Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2287/06.6TBPMS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL
NATUREZA JURÍDICA
REGIME
INCUMPRIMENTO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
INDEMNIZAÇÃO DE CLIENTELA
Data do Acordão: 02/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE PORTO DE MÓS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 4º, 27º, 28º, 29º, 32º E 33º DO DEC. LEI Nº 178/86 DE 3 DE JULHO, NA REDACÇÃO QUE LHE É DADA PELO DEC. LEI Nº 118/93 DE 13 DE ABRIL, 236º E 762º Nº DO CCIVIL
Sumário: 1. O contrato de concessão comercial é aquele em que o concessionário, actuando em seu nome e por conta própria, compra ao fabricante ou ao fornecedor mercadorias para revender a terceiros, assumindo os riscos da comercialização, comprometendo-se a satisfazer certas obrigações (como adquirir uma quota mínima de bens e prestar assistência pós-venda aos clientes) e a observar determinadas regras, que visam definir e executar a política comercial e que corporizam a integração do concessionário na rede ou cadeia de distribuição do concedente, beneficiando do monopólio da venda de tais bens.

2. Trata-se de um contrato atípico misto, devendo atender-se, na sua interpretação e integração, em primeiro lugar, ao respectivo clausulado e, naquilo que for omisso, ao regime legal do contrato de agência constante do DL 178/86, de 3/7.

3. Incumprido tal contrato, são de aplicar as regras que fixam a indemnização por incumprimento contratual.

4. A inexistência de denúncia e a resolução contratual sem fundamento acarretam a obrigação de indemnizar o outro contraente, nos termos definidos no artigo 29.º do citado DL 178/86.

5. A indemnização de clientela tem na sua base uma intenção compensatória, pela angariação da clientela de que se deixa de fruir, e não uma função ressarcitória, pelo que, o legislador entendeu excluí-la, no caso de o contrato cessar por razões imputáveis ao agente, como resulta do n.º 3 do mencionado artigo 33.º

6. A comercialização pelo concessionário dos produtos para além dos limites geográficos acordados, em áreas de actuação do concedente, configura uma conduta contrária à boa fé, violadora das obrigações contratuais, que afasta a indemnização de clientela.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

            A... , Lda., com sede na Rua (...), Entroncamento, intentou a presente Acção de Condenação com Processo Ordinário contra B... Lda., com sede na Rua (...), Porto de Mós, pedindo a condenação da mesma no pagamento da quantia de € 86.450,84 (oitenta e seis mil quatrocentos e cinquenta euros e oitenta e quatro cêntimos).

Alega, em síntese, a Autora, que em 1999 a Ré contratou com a C... a distribuição de produtos daquela empresa nos concelhos de Ourém, Alcanena, Rio Maior, Santarém, Cartaxo, Torres Novas e Ferreira do Zêzere, tendo, logo em Outubro de 1999, concedido à Autora a distribuição, comercialização e apoio após venda dos produtos da C..., D...e E..., para o concelho de Ferreira do Zêzere.

A concessão da distribuição de produtos da C..., não foi reduzida a escrito, respeitou à área de Ferreira de Zêzere, ficando a Autora com o direito de comercializar os referidos produtos em regime de exclusividade e por tempo indeterminado.

Por imposição da Ré, a Autora efectuou elevados investimentos em pessoal e equipamentos informáticos e viaturas.

A partir de 9 de Janeiro de 2006, a Ré, unilateralmente e sem qualquer aviso, alterou os preços dos produtos fornecidos à Autora, ao mesmo tempo que contactava os clientes de produtos da C..., no concelho de Ferreira do Zêzere, oferecendo os mesmos produtos a preços inferiores aos que pretendia impor à Autora, bem sabendo que assim impedia a Autora de continuar a vender tais produtos.

Conclui referindo que o contrato celebrado com a Ré, é um contrato de concessão comercial, sendo que o comportamento da Ré, consubstancia a denúncia, sem aviso prévio do mesmo, o que confere à Autora o direito de reclamar os prejuízos que tal denúncia acarretou, nomeadamente salários, aluguer de veículos, lucros cessantes e indemnização de clientela, que computa num total de € 86.450,84. (oitenta e seis mil quatrocentos e cinquenta euros e oitenta e quatro cêntimos).

Citada a Ré, veio a mesma apresentar Contestação na qual, e em síntese, impugna parte dos factos alegados pela Autora e reconhece a existência de relações comerciais entre Autora e Ré, refuta que se trate de um contrato de concessão comercial, admite as alterações de preços que no seu entender não se reconduzem à figura de denúncia de contrato.

Alega ainda que a Autora adquiriu produtos à Ré que destinava a outros clientes que se situavam fora da área de Ferreira do Zêzere, pelo que longo do ano de 2005 a Ré foi alertando a Autora que não podia permitir que tal situação continuasse.

Entende que as peticionadas indemnizações não são devidas e a serem-no, impugna o valor das mesmas, apresentado pela autora, em função do que conclui pela improcedência do pedido.

Replicou, a autora, impugnou alguns dos factos alegados, designadamente que a cessação do contrato tenha resultado de uma imposição da C... e que viu impossibilitada de comercializar cerveja em barril, devido à conduta da ré, reafirmando, quanto ao mais, a sua posição e concluindo como na petição inicial.

 

Teve lugar infrutífera audiência preliminar, no seguimento da qual, foi proferido despacho saneador tabelar e se organizou a matéria de facto assente e a base instrutória, a qual não foi objecto de reclamação.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação, tal como consta de fl.s 651 a 661, sem que lhe tenha sido formulada qualquer reclamação.

Após o que foi proferida a sentença de fl.s 664 a 682, na qual se decidiu o seguinte:

“Face ao exposto, considero a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:

a) Condeno a Ré B... Lda., a pagar à Autora A... Lda., a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) a título de indemnização por danos emergentes, resultantes da falta de aviso prévio da denúncia do contrato de concessão celebrado entre Autora e Ré, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 28º e 29º do Dec. Lei nº 178/86 de 3 de Julho, na redacção que lhe é dada pelo Dec. Lei nº 118/93 de 13 de Abril, quantia esta à qual acrescem juros de mora vincendos, à taxa legal, contados desde a prolação desta sentença até integral pagamento;

b) Condeno a Ré B... Lda., a pagar à Autora A... Lda., a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, a título de indemnização por lucros cessantes, resultantes da falta de aviso prévio da denúncia do contrato de concessão celebrado entre Autora e Ré, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 28º e 29º do Dec. Lei nº 178/86 de 3 de Julho, na redacção que lhe é dada pelo Dec. Lei nº 118/93 de 13 de Abril;

c) Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 4º e 33º do Dec. Lei nº 178/86 de 3 de Julho, na redacção que lhe é dada pelo Dec. Lei nº 118/93 de 13 de Abril, absolvo a Ré B... Lda., do pedido de pagamento de indemnização de clientela, com referência ao contrato de concessão comercial que vigorou entre Autora e Ré.

Custas a cargo da Autora e Ré na proporção de 3/4 a suportar pela Autora e 1/4 a suportar pela Ré . – cfr. Artº446º do CPC.”.

            Inconformadas com a mesma, interpuseram recurso a ré e a autora, recursos, esses, admitidos como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 701), finalizando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

            Recurso da ré:

1 - A Recorrente não se conforma com a decisão do tribunal a quo que a condena ao pagamento da quantia liquida de 5.000,00€ (cinco mil euros), acrescida de juros e daquela que em sede de liquidação se viesse a apurar a título de indemnização por lucros cessantes, por entender que o douto tribunal a quo não procedeu à correcta interpretação da prova produzida e à adequada aplicação do Direito,

2 - A Recorrente está convicta que Vossas Excelências, reapreciando a prova produzida e subsumindo-a aos comandos legais aplicáveis, decidirão no sentido da revogação da sentença Recorrida, na parte em que condena a Recorrente ao pagamento das quantias supra referidas, determinando a absolvição da Recorrente do pedido.

Quanto à matéria de facto

3 - Para resposta aos quesitos 1, 6, 8, 9 e 10, fundou-se o tribunal nos depoimentos das testemunhas S... e R..., acontece que, salvo devido respeito por opinião diversa, o depoimento prestado por aquelas testemunhas não é suficiente para concluir nos termos em que o fez o douto tribunal a quo.

4 - Desde logo, a testemunha S..., casado, técnico de vendas, funcionário da Recorrida que prestou depoimento no dia 18.03.2011, entre as 09:53:37 e as 11:08:48, referiu: nada saber quanto aos termos do acordo existente entre a Recorrente e a Recorrida; nada saber quanto ao modo como os preços eram definidos ou a quem cabia defini-los, apenas sendo capaz de dizer que as tabelas de preços com que trabalhavam tinham a imagem da C.... Tabela essa, ademais, que sofria alterações, sendo natural que em Janeiro os preços sofressem alterações; que o tema das necessidades de consumo, de prospecção de mercado e o evitamento de existência de falhas de fornecimento é coisa própria da tarefa de vendas, sendo algo pretendido pela própria A....

5 - Por seu lado, a testemunha R..., casado, técnico de vendas, também ele funcionário da Recorrida, que, igualmente, prestou depoimento no dia 18.03.2011, entre as 11:09:24 e as 12:33:03, embora inicialmente referisse a existência de um contrato escrito entre Recorrente e Recorrida, veio, subsequentemente, sobretudo em sede de contra instância, a assumir não ter qualquer conhecimento do acordo existente entre a Recorrente e a Recorrida, sendo que ficou a saber do mesmo por meio das circulares que via nos clientes que visitava, não lhe tendo sido prestada qualquer informação a este respeito, por parte da Recorrida, mais referindo, quanto à definição de preços e bonificações, que a informação de que dispõe era-lhe fornecida pela gerência da Recorrida, não possuindo, por isso, a esse respeito, qualquer directo conhecimento; que os contactos que faziam eram com base em tabelas de preços, as quais eram actualizadas em função da informação prestada pela C... e sempre que esta o entendesse; que quanto às necessidades de consumo dos produtos da C..., apenas sabe que havia um cuidado muito grande, da parte da Recorrida, para que não houvesse falhas; que nunca ajudou a fazer qualquer exposição em vitrines de frio.

6 - É a Recorrente do entender que, com base nos documentos juntos aos autos e com base nos depoimentos prestados pelas testemunhas, deveriam ser diversas as respostas dadas aos quesitos 1, 6, 8, 9, 10 e 13.

7 - Nenhuma das testemunhas referiu possuir qualquer directo conhecimento quanto ao tipo e termos de relação comercial estabelecida entre Recorrente e Recorrida.

8 - O douto tribunal a quo apenas se poderia ter alicerçado no documento n.º 2 junto aos autos com a petição inicial e, assim, apenas concluído, quanto ao quesito 1. que apenas ficou provado que, em Outubro de 1999, a Recorrente e a Recorrida acordaram estabelecer, entre si, uma relação de colaboração para a distribuição e assistência nos produtos C..., D...e E....

9 - Quanto ao quesito 6., da prova produzida não resulta claro que a Recorrida desenvolvesse a sua actuação com a colaboração e o acompanhamento da Recorrente em determinadas iniciativas ou eventos.

10 - Nenhuma das testemunhas foi capaz de referir qualquer aspecto que permitisse uma tal conclusão, pelo contrário, dado que a testemunha S... referiu que, no que concerne a cadeiras, toldos e material de apoio de festas, o contacto era com a C... e a testemunha R... referiu que, nas suas deslocações, não era acompanhado por alguém da Recorrente, e que, ainda que reportasse à Recorrente a existência de problemas técnicos, acabou por admitir que os indivíduos que prestavam a assistência deslocavam-se em carros vermelhos com o logótipo “ Ç...”, sendo que não conhecia que a Recorrente tivesse carros desse tipo.

11 - Quanto ao quesito 6. resulta como não provado que a Recorrente tenha colaborado e acompanhado a Recorrida em determinadas iniciativas ou eventos.

12 - Quanto ao quesito 10., que não resultou provado que a Recorrida recebesse reclamações ou ajudasse, através dos seus colaboradores, a fazer a exposição dos produtos nas vitrines de frio.

13 - Em nenhum momento das suas declarações disse a testemunha S... que alguma vez tivesse recebido qualquer reclamação, nem, em algum ponto, lhe chegou a ser perguntado se ajudava a fazer as exposições dos produtos, sendo que a testemunha R..., que também não referiu a existência de qualquer reclamação, disse, expressamente, nunca ter ajudado a fazer exposição nas vitrines de frio (cfr. sensivelmente a partir da 01h10m do seu depoimento).

