Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
504/14.8TALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS COIMBRA
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO AMBIENTAL
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 05/27/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (INSTÂNCIA LOCAL - SECÇÃO CRIMINAL - J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 22.º, N.º 3, AL. B), DA LEI N.º 50/2006, DE 29 DE AGOSTO, ALTERADA PELA LEI N.º 89/2009, DE 31 DE AGOSTO
Sumário: A norma do artigo 22.º, n.º 3, al. b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, alterada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto - ao estabelecer, para as pessoas colectivas, a coima mínima de 15.000,00, em caso de contra-ordenações ambientais graves praticadas por negligência -, não enferma de inconstitucionalidade material, nomeadamente por violação do princípio da proporcionalidade plasmado no artigo 18.º da CRP.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 5ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

1. Por decisão de 13/11/2013, no âmbito do Processo Contra-Ordenação n.º CO/001303/11, a Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território condenou a arguida A..., Lda.

- na coima de €15.000,00, pela prática de uma contra-ordenação ambiental grave p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 11º b) e 18º n.º 2 alínea f) do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12 de Março, sancionável nos termos previstos na al. b) do nº 3 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, na redacção dada pela Lei n.º 89/2008, de 31 de Agosto;

- na coima de €3.000,00, pela prática de uma contra-ordenação ambiental leve p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 11º f) e 18º n.º 3 alínea c) do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12 de Março, sancionável nos termos previstos na al. b) do nº 2 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, na redacção dada pela Lei n.º 89/2008, de 31 de Agosto;

- operando o cúmulo jurídico das coimas atrás referidas, foi a arguida condenada na coima única de €16.000,00 e, ainda, nas custas do processo.

2. A arguida, notificada da decisão administrativa, impugnou-a judicialmente, em 27/01/2014, ao abrigo do disposto no artigo 59.º e seguintes do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, defendendo, em síntese: o arquivamento dos autos por não ter praticado nenhuma infracção; a sua absolvição com o argumento que da decisão administrativa não consta a descrição dos factos concretos e das circunstâncias em que a imputadas contra-ordenações foram praticadas; que a condenação deverá ser suspensa na sua execução; ou caso assim se não entenda a coima deverá ser reduzida à proporção e possibilidades da arguida.


3. O recurso de impugnação judicial foi admitido, em 26/03/2014, já no âmbito do Processo de Recurso (Contra-Ordenação) n.º 504/14.8TALRA, do (entretanto extinto) 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Leiria, tendo posteriormente sido designada data para audiência de julgamento.

4. Realizada que foi a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, veio, em 05/01/2015, a ser proferida sentença onde foi decidido:

- “julgar improcedente a nulidade de falta de fundamentação de facto da decisão administrativa .

- julgar parcialmente procedente o recurso interposto por  “ A... , Ldª, “e alterar  a decisão de ordenação   da decisão de 13 de  Novembro  de 2013, proferida pela  Inspecção Geral  do Ambiente e do Ordenamento do Território  , agora  Inspecção Geral da Agricultura , Mar, Ambiente e do Ordenamento do Território e condenar  aquela  pela  prática, em concurso efectivo  de  uma contra-ordenação ambiental grave p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs  11º , alínea b) e 18º , n.º 2 , alínea f) , do DL  n.º 46/2008  de 12 de Março  na coima de 15 000 euros , e de uma contra-ordenação  ambiental leve p.p. pelo art.º 11º , alínea f) , e artigo 18º , n.º 3  alínea c) do DL n.º 46/2008  de 12 de Março na coima de  3000  euros e em cúmulo jurídico de coimas  na coima de  15 000 euros , mantendo-se no mais a decisão administrativa quanto às custas fixadas .

(…)”

5. Inconformada uma vez mais, a arguida (a fls. 260 a 279) interpôs recurso para este Tribunal, finalizando a sua motivação com as seguintes (transcritas) conclusões:

“1) Conforme resulta de fls. à Recorrente foi levantado um auto de contraordenação, pela prática de: Uma contraordenação ambiental grave, p.p. na alínea b), do artigo 11º e alínea f), n° 2, do artigo 18°, do Decreto-Lei n° 46/2008, de 12 de março; Uma contraordenação ambiental leve, p.p. alínea f) do artigo 11º e alínea f), n° 3, do artigo 18°, do Decreto-Lei n° 46/2008, de 12 de março;

2) A Recorrente apresentou a sua defesa escrita, que, para todos os efeitos, e a fim de este Venerando Tribunal possa apreciar, alegou o que acima se transcreveu;

3) A entidade administrativa decidiu em condenar a Recorrente, da forma que acima se transcreveu;

4) A Recorrente impugnou a decisão, nos termos e com os fundamentos acima transcritos;

5) Após realização do julgamento, e ouvirem-se as testemunhas arroladas, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” proferiu sentença, concluindo: “... Pelo exposto, decide-se: - Julgar improcedente a nulidade de fundamentação de facto da decisão administrativa. - Julgar parcialmente procedente o recurso interposto por “ A.... Lda.” e alterar a decisão de ordenação da decisão de 13 de novembro de 2013, proferida pela Inspeção Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território e condenar aquela pela prática, em concurso efetivo de uma contraordenação ambiental grave (...) e de uma contraordenação ambiental leve (...) e em cúmulo jurídico de coimas de 15.000.00 euros, mantendo-se no mais a decisão administrativa quanto às custas fixadas”;

6) A Recorrente não concorda com tal decisão.

7) No que diz respeito à nulidade da decisão administrativa, por falta de circunstâncias de facto que lhe foram imputadas, a mesma deveria ter sido procedente:

8) Ao abrigo do n° 1, do artigo 41°, do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, são aplicáveis ao presente processo, sempre que não resulte o contrário, os preceitos do processo penal;

9) A Recorrente apenas pode ser acusada e condenada pela prática de um facto que seja determinado, típico, ilícito e culposo;

10) Analisando a decisão e o auto de contraordenação, e também a sentença de fls., não parece haver o preenchimento de todos os requisitos supra apresentados;

11) Dizer-se apenas aquilo que se diz no auto e na decisão, não é suficiente para que a mesma seja condenada;

12) Quer o autuante, quer o decisor administrativo, limitaram-se a copiar para as suas decisões, as disposições legais correspondentes;

13) Não se fazendo, no caso em concreto, a descrição dos factos e das circunstâncias em que foram praticados, e que levaram à sua condenação;

14) Onde deveria constar uma descrição dos factos concretos, surge-nos uma descrição fáctica em abstrato;

15) Lendo a decisão administrativa, não se consegue perceber, tendo em conta a descrição vaga dos factos, o ato (ou atos) ilícito específico individualizado (tendo em conta a forma, o local, a intenção, e o nexo de imputação subjetiva dos factos ao agente) que possa ser imputado à Recorrente;

16) A falta de tais descrições fácticas, leva a que a mesma tenha de ser absolvida;

17) Nos termos do artigo 58°, n° 1, do RGCOC, a decisão que aplica a coima ou sanções acessórias deve conter, além do mais, a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação;

18) Analisada a decisão e a sentença, constata-se que nas mesmas, em sede de factos provados, nada consta de factos concretos relativamente à imputada negligência — elemento subjetivo, sendo que em sede de apreciação da culpa da Recorrente, no âmbito de apreciação jurídica, se constata a sua condenação por atuação negligente;

