impendia, não lhe podendo ser assacada qualquer culpa no que à matéria da responsabilidade diz respeito. Concluiu também que a ação deveria ser julgada improcedente, por não provada.
Citado o Instituto de Segurança Social, Centro Distrital de Segurança Social de Viseu, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1º, nº 2 do DL 59/89, de 22 de fevereiro, deduziu o mesmo pedido de reembolso, solicitando a condenação da ré a pagar-lhe o montante de € 1.674,67, correspondente ao por si suportado em prestações correspondentes ao subsídio de doença liquidado ao autor, no período em que este ficou incapacitado para o exercício da sua atividade profissional em consequência do acidente em causa nos autos.
A ré contestou tal pedido de reembolso, considerando não lhe ser assacável qualquer culpa pela produção do sinistro, pugnando pela sua improcedência.
Foi realizada a audiência prévia, no decurso da qual foi proferido despacho saneador, em que foi afirmada a validade e regularidade da instância.
Foi ainda enunciado o objeto do litígio e os temas de prova, por despacho que não mereceu reclamação.
Após julgamento, foi proferida sentença que concluiu assim:
“Pelo exposto, e decidindo, julgo parcialmente procedente a presente ação, e, em consequência:
- condeno a ré “ B... ” a pagar ao autor A... a quantia global de € 33.024,88 (trinta e três mil, e vinte e quatro euros e oitenta e oito cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa legal de 4%, os quais serão contabilizados relativamente à quantia parcelar de € 8.524,88 (oito mil, quinhentos e vinte e quatro euros e oitenta e oito cêntimos) desde a data da citação da ré (29/7/2013 – fls 97), e sobre a quantia de € 24.500 (vinte e quatro mil e quinhentos) desde a presente decisão;
- condeno a ré “ B... ” a pagar ao Centro Distrital de Segurança Social de Viseu a quantia de € 1.674,77 (mil seiscentos e setenta e quatro euros e setenta e sete cêntimos), acrescida de juros vencidos à taxa legal de 4%, desde a data da notificação da ré de tal pedido até efetivo e integral pagamento;
Absolvo a ré do demais contra si peticionado pelo autor.
Custas da ação pelo autor e pela ré, na proporção do respetivo decaimento que depende de simples cálculo aritmético - cfr. artigo 527º, CPC.
Custas do pedido de reembolso pela ré.
Notifique e registe. “

Não se conformou, no entanto, a ré B... que da sentença interpôs recurso, formulando, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

I. Quanto à matéria de facto, conclui-se que não andou bem a sentença do Tribunal a quo na apreciação da matéria de facto e concretamente no que se refere à resposta que deu aos factos provados nºs. 6.2, 6.7 e 6.10 e aos factos não provados correspondentes aos artigos 22º e 23º da contestação da R. que, de acordo com elementos constantes dos autos (mormente das transcrições efectuadas nestas linhas e designadamente das próprias declarações de parte), devia ter sido bem diferente e do seguinte teor:  - 6.2 - provado que ao aproximar-se do Km 91,2, o autor avistou, à distância das luzes de estrada (máximos) do veículo, pelo menos um cão de grande porte que atravessava a via por onde o autor circulava, efectuando tal travessia do separador central para a berma (vide declarações de parte do A., especialmente entre os minutos 18m19s e 18m40s);  - 6.7 - provado que o veículo do A. colidiu com o cão que efectuava o atravessamento da via, em local não apurado, mas anterior, considerando o sentido de marcha Mangualde/Viseu, ao Km 91,2, vindo a despistar-se após tal colisão, embatendo, de seguida, no separador central ao Km 91,2, sentido Mangualde/Viseu, e acabando por se imobilizar, depois ter capotado não menos de quatro vezes, em cima da linha longitudinal descontínua, a cerca de 60 metros do local de embate no separador central e a cerca de 37 metros do marco quilométrico 91,1, considerando uma linha perpendicular ao local do embate no separador central, nos termos documentados no croquis de fls. 24 (cfr. declarações de parte do A. e PAA);  - 6.10 – não provado (porque pura e simplesmente, e como resultou da inspecção ao local e das fotografias juntas no seguimento desta, não é verdade que a vedação, junto à base do talude, tivesse 70 cm de altura e/ou que os respectivos postes tivessem 1,20 de altura);  - artigos 22º e 23º da contestação da R. - provado que a vedação da A25, em toda a extensão do sublanço onde se situa o local do sinistro, e em ambos os sentidos de marcha, encontrava-se na data do sinistro em boas condições de segurança e conservação, não apresentando qualquer falha, ruptura, abertura ou anomalia de qualquer espécie (porque nenhuma evidência há que os funcionários da R., cujos depoimentos são transcritos nestas linhas, depuseram de forma “comprometida”, como, sem concretizar, avança a sentença); 

II. De referir que é manifesto que o Tribunal apoiou-se quase única e exclusivamente nas declarações de parte no tocante sobretudo à dinâmica do acidente (e ainda assim, como devia, não as considerou na sua totalidade, i. e., não considerou aquelas partes manifestamente desfavoráveis – ainda que sem noção disso da parte do declarante - aos interesses do A.), declarações essas que foram necessariamente parciais e não convencem, além do mais, quanto designadamente à dinâmica do acidente, posto que surgem desacompanhadas, como é o caso, de outros meios probatórios (cfr. o ac. da RP de 10.09.2015, tendo como relator Pedro Martins e respeitante ao proc. nº 6615/11.4TBVNG.P1, ac. esse, ao que se pensa, não publicado);