14 - Quanto ao quesito 8., é a Recorrente a opinião que o mesmo deveria ser dado como não provado.

15 - Como foi referido pela testemunha S..., o cuidado de evitar a existência nas quebras de fornecimento dos clientes é uma regra básica no negócio de vendas; cuidado esse tido em consideração por parte da Recorrida, tal qual, também, referiu a testemunha R....

16 - Nenhuma das testemunhas referiu que esse cuidado surgisse por força de uma especial obrigação assumida pela Recorrida para com a Recorrente ou derivasse de alguma obrigação de compra mínima.

17 - O que decorre do depoimento de ambas as testemunhas é que esse cuidado é um acto normal da sua actividade, necessário, aliás, para qualquer diligente comerciante que cuide do seu negócio.

18 - Quanto ao quesito 9. é a Recorrente do entendimento que houve, também quanto aquele aspecto, uma decisão errada, devendo o quesito não obter resposta ou, então, ser dado como não provado.

19 - O quesito 9. envolve os vocábulos “promover”, “dinamizar” e “angariar”.

20 - Promover, dinamizar e angariar são, no entender da Recorrente, conceitos conclusivos.

21 - Assim, porque não se tratam de factos, devem os mesmos ser afastados da matéria dada como provada e tidos como não escritos.

22 - Particularmente o conceito de “angariar”, dado que este é thema decidendum dos presentes autos, na medida em que era pretensão da Recorrente obter a condenação da Recorrente no pagamento de uma indemnização de clientela, a qual se baseia, tal qual vertido na decisão Recorrida, na angariação de cliente.

23 - A Recorrente não alegou tais factos, ou seja, não trouxe ao tribunal, e muito menos provou, acontecimentos da vida real que permitissem ao douto tribunal concluir, pela promoção, dinamização e angariação.

24 - Dizer que alguém promoveu, dinamizou e angariou, sem ter por base os exactos acontecimentos da vida real em que se substanciam essas actividades de promover, dinamizar e angariar importa uma conclusão não substanciada em factos que, por isso, nenhum valor tem, nem qualquer consideração deve merecer, devendo, por conseguinte, ter-se por não escrito, nos termos do n.º 2 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, a resposta dada ao quesito 9.

25 - No entender da Recorrente, é igualmente errada a resposta dada aos quesitos 20, 21, 22. e , 23., relativamente aos quais o tribunal a quo se baseou no depoimento das testemunhas S... e R...,W..., Z... e Y..., conjugado com o teor dos documentos de fls. 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, e 19.

26 - Acontece que, salvo devido respeito por opinião diversa, o depoimento prestado por aquelas testemunhas não é suficiente para concluir nos termos em que o fez o douto tribunal a quo.

27 - A testemunha S..., casado, técnico de vendas, funcionário da Recorrida que prestou depoimento no dia 18.03.2011, entre as 09:53:37 e as 11:08:48, referiu: nada saber quanto aos termos do acordo existente entre a Recorrente e a Recorrida; nada sabia quanto ao modo como os preços eram definidos ou a quem cabia defini-los, apenas sendo capaz de dizer que as tabelas de preços com que trabalhavam tinham a imagem da C...; que para efeitos de obtenção de cadeiras, toldos e outros materiais promocionais para as festas era necessário contactar a C...; que trabalhavam com uma tabela de preços que, de tempos a tempos, era alvo de alterações.

28 - Por seu lado, a testemunha R..., casado, técnico de vendas, também ele funcionário da Recorrida, que, igualmente, prestou depoimento no dia 18.03.2011, entre as 11:09:24 e as 12:33:03, embora, inicialmente, referisse a existência de um contrato escrito entre Recorrente e Recorrida, veio, subsequentemente, sobretudo em sede de contra instância, a assumir não ter qualquer conhecimento do acordo existente entre a Recorrente e a Recorrida, sendo que ficou a saber do mesmo por meio das circulares que via nos clientes que visitava, não lhe tendo sido prestada qualquer informação a este respeito por parte da Recorrida; mais referindo que, quanto à definição de preços e bonificações que a informação de que dispõe era-lhe fornecida pela gerência da Recorrida, não possuindo, por isso, a esse respeito, qualquer directo conhecimento; que os contactos que faziam era com base em tabelas de preços, as quais eram actualizadas com base em informação da C... e sempre que esta o entendesse; o mercado de Ferreira de Zêzere já tinha sido previamente trabalhado, antes da actuação da Recorrida, por uma outra empresa, que, entretanto, faliu; as listagens de clientes juntas aos autos contêm menção a clientes que não são da zona de Ferreira de Zêzere e outros que apenas eram abastecidos com produtos alimentares que a Recorrida também comercializava; os acordos celebrados com as comissões de festas não se destinavam mais para permitir a calendarização do material necessário à festa.

29 - Ainda a este propósito referiu, ademais, a testemunha X...., que aos costumes declarou ter mantido relações comerciais com a autora, no depoimento prestado no dia 20.05.2011, entre as 10:37:41 e as 10:53:40, que previamente ao início da sua relação de fornecimento, com a Recorrida, de produtos da C..., já era consumidora da cerveja Ç..., junto de uma entidade que entretanto fechou a sua actividade.

30 - Neste sentido, a testemunha T..., anterior colaborador da Recorrente, que prestou depoimento em 20.05.2011, entre as 11:18:22 e as 12:12:12, e demonstrou enorme segurança e conhecimento ao longo de todo o seu depoimento, confirmou que a Recorrida efectuou visitas a clientes, da zona de Ferreira de Zêzere, da C... que com ela tinham uma relação anterior a qualquer contacto realizado por aquela sociedade.

31 - Por sua vez, a testemunha Y...., representante de uma colectividade de Ferreira de Zêzere que, nessa qualidade, manteve relações comerciais com a Recorrente, e prestou depoimento no dia 20.05.2011, entre as 10:53:58 e as 11:11:45, mencionou que, por via dos contratos celebrados com a Recorrida, referentes ao ano de 2006, não ficou obrigado ao pagamento de qualquer quantia, confirmando que o dito documento só tinha efeitos para reserva de material, nada se fixando quanto a consumos e preços.

32 - Face a todo o expendido, é a Recorrente da opinião que houve uma decisão errada quanto aos quesitos 20., 21., 22 e 23., devendo, no seu entender, ser a resposta dada ao primeiro como não escrita e os subsequentes dados como não provados.

33 - A resposta ao quesito 20. deve ser dada como não escrita, por se tratar de uma alegação conclusiva.

34 - A Recorrida limitou-se a juntar aos autos listas de clientes, os quais, por não se reportarem, em exclusivo, a clientes da zona de Ferreira de Zêzere que, junto da Recorrida se abastecessem, apenas, de produtos da C..., nenhuma força probatória possuem.

35 - Quanto aos quesitos 21., 22. e 23. devem os mesmos ser dados como não provados atendendo ao depoimento das testemunhas S... (depoimento prestado no dia 18.03.2011, entre as 09:53:37 e as 11:08:48), R... ( depoimento prestado no dia 18.03.2011, entre as 11:09:24 e as 12:33:03) e Y... (depoimento prestado entre as 10:53:58 e as 11:11:45, no dia 20.05.2011) porquanto, :

36 - Todos confirmaram que os contratos celebrados com as comissões de festas apenas se destinavam a fazer calendarização e reserva de material, não se promovendo, por essa via, qualquer obrigação de compra de produtos ou determinação de preço;

37 - Não sabendo as testemunhas S... e R..., a quem imputar a autoria das tabelas de preços usadas nos contactos dos clientes, impedem que, das suas declarações se retira que as tabelas de preços fossem fixadas pela R.

38 - Nem que era à Recorrente que cabia a promoção e o fornecimento do material publicitários, os equipamentos – roulottes, quiosques, máquinas para tirar a cerveja – copos pvc, faixas publicitárias, apoio nas avarias.

39 - Ora, o desconhecimento das testemunhas S... e R... não é suficiente para dar como provada a factualidade vertida nos quesitos 22. e 23..

Ademais,

40 - Quanto ao ponto 31. entendeu o douto tribunal dá-lo como provado por entender que o aumento de preço da factura manifestamente impossibilitaria a A. de continuar a vender os produtos da C....

41 - Entende a Recorrente que, também, aqui, existiu uma inversão do campo de actuação entre a Recorrida, enquanto parte, e o douto tribunal, enquanto decisor.

42 - A propósito da viabilidade da manutenção de relação de fornecimento, a Recorrida limitou-se a dizer que não conseguiria continuar a fornecer os seus clientes com produtos da C....

43 - Acontece que, a Recorrida não concretizou quais os factos em que se baseia para produzir tal conclusão,

44 - É que, também, aqui, o vertido em 31. é uma alegação conclusiva que, como tal, não é merecedora de resposta, nos termos do artigo 646.º do Código de Processo Civil.

45 - Caso assim não se entenda, o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, é a Recorrente da opinião que o quesito deve ser dado como não provado.

46 - Conforme foi referido pelas testemunhas R... (depoimento prestado em 18.03.2011, entre as 11:09:24 e as 12:33:03) e W... (depoimento prestado em 18.03.2011, entre as 15:01:51 e as 15:24:52), a Recorrida manteve, após Janeiro de 2006, a actividade de venda de produtos da C..., fossem estas cervejas ou águas, tendo, até, para o efeito, desenvolvido relações com outros fornecedores.

47 - Poderia dar-se que tal relação deixasse de ser economicamente interessante ou rentável, porém, a Recorrida não esclareceu se o passaria a ser, nem carreou, para os autos, os concretos factos que permitissem ao tribunal concluir nesse sentido.

48 - O ponto 32. deve ser dado por não escrito, por conter alegações conclusivas e de direito que integram o thema decidendum, a saber, como decorrência da relação mantida com a Recorrente, se a Recorrida era Revendedora ou agente distribuidor da C....

49 - Quanto aos quesitos 35., 40, 42. e 46. É a recorrente da opinião que os mesmos devem ser dado como provados.

Porquanto:

50 - A testemunha U... que, prestou depoimento no dia 20 de Maio de 2011 entre as 14:22:10 e as 14:42::13 e entre as 14:58:00 e as 15:02:56 - e cujo depoimento foi claro, escorreito e sem qualquer contradição, respondendo e esclarecendo quer às questões do mandatário da Recorrente quer do próprio tribunal, nunca alterando, por isso, o seu tom de voz ou comportamento e clarificando, a cada passo, a razão da sua ciência – disse que: a Recorrente emitia à Recorrida uma única factura com os valores a pagar por aquela, não sendo aí efectuada qualquer diferença quanto ao local (dentro ou fora da zona de Ferreira de Zêzere) a que se destinavam tais produtos; da simples análise das listas de clientes da Recorrida, juntas aos autos, não era possível retirar, sem mais, o local onde os mesmo estavam sediados, o tratamento efectuado, desde logo, em termos de facturação para a Recorrida e para os demais clientes da Recorrente era exactamente o mesmo; houve uma primeira reunião com a C... na qual a administração da Recorrente tomou conhecimento de ter sido levada a cabo, pela C..., uma auditoria (facto que, até então, lhes era totalmente desconhecido) de acordo com a qual a zona de Ferreira de Zêzere estava a ser explorada muito aquém do seu potencial, pelo que, a C... requereu à Recorrente que alterasse o seu modo de actuação nessa zona; o Sr. Q... deu conhecimento do teor dessa reunião à Recorrida, por e-mail; no mês de Dezembro de 2011, houve uma segunda reunião com representante da C..., em que ele próprio esteve presente porque o Sr. T..., nesse dia não se encontrava nas instalações da empresa e porque, nessa altura, já começava a ajudar na coordenação de objectivos com vendedores e fornecedores; nessa reunião, a C... fez um ultimato à Recorrente no sentido que ou assumiria o mercado de Ferreira de Zêzere directamente ou que lhes seria retirada a concessão; foi dado conhecimento do resultado desta segunda reunião, também por e-mail, à Recorrida; em Janeiro de 2006, a Recorrida devolveu uma carga que lhe foi enviada, não mais tendo procurado a Recorrente para qualquer fornecimento.

51 - Todo o enquadramento quanto aos contactos havidos entre a C... e a Recorrente, em fins do ano de 2005, encontra-se, ademais, devidamente documentado e junto aos autos, designadamente nos documentos juntos aos autos pela Recorrente, na sessão de julgamento de 20.05.2011, que, na sua origem tem, aliás, um e-mail remetido por um representante da C....