19) Com o devido respeito, nenhuma factualidade se deu como provada para se chegar a tal conclusão de Direito;

20) O que se fez de forma conclusiva e usando, nesse momento, tão só de um “chavão” juridico genérico, tabelar e lacónico, sem que, em momento prévio (nos factos provados), se tenham assente quaisquer factos que permitam tal subsunção;

21) Assim se demonstra a indeterminação da decisão administrativa no que respeita aos factos a subsumir ao elemento subjetivo;

22) O artigo 8° do RGCOC consagra em sede contraordenacional o princípio da culpa, segundo o qual ninguém pode ser punido senão segundo a sua culpa — nexo de imputação subjetiva dos factos ao agente;

23) É manifesta a omissão de tal, essencial, enunciação fática;

24) Nos termos dos artigos 374°, n° 2, e 379°, n° 1, alínea a), ex vi artigo 41° do RGCOC, estamos perante uma nulidade da decisão da autoridade administrativa;

25) Mesmo não se olvidando que as decisões administrativas não carecem de uma exigente fundamentação como sucede com as sentenças criminais, também não se pode, num estado de Direito vinculado ao constitucional princípio da CULPA, admitirem-se decisões em que se impute uma atuação negligente sem assento de factos de onde tal se possa extrair, cuja consequência é a aplicação de coimas e sanções acessórias que nas atuais condições socioeconómicas do país, bulem com a sobrevivência dos cidadãos e, logo, com a própria economia nacional;

26) Por esse motivo, deve concluir-se pela declaração de nulidade da decisão da autoridade administrativa;

27) O que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;

28) Caso assim se não entenda, o que por hipótese meramente académica se coloca e por dever de patrocínio se admite, sem prescindir do que vem sendo alegado, nos termos do disposto no n° 1, do artigo 41° do Decreto-Lei 433/82 de 27 de outubro que “sempre que do contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis. devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal”;

29) No n° 2, do artigo 374° do Código de Processo Penal prevê-se que: “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicacão e exame crítico das provas que serviram para formar a conviccão do tribunal” — negrito e sublinhado nosso;

30) Nos termos do n° 1, do artigo 379° do CPP, “é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n°2 e na alínea b), do n°3, do artigo 374°”;

31) Na sentença de fls. consta nos pontos 11 e 12 dos “FACTOS PROVADOS”: “11 - Ao não ter implementado um sistema de acondicionamento adequado à gestão seletiva de RCD ‘s por si produzidos e detidos, o arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada por se encontrar a laborar e de que era capaz; 12 - A arguida ao não possuir o mapa de registo de RCD, não agiu com a diligência necessária para conhecer e cumprir com as obrigações legais inerentes ao exercício da atividade por si prosseguida e de que era capaz...”;

32) Na motivação que se apresenta imediatamente a seguir, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, apenas refere os pontos 4, 5, 13 e 14, e dos motivos que o levaram a dar como provados os factos constantes em 4, 5, 13 e 14;

33) O que quer dizer que, quanto à imputação subjetiva dos factos (elemento subjetivo do tipo — culpa/negligência) o mesmo nada disse — nem uma consideração, mínima que fosse;

34) O Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” não se debruçou sobre tal matéria;

35) O Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” omitiu na “motivação” o porquê de julgar como provados os factos descritos em II e 12 dos Factos Provados;

36) Cometeu a nulidade prevista no n° 1, do artigo 379° que acima se transcreveu;

37) Nulidade que desde já se requer declarada, com todos os efeitos jurídicos daí resultantes;

38) Sem prescindir do que vem sendo alegado, caso assim se não entenda, e tendo em conta que foi dado como provado que o lucro tributário da Recorrente no ano antecedente ao do levantamento do auto foi o montante de 3.332,49 € — vide ponto 13 dos factos provados — o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” não podia ter condenado, em cúmulo jurídico, a Recorrente no pagamento do valor de 15.000,00€;

39) Atendendo às condições socioeconómicas provadas da Recorrente, é injusto ser condenada em 5 vezes o valor de lucro que aufere num ano;

40) Além da arguida não concordar com a coima aplicada, o seu montante é descabidamente desproporcional, e, em última análise, criminosa — no sentido de que, no dia a seguir ao trânsito em julgado da decisão, a Recorrente teria que se apresentar à insolvência;

41) Tal condenação viola alguns princípios da Constituição, nomeadamente e principalmente o da proporcionalidade;

42) Considerando que se prevê no artigo 20º da Lei 50/2006, de 29 de agosto que a medida da pena “faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa do agente, da sua situação económica e dos benefícios obtidas com a prática do facto”, dúvidas não existem que a aplicação da coima no valor de 15.000,00 € é excessiva, considerando a sua culpa, a sua situação económica e os benefícios económicos retirados;

43) A previsão da determinação da alínea b), do n° 3, do artigo 22° da Lei 50/2006, de 29 de agosto onde consta: “Às contraordenaçães graves correspondem as seguintes coimas: a)...; b) Se praticadas por pessoas coletivas, de €15.000,00 a € 30.000,00 em caso de negligência...” é inconstitucional, por violar os preceitos previstos nos artigos 3º, 12°, 13°, 16°, 18°, 20° e 29° da Constituição da República Portuguesa;

44) Declaração de inconstitucionalidade que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;

45) Destarte da coima que foi aplicada à Recorrente, o Meritíssimo Juiz do Tribunal, poderia, e deveria, ter aplicado à Recorrente uma admoestação, prevista no n° 1, do artigo 51°, do RGCO, ex vi do n° 1, do artigo 2°, da Lei 50/2006, de 29 de agosto;

46) O que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes.

Termos em que, pelos motivos acima expostos, e nos melhores de direito, se requer a revogação da sentença recorrida, realizando assim, a acostumada justiça.”

                                                     *

6. O  recurso foi admitido por despacho de fls. 282.

7. O Ministério Público, junto da 1ª instância, (a fls. 309 a 323), respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.

8. Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto (a fls. 330 e 331), sufragando a posição evidenciada pelo Ministério Público junto do tribunal recorrido e manifestando a sua concordância com a decisão recorrida,  emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder.

9. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, a recorrente respondeu mantendo a posição que já havia manifestado no recurso.

7. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Em processo de contra-ordenação, o regime de recurso interposto, para o Tribunal da Relação, de decisões proferidas em primeira instância deve observar as regras específicas referidas nos artigos 73º a 75º do DL 433/82, de 27-10, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 244/95, de 14-09 e pela Lei n.º 109/2001, de 24-12 (Regime Jurídico das Contra-Ordenações, que doravante será apenas designado pela sigla RGCO), seguindo, em tudo o mais, a tramitação do recurso em processo penal (art. 74º, n.º 4), em função do princípio da subsidiariedade genericamente enunciado no art. 41.º, n.º 1, do RGCO.

Em recursos interpostos de decisões do tribunal de 1.ª instância, no âmbito de processos de contra-ordenação, o Tribunal da Relação apenas conhece, em regra, da matéria de direito, sem prejuízo de poder “alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida” ou “anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido” (cfr. art. 75.º, n.ºs 1 e 2 do RGCO).

Por outro lado, importa também não esquecer, e constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores, que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo da apreciação das questões importe conhecer oficiosamente, por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo Código.