III. Acresce dizer que não há nenhuma razão legítima e válida para que o Tribunal tivesse decidido pronunciar-se (ainda que negativamente) sobre os artigos 28º e 36º da contestação (estes por serem nitidamente conclusivos e directamente relacionados/interligados com os factos provados constantes dos pontos  6.40, 6.41, 6.42 e 6.43) e também sobre o artigo 24º da contestação da R. que consta igualmente dos factos não provados, dado que, quanto a este último, nem sequer de factos se trata, mas antes de mera hipótese, razão pela qual tal matéria deve ser eliminada do rol dos factos não provados.  Dito isto,

IV.  À data dos factos estava em vigor a Lei nº 24/2007, de 18 de Julho (LN), lei esta que veio de uma vez por todas clarificar que os acidentes ocorridos em AE devem ser analisados e enquadrados (como já sucedia – ou, pelo menos, devia correctamente suceder - antes dela) no âmbito da responsabilidade extracontratual – é, de resto, essa (e não qualquer outra) a conclusão que se pode/deve tirar do disposto na Base LXXIII do Decreto-Lei nº 142-A/2001, de 24 de Abril e suas posteriores alterações;  

V. Ora, é verdade que com o advento da referida Lei se procedeu a uma inversão do ónus da prova (embora diferente daquele que impendia sobre os utentes da AE, não porque se trate de um ónus de prova de ausência de culpa, mas sim de um ónus positivo, de cumprimento das obrigações de segurança) que agora impende sobre as concessionárias de AE, assim se criando um regime especial e inovador para este tipo de acidentes, embora – insista-se – sempre filiado na responsabilidade extracontratual; 

VI. Todavia, e como bem se percebe do espírito e do texto da lei (dos nºs. 1 e 2 do artigo daquela LN), mas também do elemento histórico de interpretação (vide projecto de lei nº 164/X do BE), já não corresponde à verdade que com essa lei se tenha estabelecido uma presunção de culpa em desfavor das concessionárias, pois que se assim fosse a redacção do citado artigo 12º nº 1 seria seguramente outra, evidentemente mais próxima daquela constante do artigo 493º nº 1 do Cód. Civil. E claramente que não é; 

VII. Efectivamente, e quanto à dita presunção de culpa, nem tal decorre da referida lei, nem tal resulta do diploma legal referido que instituiu e aprovou as Bases da concessão da R., concluindo-se tão-só que com o advento da lei citada passou a impender um ónus de prova (com aquelas características) sobre as concessionárias de AE (e nada mais que isso). Isto para além de não se poder, de forma alguma, concluir que sempre há situações de inversão de ónus de prova se quer (quis) consagrar uma presunção legal de culpa (cfr. Cód. Civil, artigo 344º nº 1).  Segue-se que,

VIII. Por outro lado, sendo verdade que a R. se obrigou a vigiar e a patrulhar em permanência a AE, assim envidando os seus melhores esforços no sentido de assegurar a circulação na AE em boas condições de segurança e comodidade, daí não decorre que essa sua obrigação implica uma omnipresença em todos os locais da sua concessão como, no fundo (e apesar de dizer coisa diversa), considerou a douta sentença, mormente nos locais de eclosão de acidentes ou onde possam estar a deambular animais; 

IX. E daí também não resulta que é inconciliável, como afinal é sugerido, a prova do cumprimento das obrigações de segurança (o preenchimento do tal ónus) com a eclosão de acidentes (neste caso, com animais), ou seja, não tendo as concessionárias de provar que não tiveram culpa no acidente, mas tão-só de demonstrar que tudo fizeram para que não ocorresse, não se pode/deve concluir pela inevitabilidade da existência de uma eventual falha destas (e para mais numa AE com as bem conhecidas características desta) para se lograr explicar um sinistro;  

X. De modo que também não nos parece que se possa considerar p. ex. que incumbia à R. demonstrar a forma como o animal terá ingressado na via, sendo certo que dessa forma caminharíamos inevitavelmente na direcção de uma responsabilidade objectiva, sem culpa, que também não tem previsão legal; 

XI. A formulação do artigo 12º nº 1 da citada lei faz recair sobre as concessionárias, entre as quais, a apelante, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança (que – se bem vemos - ninguém definiu ou preencheu de forma positiva até hoje, mas que serão necessariamente diferentes consoante o tipo de sinistro em análise);

XII. Ora, no caso dos autos é nítido e indiscutível que a apelante satisfez o ónus que lhe competia, i. e., demonstrou que cumpriu com aquelas suas obrigações de segurança, particularmente no que se refere à integridade da vedação, situada – importa recordar - entre nós abertos (melhor: não fechados) da AE e numa extensão correspondente a todo o sublanço onde aconteceu o acidente;    

XIII. Efectivamente, a definição destas obrigações de segurança passa essencial e obrigatoriamente (como é até intuitivo), num acidente com animais, pela prova de que as vedações se encontravam intactas e sem rupturas nas imediações do local do acidente - assim decorre também da conclusão II do ac. da RC de 13.11.2012 que, aliás, e muito curiosamente, diga-se, considera uma situação em que esse bom estado da vedação não se verificava – e a verdade é que essa prova foi claramente feita pela R./apelante (e provou também que as vedações ali existentes eram as que lá deviam estar e não quaisquer outras); 