52 - Documentos cuja autenticidade, de acordo com o douto tribunal a quo, não pode ser posta em causa.

53 - Estes aspectos foram, igualmente, alvo de depoimento por parte da testemunha T..., que prestou o seu depoimento no dia 20.05.2011, entre as 11:18:22 e as 12:12:12, por quem foi dito que: em fins do ano de 2005, a C... fez um levantamento da zona de Ferreira de Zêzere, daí resultando que os resultados das vendas não eram bons; teve conhecimento que a administração da Recorrente avisou a Recorrida do que se estava a passar, não tendo havido qualquer atitude por parte da Recorrida; no início de 2006, ele próprio levou a cabo um levantamento das potencialidades da zona de Ferreira de Zêzere, entrando directamente em contacto com o mercado, o que o levou a concluir que, para que a zona de Ferreira de Zêzere fosse convenientemente tratada, seriam necessárias 3 voltas; na zona de Ferreira de Zêzere havia clientes que contratavam directamente com a C..., e também eram fornecidos pela Recorrida.

54 - A testemunha V..., que prestou depoimento entre as 14:04:39 e as 14:21:23, do dia 20.05.2011, e que, enquanto trabalhador da C..., contactou com o mercado de Ferreira de Zêzere, a partir do início do ano de 2006, declarou que: aquando da passagem, para si, da zona de Ferreira de Zêzere, pelo seu colega AA... , lhe foi dito, por este, que a Recorrente tinha sido alvo de uma advertência, no sentido de que, sendo o potencial da zona muito superior aos resultados que vinham tendo, seria necessário tomar medidas mais agressivas; os fracos resultados obtidos na zona de Ferreira de Zêzere estavam retratados em documentação interna da C...; durante os cinco anos que trabalhou na C..., sempre se recorda de terem havido alterações de preço no início de cada ano civil.

Assim,

55 - Entende a Recorrente que foi produzida prova suficiente, designadamente por via das declarações das testemunhas T..., V... e U... e dos documentos juntos aos autos, pela Recorrente, na audiência de 20.05.2013, para que os quesitos 35., 40., 42 e 46. Sejam dados como provados.

Em face do vertido:

56 - Requer-se a V. Exas. que reapreciando a prova constante dos autos, designadamente, reanalisando o teor dos documentos junto com a petição inicial como doc. 1 e doc. 2, dos documentos juntos aos autos pela Recorrente em 20.05.2011, e pelos depoimentos prestados pelas testemunhas S... (no dia 18.03.2011, entre as 09:53:37 e as 11:08:48), R... (no dia 18.03.2011, entre as 11:09:24 e as 12:33:03), W... (no dia 18.03.2011, entre as 15:01:21 e as 15:24:52), X... (no dia 20.05.2011, entre as 10:37:41 e as 10:53:40), Y... (no dia 20.05.2011, entre as 10:53:58 e as 11:11:45), T... (no dia 20.05.2011, entre as 11:18:22 e as 12:12:12), V... (no dia 20.05.2011, entre as 14:04:39 e as 14:21:23) e a testemunha U... (no dia 20.05.2011, entre as 14:22:10 e as 14:42:13 e, novamente, entre as 14:58:00 e as 15:02:56), e considerando o vertido no artigo 646.º do Código de Processo Civil, dê como provados os quesitos 35., 40., 42. e 46., como não escritas as respostas aos quesitos 9., 20., 31. e 32., como não provados os quesitos 6,8, 20, 21, 22. e 23. e, em última análise, como provado apenas, nos termos supra explanados os quesitos 1. e 6. e, consequentemente, ser a Recorrente absolvida do pedido.

***

Quanto à matéria de direito

57 - De acordo com a douta decisão Recorrida, o contrato celebrado entre Recorrente e Recorrida configura um contrato de concessão comercial.

58 - Não obstante a devida vénia que o douto tribunal nos merece, não sufraga, a Recorrente da mesma opinião.

Porquanto:

59 - Considerou o douto tribunal que, atento o vertido em 4.1.3, 4.1.18, 4.1.21., 4.1.20, 4.1.23, 4.1.4 dos factos provados, se concluía pela existência entre a Autor e a Ré de um contrato de fornecimento de bens

60 - Que tal fornecimento foi assumido pela Autora – aqui Recorrida – quando esta se comprometeu perante a Ré a prover às necessidades de consumo dos produtos da C..., fornecidos pela Ré, por forma a que não se verificassem atrasos ou faltas de entrega pontuais dos pedidos dos seus clientes;

61 - E que, “ Não obstante, o objectivo à celebração de contrato entre a Autora e Ré prendeu-se com a necessidade de assegurar a distribuição no concelho de Ferreira de Zêzere, a qua a Ré se tinha obrigado perante a C....”

62 - Deste ponto passa o douto tribunal a quo à caracterização do contrato celebrado entre Recorrente e Recorrida como um contrato de distribuição, particularmente um contrato de concessão comercial.

63 - Ora, salvo devido respeito, o tribunal decidiu mal e, por esta via, violou os artigos 236.º e 405.º do Código Civil, e os artigos 264.º e 664.º do Código de Processo Civil.

Porquanto,

64 - De acordo com o artigo 405.º do Código Civil, as partes têm a faculdade, dentro dos limites da lei, de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no código civil ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.

65 - Para efeito de determinação da vontade das partes, determina o artigo 236.º do mesmo diploma que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante.

66 - No entender da Recorrente a douta decisão Recorrida viola estas disposições por não tomar em consideração, aquando da apreciação da matéria de direito, a concreta vontade das partes na celebração do acordo.

Mais,

67 - O douto tribunal vai para lá daquela que seria a vontade das partes, desrespeitando inclusive os princípios vertidos nos artigo 264.º e 664.º do Código de processo Civil, ao referir que, não obstante o vertido em 4.1.24, o que as partes pretendiam era assegurar a distribuição no concelho de Ferreira de Zêzere a que a Ré se havia obrigado perante a C....

68 - Não consta dos autos qualquer alegação ou factualidade quanto à existência de uma cláusula de compra mínima – ou de escoamento mínimo – a que a Recorrente estivesse obrigada perante a C...!

69 - Não consta de qualquer alegação ou facto provado que o propósito da Recorrente e da Recorrida se prendia com a necessidade de assegurar a distribuição no concelho de Ferreira de Zêzere, a que a Ré se tinha obrigado perante a C....

70 - O douto tribunal excedeu, neste aspecto, os factos que lhe foram apresentados pelas partes, substituindo-se a elas e fazendo considerações sobre as suas motivações, comportamento processual que a lei, por força dos artigos 264.º e 664.º do Código de Processo Civil, lhe não admite.

Identicamente,

71 - A douta decisão recorrida não dá cumprimento ao vertido no artigo 236.º do Código Civil quando conclui ter sido pretensão das partes a celebração de um acordo de concessão.

72 - Nada nos autos consta a respeito da vontade das partes, consequentemente, nenhuma qualificação é segura,

73 - Ainda assim, arrisca a Recorrente, que é seguro dizer que entre Recorrente e Recorrida não foi celebrado qualquer contrato de concessão.

74 - Inversamente ao que refere o douto tribunal, o universo dos contratos de distribuição não se resume aos contratos de agência, franquia ou concessão. Para lá destes existem outros, designadamente, o contrato de distribuição autorizada.

75 - A distribuição autorizada pode definir-se como o efeito de um acordo pelo qual um produtor confere a um comerciante, escolhido em razão da sua aptidão técnica e comercial, a qualidade de distribuidor dos seus produtos.4

76 - O douto tribunal entendeu estarmos, in casu, perante um contrato de concessão por estarmos perante um contrato com carácter estável e por tempo indeterminado, mediante o qual a Recorrida assumiu a obrigação de comprar e a (4 Cfr. Maria Helena Brito, O Contrato de Concessão Comercial Descrição, qualificação e regime jurídico de um contrato socialmente típico, Livraria Almedina, Coimbra 1990) Recorrente de vender, actuando em nome próprio, numa área geográfica determinada e em exclusividade.

77 - Acontece que, a descrição efectuada pelo tribunal a quo é, igualmente, capaz de subsumir esta realidade a um contrato de distribuição autorizada.

78 - Mas, no entender da Recorrente, nenhum das situações aqui se verifica.

79 - É que qualquer destes contratos implica a integração por parte do distribuidor na rede do produtor/comerciante.

80 - Ora, salvo devido respeito por opinião diversa, falha, in casu, a ideia de integração.

81 - A Recorrida falhou alegar e provar, neste sentido, quais as transformações levadas a cabo na sua actividade comercial e estrutura da empresa.

82 - Como, supra, se defendeu, a Recorrida falhou demonstrar esse grau de interacção, desde logo, ao nível da colaboração e acompanhamento, por parte da Recorrente, em iniciativas e eventos por si promovidos,

83 - Assim, como a existência de cláusulas de compra mínimas, típicas deste tipo de contratos.

84 - Igualmente indispensável ao contrato de concessão é o concedente fornecer aos concessionários os meios necessários ao exercício da sua actividade.

85 - Ora, também por esta via não é o caso dos presentes autos susceptível de enquadrar um caso de concessão comercial.

86 - Assim sendo, entende a Recorrente que apenas será possível concluir, atenta a factualidade carreada aos autos, estarmos, in casu, perante um singelo contrato de fornecimento,

87 - O qual, é, nos termos gerais de direito, é passível de ser livremente terminado ou resolvido, por qualquer das partes,

88 - Não havendo, por tanto, qualquer obrigação de indemnização da Recorrida, devendo a Recorrente, por conseguinte ser absolvida, na íntegra, do pedido.

Não obstante, caso assim não se entenda – o que apenas se admite por mera hipótese académica – sempre se dirá que:

89 - Ainda que se entenda que o contrato celebrado entre Recorrente e Recorrida é um contrato de concessão comercial, a condenação da Recorrente é violadora do vertido nos artigos 432.º e 437.º do Código Civil, bem como, o disposto nos artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho.

90 - Conforme resulta dos depoimentos das testemunhas ouvidas, particularmente das arroladas pela Recorrente, a dada altura no termo do ano de 2005, a Recorrente foi contactada pela C..., que lhe deu conta que os resultados obtidos na zona de Ferreira de Zêzere estavam muito aquém do potencial daquela zona, pelo que lhe lançou um ultimato, no sentido de ou ceder a zona de Ferreira de Zêzere a um terceiro ou dedicar-se, directamente, à dinamização daquele território.

91 - O ultimato dirigido à Recorrente ficou a dever-se à fraca dinamização que, até então, vinha sendo levada a cabo no concelho de Ferreira de Zêzere,

92 - Dinamização que, diz a Recorrida, era efectuada por si.

93 - Ora, no entender da Recorrente, encontram-se - admitindo, por hipótese de raciocínio o cenário considerado pelo douto Tribunal – [nesse caso] reunidos os pressupostos necessários para a extinção imediata daquele contrato por via da resolução,

94 - Seja por via da regra geral do artigo 432.º : na medida em que, de acordo com a versão apresentada pela Recorrida, as funções que esta havia assumido para com a Recorrente, não estavam a ser cumpridas de forma diligente, o que, nos termos dos artigos 801.º e 432.º legitimava à Recorrente operar a resolução do contrato;

95 - Seja por via do artigo 30.º do Decreto- Lei n.º 178/86 que determina que o contrato de agência pode ser resolvido se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações ou se ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia.

96 - Ora, no entender da Recorrente, o ultimato da C..., associado, à fraca dinamização, por parte da Recorrida, do mercado de Ferreira de Zêzere integram ambas as situações previstas no artigo 30.º do DL 178/86,

97 - Na medida em que houve incumprimento reiterado, por parte da Recorrida, na (dita) dinamização,

98 - O qual, por sua vez fundou o ultimato da C...,

99 - Circunstância esta impeditiva da realização do fim contratual, uma vez que a Recorrente, na óptica de contrato de concessão, perderia qualquer direito àquela zona.

100 - A resolução deve, nos termos do artigo 31.º do DL 178/86, ser operada por escrito e comunicada, no prazo de um mês após o conhecimento dos factos que a justifiquem, indicando as razões em que se fundamenta.