No caso vertente, não obstante a extensas conclusões do recurso, (mas não havendo motivos para se ser demasiado exigente num convite à recorrente para, com o devido formalismo, aperfeiçoar as conclusões tendentes a sinteticamente resumir o alegado na motivação) as questões a conhecer são as seguintes:

1ª. Se é nula a decisão administrativa por falta de falta de descrição de factos concretos e das circunstâncias em que foram praticados;

2ª Se a sentença é nula por falta de fundamentação da matéria de facto provada e/ou exame crítico das provas (artigo 379º nº 1 al a) e 374º nº 2, ambos do Código de Processo Penal);

3ª Se é excessiva a coima aplicada à arguida e se é inconstitucional a previsão da alínea b) do nº 3 do artigo 22º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto;

4ª Se deve ser aplicada à arguida a medida de admoestação.

Apreciando.
1ª Questão – Saber se é nula a decisão administrativa por falta de falta de descrição de factos concretos e das circunstâncias em que foram praticados.
Esta questão já havia sido suscitada pela arguida aquando da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, tendo sido, na sentença recorrida, previamente à fundamentação de facto, analisada e decidida da seguinte modo (transcrição):
“Nulidade da decisão administrativa  por omitir a descrição das circunstâncias de facto imputadas à recorrente  em violação do disposto no art.º  374º , n.º 2 e 379º , n.º 1 alínea a) do CPP e artigo 58º do RGCO ;
 Cumpre apreciar e decidir :
Com relevância para o caso dos autos, dispõe a Lei n.º 50/2006 , de 29 de Agosto  no art.º 1º e 2º , respectivamente que:
“1 - A presente lei estabelece o regime aplicável às contra-ordenações ambientais.
2 - Constitui contra-ordenação ambiental todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de disposições legais e regulamentares relativas ao ambiente que consagrem direitos ou imponham deveres, para o qual se comine uma coima.
3 - Para efeitos do número anterior, considera-se como legislação e regulamentação ambiental toda a que diga respeito às componentes ambientais naturais e humanas tal como enumeradas na Lei de Bases do Ambiente.”

“1 - As contra-ordenações ambientais são reguladas pelo disposto na presente lei e, subsidiariamente, pelo regime geral das contra-ordenações.
2 - O regime fixado na presente lei é igualmente aplicável à tramitação dos processos relativos a contra-ordenações que, integrando componentes de natureza ambiental, não sejam expressamente classificadas nos termos previstos no artigo 77.º, excepto quanto constem de regimes especiais.
3 - Para efeitos do número anterior, consideram-se regimes especiais os relativos à reserva agrícola nacional e aos recursos florestais, fitogenéticos, agrícolas, cinegéticos, pesqueiros e aquícolas das águas interiores.

 Ora dispõe o artigo 58.º do RGCO que a decisão condenatória deve conter:
a) A identificação dos arguidos;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d) A coima e as sanções acessórias.
2 - Da decisão deve ainda constar a informação de que:
a) A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do artigo 59.º;
b) Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.
3 - A decisão conterá ainda:
a) A ordem de pagamento da coima no prazo máximo de 10 dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão;
b) A indicação de que em caso de impossibilidade de pagamento tempestivo deve comunicar o facto por escrito à autoridade que aplicou a coima
      Por sua vez ,  os art.ºs 374º , n.º 2   e 379º , nº 1 alínea a)  do CPP refere que a sentença deve conter   na fundamentação onde consta obrigatoriamente sob pena de nulidade  a enumeração dos factos provados  e não provados  , bem como de uma exposição  tanto quanto possível  completa , ainda que concisa  , dos motivos de facto e de direito  que fundamentam a decisão  com indicação do exame critico das provas  que serviram para formar a convicção do tribunal .
No caso concreto consta da decisão  administrativa a seguinte factualidade:
- No dia 29 de Março de 2011 , pelas 9 h 30 m , foi efectuada uma acção inspectiva , levada a cabo pela IGAMAOT , na obra sita em São Romão , Lote 14/15, na freguesia de Pousos, Leiria .
- A obra inspecionada  encontrava-se em laboração  à data da inspecção ;
- O local inspecionado  localiza-se no lugar  de São Romão , Lote 14 e 15 estando em construção um conjunto de apartamentos  para habitação , os quais se encontram em face final de acabamento sendo a área  de construção  do lote 14 de  2002 m2  e a volumetria do edifício  de 6006 m 3 , n.º de pisos 7 , sendo 5 acima da cota soleira e 2 abaixo  da mesma cota e n.º de fogos  10.
- O lote n.º 15 possui  uma área  total de construção de 2051 m 2 , volumetria do edifício  6153 m3, n.º de pisos 7 , sendo cinco  acima da cota soleira e 2 abaixo  da mesma , n.º de fogos 12 .
- A obra do lote 14  teve inicio em abril de 2010  e a do lote 15 em julho de 2010 .
- Numa zona junto à obra existiam amontoados  residios  de construção e demolição(RCD resultantes da actividade , os quais  não estavam acondicionados  de forma adequada , estando estes depositados  sobre o solo em conformidade com as fotografias  n.º 5 a 10 anexas ao auto de noticia ;
- Do normal funcionamento da obra em construção é expectável  a produção de resíduos  de construção e demolição (RCD), nomeadamente : 17 01 01 Betão; 17 01 02  Tijolos ; 17 01 03 Ladrilhos , telhas e materiais cerâmicos ;  170107 Misturas de betão , tijolos , ladrilhos , telhas e materiais cerâmicos  não abrangidas em 17-01 06 ; 17 02 01 Madeira; 17 02 03 Plástico; 17 09 04 Mistura de resíduos  de construção  e demolição  não abrangidos em 17 09 01 , 17 09 02 e 17 09 03 .
- A empresa não evidenciou  a existência em obra de qualquer registo  dos RCD produzidos , junto  ao livro da obra  com referência à data de saída dos mesmos , código LER, quantidade, transportador , destinatário  e operação  de valorização  ou eliminação  a que os mesmos foram  submetidos .
-Este registo  deveria encontrar-se  anexado ao livro de obra .
- Ao não ter implementado  um sistema de acondicionamento  adequado à gestão selectiva de RCD´s por si produzidos e detidos , o arguida não agiu  com o cuidado a que estava  obrigada por se encontrar a laborar e de que era capaz .
- A arguida  ao não possuir  o mapa de registo de RCD , não agiu com a diligência necessária para conhecer e cumprir com as obrigações legais  inerentes ao exercicio da actividade por si prosseguida e de que era capaz     .
       