XIV. Cumpre, aliás, assinalar a contradição em que de certo modo incorre a sentença, posto que apesar de se dever ter por cumpridos (e a prova produzida a isso obriga) os deveres que à concessionária competiam, conclui afinal que isso não chega, alvitrando ainda, e sem qualquer ligação à realidade e/ou aos textos legais relevantes, que à concessionária competiria também “fazer obras de beneficiação” e designadamente aumentar a altura da vedações e/ou colocar barreiras físicas nos nós não fechados da AE (vide p. ex. a Base IV nº 2 do DL nº 142-A/2001, de 24 de Abril que esclarece que a concessão é de serviço público e que a concessionária não pode recusar a entrada na AE a qualquer pessoa ou entidade/veículos, coisa que, contrariamente ao pretendido/decidido pelo concedente no caso das ex-SCUT, como é, de resto, esta A25, uma barreira, fosse ela de que tipo fosse, evidentemente impediria – não esquecer ainda que as AE – e esta também – têm ligação com estradas nacionais e municipais que, como se sabe, não são vedadas);  

XV. Mais: é visível que o raciocínio seguido pela sentença é nitidamente especulativo, pois que parte claramente do princípio (e sem base factual para que o possa fazer e/ou sem que o diga expressamente, mas percebendo-se isso até no decurso da audiência) que o animal só poderia ter ingressado na AE devido a uma qualquer anomalia/falha (na vedação – será?), sem considerar qualquer outra possibilidade/explicação perfeitamente plausível para a presença do animal na via (e a verdade é que essas possibilidades/explicações existem, não se podendo concluir automaticamente que o animal acedeu à via porque p. ex. as vedações apresentavam deficiências ou então que ocorreu uma qualquer anomalia, seja ela qual for);  

XVI. Por outro lado, a R. também demonstrou, sem qualquer espécie de dúvida ou reserva, que desconhecia a presença do animal na via antes do acidente ter acontecido apesar do cumprimento integral (e permanente, no sentido de estar sempre no terreno, embora não esteja, como é evidente, em todo o lado ao mesmo tempo) da sua missão de vigilância e patrulhamento;  

XVII. De modo que, e não podendo a R./apelante ser omnipresente (nem tal lhe sendo exigível – apesar de a sentença se colocar, de forma clara, nesse patamar de exigência), não se vislumbra como podia (ou pode) ser responsabilizada pela eclosão deste acidente, tanto mais que nos parece pacífico e totalmente indiscutível que as obrigações a seu cargo são claramente obrigações de meios (e não, portanto, obrigações de resultado, como acaba por concluir – sem que o diga, no entanto - a sentença da 1ª Instância); 

XVIII. De resto, não sendo possível à apelante (especialmente, como bem se percebe, numa AE como esta, com nós não fechados) evitar em absoluto que os animais ingressem na AE e, face ao que ficou provado, nada mais lhe devendo ser exigível em termos de conduta e de prova, parece claro que se impunha (e isso ainda sucede) a sua absolvição, já que esta demonstrou que cumpriu em concreto com todas as suas obrigações, concretamente com aquelas de segurança (cfr., a este propósito, também o ac. da RC de 29.09.2009, especialmente os pontos VII e VIII do respectivo sumário que lucidamente aborda esta questão e se pronuncia sobre aquelas que são as obrigações de uma concessionária); 

XIX. Assim, no entendimento da apelante, a sentença violou, salvo o devido respeito, a alínea b) do nº 1 do artigo 12º da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho e a Base LXXIII do Decreto-Lei nº 142-A/2001, de 24 de Abril, devendo, por isso, ser revogada em conformidade com o expendido nestas linhas. 

Sem prescindir e por mera cautela de patrocínio,

XX. O Tribunal a quo também violou – e pelo menos isso devia ter sido suficiente para a absolvição da R./apelante, na medida em que a culpa do lesado, atendendo a que a R. foi condenada com base numa (inexistente, no entender da apelante) presunção, exclui o dever de indemnizar – o disposto nos artigos 487º nº 2 e 570º nº 2 do Cód. Civil, posto que não deixa de dever ser sempre exigido dos condutores que cumpram a lei e que p. ex. usem no exercício da condução da diligência, cuidado e atenção de um bonus pater familiae; 

XXI. Ora, tal não sucedeu neste caso, como é absolutamente indiscutível, uma vez que o A./motorista não emprestava à condução e demais factores a ter em conta aquando do exercício desta a devida atenção e cuidado, além de que não revelou a perícia que lhe seria exigível nessa altura; 

XXII. Efectivamente, exigia-se-lhe muito mais (ademais, sendo ele motorista profissional), dado que avistou o animal a uma distância não inferior a 100 metros, estava bom tempo e havia boa visibilidade, e a verdade é que nem conseguiu provar que travou (bruscamente, como disse, ou não, sendo claro que havia clara margem para isso) e o veículo depois de embater no animal e ainda (pelo menos) no separador central acabou por se imobilizar a mais de 60 metros (a mais de 100 metros, dir-se-ia mesmo) do local do embate com o animal, depois de capotar não menos de quatro vezes.     

Termos em que se deve dar total provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão de que se recorre, substituindo-se por uma outra que julgue totalmente improcedente a presente acção e também o pedido de reembolso do Interveniente Centro Distrital de Segurança Social de Viseu (porque, mais não seja, porque dependente da sorte da acção) com base nos argumentos expendidos nesta peça processual, bem como absolva a apelante do(s) pedido(s), tudo com as necessárias consequências legais e como é de inteira e sã JUSTIÇ

O autor/apelado não contra-alegou.

Cumpre decidir.