101 - Ora, as comunicações da Recorrente à Recorrida, datadas de Dezembro de 2005 – documentos juntos aos autos em 20.05.2011 – dão conta à Recorrida da impossibilidade, fundamentada na posição da C..., de manutenção do status quo,

102 - Consequentemente, nenhuma obrigação de indemnização poderá recair sobre a Recorrente, ao abrigo do artigo 29.º do DL 178/86, por o (alegado) contrato existente entre Recorrente e Recorrida ter cessado, imediatamente, por resolução.

Identicamente,

103 - O douto tribunal a quo entendeu que a cessação do contrato era imputável à Recorrida, por violação das obrigações contratuais.

104 - Assim, também a violação identificada no doutra decisão Recorrida é susceptível de fundar a extinção imediata, sem verificação de pré-aviso ou pagamento de qualquer indemnização, por resolução.

Subsidiariamente, ainda se dirá que:

105 - Nos termos do artigo 437.º do Código Civil, se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem aparte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.

106 - A Recorrente é da opinião que, a atribuir-se efeito declarativo, quanto à subsistência do contrato, à comunicação da Recorrente, à Recorrida, dos novos preços a praticar, sempre tal declaração deveria ser interpretada ao abrigo do artigo 437.º do Código Civil, ou seja, enquanto comunicação da modificação aos termos do contrato, por se ter verificado uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar (a saber: a ameaça de cessação, por parte da C..., relativamente ao contrato celebrado entre esta e a Recorrida, no seguimento de uma auditoria desconhecida à Recorrente).

107 - Neste enquadramento, o comportamento subsequente da Recorrida é que comporta a verdadeira causa de extinção do contrato,

108 - Por ter sido esta que decidiu pela devolução dos bens à concedente e, bem assim, escolheu não mais procurar a Recorrente para, nesta, se continuar a fornecer,

109 - Soçobrando, assim, também por esta via a pretensão da Recorrida/Autora.

Termina, peticionando a procedência do seu recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida e a sua absolvição do pedido.

            Recurso da autora:

1- A decisão sobre a matéria de facto efectuou incorrecta interpretação da prova produzida em audiência de julgamento no caso “ sub júdice “, razão pela qual se impõe que a mesma seja impugnada e, consequentemente, a respectiva decisão alterada (artº 712º/1/a/b, do CPC).

2- Os pontos de matéria de facto que a Autora considera incorrectamente julgados (artº 690-A/1/a do CPC) são as respostas aos pontos 20º e 41º da Base Instrutória.

3- Os depoimentos gravados das testemunhas S... e R..., bem como os documentos nºs 11 (listagem de clientes) e 37 (e-mail de 11.01.2006), junto com a petição inicial, cotejados com os demais elementos probatórios no processo, impunham decisão diversa (artº 690º/1/b, do CPC).

4- Assim, no que se refere ao quesito 20º, deveria ter-se dado como provado que “De Novembro de 1999 a 31 de Dezembro de 2005, a Autora Angariou na zona de Ferreira do Zêzere cento pelo menos sessenta clientes, semana após semana visitados e fornecidos pela Autora“.

5- E quanto ao quesito 41º, o mesmo deve ser considerado “ Não provado “.

É que, face á prova produzida nos autos,

6- É certo que a Autora, entre Novembro de 1999 e Dezembro de 2005, angariou pelo menos 60 novos clientes no concelho de Ferreira do Zêzere, nas vendas de produtos – cervejas, águias e refrigerantes – da C....

7- E que, o aumento dos preços inesperado e significativo, em percentagem superior a 30% não visou sancionar a Autora por qualquer comportamento desta, antes foi a forma encontrada pela Ré para que a Autora não mais pudesse vender os produtos na C..., desiderato que de facto atingiu.

8- Os concretos pontos de matéria de facto ora impugnados foram incorrectamente apreciados, aliás, com o devido respeito, a convicção formada para a decisão impugnada não foi prudente, tendo o M.mo Juiz exagerado na liberdade vinculada que desfrutava na apreciação da prova, considerando como provados factos que objectivamente e com base nos meios de prova deveriam ter naturalmente outra decisão.

9- A Autora entre 1999 e 2005 angariou pelo menos 60 novos clientes no concelho de Ferreira do Zêzere, de produtos da C..., que não pôde continuar a fornecer em razão do aumento de preços efectuado pela Ré, superior a 30%, e que, assim, com a cessação da contrato passaram a ser clientes da Ré, a qual aumentou significativamente os seus negócios.

10- Encontram-se preenchidos os requisitos de que a lei faz depender o direito á indemnização de clientela.

11- Entre Autora e Ré não ficou estabelecido que a Autora não podia vender os produtos fora do concelho de Ferreira do Zêzere, nem é aplicável ao caso concreto o disposto no artº o artº 4º do DL 178/86, de 3 de Julho, pois que a exclusividade recíproca apenas se refere ao mesmo território, no caso o concelho de Ferreira do Zêzere.

12- Acresce que, tendo o contrato entre Autora e Ré sido iniciado no final do ano de 1999, período durante o qual a Autora forneceu regularmente alguns clientes fora do concelho de Ferreira do Zêzere, de produtos adquiridos à Ré, com o conhecimento desta, em momento algum a Ré questionou tais vendas, nem manifestou a intenção de, por tal facto, cessar o contrato.

13- Assistir à Ré o direito de denuncia do contrato, com este fundamento, por via do aumento dos preços, constituiria manifestamente abuso do direito, não era aceitável, exactamente porque a Ré ao longo dos anos permitiu que a Autora vendesse esses produtos a outros clientes, sem o mínimo reparo.

14- Se não é aceitável que a Ré pudesse cessar o contrato por esta causa, também não é aceitável imputar á Autora as razões da cessação do contrato, que ocorreu por iniciativa da Ré.

15- Nem todos os clientes da Autora de produtos da C... se encontravam em áreas concessionadas à Ré, a maioria estavam no concelho de Tomar, onde a Ré não comercializava os referidos produtos.

16- Além da margem de lucro nas vendas que efectuava á Autora, a Ré ainda beneficiava indirectamente com todas vendas da Autora, dentro e fora do concelho de Ferreira do Zêzere, já que é usual nestes contratos o pagamento de percentagem sobre essas vendas.

17- O contrato entre Autora e Ré cessou os seus efeitos por decisão unilateral, inesperada, infundada e abusiva da Ré, de aumentar os preços dos produtos, em percentagem superior a 30%, e a Autora em nada contribuiu para esse resultado.

18- A importância de € 64.863,76 (sessenta e quatro mil, oitocentos e sessenta e três euros e setenta e seis cêntimos), peticionada pela Autora pela indemnização de clientela, é justa e equilibrada, e até inferior ao que resulta da lei.

19- A decisão impugnada violou, nomeadamente, o disposto nos artºs 33º/3 e 34º do DL 178/86, de 3 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pelo DL 118/93, de 13 de Abril e os artºs 653º/2, do CPC.

Pelo que, pelos fundamentos expostos, deve este Tribunal da Relação julgar procedente a presente apelação, alterando-se a decisão impugnada, e condenando-se a Ré a pagar á Autora a quantia de € 64.863,76 (sessenta e quatro mil, oitocentos e sessenta e três euros e setenta e seis cêntimos), a título de indemnização de clientela, assim fazendo V. Ex.cias Venerandos

Desembargadores a costumada

JUSTIÇA !      

            Contra-alegando, a ré, pugnou pela improcedência do recurso da autora, reiterando, para tal, no essencial, os argumentos que expendeu no seu próprio recurso.

           

            Colhidos os vistos legais, há que decidir.        

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

            Recurso da ré:

            A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos quesitos 1.º, 6.º, 8.º a 10.º, 13.º, 20.º a 23.º, 31.º, 32.º, 35.º, 40.º, 42.º e 46.º, da base instrutória;

            B. Natureza do contrato celebrado entre a autora e a ré e inerente obrigação de indemnização decorrente do seu alegado incumprimento;

            C. Se se verificam os pressupostos para que a ré optasse pela resolução do contrato.

            Recurso da autora:

            D. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos quesitos 20.º e 41.º da base instrutória;

E. Se a autora tem direito à indemnização de clientela;

F. Se configura abuso do direito conferir à ré a faculdade desta denunciar o contrato, com fundamento em a autora vender produtos fora do concelho de Ferreira do Zêzere.

           

            É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

4.1. – Os factos (Ressalvando-se o lapso informático da alínea G) de fls. 179)

4.1.1. A Autora é uma sociedade que se dedica ao comércio e distribuição de produtos alimentares. [Alínea A) dos Factos Assentes]

4.1.2. A Ré desenvolve actividade no mesmo ramo da Autora. [Alínea B) dos Factos Assentes]

4.1.3. No ano de 1999 a Ré contratou com a C... a distribuição das marcas e produtos daquela empresa, designadamente águas, referigerantes e cervejas, estas em garrafa, latas e barril, nos concelhos de Ourém (Fátima), Alcanena, Rio Maior, Santarém, Cartaxo, Torres Novas e Ferreira do Zêzere. [Alínea C) dos Factos Assentes]

4.1.4. Entre Novembro de 1999, até Dezembro de 2005, a Ré forneceu à Autora produtos da C..., e esta última revendia-os aos seus clientes no concelho de Ferreira do Zêzere. [Alínea D) dos Factos Assentes]

4.1.5. Durante este período a Ré não forneceu directamente estes produtos a quaisquer outros clientes na área desse concelho. [Alínea E) dos Factos Assentes]

4.1.6. Regularmente, alguns dos produtos eram transportados das instalações da Ré para os clientes, a expensas da Autora. [Alínea F) dos Factos Assentes]

4.1.7. A Autora comprometeu-se a retornar à Ré todo o vasilhame desta, após o consumo, vasilhame que era recolhido e guardado pela Autora em local adequado nas suas instalações. [Alínea G) dos Factos Assentes]

4.1.8. A distribuição dos produtos fornecidos pela Ré ocupava normalmente os dois vendedores da Autora um dia por semana. [Alínea H) dos Factos Assentes]

4.1.9. Não foi acordado qualquer prazo final para a relação comercial entre Autora e Ré. [Alínea I) dos Factos Assentes]

4.1.10. Regularmente a Ré enviava à Autora, por fax ou por e-mail a tabela de preços dos produtos. [Alínea J) dos Factos Assentes]

4.1.11. A Ré enviava também à Autora a informação que a C... lhe remetia, bem como informações sobre tabelas de preços promocionais, bonificações sobre o “acordo de mecânica”, entrega de mercadorias e avarias e instruções para a entrega de cerveja em barril, referentes aos acordos entre os seus clientes e a C.... [Alínea K) dos Factos Assentes]

4.1.12. No mês de Dezembro, os preços da Ré à Autora, relativos à cerveja “ Ç...” eram os seguintes:

- Cerveja “mini” - €4,77 por grade (cada uma com 24 garrafas) ao preço de €0,19 por garrafa,

- Cerveja “média” - €6,64 por grade (cada uma com 24 garrafas) ao preço de € 0,24 por garrafa. [Alínea L) dos Factos Assentes]

4.1.13. Com a primeira factura do ano de 2006, datada de 9 de Janeiro desse ano, a Ré, sem primeiro consultar ou avisar a Autora, aumentou os preços relativos à cerveja “ Ç...” para os seguintes valores:

- Cerveja “mini” - € 6,92 por grade (cada uma com 24 garrafas) ao preço de €0,23 por garrafa.

- Cerveja “média” - €8,93 por grade (cada uma com 24 garrafas) ao preço de €0,29 por garrafa. [Alínea M) dos Factos Assentes]

4.1.14. A Autora comunicou à Ré que não aceitava a alteração de preços, alegando que esta impedia a continuação da comercialização dos produtos da C.... [Alínea N) dos Factos Assentes]

4.1.15. A Ré respondeu por e-mail de 11 de Janeiro de 2006, reiterando a alteração dos preços para os novos valores, mencionado que “esses são os preços que vigoram na nossa tabela de revenda” [Alínea O) dos Factos Assentes]

4.1.16. Por fax de 13 de Janeiro de 2006, a Autora reafirmou a não aceitação da alteração dos preços, e que “nos termos do acordo em vigor com essa empresa desde 1999, somos distribuidores dos produtos da C... para o concelho de Ferreira do Zêzere, não somos revendedores”. [Alínea P) dos Factos Assentes]

4.1.17. A Ré respondeu por anotação ao fax da Autora, informado que iria levantar a mercadorias respeitante à factura em causa, o que cumpriu. [Alínea Q) dos Factos Assentes]

4.1.18. Em Outubro de 1999, a Ré acordou verbalmente com a Autora conceder-lhe a distribuição, comercialização e apoio após venda dos produtos C..., D...e E..., no concelho de Ferreira do Zêzere, sem que a Ré tivesse efectuado qualquer distribuição no indicado concelho. [Resposta ao ponto 1 da Base Instrutória]

4.1.19. A Ré prestou esta informação aos seus potenciais clientes no concelho de Ferreira do Zêzere através da comunicação junta a fls. 10, cujo teor é o seguinte:

“Exmos Senhores

99-10-27

Estimado Cliente:

A B..., empresa com 50 anos de experiência em distribuição e com o apoio da C..., recorrerá neste vosso concelho de Ferreira de Zêzere à colaboração da Empresa A..., Lda., para a distribuição e assistência nos produtos C..., D...e E....