Em sede de fundamentação das decisões administrativas  cumpre referir que o cumprimento de tal dever de fundamentação  uma vez que  é proferida no domínio de uma fase administrativa  sujeita às características  de celeridade  e simplicidade  tal dever de fundamentação deve assumir  uma dimensão menos intensa  em relação a uma sentença . O que é essencial para o arguido são as razões de facto e de direito que  levaram à sua condenação possibilitando um juízo  de oportunidade  sobre a conveniência  da impugnação judicial  e já em sede desta  ao tribunal conhecer  o processo lógico da formação  da decisão administrativa – cfr. Acórdão da  Relação de Coimbra de 4-6-2003, Col. Jurisp., 2003 , Tomo III, p. 40 . 
Em todo o caso mesmo na fundamentação da sentença , na situação vertente na decisão administrativa imputa-se à arguida uma conduta inscrita nas circunstâncias de tempo, espaço e modo ,   e que integra os elementos objectivos e subjectivos das contraordenações  em causa , que seja  do incumprimento de assegurar a existência na obra de um sistema  de acondicionamento  adequado que permita a gestão selectiva  dos RCDs e a contra-ordenação  relativa à ausência  do registo de RCDs  junto ao  livro de obra ,  bem como as condutas descuidadas da arguida   pelo que se verifica a exigência mínima legal  e essencial quanto à fundamentação de facto em causa .
Pelo exposto , improcede a nulidade invocada  de falta de descrição de factos  ou factos genéricos e abstractos .”
Sem necessidade de termos que analisar se uma eventual inobservância na decisão administrativa dos requisitos estabelecidos no artigo 58º do RGCO é susceptível de poder ser configurado como se de uma nulidade de sentença se tratasse (e por isso à mesma se aplicando o regime do artigos 374º e 379 nº 1 a) do CPP, ex vi do artigo 41º nº 1 do RGCO) ou de poder consubstanciar uma simples irregularidade atendível no âmbito do artigo 123º do CPP (neste sentido António Beça Pereira, in Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 2013, 9ª Edição, Almedina, pags 153 e 154), o certo é que não assiste qualquer razão à recorrente quando afirma que, não foi feita, “no caso concreto, a descrição dos factos e das circunstâncias em que foram praticados, e que levaram à sua condenação”.
Com efeito, da factualidade supra transcrita decorre que da decisão administrativa constam facticamente enunciados o dia, hora e local em que, no âmbito de uma acção inspectiva, foram constatadas infracções cometidas pela arguida e consistentes na objectivada inobservância do dever de assegurar a existência naquela obra de um sistema de acondicionamento adequado que permitisse uma gestão selectiva dos RCD´s que pela arguida tinha sido produzidos e eram detidos naquela obra e da objectivada inobservância do registo de RCD’s, junto ao livro de obra, inobservância desses deveres imputados à arguida a título de negligência por não ter agido com o cuidado a que estava obrigada por se encontrar a laborar e de que era capaz, sendo que o cumprimento das obrigações legais eram inerentes ao exercício da actividade exercida pela arguida.
Por isso, diversamente do que novamente vem afirmar a arguida no presente recurso, naquela decisão administrativa mostravam-se descritos os concretos factos integradores, quer a nível objectivo quer a nível subjectivo, das infracções que lhe eram imputadas, bem, como das circunstâncias em que os mesmos foram detectados/percepcionados no âmbito daquela acção inspectiva levada a cabo pela entidade competente.
Observado que foi, pois, na decisão administrativa, o cumprimento dos requisitos estabelecidos no artigo 58º do RGCO, inexiste a apontada nulidade ou até qualquer irregularidade da decisão administrativa.
Naufraga, pois, esta pretensão da recorrente.
                                                     *

2ª Questão: - Se a sentença é nula por falta de fundamentação da matéria de facto provada e/ou exame crítico das provas (artigo 379º nº 1 al. a) e 374º nº 2, ambos do Código de Processo Penal);

Vejamos, desde já o que na sentença recorrida consta quanto aos factos provados e não provados, bem como quanto à fundamentação da matéria de facto (transcrição):

FACTOS PROVADOS:

Discutida a causa encontram-se provados os seguintes factos com relevância para a sua decisão:

     

1- No dia 29 de Março de 2011, pelas 9 h 30 m , foi efectuada uma acção inspectiva, levada a cabo pela IGAMAOT , na obra sita em São Romão , Lote 14/15, na freguesia de Pousos, Leiria .

2-A obra inspecionada encontrava-se em laboração à data da inspecção ;

3- O local inspecionado  localiza-se no lugar  de São Romão , Lote 14 e 15 estando em construção um conjunto de apartamentos  para habitação , os quais se encontram em face final de acabamento sendo a área  de construção do lote 14 de 2002 m2 e a volumetria do edifício de 6006 m 3 , n.º de pisos 7 , sendo 5 acima da cota soleira e 2 abaixo  da mesma cota e n.º de fogos  10.

4- O lote n.º 15 possui  uma área  total de construção de 2051 m 2 , volumetria do edifício  6153 m3, n.º de pisos 7 , sendo cinco  acima da cota soleira e 2 abaixo  da mesma , n.º de fogos 12 .

5 - A obra do lote 14 teve inicio em abril de 2010 e a do lote 15 em julho de 2010 .

6-Numa zona junto à obra existiam amontoados  residios de construção e demolição(RCD resultantes da actividade , os quais  não estavam acondicionados  de forma adequada , estando estes depositados  sobre o solo em montes e misturados, em conformidade com as fotografias n.º 5 a 10 anexas ao auto de noticia;

8- Do normal funcionamento da obra em construção é expectável  a produção de resíduos  de construção e demolição (RCD), nomeadamente : 17 01 01 Betão; 17 01 02  Tijolos ; 17 01 03 Ladrilhos , telhas e materiais cerâmicos ;  170107 Misturas de betão , tijolos , ladrilhos , telhas e materiais cerâmicos  não abrangidas em 17-01 06 ; 17 02 01 Madeira; 17 02 03 Plástico; 17 09 04 Mistura de resíduos de construção e demolição não abrangidos em 17 09 01 , 17 09 02 e 17 09 03 .

9- A empresa não evidenciou a existência em obra de qualquer registo  dos RCD produzidos , junto  ao livro da obra  com referência à data de saída dos mesmos , código LER, quantidade, transportador, destinatário e operação de valorização ou eliminação a que os mesmos foram submetidos .

10-Este registo  deveria encontrar-se  anexado ao livro de obra .

11- Ao não ter implementado  um sistema de acondicionamento  adequado à gestão selectiva de RCD´s por si produzidos e detidos , o arguida não agiu  com o cuidado a que estava  obrigada por se encontrar a laborar e de que era capaz .

12-A arguida ao não possuir o mapa de registo de RCD , não agiu com a diligência necessária para conhecer  e cumprir  com as obrigações legais  inerentes ao exercício  da actividade por si prosseguida e de que era capaz .

13-  A recorrente em relação ao ano de 2013 declarou  ao Fisco, a título de lucro tributável,   3 332, 49 euros .

14. A arguida não possui antecedentes contraordenacionais.     

                                                                 *

Mais nenhum facto se provou com relevância para a decisão da causa e constante do requerimento de interposição de recurso  , designadamente não se provou :

-  que a arguida tenha  procedido à impermeabilização  do solo  no qual se encontravam  os residios  de construção e demolição;

- que a arguida tenha  efectuado a triagem  em obra com vista ao seu encaminhamento por fluxos e fileiras de materiais  , para reciclagem

- que tais resíduos fossem provenientes da abertura de roços;

 

Motivação

Para prova dos referidos factos teve-se em conta os elementos o teor do auto de notícia de fls.  4 e 5 , em conjugação com do relatório de fls. 8 ss  , que relatam as circunstancias de tempo , lugar e modo dos factos imputados em consequência de observação directa  dos mesmos  em conjugação com  o depoimento prestado em audiência de julgamento  de  B... , inspector do ambiente que se deslocou ao local e revelou possuir conhecimento directo dos factos , e depôs de modo credível e lógico; teve-se em consideração  as fotografias de fls. 7 apreciadas de modo livre e segundo o critério previsto no  art.º 127º do CPP .