Impugnação de facto:

Ficou provado em 2. que: “Ao aproximar-se do KM 91,2, o autor avistou pelo menos um cão de grande porte que atravessava a via por onde o autor circulava, efetuando tal travessia do separador central para a berma (artigos 4º e 10º da petição inicial)”.

Pugna a recorrente pela alteração do facto provado em 2, para o mesmo propondo a seguinte resposta: ”provado que ao aproximar-se do Km 91,2, o autor avistou, à distância das luzes de estrada (máximos) do veículo, pelo menos um cão de grande porte que atravessava a via por onde o autor circulava, efectuando tal travessia do separador central para a berma.”

Para tanto baseia-se nas declarações de parte do autor, especialmente entre os minutos 18m19s e 18m40s.

De facto, o declarante declarou que se apercebeu dos cães quando os máximos, que levava ligados, incidiram sobre os animais. E, perguntado antes sobre a distância a que os cães lhe apareceram respondeu que “ então é o raio de visão dos faróis”.

Porém, não é possível extrair das suas declarações que avistou os animais à distância dos máximos. Pode tê-los avistado até a menor distância, apesar de os levar ligados, até porque disse também que os cães lhe apareceram de repente quando começou “a curvar”. E se assim foi, não é possível assegurar que os tenha avistado a distância não inferior a 100 metros.

Aliás, afigura-se-nos que a introdução de um tal facto, que se revela essencial, devia ter sido alegado oportunamente (art. 5, nº 1 do CPC)

Mantém-se, assim, o facto 2.

Pugna, também, a apelante pela alteração da resposta ao ponto 7 - O autor não logrou evitar colidir com o cão que efetuava o atravessamento da via, vindo a despistar-se após tal colisão, embatendo, de seguida, no separador central, vindo o seu veículo a imobilizar-se em cima da linha longitudinal descontínua, a cerca de 60 metros do local do embate e a cerca de 37 metros do marco quilométrico 91,1, considerando uma linha perpendicular ao local do embate, nos termos documentados no croquis de fls 24 (artigos 9º, 10º, 11º, 12º e 13º da petição inicial) - para a seguinte: “provado que o veículo do A. colidiu com o cão que efectuava o atravessamento da via, em local não apurado, mas anterior, considerando o sentido de marcha Mangualde/Viseu, ao Km 91,2, vindo a despistar-se após tal colisão, embatendo, de seguida, no separador central ao Km 91,2, sentido Mangualde/Viseu, e acabando por se imobilizar, depois ter capotado não menos de quatro vezes, em cima da linha longitudinal descontínua, a cerca de 60 metros do local de embate no separador central e a cerca de 37 metros do marco quilométrico 91,1, considerando uma linha perpendicular ao local do embate no separador central, nos termos documentados no croquis de fls. 24.”

Para tanto, baseia-se nas declarações de parte do autor e na participação do acidente, começando por se insurgir contra a expressão “ não logrou evitar colidir com o cão“, expressão equivalente à que consta da petição no sentido de que o autor não conseguiu evitar o embate.

É certo que não ficaram esclarecidas as concretas razões pelas quais o autor não conseguiu evitar o embate. No entanto, se avistou o cão é normal que tenha tentado evitar o embate, não se cuidando agora saber se o podia fazer ou não.

Já não é verosímil que o veículo se tenha imobilizado a cerca de 60 metros do local do embate e a cerca de 37 metros do marco quilométrico 91,1, considerando uma linha perpendicular ao local do embate, nos termos documentados no croquis de fls. 24.

O que está alegado (art. 11 da petição) e corresponde ao croqui é que o veículo foi, depois do embate no separador central, projectado cerca de 60 metros mais à frente. Em rigor, o farol direito do carro terá ficado a 61 metros do local do embate no separador central (croquis). Mas o embate, tendo em conta que o animal atropelado ficou a 46 metros da linha perpendicular ao local do embate no separador, terá ocorrido não a 60 metros mas a uma distância não inferior a 100 metros (até provavelmente superior) do local em que o veículo se veio a imobilizar.

Também não é correcto afirmar que o veiculo se imobilizou a cerca de 37 metros do marco quilométrico 91,1, considerando uma linha perpendicular ao local do embate. O veículo imobilizou-se a cerca de 37 metros do marco quilométrico 91,1, considerando uma linha perpendicular não ao local do embate no animal, como ficou provado, nem ao local do embate no separador central, como sugere a recorrente, mas a cerca de 37 metros do marco quilométrico 91,1, considerando uma linha perpendicular tirada do farol traseiro esquerdo do veículo imobilizado, nos termos documentados no croquis de fls. 24.

Pretende, ainda, o recorrente que fique provado que o veículo capotou não menos de 4 vezes uma vez que o declarante disse que capotou entre 4 a 6 vezes. Porém, parece arriscado dar como provado que o veículo capotou não menos de 4 vezes apenas com base nas declarações do declarante, que ia dentro do veículo.

Como assim, altera-se a redacção do ponto 7 para a seguinte: “ O autor não conseguiu evitar que o seu veículo colidisse com o cão que efectuava o atravessamento da via, em local não apurado, mas anterior, considerando o sentido de marcha Mangualde/Viseu, ao Km 91,2, vindo a despistar-se após tal colisão, embatendo, de seguida, no separador central ao Km 91,2, sentido Mangualde/Viseu, e acabando por se imobilizar, depois de ter capotado um número não apurado de vezes em cima da linha longitudinal descontínua, a cerca de 60 metros do local de embate no separador central e a cerca de 37 metros do marco quilométrico 91,1, considerando uma linha perpendicular tirada do farol traseiro esquerdo do veículo imobilizado, nos termos documentados no croquis de fls 24.”