Convencidos que a relação fundamental produtor/distribuidor se conseguirá ampliar de forma satisfatória para ambas as partes vimos comunicar a todos os clientes esta alteração.

Os nºs de telefone para contacto são os seguintes: 049-726239 e o fax: 049-719175.

Agradeço a vossa atenção

Os Melhores Negócios”

[Resposta ao ponto 2 da Base Instrutória]

4.1.20. Nos termos acordados, a Autora ficou com o direito de comercializar os referidos produtos em regime de exclusividade nesse concelho. [Resposta ao ponto 3 da Base Instrutória]

4.1.21. As cervejas, águas e sumos abrangidos pelo acordo eram fornecidos pela C... à Ré, que por sua vez os entregava à Autora. [Resposta ao ponto 4 da Base Instrutória]

4.1.22. Alguns dos produtos abrangidos pelo acordo eram fornecidos pela C... à Ré, que por sua vez os entregava à Autora, a preço igual ao praticado pela C... com ela própria e com os demais agentes. [Resposta ao ponto 5 da Base Instrutória]

4.1.23. Nos termos do acordo entre Ré e Autora, esta passou a actuar por sua conta e risco e com total independência, ainda que com a colaboração e acompanhamento da Ré em determinadas iniciativas ou eventos. [Resposta ao ponto 6 da Base Instrutória]

4.1.24. Mais se comprometeu a Autora a prover às necessidades de consumo dos produtos da C..., fornecidos pela Ré, por forma a que não se verificassem atrasos ou faltas de entrega pontuais dos pedidos dos clientes. [Resposta ao ponto 8 da Base Instrutória]

4.1.25. Os dois vendedores ao serviço da Autora, promoviam e dinamizavam as vendas dos produtos fornecidos pela Ré, apoiando clientes e angariando outros. [Resposta ao ponto 9 da Base Instrutória]

4.1.26. Recebendo encomendas, reclamações ou notas de avaria de equipamentos, ajudando a fazer a exposição dos produtos nas vitrines de frio, abordando comissões de festas e outros pontos de venda para contratos. [Resposta ao ponto 10 da Base Instrutória]

4.1.27. A Autora deu formação aos seus dois funcionários na área da informática. [Resposta ao ponto 11 da Base Instrutória]

4.1.28. A Autora tinha dois vendedores. [Resposta ao ponto 12 da Base Instrutória]

4.1.29. Ao longo dos anos de 1999 a 2005, em momento algum a Ré manifestou o propósito de fazer cessar o contrato. [Resposta ao ponto 13 da Base Instrutória]

4.1.30. A Autora adquiriu um sistema de gestão comercial integrada em Outubro de 1999. [Resposta ao ponto 14 da Base Instrutória]

4.1.31. A Autora dotou a sua actividade de novos computadores, monitores e servidores. [Resposta ao ponto 15 da Base Instrutória]

4.1.32. No final de 2003 a Autora adquiriu os equipamentos descritos na factura de fls. 14 e 15, com o que despendeu € 7.069,79, de modo a que os dois vendedores andassem cada um com um automóvel e computador portátil, recebendo as encomendas dos clientes e permitindo a entrega dos produtos nas 24 horas seguintes. [Resposta ao ponto 16 da Base Instrutória]

4.1.33. Em Junho de 2002 a Autora celebrou dois contratos de aluguer de veículo automóvel e prestação de serviços sem condutor, com a “K...., S.A.”, com respeito aos dois veículos de marca Renault, modelo Kango, com as matrículas (...)TJ e (...)5-TJ, que passaram a ser utilizados pelos vendedores da Autora, para todo o serviço de vendas e vieram substituir outros dois. [Resposta ao ponto 17 da Base Instrutória.]

4.1.34. Tais contratos foram celebrados por 4 anos, com termo em 31 de Maio de 2006, o primeiro com o pagamento mensal de € 318,24 e o segundo com o pagamento mensal de € 272,06. [Resposta ao ponto 18 da Base Instrutória]

4.1.35. Em Dezembro de 2005, os dois funcionários da Autora, vendedores colocados no concelho de Ferreira do Zêzere, na promoção, venda e apoio aos clientes dos produtos fornecidos pela Ré, auferiam cerca de € 600,00 mensais, cada um, incluindo as prestações sociais e os seguros. [Resposta ao ponto 19 da Base Instrutória]

4.1.36. De Novembro de 1999 a 31 de Dezembro de 2005,a Autora angariou clientes na zona de Ferreira de Zêzere, que semana após semana seriam visitados e fornecidos pela Autora. [Resposta ao ponto 20 da Base Instrutória]

4.1.37. Em Dezembro de 2005, a Autora já tinha um acordo para fornecimento de cervejas, sumos e águas da C... e eventos populares do Verão de 2006. [Resposta ao ponto 21 da Base Instrutória]

4.1.38. As condições de fornecimento eram negociadas entre a Autora e as comissões de festas, de acordo com as tabelas de preços da Ré. [Resposta ao ponto 22 da Base Instrutória]

4.1.39. Cabendo à Ré as promoções e o fornecimento de material publicitário, os equipamentos – roulotes, quiosques, máquinas para tirar a cerveja -, copos pvc, faxas publicitárias, apoio nas avarias. [Resposta ao ponto 23 da Base Instrutória]

4.1.40. A partir de Janeiro de 2006, a Ré contactou directamente os clientes de produtos da C... no concelho de Ferreira do Zêzere. [Resposta ao ponto 26 da Base Instrutória]

4.1.41. A partir dessa altura, a Ré passou a fornecer directamente, entre outros, os clientes angariados pela Autora. [Resposta ao ponto 29 da Base Instrutória]

4.1.42. Não mais abasteceu a Autora dos produtos da C.... [Resposta ao ponto 30 da Base Instrutória]

4.1.43. A Autora não conseguiria continuar a fornecer aos seus clientes produtos da C..., com os preços que a Ré pretendeu estabelecer para os fornecimentos na primeira factura de 2006. [Resposta ao ponto 31 da Base Instrutória]

4.1.44. Caso a Autora aceitasse a alteração de “agente distribuidor” para “revendedor”, a Autora não teria acesso à cerveja em barril, produto vendido em exclusivo pelos distribuidores da C.... [Resposta ao ponto 32 da Base Instrutória]

4.1.45. Entre os anos de 2002 e 2005, o total de compras brutas da Autora e Ré foi o seguinte:

- 2002: € 427.205,36 (quatrocentos e vinte e sete mil duzentos e cinco euros e trinta e seis cêntimos)

- 2003: € 353.599,90 (trezentos e cinquenta e três mil quinhentos e noventa e nove euros e noventa cêntimos)

- 2004: € 345.636,83 (trezentos e quarenta e cinco mil seiscentos e trinta e seis euros e oitenta e três cêntimos)

- 2005: € 331.170,08 (trezentos e trinta e um mil cento e setenta euros e oito cêntimos). [Resposta ao ponto 33 da Base Instrutória]

4.1.46. A Autora durante os anos de 1999 a 2006 também adquiriu à Ré produtos da C... que destinava a outros clientes que se situavam fora da área geográfica do concelho de Ferreira de Zêzere, entre os quais os seguintes clientes: F..., G..., H...., I...., J..., L..., M..., N...., O.... E P..... [Resposta ao ponto 36 da Base Instrutória]

4.1.47. Fazendo aí concorrência à Ré. [Resposta ao ponto 37 da Base Instrutória]

4.1.48. Uma percentagem, não concretamente apurada dos produtos adquiridos pela Autora à Ré, destinavam-se a fornecer clientes que se situavam fora da área de Ferreira do Zêzere.

[Resposta ao ponto 38 da Base Instrutória]

4.1.49. A Ré estabeleceu para a Autora os preços referidos em 4.1.13., em Janeiro de 2006, iguais aos demais revendedores, para sancionar esta última pela conduta descritas nos pontos 4.1.46., 4.1.47. e 4.1.48. [Resposta ao ponto 41 da Base Instrutória]

4.1.50. A partir de Janeiro de 2006, a Autora nunca mais voltou a procurar a Ré para que esta lhe vendesse os seus produtos. [Resposta ao ponto 43 da Base Instrutória]

4.1.51. A Autora continuou, pontualmente, a vender cerveja Ç..., aos clientes que tinha em Ferreira do Zêzere. [Resposta ao ponto 44 da Base Instrutória]

4.1.52. A C..., em 2006, alterou o preço da grade de Ç... mini para € 4,79 e da Ç... média para € 6,67. [Resposta ao ponto 45 da Base Instrutória].

            Recurso da ré:

            A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos quesitos 1.º, 6.º, 8.º a 10.º, 13.º, 20.º a 23.º, 31.º, 32.º, 35.º, 40.º, 42.º e 46.º, da base instrutória;

No que a esta questão concerne, como resulta da sua conclusão 56.ª, pretende a ré que reapreciando a prova constante dos autos, designadamente, reanalisando o teor dos documentos junto com a petição inicial como doc. 1 e doc. 2, dos documentos juntos aos autos pela Recorrente em 20.05.2011, e pelos depoimentos prestados pelas testemunhas S... (no dia 18.03.2011, entre as 09:53:37 e as 11:08:48), R... (no dia 18.03.2011, entre as 11:09:24 e as 12:33:03), W... (no dia 18.03.2011, entre as 15:01:21 e as 15:24:52), X... (no dia 20.05.2011, entre as 10:37:41 e as 10:53:40), Y... (no dia 20.05.2011, entre as 10:53:58 e

as 11:11:45), T... ( no dia 20.05.2011, entre as 11:18:22 e as 12:12:12), V... ( no da 20.05.2011, entre as 14:04:39 e as 14:21:23) e a testemunha U... ( no dia 20.05.2011, entre as 14:22:10 e as 14:42:13 e, novamente, entre as 14:58:00 e as 15:02:56), e considerando o vertido no artigo 646.º do Código de Processo Civil, se dê como provados os quesitos 35., 40., 42. e 46., como não escritas as respostas aos quesitos 9., 20., 31. e 32., como não provados os quesitos 6,8, 20, 21, 22. e 23. e, em última análise, como provado apenas, nos termos supra explanados os quesitos 1. e 6. e, consequentemente, ser a Recorrente absolvida do pedido.

            Perfilhamos o entendimento que o recurso da ré, na parte respeitante à pretendida alteração da matéria de facto, tem de ser rejeitado, por não respeitar as exigências legais previstas para a respectiva admissibilidade.

            Efectivamente e seguindo o por nós já decidido, entre outras e por último, na apelação n.º 299/09, de 02 de Julho de 2013, importa considerar que, como resulta da acta da audiência de julgamento, procedeu-se à gravação dos depoimentos prestados, no sistema de gravação digital em aplicação informática, em uso no Tribunal recorrido.

            Assim, nos termos do disposto no artigo 685.º-B, n.os 1.al.s a) e b) e 2, do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo DL 303/2007, de 24/8, (ora artigo 640.º, do NCPC), o recorrente, em caso de recurso sobre a matéria de facto, para além da indicação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, tem de indicar, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, as passagens da gravação em que se funda o mesmo.

            A recorrente limita-se a indicar o depoimento de oito das testemunhas em que funda o seu recurso de facto, em bloco, isto é referindo a totalidade dos respectivos depoimentos (como resulta do teor da sua conclusão 56.ª e o mesmo se verifica nas alegações de recurso, com a única diferença de nestas se referir o que as testemunhas terão dito, globalmente), sem mencionar uma única transcrição da passagem dos depoimentos em que se funda para suportar a sua discordância da decisão de facto, limitando-se a afirmar que tais testemunhas disseram ou não disseram “isto ou aquilo”, mas sem que se possa aferir uma única afirmação “em discurso directo” que tenha sido produzida por qualquer das testemunhas em causa, tudo como resulta das conclusões 4.ª a 7.ª, 10.ª, 13.ª, 15.ª a 17:ª, 26.ª a 31.ª, 35.ª a 37.ª, 46.ª, 50.ª, 53.ª a 56.ª.