Quanto ao ponto 13 teve-se em conta o documento de fls. 148 v – declaração modelo 22 de IRC . Quanto à ausência de  antecedentes contraordenacionais, ponto 14 ,  teve-se em consideração a informação da IGAMOT , a fls. 230. 

                                                                *

Em relação à factualidade dada como não provada teve-se em consideração a ausência de prova  credível incapaz de criar a convicção da sua verificação :  a testemunha F... , que foi empregado  da  recorrente  durante o período de 2008 a 2012  e que desempenhava as funções de director de obra   confrontado com os resíduos em causa  referiu que o tipo de bens em causa  não possuem tal natureza mas sim a de  inertes . Cada um desses inertes tinha um local especifico, tendo sido feita uma triagem dos mesmos , sendo que  por exemplo em relação às paletes de madeira tinham de ser devolvidas a quem as tinham comprado e seriam creditadas ; sendo que não tinham as guias de acompanhamento dos resíduos na obra, mas  estavam com o transportador , sendo que o “ entulho era para ser retirado” .  Confrontado com os documentos de fls. 146  a 148 confirmou que  se reportam a certificados de recepção dos RCDs e  guias de acompanhamento – e valorando este depoimento verifica-se uma contradição ou seja ao negar a natureza de resíduos de construção e demolição  para depois confirmar que os mesmos seriam RCDs em conformidade com tais guias. E em relação ao facto de as guias de transporte não estarem na obra à data da fiscalização esclareceu que “qualquer obra tem resíduos, para cada transporte é emitida uma guia mas só no fim do mês é que é enviado o certificado “confessando deste modo que as mesmas não estariam no livro de obra  ;  referiu por fim que  na altura teria sido colocada uma tela de plástico em baixo de tais objectos , tendo deste modo procurado  realizar uma certa impermeabilização; ora apreciando esta declaração segundo os critérios elencados no art.º 127º cumpre referir que segundo o depoimento do inspector B... , nada disso foi referido quando se encontrava na obra pelo que não merecem credibilidade. Acresce que as fotografias de fls. 7 são incompatíveis  com a colocação de qualquer tela. Já a testemunha D..., na qualidade de dono da obra  referiu que quanto ao monte de entulho era proveniente da abertura de roços que produziu tijolos, cimento e outros inertes que estavam devidamente acondicionados versão que igualmente não merece credibilidade em face do  modo como se encontram os expostos os resíduos pelas fotografias de fls. 7, e o relatado pela testemunha  B... , que do visionamento do entulho em causa estava afastada a possibilidade de estar perante a abertura de roços  mas antes resíduos de construção e demolição, designadamente de betão, tijolos, ladrilhos, telhas e metais cerâmicos, bem como misturas de resíduos de construção; C... , coordenadora da obra em causa  referiu que de 15 em 15 se deslocava à obra em causa e que confrontada com as fotografias de fls. 7  que se trata de elementos não prejudiciais ao ambiente.  Já a testemunha E... confrontada com o teor das fotografias em causa referiu que empresa que recolhe os resíduos de que é empregada e trabalha para a arguida nada tem a ver com o tipo de resíduos em causa, que considera inertes em causa por não reagir ao ar e à chuva.

      Ora a apreciação da prova nos termos expostos não permite formular um juízo de que a arguida tenha procedido à impermeabilização do solo no qual se encontravam os residios de construção e demolição, que a arguida tenha efectuado a triagem em obra com vista ao seu encaminhamento por fluxos e fileiras de materiais, para reciclagem  e que tais resíduos fossem provenientes da abertura de roços.”

A sentença, expressando a decisão do tribunal (quando este conhece a final do objecto do processo e que toma a forma de acórdão quando proferida por um tribunal colectivo – cfr. artigo 97º nºs 1 a) e 2 do Código de Processo Penal), começa por um relatório ao qual se segue a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, culminando na decisão condenatória ou absolutória – artigo 374º do Código de Processo Penal (diploma a que se reportam as demais disposições citadas sem menção do origem).

Nos termos do artigo 379º do mesmo diploma legal, é nula a sentença que [n.º 1, alínea a)] não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º (e antes sumariamente enunciadas), que [n.º 1, alínea b)] condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º, ou quando [n.º 1, alínea c)] o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; [n.º 2] as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º.
A nulidade, por falta de fundamentação, é a prevista nos arts. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal, sendo que a falta de fundamentação contraria também a exigência do art.º 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Ora, relativamente à insinuada falta de fundamentação, analisado a sentença recorrida e o exame crítico das provas nela mencionadas, não detectamos qualquer violação do artigo 374º nº 2 que, a ocorrer, integraria a nulidade a que se reporta o artigo 379º nº 1 a).
Importa não esquecer que, como explicitou o STJ, em acórdão de 7.12.2005 (Proc. n.º 2315/05-5.ª, SASTJ, n.º 93,116), em relação ao art.º 374.º, n.º 2 do CPP, a lei satisfaz-se com a enumeração, sem dúvida sintética, mas ainda suficientemente compreensiva, das razões que fundam a decisão. E nem se diga que tenha sido sucinta a apreciação crítica dos meios de prova, constatando-se, ao invés, que o tribunal recorrido demonstrou ter tido o cuidado em correctamente expressar os motivos por que formou a sua convicção, quer quanto aos factos que considerou provados quer quanto aos que não deu como provados, demonstração essa que se repercute ao longo de três páginas da sentença (cfr. fls. 246 a 248), através dos quais são explicitados, embora de modo não tão intensivo/aprofundado como seria desejável, os “pilares” em que assentou o raciocínio do tribunal com vista a explanar os motivos por que deu como provados determinados factos e deu como não provados outros.
Diferentemente do que parece dar a entender a recorrente, existe sim, e também, por parte do tribunal a quo uma análise crítica da prova produzida com valoração de uns depoimentos em prejuízo de outros, análise essa conjugada com as regras da experiência comum para demonstrar o porquê de ter dado como provados e não provados os factos que já supra foram enunciados. E valorar mais uns depoimentos do que outros de forma alguma encerra qualquer falta de fundamentação ou falta de exame crítico da prova, tanto mais que nem o tribunal não tem que fazer uma “assentada” dos depoimentos que são prestados em julgamento, nem todos os meios de prova conduzem ao mesmo veredicto. O labor do tribunal, na apreciação da prova produzida, perante as várias versões apresentadas, ou mesmo perante vários pontos de vista de uma mesma versão, é procurar saber aquilo que efectivamente ocorreu.
Importa também referir que, no âmbito do processo penal, inexiste normativo legal que imponha uma fundamentação da cada facto (provado e/ou não provado) de per si. Por isso, de uma menor ou menos exaustiva fundamentação em relação a alguns factos não pode derivar, como consequência, a chancela de uma “falta de fundamentação”.
É certo que em relação aos factos dados como provados nos pontos 11 e 12 não se mostra justificado, no que ao elemento subjectivo ali constante respeita, o porquê da positividade deste.
Todavia, importa não esquecer que à falta de qualquer confissão, e porque imanente ao foro íntimo das pessoas, a prova do elemento subjectivo quer da voluntariedade de uma conduta quer da omissão de um determinado dever de actuação, apenas se pode aferir através da prova indirecta ou por presunções, alicerçada a partir da objectividade de um resultado objectivo, conjugado com todo o contexto em que esse resultado foi produzido.
Ora, tendo em conta, designadamente: o escopo a que se dedica a arguida, a área de construção de cada um daquelas lotes 14 e 15 (2002m2 para o primeiro e 2051m2 para o segundo); a volumetria de cada um dos edifícios que se encontravam em fase final de acabamento (6006mº e 6153m3, respectivamente) e o número de pisos de cada edifício (7 pisos), à luz das regras da experiência comum facilmente se infere e pode concluir que a arguida, obviamente através dos seus órgãos representantes, ao não ter implementado um sistema de acondicionamento adequado à gestão selectiva de resíduos, por si produzidos e detidos, não agiu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz e, bem assim, ao não possuir o mapa de registo de RCD, não agiu com a diligência necessária para conhecer e cumprir com as suas obrigações legais inerentes ao exercício da actividade por si prosseguida e de que era capaz.
Ou seja, este comportamento negligente por parte da arguida, consistente no não acatamento de regras básicas de índole ambiental inerentes ao desenvolvimento da sua normal actividade, extrai-se dos demais apurados factos materiais/objectivos.
Por isso, apesar de fundamentação da sentença recorrida não estar devidamente assinalado/justificado o porquê da positividade dada aos factos provados 11 e 12, inferindo-se os mesmos pelas regras da experiência comum e do normal acontecer, consideramos inexistir fundamento bastante para se poder afirmar que a sentença recorrida padeça do invocado vício da falta de fundamentação.
Improcede, pois, tal pretensão do recorrente.