Considera, ainda, a recorrente que o ponto 10 – Na base do talude da estrada, que fica ao nível dos ditos terrenos, a vedação da via é feita por postes de madeira com uma altura de cerca de 1,20m e com rede de arame, com cerca de 70 cms de altura (artigo 15º da petição inicial) - deve ser considerado como não provado porque, como resultou da inspecção ao local e das fotografias juntas no seguimento desta, não é verdade que a vedação, junto à base do talude, tivesse 70 cm de altura e/ou que os respectivos postes tivessem 1,20 de altura.

Argumenta que os 70 cm que foram medidos na inspecção na crista ou topo do talude, num local onde existe uma meia cana para escoamento de águas da plataforma da auto-estrada e não em terreno plano, junto à base do talude, em que é diferente ter 70 cm de altura.

Se os postes têm ou não 1,20 m não figura na inspecção. Desta consta apenas que foi medida a altura da rede implantada na meia cana, que é de 70 cm.

Uma vez que se desconhece a partir de que plano foi medida a altura da rede e o art. 15 não refere a altura da rede, dá-se apenas como provado que “na base do talude da estrada, que fica ao nível dos ditos terrenos, a vedação da via é feita por postes de madeira e com rede de arame”.

Pretende a recorrente que se deem como provados os artigos 22º e 23º da sua contestação, ou seja, que se dê como provado que a vedação da A25, em toda a extensão do sublanço onde se situa o local do sinistro, e em ambos os sentidos de marcha, encontrava-se na data do sinistro em boas condições de segurança e conservação, não apresentando qualquer falha, ruptura, abertura ou anomalia de qualquer espécie. Alega que não existe evidência de que os funcionários da ré depuseram de forma “comprometida”, como, sem concretizar, avança a sentença.

         A recorrente alegou na contestação que a vedação se encontrava nas “imediações” do local onde o embate terá ocorrido em boas condições de segurança. Não alegou, exactamente, que a vedação se encontrava em boas condições, sem falha, ruptura, abertura ou anomalia de qualquer espécie, em toda a “extensão do sublanço” onde se situa o local do sinistro que, pelos vistos, e a avaliar pelo depoimento das testemunhas, terá cerca de 6 Km.

De todo o modo, a testemunha D... apenas fez a verificação com um bastão luminoso de 200 m para cada lado, não tendo feito, no entanto, a verificação na zona onde havia vegetação.

Pelo que, relativamente ao sublanço, apenas temos o E... que fez uma inspecção de nó a nó integrado numa equipa de três funcionários, que, diz dele, não detectou qualquer anomalia. E a testemunha F... que apenas teve acesso à informação documental interna (e que não foi junta).

E aqui não podemos deixar de concordar com a posição da Sr.ª Juiz que exigiu a corroboração de outro meio de prova. Na realidade, a prova resume-se a uma única testemunha ocular que é empregada da ré. E não se argumente que não é possível configurar melhor prova. É sempre possível juntar fotografias, filmes e até outra prova (vistorias técnicas) que ateste a inexistência de ocorrências anteriores e a integridade das vedações.

Como assim, e tendo em conta, também, que as fotografias juntas como documentos nº 5 e 11 juntas pelo autor, deixam perceber que existem emendas nas redes, não se alcança convicção suficiente no sentido de que a vedação não apresentava qualquer falha, ruptura, abertura ou anomalia de qualquer espécie, numa zona tão extensa quanto a do sublanço.

Quanto ao art. 24 da contestação, não se trata da afirmação de um facto. E os art. 28 e o 36 são conclusivos. Eliminam-se, assim, estes artigos do enunciado dos factos não provados e incluem-se os mesmos no elenco dos conclusivos.

Em resultado da impugnação, fixa esta Relação a seguinte matéria de facto provada (assinalando-se a itálico as alterações introduzidas):

“1 – Pelas 3h do dia 15 de outubro de 2011, o autor circulava na autoestrada A25, no sentido Mangualde/Viseu, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula GM... , marca Renault Clio (artigos 1º e 2º da petição inicial);

2 – Ao aproximar-se do KM 91,2, o autor avistou pelo menos um cão de grande porte que atravessava a via por onde o autor circulava, efetuando tal travessia do separador central para a berma (artigos 4º e 10º da petição inicial);

3 – A via por onde o autor circulava e no seu sentido de trânsito, comporta duas hemifaixas de rodagem, delimitadas por um traço descontínuo (artigo 6º da petição inicial);

4 – Tal via é delimitada por um separador central, em betão, na parte que a delimita das hemifaixas de rodagem destinadas à circulação em sentido contrário, e por uma proteção metálica, junto à berma (artigo 5º da petição inicial);

5 – Em tal via, à direita, atento o sentido de marcha do autor, existe uma faixa de segurança de 2,50 m de largura (artigo 7º da petição inicial);

6 – O autor circulava a uma velocidade que em concreto não foi possível apurar (artigo 8º da petição inicial);

7 – O autor não conseguiu evitar que o seu veículo colidisse com o cão que efectuava o atravessamento da via, em local não apurado, mas anterior, considerando o sentido de marcha Mangualde/Viseu, ao Km 91,2, vindo a despistar-se após tal colisão, embatendo, de seguida, no separador central ao Km 91,2, sentido Mangualde/Viseu, e acabando por se imobilizar, depois de ter capotado um número não apurado de vezes em cima da linha longitudinal descontínua, a cerca de 60 metros do local de embate no separador central e a cerca de 37 metros do marco quilométrico 91,1, considerando uma linha perpendicular tirada do farol traseiro esquerdo do veículo imobilizado, nos termos documentados no croquis de fls 24.