Isto é, a recorrente socorre-se dos depoimentos genéricos e globais de tais testemunhas, deles tirando as suas próprias conclusões, mas sem que indique uma única expressão que qualquer delas tenha referido.

Sem que, em violação do disposto no artigo 685.º-B, n.º 2, do CPC (ora 640.º, n.º 2, al. a), “indique com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso”.

Consequentemente, tem de concluir-se que o seu recurso, em sede de impugnação da matéria de facto, não obedece aos critérios expostos no referido artigo 685.º - B, n.º 1, al. b), do CPC, pelo que tem de ser, imediatamente rejeitado, sem que exista lugar a qualquer despacho de aperfeiçoamento – neste sentido, veja-se Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Reimpressão, Almedina, Fevereiro de 2008, pág.s 141 a 143 e F. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos Em Processo Civil, 6.ª edição, Almedina, Setembro de 2005, a pág. 171, último parágrafo e nota 354.

            Também o STJ, se pronunciou no sentido de que o incumprimento do ónus de alegação em causa, conduz à imediata rejeição do recurso, por último, no seu Acórdão de 23/11/2011, in CJ, STJ, Ano XIX, Tomo III/2011, a pág. 126 e seg.s

            Como refere Abrantes Geraldes, ob. cit., a pág.s 142 e 143, as exigências contidas nos preceitos em referência devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor e visando impedir que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação inconsequente de inconformismo.

            E, como se salienta, nos Arestos do STJ ora citados, só exigindo-se o fundamento da discordância, se apontem as passagens precisas dos depoimentos que fundamentam a concreta divergência, que se explique em que é que os concretos depoimentos contrariam o julgamento da matéria de facto operado no Tribunal recorrido, se dará cabal cumprimento ao princípio do contraditório, só assim se permitindo à parte contrária a possibilidade de contrariar os argumentos invocados pelo recorrente.

            Compulsando o teor das alegações e conclusões de recurso (que transcrevem e reproduzem aquelas, no que a esta questão respeita), tem de concluir-se que a ora recorrente, manifestamente, não cumpriu o ónus imposto pelo artigo 685.º-B, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do CPC. (ora 640.º, n.º 1, al. b) e 2, al. a), o que acarreta a rejeição do recurso no segmento relativo à matéria de facto, nos termos ali constantes.

            Pelo que se rejeita o recurso interposto pela ré no que se refere à matéria de facto, em função do que se mantém a factualidade dada como provada e não provada em 1.ª instância, no que se refere aos quesitos visados com o presente recurso quanto a esta questão, assim, improcedendo, no que a tal concerne, o presente recurso.

Ainda no âmbito do recurso da matéria de facto, alega a ré que se devem considerar como não escritas as respostas que mereceram os quesitos 9.º, 20.º, 31.º e 32.º, por, no seu entender, os mesmos envolverem conceitos conclusivos e de direito.

Estas respostas encontram-se transcritas nos itens 25, 36, 43 e 44, respectivamente, da matéria de facto dada por provada.

Relativamente aos quesitos 9.º e 20.º, insurge-se a ré quanto ao facto de na mesma se usarem os termos “promover”, dinamizar” e “angariar”.

Trata-se de expressões que não obstante poderem ter um significado jurídico, também são utilizadas na “linguagem corrente” e, assim, não contendo “pura matéria de direito”, podem e devem ser considerados na resposta aos quesitos em causa, devendo ser considerados na vertente de utilização corrente e sem que vinculem o juiz da sentença – neste sentido, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume (4.ª Edição Revista E Actualizada), Almedina, Março de 2004, a pág.s 240 e 241.

Efectivamente, como ali referido, há termos ou expressões que traduzem a dupla vertente técnico-jurídica e a correspondente situação de facto material e esta não é inteiramente coincidente com aquela, devendo prevalecer, neste âmbito, o sentido vulgar e comum.

Ora as expressões “promover”, dinamizar” e “angariar”, podem ser entendidas nesta acepção vulgar e comum e sem que o facto de ali constarem condicionem a qualificação técnico-jurídica do contrato em causa.

Qualquer pessoa de mediana sagacidade e entendimento, entende, a nível de linguagem comum o sentido de tais expressões e é apenas neste âmbito, que nesta sede, nos movemos.

O mesmo se diga das respostas dadas aos quesitos 31.º e 32.º, sendo óbvio que se a ré passou a fornecer á autora os mesmos produtos a um preço substancialmente superior, ficaria impedida de os revender ao mesmo preço.

Mais do que um juízo conclusivo é um “juízo de facto”, que não encerra qualquer matéria de direito.

Também as expressões “distribuidor” e “revendedor” têm, simultaneamente uma vertente comum, no sentido da linguagem corrente e técnico-jurídica.

Por tudo isto, mantêm-se as respostas que foram dadas a estes quesitos, improcedendo, também, nesta parte, esta questão do recurso.

B. Natureza do contrato celebrado entre a autora e a ré e inerente obrigação de indemnização decorrente do seu alegado incumprimento.

Na sentença recorrida considerou-se que o contrato celebrado entre as partes é um contrato de concessão comercial, com o fundamento em que as mesmas acordaram que a autora se comprometeu a adquirir produtos à ré, para os revender no concelho de Ferreira do Zêzere, de forma exclusiva, mediante a indicação/fornecimento da tabela de preços, por parte da autora, a praticar pela ré, bem como as demais informações e instruções referidas no item 11 dos factos provados, em conjugação com o facto de a autora se ter comprometido a prover as necessidades de consumo dos produtos da C..., fornecidos pela ré, por forma a que não se verificassem atrasos ou faltas de entregas dos pedidos dos clientes.

Por seu turno, a ora recorrente defende que se trata de um contrato de distribuição autorizada, por faltar o requisito da integração da autora na rede de distribuição do produtor/comerciante.

Não há dúvidas de que estamos no domínio dos designados “contratos de distribuição comercial” e em que a intenção das partes goza de grande liberdade de contratar, quer nos termos quer no âmbito dos negócios a estabelecer, sendo muito comum, como sucede no caso em apreço, que as partes se aproveitem de várias figuras negociais/contratuais para a feitura dos contratos, como mais lhes aprouver.

            Compulsando a matéria de fato dada como provada, designadamente, o que consta dos itens 4 a 11, 18 a 26, 36 e 39, dúvidas inexistem que se trata de um contrato de distribuição, permanecendo a relação de forma duradoura, como sucede nos tipos negociais que se incluem em tal categoria, obrigando-se a A., ainda, a deveres relativos à sua integração na rede de distribuição da ré, como sucede com o contrato de concessão, e assumindo obrigações de comercialização e apoio pós-venda e com a colaboração e acompanhamento da ré, em determinadas iniciativas ou eventos, recebendo reclamações e notas de avarias de equipamentos e cabendo à ré as promoções e fornecimento de material publicitário, como ali melhor descrito, como ocorre no franchising. Para além disso, a A. ainda conseguiu angariar para a ré um conjunto de clientes que esta última não detinha até este contrato. Tudo isto combinado com elementos dos contratos de transporte (artº 366º Cód. Com.) e de depósito (artº 1185º CC), mas sem que isso desvirtue a natureza comercial do negócio e a sua génese e teleologia votadas à relação produção – intermediação comercial. Com efeito, refere Menezes Cordeiro que nada impede as partes de «confeccionar contratos atípicos de distribuição».           

            Como escreve António Pinto Monteiro, in Contratos de Distribuição Comercial, Almedina, 2002, a pág.s 34 e seg.s “quando hoje se fala em distribuição, em vez de comércio, pretende relevar-se uma actividade desempenhada por sujeitos que se especializaram em distribuir os bens, em fazê-los chegar ao consumidor.”.

            Ali mais se referindo que a produção excedentária, em série ou em massa, fez avultar a necessidade de escoamento dos bens, o que originou o aparecimento de especialistas, que assumem os riscos da distribuição, desenvolvendo-a e aperfeiçoando-a, disso libertando o produtor e assumindo os inerentes riscos, concluindo a pág. 62 que:

            “Trata-se, numa palavra, de fazer com que, por via convencional (…) o produtor acabe por intervir e controlar a fase da distribuição, com custos e riscos reduzidos ou de todo afastados, graças a colaboradores independentes, mas que aceitam a orientação e directrizes do primeiro, em contrapartida das condições de comercialização privilegiada de que beneficiam, seja em função da marca dos bens, seja pela integração numa rede de distribuição.”.

            Ou, como o mesmo autor refere, no seu Estudo “Do Regime Jurídico Dos Contratos De Distribuição Comercial, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Teles, Vol. I, Almedina, 2002, a pág. 565, estes contratos, visam regular “não o acto final da transmissão do bem ao consumidor, antes a actividade desenvolvida a montante, de intermediação, instrumental e preparatória daquela transmissão; numa palavra não são as relações com o consumidor, antes as relações com o produtor que pertencem ao direito da distribuição.”.

            Por outro lado, resulta consensual que se trata de contratos atípicos, no sentido de que não regulamentados especificamente e cuja celebração é permitida pelo artigo 405.º do CC, nos termos aí previstos, em termos de ser permitida a celebração de contratos completamente diferentes dos tipos legais, contratos que modifiquem os tipos legais através da inserção de cláusulas adicionais, estas, já não legalmente previstas e uma reunião ou mistura de vários tipos contratuais, o que leva a que os mesmos se classifiquem em contratos atípicos puros e mistos, assim se considerando os primeiros como sendo aqueles que podem ser completamente diferentes dos tipos contratuais legais e os segundos (atípicos mistos) como aqueles que são construídos a partir de um ou mais tipos que são combinados ou modificados de modo a satisfazerem os interesses contratuais das partes – cf. Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, Almedina, 1995, pág. 211 e seg.s.

            Iniciámos a análise desta questão, pela natureza do contrato em causa, o qual, face ao que ora se deixou dito, se tem de classificar como contrato atípico misto, por isso se revelar importante para a questão da interpretação das suas cláusulas.

            Efectivamente, para além das regras gerais estabelecidas no Código Civil, relativas à interpretação e integração dos contratos (artigo 236.º e seg.s), há que ter em linha de conta, neste domínio, a especificidade deste tipo de contratos.

            Isto porque, como refere Pinto Monteiro, no seu Estudo acima citado, in ob. cit., a pág.s 567 e 568, nestes contratos, deve atender-se, antes de mais, às cláusulas deles constantes, desde que lícitas, bem como, de seguida, os princípios e as regras gerais do direito dos contratos e do negócio jurídico, designadamente no tocante à formação do contrato, à capacidade dos sujeitos, à declaração negocial, ao objecto, ao cumprimento e não cumprimento e à conduta das partes.

            Mais concretamente, ensina Pedro Pais de Vasconcelos, ob. cit., a pág. 376 que:

            “A importância relativa da estipulação é pois inversa nos contratos típicos e nos atípicos. Nos típicos, a declaração negocial serve para completar ou para alterar o modelo regulativo típico; nos atípicos, serve para constituir o próprio modelo regulativo. Neste sentido, a estipulação, nos contratos típicos, tem um papel relativamente secundário na formação do conteúdo contratual, enquanto que nos atípicos tem um papel principal. A regulação contratual, nos contratos típicos, reside principalmente no tipo enquanto que nos atípicos se encontra principalmente nas estipulações negociais.”.

            E ali acrescentando a pág. 378 que:

            “A influência do tipo de referência na interpretação do contrato é enfraquecida e atenuada pelas estipulações das partes que se afastem do que é típico, do que é característico daquele tipo, e que, no caso, tenham como consequência afastar o contrato do cerne daquele tipo.

            As estipulações das partes têm mais importância na interpretação do que o modelo do tipo de referência, embora na sua interpretação não possa deixar de ser tida em atenção também a estipulação daquele tipo, com tudo o que essa estipulação significa como comprometimento das partes com o modelo regulativo escolhido. O resultado do processo interpretativo acaba por emergir de um compromisso entre, por um lado, o sentido próprio do tipo de referência e, por outro, as estipulações atípicas.”.

            Resulta, pois, do ora exposto, a primacial importância das estipulações clausuladas no próprio contrato, embora sem postergar, como acima já referido, as regras gerais previstas no artigo 236.º e seg.s do CC, na tarefa interpretativa do contrato de que ora nos ocupamos.