3ª Questão: Saber se é excessiva a coima aplicada e se é inconstitucional a previsão da alínea b) do nº 3 do artigo 22º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto.

Com o argumento de que foi excessiva a coima que lhe foi aplicada (€15.000,00) invoca a recorrente que a previsão da determinação da alínea b), do n° 3, do artigo 22° da Lei 50/2006, de 29 de Agosto onde consta: “Às contraordenaçães graves correspondem as seguintes coimas: a)...; b) Se praticadas por pessoas coletivas, de €15.000,00 a € 30.000,00 em caso de negligência...” é inconstitucional, por violar os preceitos previstos nos artigos 3º, 12°, 13°, 16°, 18°, 20° e 29° da Constituição da República Portuguesa;

Relativamente à invocada excessividade da coima aplicada, não constando da factualidade apurada quaisquer elementos fácticos minimamente susceptíveis de, por qualquer prisma, poder fazer operar uma eventual atenuação especial moldura da coima, e tendo aquela mesma coima sido fixada precisamente no mínimo legal (repare-se que o limite mínimo da moldura abstrata da coima aplicável à contra-ordenação mais grave era precisamente de €15.000,00 e que o limite mínimo da moldura abstracta das coimas em concurso era também de €15.000,00) não vemos qual o fundamento para a recorrente poder afirmar que a coima aplicada foi excessiva.

É certo que o nº 1 do artigo 20º da Lei nº 50/2006 estabelece que “A determinação da coima (…) faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa do agente, da sua situação económica e dos benefícios obtidos com a prática do acto”.

Todavia, considerando que foi aplicada à recorrente precisamente o mínimo legalmente estabelecido para a contra-ordenação e inexistindo um qualquer outro fundamento legal para que a coima a aplicar pudesse descer abaixo daquele mínimo legalmente previsto, jamais se pode concluir, como pretende a recorrente, que a coima aplicada foi excessiva.

E será inconstitucional, como propugna a recorrente, a previsão da determinação da alínea b), do n° 3, do artigo 22° da Lei 50/2006, de 29 de Agosto onde consta: “Às contraordenaçães graves correspondem as seguintes coimas: a)...; b) Se praticadas por pessoas coletivas, de €15.000,00 a € 30.000,00 em caso de negligência...”, por violar os preceitos previstos nos artigos 3º, 12°, 13°, 16°, 18°, 20° e 29° da Constituição da República Portuguesa?

Consideramos que não.

Desde logo não vislumbramos, nem a recorrente o fundamenta sequer, por que motivo a moldura fixada pelo legislador na previsão do artigo 22º nº 3 b) da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto (coima de €15.000,00 a €30.000,00) seja violadora dos arts 3º, 12º, 13º, 16º, 20º e 29º da Constituição da República Portuguesa.