8 – O cadáver do animal embatido, que era de grande porte, ficou na faixa de segurança, a cerca de 46 metros antes do ponto do Km 91,2, considerando uma linha perpendicular ao mesmo (artigos 10º e 12º da petição inicial);

9 – No local do embate, a autoestrada desenvolve-se numa plataforma em talude sobranceiro e a uma altura superior a cerca de 6 metros em relação aos terrenos marginais (artigo 14º da petição inicial);

10 – Na base do talude da estrada, que fica ao nível dos ditos terrenos, a vedação da via é feita por postes de madeira e com rede de arame.

11 – Entre a proteção metálica da via e a vedação de arame situa-se uma faixa de terreno em declive onde nasce mato, silva e tojo (artigo 16º da petição inicial);

12 – No local também existem duas condutas emanilhadas de águas pluviais (em meia cana), que vão desembocar junto à rede em arame (artigo 17º da petição inicial);

13 – O autor deu entrada nos serviços de urgência do Hospital de São Teotónio, E.P.E em Viseu, pelas 4h21 m do dia 15 de outubro de 2011, para onde foi conduzido de ambulância pelos serviços do INEM (artigos 24º e 25º da petição inicial);

14 – O autor apresentava equimose lombar e na nádega esquerda, dor à palpação da nádega esquerda e da espinha LAS esquerda (artigos 26º e 27º da petição inicial);

15 – Em tal instituição hospitalar, o autor efetuou análises de patologia clínica (artigo 28º da petição inicial);

16 – O autor efetuou ainda diversos RX, após o que foi remetido as serviços de ortopedia, onde lhe foi diagnosticada fratura de D12 e L3 e, após, internado em Ortopedia A (artigos 29º e 30º da petição inicial);

17 – Durante o período de internamento, entre 15 e 18 de outubro, o autor ficou imobilizado com colete tipo “jewett”, designado por lombostato (artigo 31º da petição inicial);

18 – O autor efetuou TAC dorso-lombar e RX da coluna dorso-lombar, tendo-lhe sido administrado analgésicos e anticoagulante (artigo 32º da petição inicial);

19 – No dia 18 de outubro de 2011, foi concedida alta ao autor com indicação do uso permanente do colete “jewett” sempre que levantado, e acompanhamento na consulta externa da unidade de Ortopedia do Hospital de Tondela, acompanhamento esse a que se submeteu (artigos 33º, 34º e 36º da petição inicial);

20 – Como consequência direta do acidente, o autor esteve de baixa durante 109 dias, no período compreendido entre 15 de outubro de 2011 e 31 de janeiro de 2012, tendo sido de 87 dias o período de repercussão temporária na sua atividade profissional total, tendo-lhe sido liquidada, a título de prestações por subsídio de doença pelo Instituto de Segurança Social, a quantia de € 1.674,67 (artigo 35º da petição inicial e artigos 2º e 3º do articulado apresentado pelo Instituto de Segurança Social);

21- Por força do episódio de urgência supra mencionado, o autor liquidou a taxa moderadora de € 80,50 ao Centro Hospitalar Tondela – Viseu, EPE, cuja nota de débito se mostra datada de 23 de dezembro de 2011, bem como a taxa moderadora de € 80,50, cuja nota de débito se mostra emitida, pela mesma instituição hospitalar, com data de 26 de outubro de 2012, bem como taxas moderadoras referentes a consultas no Centro de Saúde Tondela, no montante de € 14,00, e também a taxa moderadora emitida pelo Centro Hospitalar Tondela/Viseu em 9/1/2012, no montante de € 7,50 (artigo 37º da petição inicial);

22 – Para tratamento das lesões sofridas, o autor gastou em produtos farmacêuticos a quantia de € 92,59 (artigo 37º da petição inicial);

23 – Para tratamento das lesões sofridas com o embate, o autor submeteu-se a duas consultas de ortopedia, pelas quais liquidou a quantia global € 120 (artigo 37º da petição inicial);

24 – O autor suportou ainda o montante de € 30,00 relativo a RX à coluna lombar a que se submeteu na sequência do embate supra descrito (artigo 37º da petição inicial);

25 – O veículo automóvel do autor ficou imobilizado na via onde o mesmo ocorreu, não circulando pelos próprios meios, pelo que teve que ser rebocado para a oficina, tendo o autor liquidado a quantia de € 99,88 por tal reboque (artigos 38º e 39º da petição inicial);

26 – A reparação do veículo do autor foi orçamentada em € 18.369,77, sendo que o autor a havia adquirido em 16 de novembro de 2010, por € 12.000,00 (artigos 38º, 40º e 41º da petição inicial);

27 – Tal veículo tinha um valor que em concreto não foi possível apurar mas situado entre € 8.000,00 e € 11.000,00;

28 - Durante o período de internamento, o autor sofreu dores apenas apaziguadas com analgésicos (artigo 42º da petição inicial);

29 – O autor também sentiu dores em situações de repouso (artigo 46º da petição inicial);

30 – O autor sofreu incómodos por apenas conseguir dormir de barriga para cima (artigo 46º da petição inicial);

31 – O autor também sofreu dores e incómodos ao nível da coluna pelo uso do colete “jewett” durante o período em que esteve de baixa (artigo 45º da petição inicial);