           

Em matéria de interpretação dos negócios jurídicos, em geral, rege o disposto no artigo 236.º do CC, de acordo com o qual:

            “n.º 1 – A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

            n.º 2 – Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.”.

            Como ensinam P. de Lima e A. Varela, Código Civil, Anotado, Vol. I, 3.ª Edição Revista E Actualizada, Coimbra Editora, 1982, a pág.s 222 e 223, estabelece-se em tal preceito a regra de que “o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante.”.

            Logo acrescentando que, com tal regra, se tem em vista a protecção do declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir, tudo isto, como corolário de em tal preceito se ter consagrado uma doutrina objectivista de interpretação, temperada com a restrição subjectivista referida no seu n.º 2.

            Sendo, ainda, de notar, como referem os autores ora citados, que o declaratário normal que a lei toma como padrão ou “modelo”, se exprime não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.

            O mesmo é o defendido por Paulo Mota Pinto, in Declaração Tácita E Comportamento Concludente No Negócio Jurídico, Almedina, 1995, a pág.s 207 e 208, que ali escreve:

            “de acordo com a lei, a interpretação não visa determinar a vontade do declarante ou um sentido que este tenha querido declarar, estando antes em causa o sentido objectivo que se pode depreender do seu comportamento.

            A lei não se basta, contudo, com o sentido compreendido realmente pelo declaratário (entendimento subjectivo deste), concedendo primazia aquele que um declaratário normal depreenderia (sentido objectivo para o declaratário).

            Há que imaginar uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição do real declaratário, isto é, acrescentando as circunstâncias que este concretamente conheceu …”.            

            Mais referindo, a fl.s 211 e 212 que o destinatário de uma concreta declaração “deve esforçar-se por compreender o sentido do comportamento do declarante” e, embora não se lhe imponha uma investigação sobre o que declarante pretendeu significar com um seu determinado comportamento, deve atentar ao sentido objectivo que dele resulta.

            Para além do que, na esteira dos ensinamentos de Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, pág. 213 e Vaz Serra, in RLJ, 111, pág. 220, devem, ainda ter-se em conta na tarefa interpretativa de um determinado negócio jurídico "a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos bem como “os termos do negócio, os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento), a finalidade prosseguida, etc”.

            Esta tarefa interpretativa, in casu, é complicada pelo facto de o contrato não ter sido reduzido a escrito, pelo que teremos, primacialmente, de nos ater ao comportamento que cada uma das partes contratantes assumiu com a celebração do dito contrato, a fim de se poder concluir qual será a figura contratual que mais se lhe assemelha.

            E desde já adiantando razões, não obstante a panóplia de obrigações que do mesmo emergem para cada uma das partes, somos de opinião que é a figura da concessão comercial que mais se lhe assemelha.

            Seguindo, mais uma vez, Pinto Monteiro, Contratos de Distribuição Comercial, pág. 108 e seg.s, rege-se esta figura contratual como aquela em que uma das partes assume a obrigação de compra para revenda, nele se estabelecendo os principais termos em que esses futuros negócios serão feitos; agindo o concessionário por sua conta e risco, assumindo os riscos da comercialização, a par de regras que visam definir e executar a política comercial e que corporizam a integração do concessionário na rede ou cadeia de distribuição do concedente, tais como regras de organização, métodos de venda, publicidade, assistência a dar aos clientes, que se traduzem em regras através das quais se estabelecem laços de colaboração entre as partes e se articula e coordena a actividade de todos no seio da rede de distribuição.

            Assim, como nesta obra se refere a pág.s 112 e 113, as principais notas da concessão comercial, residem no facto de o concessionário agir em seu nome e por conta própria; adquirir a propriedade da mercadoria; compra para revenda, estando, por vezes, obrigado a adquirir quota mínima de bens; assume os riscos da comercialização; beneficia do monopólio da venda de tais bens; vincula-se a prestar assistência pós-venda aos clientes, em suma “o concessionário actua em seu nome e por conta própria, comprando ao fabricante ou ao fornecedor mercadorias para revender a terceiros, comprometendo-se a observar determinados requisitos e a satisfazer certas obrigações.”.

            Ora, não obstante as acima assinaladas características do contrato em causa, que fazem com que estejamos perante um contrato atípico misto, parece-nos, salvo o devido respeito, que a factualidade apurada faz enquadrar o contrato celebrado entre as ora partes num contrato de concessão comercial.

            Efectivamente, como resultou demonstrado, a ré fornecia à autora produtos da C..., para esta proceder à sua revenda no concelho de Ferreira do Zêzere, de forma exclusiva, ficando a cargo da autora os custos com o transporte das mercadorias, devendo guardar e entregar à ré o vasilhame, mediante uma tabela de preços fixada pela ré, cabendo a esta fornecer à autora toda a informação sobre preços promocionais, entrega de mercadorias, avarias e instruções para a entrega de cerveja em barril, cabendo à autora a assistência pós-venda e actuando por sua conta e risco e total independência, mas com a colaboração e acompanhamento da ré em determinadas iniciativas ou eventos.

            Assim, concorda-se com a qualificação jurídica do contrato efectuada em 1.ª instância.

De resto, tal qualificação não se reveste de grande importância, uma vez que, como adiante melhor referiremos, em qualquer dos casos, por regra, a todo este tipo de contrato, se aplica o regime legal previsto para o contrato de agência.

Efectivamente, como adiante melhor explicitaremos, é pacífico que aos contratos comerciais atípicos, se deve atender em primeiro lugar ao respectivo clausulado e naquilo que for omisso, se deve aplicar o regime do contrato de agência constante do DL 178/86, de 3/7.

Pelo que, sendo incumprido tal contrato, são de aplicar as regras que fixam a indemnização por incumprimento contratual.

Como resulta dos autos, o contrato celebrado entre as ora partes foi celebrado sem convenção de prazo, pelo que se considera celebrado por tempo indeterminado – cf. artigo 27.º, n.º 1, do DL 178/86.

E como foi celebrado em Outubro de 1999, só poderia ser denunciado, mediante comunicação ao outro contraente, por escrito, com a antecedência de dois meses, acarretando a falta de pré-aviso de denúncia do contrato, a obrigação de indemnizar o outro contraente pelos danos causados pela falta de pré-aviso, tal como decorre do disposto no artigo 29.º do mencionado DL.

Para além da figura da denúncia do contrato, permite-se, ainda, o recurso à resolução do mesmo, verificados os requisitos do seu artigo 30.º, para a qual, igualmente, se exige comunicação escrita.

A ré não procedeu a nenhuma destas comunicações escritas e a partir de Janeiro de 2006 passou ela própria a contactar com os clientes de Ferreira do Zêzere e passou-os a fornecer directamente, não mais utilizando os serviços da autora, ao mesmo tempo que a sancionava com um aumento de preços para revenda que impossibilitava esta de continuar a praticar, junto dos seus clientes, os preços previamente estabelecidos pela ré – cf., item 43.

Ou seja, a ré nem denunciou, por escrito, o contrato que celebrara com a autora nem o denunciou motivadamente, nos termos legalmente estabelecidos, limitando-se a deixar de lhe fornecer os bens objecto do contrato e assumindo ela própria a tarefa que até aí a autora vinha desempenhando.

É sabido que a denúncia e a resolução contratual operam extrajudicialmente, mas necessitam de ser conhecidas da contra-parte, o que in casu não sucedeu, para além de que esta última carece de ser motivada.

O que, na prática, equivale a inexistência de denúncia e resolução sem fundamento, a qual não obstante ponha termo ao contrato acarreta a obrigação de indemnizar o outro contraente nos termos definidos no artigo 29.º do citado DL 178/86 – neste sentido, A. Pinto Monteiro, Contrato de Agência, 7.ª Edição - Actualizada, Almedina, 2010, a pág.s 138 e 139.

Assim, é de subsistir a indemnização a que a ré foi condenada em 1.ª instância.

            Consequentemente, também, quanto a esta questão tem o presente recurso de improceder.

C. Se se verificam os pressupostos para que a ré optasse pela resolução do contrato.

No que a esta questão concerne, alega a ré que ainda que estejamos perante um contrato de concessão comercial, sempre o mesmo poderia ser resolvido, quer com fundamento no disposto nos artigos 432.º e 437.º do Código Civil ou 30.º do DL 178/86, isto com o fundamento em que a ré não estava a cumprir de forma diligente as funções de promoção e venda dos produtos no concelho de Ferreira do Zêzere, razão pela qual a C... lançou um “ultimato” à ré, no sentido de encarregar um terceiro de exercer tais funções naquele concelho ou o passar a fazer esta própria.

Já aquando da análise e decisão da anterior questão nos debruçamos sobre a temática da denúncia/resolução do contrato em causa, concluindo que a ré nem o denunciou nem resolveu, nos moldes legalmente previstos, tendo-se limitado a incumpri-lo, nos termos ali melhor explicitados.

Assim, inexiste qualquer resolução do contrato que cumpra apreciar.

De resto, em bom rigor, trata-se de questão nova não apreciada em 1.ª instância, uma vez que a ré ali não se defendeu com base nesta causa/perspectiva. Aliás, pelo contrário, como resulta do artigo 86.º da contestação, a ré afirma que “não pretendia terminar com a relação comercial que tinha com a Aut.”.

É consabido que os recursos não se destinam a conhecer/decidir de questões novas não apreciadas anteriormente, apenas funcionando como “remédio jurídico”, visando a reapreciação de concretas situações de direito ou de facto já objecto da decisão recorrida e que reputam como desconformes com a lei aplicável ou com a prova produzida.

Assim, desde logo, não se poderia conhecer desta questão.

No entanto, não deixaremos de realçar que, ainda que dela se conhecesse, seria inevitável a sua improcedência, porque a ré não logrou demonstrar a factualidade em que assenta tal pretensão, em consequência das respostas de “não provado” que mereceram os quesitos 39.º, 40.º e 46.º da base instrutória.

Consequentemente, também, quanto a esta questão tem o presente recurso de improceder.

Recurso da autora:

E. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada – relativamente aos quesitos 20.º e 41.º, da base instrutória.

Alega a autora que com base nos depoimentos das testemunhas S... e R..., conjugados com os doc.s n.º 11 (listagem de clientes) e 37 (e.mail de 11/01/2006, junto com a p.i.), aos quesitos em referência deviam ser dadas as seguintes respostas:

“Quesito 20.º: “Provado que de Novembro de 1999 a 31 de Dezembro de 2005, a Autora Angariou na zona de Ferreira do Zêzere cento pelo menos sessenta clientes, semana após semana visitados e fornecidos pela Autora”.

Quesito 41.º: “Não Provado”.

            Posto isto, e em tese geral, convém, desde já, deixar algumas notas acerca da produção da prova e definir os contornos em que a mesma deve ser apreciada em 2.ª instância.

Toda e qualquer decisão judicial em matéria de facto, como operação de reconstituição de factos ou acontecimento delituoso imputado a uma pessoa ou entidade, esta através dos seus representantes, dependente está da prova que em audiência pública, sob os princípios da investigação oficiosa (nos limites e termos em que esta é permitida ao julgador) e da verdade material, se processa e produz, bem como do juízo apreciativo que sobre a mesma recai por parte do julgador, nos moldes definidos nos artigos 653, n.º 2 e 655, n.º 1, CPC – as já supra mencionadas regras da experiência e o princípio da livre convicção.

Submetidas ao crivo do contraditório, as provas são pois elemento determinante da decisão de facto.

Ora, o valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte dos factos em apreço, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade.

Por outro lado, certo é que o juízo de credibilidade da prova por declarações, depende essencialmente do carácter e probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos e qualidades, como regra, não são apreensíveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto directo com as pessoas, razão pela qual o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.

Quanto à apreciação da prova, actividade que se processa segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção, certo é que em matéria de prova testemunhal (em sentido amplo) quer directa quer indirecta, tendo em vista a carga subjectiva inerente, a mesma não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência e conhecimentos científicos, tudo se englobando na expressão legal “regras de experiência”.

Estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias, nada impede que o tribunal superior, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.

Não se pode olvidar que existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso, ainda que com base nas transcrições dos depoimentos prestados, a qual, como é óbvio, decorre de que só quem o observa se pode aperceber da forma como o testemunho é produzido, cuja sensibilidade se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e observação directa dos comportamentos objectivados no momento em que tal depoimento é prestado, o que tudo só se logra obter através do princípio da imediação considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão.