Com efeito, trata-se de uma lei geral e abstracta, emanada pelo órgão legislativo do Estado (a Assembleia da República) com a competência constitucionalmente atribuída para o fazer (cfr. artigo 165º nº 1 c) da Constituição da República Portuguesa); da mesma não se descortina qualquer violação do princípio da igualdade plasmado no artigo 13º da Lei Fundamental nem de preceitos supra constitucionais, por ela não surge violado o princípio da equidade nem surge restringido qualquer acesso ao direito ou à tutela de interesses legalmente protegidos. E a alusão ao artigo 29º da CRP nada tem a ver com a constitucionalidade da feitura lei mas com a sua aplicação prática.
Poder-se-á, sim, colocar a questão – e parece ser essa a verdadeira pretensão da recorrente – em saber se a sanção legal em causa é ou não ofensiva/violadora dos princípios constitucionais da proporcionalidade e os seus corolários da adequação e necessidade, princípios esses plasmados no invocado artigo 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
Vejamos, pois, quanto a este âmbito.
A Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, estabelece o regime aplicável às contra-ordenações ambientais.
O direito ao ambiente e à qualidade de vida são valores que têm tutela constitucional, conforme resulta do artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa, e que impõem uma efectiva e real protecção – que justifica a existência de coimas de valor elevado em matéria contra-ordenacional.
Sem prejuízo, impõe-se a observância do princípio da proporcionalidade, sendo este, no ensinamento do Prof. Gomes Canotilho, um princípio normativo-constitucional, que se aplica a todas as espécies de actos dos poderes públicos e que vincula o legislador, a administração e a jurisdição, no sentido de evitar cargas coactivas excessivas ou actos de ingerência desmedidos na esfera jurídica dos particulares.
O princípio da proporcionalidade está consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição. Nos termos desta norma, a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses.
Pressupõe-se assim, relativamente às restrições, a necessidade, a adequação e a racionalidade, traduzindo-se a falta dos dois primeiros pressupostos em arbítrio e a do terceiro em excesso.
A norma do artigo 22.º, n.º 3, alínea b), da citada Lei n.º 50/2006, com as alterações entretanto introduzidas pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto, ao punir, em caso de negligência, as contra-ordenações graves, quando praticadas por pessoas colectivas, com uma coima que varia entre € 15 000 e € 30 000, limita-se ao necessário e é perfeitamente adequado e proporcional à importância dos objectivos visados pelo diploma em causa, ou seja, a criação de um novo regime específico para as contra-ordenações ambientais derivadas da violação das operações de gestão de resíduos resultantes de obras ou demolições de edifícios, capaz de dar pleno cumprimento às tarefas que, em matéria ambiental, estão confiadas ao Estado, nos termos da Constituição e da Lei de Bases do Ambiente.
A propósito dos aludidos princípios constitucionais, considerou o Tribunal Constitucional:
«(…) [C]omo tem este Tribunal entendido, a fixação da dosimetria sancionatória, maxime, em sede contra-ordenacional, encontra-se no âmbito de um amplo espaço de conformação do legislador, só devendo ser censuradas “as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal proíbe o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição” (cfr. Acórdão n.º 574/95).
Tal asserção é sobretudo significativa no domínio do ilícito de mera ordenação social, porquanto – pode ler-se no mesmo aresto – “as sanções não têm a mesma carga de desvalor ético que as penas criminais – para além de que, para a punição, assumem particular relevo razões de pura utilidade e estratégia social”.
Como também se refere no acórdão do TC.º 67/2011, de 02.02.2011, proferido no Proc. 275/10:
“(…) o legislador ordinário goza de ampla liberdade de fixação dos montantes das coimas aplicáveis, desde que respeitados os limites fixados pelo regime geral do ilícito contra-ordenacional e que as sanções aplicadas sejam “efectivas”, “proporcionadas” e “dissuasoras”, de modo a garantir o efeito preventivo daquelas, sob pena de os destinatários das normas não se sentirem compelidos a cumpri-las (com efeito, a fixação de coimas com montantes irrisórios face ao benefício colhido da prática do ilícito contra-ordenacional tende a enfraquecer o próprio cumprimento da lei; assim, ver Paulo Otero/Fernanda Palma, Revisão do Regime Legal do Ilícito de Mera Ordenação Social, in «RFDUL» (Separata), 1996, n.º 2, pp. 562 e 563).
Neste sentido, o Tribunal Constitucional tem reconhecido ao legislador ordinário uma livre margem de decisão quanto à fixação legal dos montantes das coimas a aplicar (ver Acórdãos n.º 304/94, n.º 574/95 e n.º 547/00, todos disponíveis inwww.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), ainda que ressalvando que tal liberdade de definição de limites cessa em casos de manifesta e flagrante desproporcionalidade ou de excessiva amplitude entre os limites mínimo e máximo.
(…)
Na linha da jurisprudência consolidada neste Tribunal, a propósito da fixação dos montantes das coimas a aplicar (a título de exemplo, ver Acórdãos n.º 304/94, n.º 574/95 e n.º 547/2000, todos disponíveis inwww.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), o Tribunal Constitucional deve coibir-se de interferir directamente nesse espaço de livre conformação legislativa, apenas lhe cabendo – sempre que necessário – acautelar que tais opções legislativas não ferem, de modo flagrante e manifesto, o princípio da proporcionalidade. A este propósito, deve sempre ter-se presente que “Só um método interpretativo rigoroso e controlado limita a invasão pelos tribunais constitucionais da esfera legislativa e impede a actividade judicativa de se tornar um «contra-poder legislativo»” (Fernanda Palma, O legislador negativo e o intérprete da Constituição, in «O Direito», 140º (2008), III, 523)”.
No caso em apreciação, estão em causa interesses sociais relevantes a nível ambiental que impõem uma disciplina capaz de assegurar a sua defesa.
Nos termos da exposição de motivos que acompanhou a proposta de lei que veio a dar origem à Lei n.º 50/2006, a “referida lei quadro pretende disciplinar de uma forma sistemática as várias matérias que obrigatoriamente um regime deste âmbito tem de abarcar, enquadradas por princípios sólidos e doutrinalmente aceites, bem como apresentar uma tramitação para os processos de contra-ordenação ambiental adaptada à sua especificidade. (…) Do articulado agora proposto merecem especial destaque pela sua importância algumas matérias. Assim, estabelecem-se novos valores para as coimas a aplicar no contexto de infracções ambientais, respondendo à desactualização dos montantes das coimas constantes do artigo 17.º do Regime Geral das Contra-Ordenações ora em vigor. De acordo com experiências recentes e bem sucedidas de Regimes Gerais de Contra-Ordenações sectoriais, apoiadas em importantes contributos dogmáticos, as contra-ordenações ambientais passam a classificar-se como «leves», «graves» e «muito graves». A responsabilidade contra-ordenacional das pessoas colectivas encontra-se agora estabelecida de uma forma precisa, seguindo de perto os modernos desenvolvimentos dogmáticos nesta matéria» (parágrafos 5 e 6 da exposição de motivos constante da proposta de lei n.º 20/X, disponível em http://www.parlamento.pt/).
Como dissemos, o princípio da proporcionalidade está plasmado no artigo 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa que estabelece: “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
Tal princípio, analisa-se em três sub-princípios: necessidade (ou exigibilidade), adequação e racionalidade (ou proporcionalidade em sentido restrito).
Como vem sendo entendido, a necessidade supõe a existência de um bem juridicamente protegido e de uma circunstância que imponha intervenção ou decisão. A adequação significa que a providência se mostra adequada ao objectivo almejado, se destina ao fim da norma e não a outro. A racionalidade implica justa medida; que o órgão competente proceda a uma correcta avaliação da providência em termos quantitativos (e não só qualitativos), que a providência não fique aquém ou além do que importa para se obter o resultado devido. A falta de necessidade ou de adequação traduz-se em arbítrio. A falta de racionalidade traduz-se em excesso – cfr. Jorge Miranda/Rui Medeiros, CRP Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 148-163, bem como Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, p. 144-154.
A contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 11º b) e 18º nº 2 b) da Lei 46/2008, de 12 de Março e do artigo 22.º n.º 3, al. b) da Lei nº 50/2006, de 29.08, com as alterações introduzidas pela Lei nº 89/2009, de 31 de Agosto (alterações essas mais favoráveis à recorrente uma vez na versão originária da Lei nº 50/2006 a punição das contra-ordenações graves por negligência cometida por pessoas colectivas se situava entre €25.000 e €34.000), é punível com coima de € 15.000 a € 30.000, tratando-se de pessoa colectiva.

Como resulta do próprio preâmbulo da Lei 46/2008, de 12 de Março, esta partiu da necessidade de regulamentação da gestão destes resíduos considerando que “o sector da construção civil é responsável por uma parte significativa dos resíduos gerados em Portugal”, sendo certo que “o fluxo de resíduos apresenta outras particularidades que dificultam a sua gestão, de entre as quais avulta a sua constituição heterogénea com fracções de dimensões variadas e diferentes níveis de perigosidade.” Por outro lado, desse mesmo preâmbulo resulta que “a actividade de construção civil apresenta, por si própria, algumas especificidades, tal como o carácter geograficamente disperso e temporário das obras, que dificultam o controlo e fiscalização do desempenho ambiental das empresas do sector.” Daí que seja premente a criação de condições legais para a correcta gestão dos RCD que privilegiem a prevenção da produção e da perigosidade, o recurso à triagem na origem, à reciclagem e a outras formas de valorização, estabelecendo-se uma cadeia de responsabilidade que vincula quer os donos da obra e os empreiteiros (…). E desse mesmo preâmbulo é também dito “… resultam situações ambientalmente indesejáveis, com a deposição não controlada de RCD, não compagináveis com os objectivos nacionais em matéria de desempenho ambiental, elevados por via dos compromissos internacionais e comunitários assumidos pelo Estado português”.
Daí, pelos objectivos visados, e não olvidando os prejuízos ambientais decorrentes do incumprimento do estabelecido no artigo 11º b) da Lei nº 46/2008, de 12 de Março, cuja violação o legislador qualificou como contra-ordenação grave (cfr. artigo 18º nº 2 al. f) desta mesma Lei nº 46/2008), a explicação para uma moldura de coima situada num patamar relativamente elevado, não enfermando na nossa opinião os citados normativos legais de qualquer inconstitucionalidade, designadamente, não ofendendo o invocado princípio da proporcionalidade, limitando-se ao necessário e sendo perfeitamente adequado e proporcional à importância dos objectivos visados pelos normativos em causa.