32 – As dores que o autor sofreu entre a data do sinistro e a da consolidação das lesões são fixáveis no grau 3 numa escala de 7 valores (artigos 42º 45º e 46º da petição inicial);

33 – O autor sentiu-se triste, desanimado e desmotivado durante o período da baixa (artigos 43º e 45º da petição inicial);

34 – Por força das lesões sofridas com o embate, o autor ficou portador de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 5 pontos, compatível com o exercício da sua atividade habitual, mas implicando esforços suplementares (artigo 51º da petição inicial);

35 – O autor, no momento do sinistro, era motorista de pesados de longo curso, profissão que continuou a desempenhar mais algum tempo, mas com esforço por ter passado a padecer de dores ao nível da coluna lombar por força das lesões sofridas (artigos 44º, 47º, 49º, 50º da petição inicial);

36 – À data do sinistro, o autor auferia o vencimento líquido de € 677,74 (artigos 54º e 55º da petição inicial);

37 – O autor nasceu em 11 de maio de 1981 (artigos 52º e 53º da petição inicial);

38 – A autoestrada onde se verificou o sinistro encontrava-se concessionada pelo Estado Português à ré (artigo 61º da petição inicial);

39 – A A25 é uma autoestrada sem barreiras de portagens físicas, cujos nós não eram, e não são, fechados, permitindo a ligação de tal autoestrada a estradas nacionais ou municipais (artigos 16º, 17º e 18º da contestação);

40 – As vedações das autoestradas concessionadas, designadamente da A25 merecem a aprovação por parte do Estado, quanto às suas caraterísticas e extensão (artigos 19º e 20º da contestação);

41 – A ré efetua patrulhamentos da A25 em regime de turnos, durante as 24 horas de cada dia do ano, em todos os dias de cada ano, o que também sucedeu no dia do acidente (artigos 29º e 30º da contestação e 11º da contestação da interveniente);

42 – Antes de ter eclodido o acidente, a ré desconhecia a presença de qualquer animal na via ou nas proximidades do sinistro, não tendo sido detetado qualquer animal pelos seus funcionários quando ali efetuaram patrulhamentos (artigos 29º e 34º da contestação e 11º da contestação da interveniente);

43 – Sempre que a ré tem conhecimento de quaisquer animais (ou outros fatores) que possam colocar em risco a segurança e a normal circulação automóvel na sua concessão – nomeadamente através de informações de utentes ou da própria BT da GNR -, atua de forma a expulsar esses animais da via (artigo 35º da contestação);

44 - O autor enviou à ré a carta datada de 21 de outubro de 2011, cuja cópia consta de fls 86 dos autos, na qual, além do mais aí exarado, solicita “(…) o pagamento dos danos causados, decorrentes do sinistro ocorrido no dia 15 de outubro de 2011, na autoestrada A25, da Vossa responsabilidade (…)” (artigo 62º da petição inicial);

45 – A tal carta a ré respondeu mediante o envio da carta cuja cópia consta de fls 92, datada de 14 de novembro de 2011, na qual, além do mais declara que “(…) não se considera de forma alguma responsável pelo sinistro (…)” (artigo 63º da petição inicial);

46 – O autor enviou ainda à ré a carta cuja cópia consta de fls 89/90, datada de 24 de novembro de 2011, à qual a ré respondeu por carta de 12 de dezembro de 2011, cuja cópia consta de fls 92 dos autos (artigos 64º e 65º da petição inicial);

47 – À data dos factos, a ré tinha transferido a sua responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros em virtude da sua atividade, até ao limite de € 30.000.000,00, para a interveniente C... SA – Sucursal em Portugal, que procedeu à alteração da sua denominação social para I... em Portugal, através de acordo titulado pela apólice nº (...) , acordo esse que previa uma franquia de 10% do valor do sinistro com o mínimo de € 5.000,00 e o máximo de € 25.000,00 no caso de sinistros com danos materiais, e sem qualquer franquia em caso de danos corporais (artigos 47º e 48º da contestação, 1º e 2º do articulado da interveniente). “

         Aceita-se como não provados os seguintes factos:

“Os alegados nos artigos:

- 17º, 19º, 20º, 21º da petição inicial;

- 22º, 23º e 33º, da contestação;

- 10º da contestação apresentada pela interveniente”

Por conterem matéria inócua para a decisão da causa, conclusiva, de direito ou mera impugnação, aceita-se também que fique sem resposta a matéria constante dos artigos:

- 22º, 56º, 57º, 58º, 59º, 60º da petição inicial;

- 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 21º, 25º, 26º, 27º, 31º, 32º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º, 46º, 49º, 50º, 51º da contestação e ainda, os art. 24º, 28º e 36º do mesmo articulado;

- 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 12º, 13º, 14º, 15º e 16º da contestação da interveniente;

- 1º, 4º, 5º, 6º e 7º do articulado apresentado pelo Instituto de Segurança Social;

- 1º a 5º do articulado de resposta ao pedido de reembolso”

O Direito:

Entende a recorrente que a Lei nº 24/2007 não veio estabelecer qualquer presunção de culpa em desfavor das concessionárias mas apenas uma inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre as concessionárias o ónus de provar o cumprimento das obrigações de segurança. E que essa obrigação se preenche com a mera demonstração de que as concessionárias tudo fizeram para que não ocorresse o acidente, o que se demonstra através da prova de que as vedações se encontravam intactas e sem rupturas nas imediações do local do acidente. Frisa, ainda, que as obrigações a seu cargo são claramente obrigações de meios (e não obrigações de resultado), não lhe sendo possível (especialmente, numa AE como a presente, com nós não fechados) evitar em absoluto que os animais ingressem na estrada. E, revertendo ao acidente em causa, entende que cumpriu com aquelas obrigações de segurança, particularmente no que se refere à integridade da vedação, situada entre os nós abertos da AE e numa extensão correspondente a todo o sublanço onde aconteceu o acidente, divergindo, por isso, da sentença na parte em que entende que à concessionária competiria aumentar a altura da vedações e/ou colocar barreiras físicas nos nós não fechados da AE (pois tal impediria a entrada de pessoas e veículos). Considera, ainda, que demonstrou que desconhecia a presença do animal na via antes do acidente ter acontecido apesar do cumprimento integral da sua missão de vigilância e patrulhamento.

Porém, nenhum dos argumentos procede.

Como se sabe, o art. 12 da Lei nº 24/2007 faz recair sobre a concessionária a presunção de incumprimento de obrigações de segurança quando os acidentes sejam causalmente imputados a objectos arremessados, a objectos ou líquidos existentes nas faixas de rodagem ou ao atravessamento de animais (Ac. STJ de 14.3.2013, Abrantes Geraldes, em www.dgsi.pt). É à concessionária que cabe o ónus de demonstrar que não houve incumprimento causal de quaisquer obrigações de segurança, que lhe cabe o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, de modo a ilidir a presunção de culpa que sobre ela recai (cfr. o Ac. STJ de 18.12.2013, Fonseca Ramos, em www.dgsi.pt). E se não são de exigir obrigações de segurança impossíveis de cumprir, deve ser exigida, no entanto, uma obrigação reforçada de meios e uma diligência acrescida na observância das regras de segurança, designadamente no que respeita à vigilância, sob pena de se fazer recair sobre o utente da estrada as consequências resultantes dos obstáculos que nela se encontram, o que se afigura injusto (cfr. o supracitado Ac. STJ de 14.3.2013).

Como assim, não basta que se prove que a vedação estava em bom estado de conservação, prova, que, aliás, a ré não fez. Não fez a prova de que a vedação estava em bom estado como não fez a prova de que ela tinha características suficientes (designadamente de altura) para evitar a entrada de animais na via (em especial de cão de grande porte, como era o caso).

Mas, como se disse, a culpa presumida que recai sobre a concessionária não se reconduz apenas ao facto de os animais entrarem na faixa de rodagem (e para esse efeito importará sobretudo a vedação). Envolve, também, o facto de aí os animais continuarem, transitarem ou permanecerem (Ac. STJ de 14.3.2013). E, por isso, é preciso que a concessionária prove que tinha possibilidades de detectar e remover o perigo que representava a existência de, pelo menos, um cão na via.

Ora, revertendo ao caso sub judice, verifica-se que nada foi alegado no que diz respeito à periodicidade das passagens da patrulha. Apenas ficou provado que “a ré efetua patrulhamentos da A25 em regime de turnos, durante as 24 horas de cada dia do ano, em todos os dias de cada ano, o que também sucedeu no dia do acidente”. Mas isto não exclui a sua responsabilidade. Na verdade, não fica excluída a hipótese de o patrulhamento ter sido feito de forma deficiente, pois não se alega concretamente o regime de turnos e a periodicidade com que as patrulhas passavam no local e de a recorrente não ter visto o animal (que podia e devia ter visto). Tendo o acidente ocorrido às 3 da manhã impunha-se, pois, que a ré alegasse e provasse a hora a que tinha sido feito o último patrulhamento, para se poder ver se ela tinha actuado diligentemente, isto é, com a diligência exigível a um bom pai de família (art. 487, nº 2 do CC).

Por outro lado, o facto de haver nós que não são fechados não exclui a responsabilidade da ré. A ré não está, como se disse, adstrita apenas ao cumprimento da obrigação de possuir uma vedação em bom estado e eficiente, o que, de resto, não logrou provar. Está também obrigada à vigilância da estrada. E para esse efeito costuma utilizar-se também câmaras de vigilância do tráfego. Ora, a ré não alegou a existência de qualquer câmara nos nós ou em algum troço nem a impossibilidade de dispor delas.

A concessionária não provou, em conclusão, que fez todas as diligências que lhe era possível fazer e lhe eram razoavelmente exigíveis.

E, portanto, é sobre ela que deve recair a culpa do acidente.

Para a arredar, sustenta, ainda, a apelante que existiu culpa do lesado, o que, atendendo a que a responsabilidade da ré se baseia em simples presunção de culpa, exclui, nos termos do art. 570, nº 2 do CC, o dever de indemnizar que sobre ela possa recair. Argumenta que a culpa do lesado resulta do facto de ele, apesar de ter avistado o animal a uma distância não inferior a 100 metros, estar bom tempo e haver boa visibilidade, não ter conseguido provar que travou e, ainda, do facto de o veículo, depois de embater no animal e no separador central, ter acabado por se imobilizar a mais de 60 metros (mesmo a mais de 100 metros) do local do embate com o animal, depois de capotar não menos de quatro vezes.     

Porém, não ficou provado qualquer facto culposo do autor, que tenha contribuído para o acidente e para produção dos danos. E, especialmente, não ficou provado que o autor tivesse avistado o animal a uma distância não inferior a 100 metros, isto é, a uma distância equivalente à dos máximos (art. 60, nº 1, al. a) do Código da Estrada).

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela apelante.


*

Coimbra, 14 de Março de 2017


Relator:

António Magalhães

Adjuntos:

1º - Ferreira Lopes

2º - Freitas Neto