Neste sentido, e embora a propósito do nº 4 b) daquele mesmo artigo 22° da Lei n° 50/2006, no seu Acórdão nº 110/2012, de 6 de Março (proferido no proc nº 672/11 e publicado no Diário da República, 2.ª série, N.º 72, de 11 de abril de 2012), o Tribunal Constitucional decidiu “não julgar inconstitucional a norma do artigo 22°, n° 4, alínea b), da Lei n° 50/2006, de 29/08, na redação dada pela Lei n° 89/2009, de 31 de agosto, na medida em que prevê o montante de € 38 500 como coima mínima aplicável às pessoas coletivas pela prática de contraordenação ambiental qualificada como muito grave”;
Entendemos, assim, que a previsão da aludida norma do artigo 22º nº 3 b) da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto (ao estabelecer para as pessoas colectivas a coima mínima de 15.000,00 para as pessoas colectivas em caso de contra-ordenações ambientais graves, praticadas por negligência) não enferma da arguida inconstitucionalidade quer por não violar o invocado princípio da proporcionalidade quer porque da aplicação da referida norma não resultar a violação dos, pela recorrente, indicados artigos 3º, 12°, 13°, 16°, 18°, 20° e 29° da Constituição da República Portuguesa.
Inexistindo qualquer juízo de inconstitucionalidade da mencionada norma, inexistem fundamentos legais que justificassem a diminuição da coima para montante inferior ao mínimo legal (€15.000,00) determinado pelo legislador ordinário.
Naufraga, assim, também esta pretensão da recorrente.

4ª Questão

Na sua senda recursiva, e na sequência da suscitação da invocada violação do princípio da proporcionalidade (que como atrás vimos não se verifica), considera também a recorrente que lhe poderia e deveria ter sido aplicada a medida de admoestação.
Depois de na abordagem da questão anterior termos concluído pela não verificação de qualquer inconstitucionalidade da norma do artigo 22º nº 3 al. b) da Lei nº 50/2006, mesmo assim vejamos se ao caso poderia ser aplicada a medida de admoestação.
O artigo 22.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto), estabelece que às contra-ordenações graves, se praticadas por pessoas colectivas correspondem as coimas de € 15.000 a € 30.000 em caso de negligência e de € 30.000 a € 48.000 em caso de dolo.
Conforme resulta da matéria de facto provada na sentença recorrida, e já decorria da própria decisão administrativa, a arguida agiu com negligência, tendo-lhe sido aplicada, no que à contra-ordenação grave respeita (e também quanto à contra-ordenação leve, mas que a recorrente nem sequer questiona, certamente porque a coima parcelar desta não fez aumentar a valor da coima única que, ao fim e ao cabo, apesar da realização do cúmulo jurídico considerou adequado fixar o montante da coima parcelar mais elevada – ou seja €15.000,00) a coima pelo valor mínimo legalmente estabelecido.
Mesmo perante o valor mínimo, a recorrente pretende que tenha lugar a aplicação da medida de admoestação.
Dispõe o artigo 51.º, n.º 1, do RGCO que, quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.
Apesar da inserção sistemática do preceito em causa no Capítulo III, do RGCO (“Da aplicação da coima pelas autoridades administrativas”), não há justificação dogmática que impeça a aplicação da admoestação como medida de substituição à coima na fase jurisdicional do processo de contra-ordenação, desde que verificados os pressupostos substantivos da sua aplicação, tendo em consideração a concretização do princípio da necessidade das sanções que atravessa o ordenamento sancionatório penal e contra-ordenacional.
No processo de contra-ordenação, a admoestação é proferida por escrito (artigo 51.º, n.º 2, do RGCO), na fase administrativa e verbalmente na fase judicial, consistindo neste caso numa solene censura oral feita ao agente, em audiência, pelo tribunal (artigo 60.º, n.º 4, do Código Penal).
A aplicação da admoestação, no processo de contra-ordenação (conforme resulta do já mencionado artigo 51º nº 1 do RGCO), só deverá ocorrer em casos de reduzida a gravidade da infracção e da culpa do agente.

Daqui decorre que a admoestação só será de aplicar às infracções qualificadas como leves ou simples, em que o grau de culpa seja reduzido, designadamente, àquelas em que há actuação por negligência ou, noutros casos, em que haja circunstâncias que atenuem a culpa.

Ora, dos autos não resulta que o grau de culpa da recorrente seja reduzida nem se vislumbram circunstâncias que atenuem a sua culpa, sendo certo que a contra-ordenação primacialmente sindicada pela recorrente é qualificada como grave – logo não se verificam os requisitos para a aplicação da medida de admoestação.
Para além disso, convém mencionar que a admoestação não seria proporcional aos objectivos do interesse público e comunitário na protecção do ambiente sendo o próprio legislador qualifica como grave a contra-ordenação pela qual a recorrente, na prática foi efectivamente condenada – cfr. artigo 18º nº 2 al. f) do Decreto-Lei nº 46/2008, de 12 de Março (repare-se em que na realização do cumulo jurídico a coima da contra-ordenação leve acaba por ser totalmente aglutinada dentro da coima da contra-ordenação grave).
E a circunstância de estarmos perante uma conduta negligente, justificando a diferenciação afirmada no artigo 22.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, não determina de forma automática a substituição da coima pela admoestação.
Em anotação ao artigo 51º RGCO, dizem Simas Santos e Jorge Sousa que “se houver uma qualificação legal de contra-ordenações em função da sua gravidade, deverão considerar-se de reduzida gravidade nos casos em que a lei as qualifique como leves ou simples” (in Contra-ordenações – Anotações ao Regime Geral, Áreas Editora, 6ª Edição, 2011, pag 394).
Por outro lado, a nível jurisprudencial, e a título de exemplo, pode-se citar o Acórdão da Relação de Évora de 11-9-2012 (proc. nº 29/12.6TBARL.E1, in www.dgsi,pt) em que refere: “A admoestação, prevista no artigo 51º, do D/L nº 433/82, de 27-10, tem em vista casos de reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente, encontrando-se, por isso, reservada para contra-ordenações leves ou simples.”
Conclui-se assim que, sem necessidade de outras considerações e desde logo pelo facto da contra-ordenação em causa ter sido catalogada como grave, não se mostram verificados os requisitos de que depende a aplicação da admoestação ao presente processo de contra-ordenação.
Improcede, assim, também esta pretensão da recorrente.
                                                    

Assim, e em síntese conclusiva, naufragando todas as pretensões da recorrente - e não se mostrando violados quaisquer princípios ou normativos constitucionais ou qualquer preceitos legais ordinários, designadamente os invocados nas suas conclusões de recurso - terá o recurso que improceder, sendo de confirmar a decisão recorrida.
                                                    

III – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC’s.

                                                     *

(Elaborado em computador e revisto pelo relator, 1º signatário - art. 94º nº 2 do Código de Processo Penal)

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Coimbra, 27 de Maio de 2015



(Luís Coimbra - relator)


(Alcina da Costa Ribeiro - adjunto)