As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que quando a opção do julgador se centre em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v. g. quando o julgador refere não foram (ou foram) convincentes num determinado sentido) o tribunal de recurso não tem grandes possibilidades de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.

Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, reacções imediatas, o contexto em que é prestado o depoimento e o ambiente gerado em torno de quem o presta, não sendo, ainda, despiciendo, o próprio modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo isso contribuindo para a convicção do julgador.

A comunicação vai muito para além das palavras e mesmo estas devem ser valoradas no contexto da mensagem em que se inserem, pois como informa Lair Ribeiro, as pesquisas neurolinguísticas numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder - “Comunicação Global, Lisboa, 1998, pág. 14.

Já Enriço Altavilla, in Psicologia Judiciaria, vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12, refere que “o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras”.

Então, perguntar-se-á, qual o papel do tribunal de recurso no controle da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento?

Este tribunal poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso, admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz ou seja o processo lógico. Porém, o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação.

Tudo isto, sem prejuízo, como acima já referido, de o Tribunal de recurso, adquirir diferente (e própria) convicção (sendo este o papel do Tribunal da Relação, ao reapreciar a matéria de facto e não apenas o de um mero controle formal da motivação efectuada em 1.ª instância – cf., entre outros, Acórdãos do STJ, de 22 de Fevereiro de 2011, in CJ, STJ, ano XIX, tomo I/2011, a pág. 76 e seg.s e de 30/05/2013, Processo 253/05.7.TBBRG.G1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.

Tendo por base tais asserções, dado que se procedeu à gravação da prova produzida, passemos, então, à reapreciação da matéria de facto em causa, a fim de averiguar se a mesma é de manter ou de alterar, em conformidade com o disposto no artigo 712, n.º 1, al. a), do CPC., pelo que, nos termos expostos, nos compete apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de 1.ª instância, face aos elementos de prova considerados (sem prejuízo, como acima referido de, com base neles, formarmos a nossa própria convicção).

Vejamos, então, as respostas postas em causa pela ora recorrente, nas respectivas alegações de recurso.

Alteração das respostas dadas aos quesitos 20.º e 41.º, da base instrutória.

           

Para melhor esclarecimento e facilitar a decisão desta questão, passa-se a transcrever o teor de tais quesitos:

“20.º

De Novembro de 1999 a 31 de Dezembro de 2005, a Autora angariou na zona de Ferreira do Zêzere cento e vinte e um clientes, semana após semana visitados e fornecidos pela A.

41.º

A R. estabeleceu para a A. os preços referidos na alínea M) dos factos assentes em Janeiro de 2006, iguais aos dos demais revendedores, para sancionar esta última pela conduta descrita nos pontos 36. a 38. , na expectativa que a A. discutisse com a R. esta situação.”.

Como consta de fl.s 652 e 653, o M.mo Juiz deu-lhes as seguintes respostas:

“Quesito 20.º: Provado apenas que de Novembro de 1999 a 31 de Dezembro de 2005, a Autora angariou clientes na zona de Ferreira do Zêzere que semana após semana seriam visitados e fornecidos pela autora;

Quesito 41.º: Provado apenas que a Ré estabeleceu para a autora os preços referidos na alínea M) dos factos assentes em Janeiro de 2006, iguais aos demais revendedores, para sancionar esta última pela conduta descrita nos pontos 36 a 38.”.

Motivou tais respostas da seguinte forma (cf. fl.s 657 a 659):

“… Uma última referência à angariação de clientes por parte da autora.

Nenhuma prova foi produzida no sentido de se alcançar que a A. tenha angariado 121 clientes só na zona de Ferreira do Zêzere. É certo que existe uma listagem de clientes (fl.s 20 e 21), mas não podemos concluir que todos os clientes dessa lista foram angariados pela A., nem que todos eles adquiriam produtos da C.... Com efeito, sabendo que a A. comercializava outro tipo de produtos e já o fazia antes de ter celebrado o acordo com a A.(Ré?) não é crível que todos tenham sido angariados pela A. e que consumiam produtos da C.... Só a título de exemplo, saliente-se que na listagem de fl.s 20 consta como cliente a “Drogaria Confiança”, ora não se percebe a que título uma drogaria consumiria produtos da C....

(…)

Quanto aos factos que, quanto a nós, estiveram na origem do conflito e que vêm descritos nos pontos (…) 41, o Tribunal formou a sua convicção com base nas declarações do legal representante da A. e no depoimento das testemunhas S... e R... (ambos vendedores da A), X... e W..., conjugado com o teor dos documentos de fl.s 52 e 53 e facturas de fls. 34 a 36.

Os vendedores da A., duma forma serena e credível, declararam que a partir de certa altura foram confrontados com o facto de a R. contactar directamente os clientes da zona de Ferreira do Zêzere. O mesmo facto é confirmado por uma das clientes dessa zona – X... – e disso dá conta a A. à Ré através do escrito de fl.s 52.

Por outro lado verifica-se que a partir de 2006, há uma alteração significativa dos preços de venda praticados entre Ré e A. é certo que as testemunhas T... e V..., referiram que todos os anos havia um aumento de preço entre 5 e 6%, mas basta comparar os preços da factura de fl.s 50 e 51, para constatar que o aumento é superior a 30%, o que, manifestamente, impossibilita a A. de continuar a vender produtos da C.... Não podendo adquirir produtos directamente da C..., estava-lhe, igualmente, vedado a comercialização da cerveja em barril, principal instrumento da fidelização já que as máquinas de tirar cerveja, são próprias para cada marca de cerveja.

Mas o que motivou o conflito foi o facto de a A. começar a vender produtos para fora da zona de Ferreira do Zêzere, fazendo aí concorrência à Ré, como aliás o próprio legal representante da A. – Pedro Martins – reconhece.

É certo que não se conseguiu apurar qual a percentagem de produtos adquiridos pela A. à Ré e que se destinavam a clientes fora da zona de Ferreira do Zêzere. A R. fala em 50% e a A. refere que mais de 80% dos produtos eram para a zona de Ferreira do Zêzere. Cremos que nenhuma percentagem está certa, mas de acordo com as regras da experiência comum, é de crer que estas vendas tenham tido algum significado já que despoletaram o conflito.

Cumpre, ainda, referir que esta matéria foi objecto de perícia, mas como resulta do respectivo relatório a resposta foi inconclusiva e os esclarecimentos dos peritos foram, como aliás nas outras matérias, inconclusivos e confusos e feitos, na sua maioria, com base apenas em documentação e alegações da Autora.

            Temos para nós que foi esta concorrência, violando o acordo estabelecido, que originou o conflito entre A. e a R. e que levou ao corte de relações, sendo certo que o aumento brutal de mais de 30% nos preços, não é senão uma retaliação pela conduta da A. e que visa afastá-la definitivamente daquela zona.”.

Vejamos, então, se dos depoimentos invocados pela recorrente, e sem olvidar as considerações prévias, quanto a tal, já acima explanadas, existem motivos para que as supras mencionadas respostas sejam modificadas ou alteradas.

Ora, ouvidos os depoimentos prestados pelas testemunhas em que a recorrente fundamenta esta sua pretensão recursiva, resulta que as mesmas, de relevante, referiram o seguinte:

A testemunha S..., que é técnico de vendas, funcionário da autora, referiu que “tinham bastantes clientes”, contabilizando-os em “mais de cem para a área toda”.

Acrescentou que antes de a autora começar a distribuir a cerveja em Ferreira do Zêzere, não era a ré que o fazia mas sim uma empresa de Tomar.

Relativamente à listagem de clientes referiu que na mesma estão incluídos clientes que já antes eram seus, no ramo de mercearia e depois, nos casos em que se tratava de mercearia e café, passaram, também, a fornecer a cerveja e alguns deles respeitam apenas ao fornecimento de bens alimentares.

R..., o outro vendedor da autora, referiu que angariaram clientes para aumentar as vendas, “em conjunto, no mínimo, sessenta, a comprar com regularidade, todas as semanas.”.

No que se refere à listagem de clientes disse que na mesma constam alguns que não eram de Ferreira do Zêzere e alguns eram só de produtos alimentares.

Daqui resulta, tal como considerado pelo M.mo Juiz a quo, que inexiste prova minimamente credível e segura que permita apontar para qualquer número quanto aos clientes angariados pela autora, sendo certo que alguns foram.

Efectivamente, qualquer dos números avançados por cada uma destas testemunhas não se fundamenta em bases sólidas, mais sendo um “palpite” do que outra coisa.

Para mais, se se considerar que a autora não fornecia apenas os produtos da C..., distribuindo também produtos alimentares e não só na área do concelho de Ferreira do Zêzere, referindo-se a listagem de clientes a todas estas situações.

No que concerne à matéria do quesito 41.º, os depoimentos destas duas testemunhas em nada abalam a convicção expressada na 1.ª instância e sendo esta, pelas razões constantes de fl.s 658 e 659 (acima transcritas), a mais lógica, plausível e consentânea com a realidade da vida e da experiência comum.

Também os documentos referidos, até pelas razões já referidas, por si só, não são de molde a alterar as respostas que mereceram tais quesitos.

Pelo que se mantêm as respostas que lhes foram dadas.

Assim, improcede, quanto a esta questão, o presente recurso.

Consequentemente, em face da improcedência de ambos os recursos sobre a matéria de facto, mantém-se a factualidade que foi dada como provada (e não provada) em 1.ª instância.

E. Se a autora tem direito à indemnização de clientela.

Relativamente a esta questão, entende a autora que lhe deve ser concedida a peticionada indemnização de clientela, com o fundamento em que como resultado do contrato que celebrou com a ré esta continuar a vender produtos a clientes que eram daquela e que angariou no âmbito do contrato em apreço, e não da ré, o que constitui uma mais valia para esta e ainda, porque ao caso em apreço não se deve aplicar o disposto no artigo 4.º do DL 178/86, com o fundamento em que a exclusividade recíproca se refere apenas ao concelho de Ferreira do Zêzere.

Na sentença recorrida considerou-se que não obstante a autora ter demonstrado os requisitos previstos nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 33.º do DL 178/86, não é de conceder tal indemnização, porque se a autora tinha o direito, em exclusividade, de comercializar os produtos fornecidos pela ré no concelho de Ferreira do Zêzere, a ré, no âmbito da sua actividade, comercializava os mesmos produtos noutras áreas, onde a autora lhe fazia concorrência, do que se concluiu ter sido esta conduta da autora que esteve na origem da denúncia tácita do contrato por parte da ré, o que faz funcionar a cláusula de exclusão prevista no n.º 3 deste preceito.

É pacífico, reitera-se, que aos contratos comerciais atípicos, se deve atender em primeiro lugar ao respectivo clausulado e naquilo que for omisso, se deve aplicar o regime do contrato de agência constante do DL 178/86, de 3/7 e assim sendo, o direito á indemnização de clientela, previsto especificamente para o contrato de agência é extensível, por analogia, a outros tipos de contratos de distribuição comercial, desde que, como é óbvio, se verifiquem os respectivos pressupostos – neste sentido, entre outros o AUJ n.º 3/2008, de 28 de Fevereiro de 2008, in DR I.ª Série, de 3 de Abril de 2008 (e doutrina aí citada) e o Acórdão do STJ, de 17 de Maio de 2012, Processo 99/05.3TVLSB.L1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj (igualmente, com citação de doutrina e jurisprudência).

A nível doutrinário, para além das referências feitas nestes Arestos, pode ver-se António Pinto Monteiro, Contrato de Agência, 10.ª edição actualizada, Almedina, 2010, a pág.s 148 a 151 e nos já citados Estudos …, a pág. 569.

Como este Professor escreve na sua obra Contrato de Agência, ora citada, pág. 143, a indemnização de clientela, a que se refere o artigo 33.º do mencionado DL 178/86, mais não é “no fundo, de uma compensação devida ao agente, após a cessação do contrato – seja qual for a forma por que se lhe põe termo ou o tempo porque o contrato foi celebrado (por tempo determinado ou tempo indeterminado) e que acresce a qualquer outra indemnização a que haja lugar –, pelos benefícios de que o principal continua a auferir com a clientela angariada ou desenvolvida pelo agente. É como que uma compensação pela “mais-valia” que este lhe proporciona, graças à actividade por si desenvolvida, na medida em que o principal continue a aproveitar-se dos frutos dessa actividade, após o termo do contrato de agência.”.

Acrescentando que não se trata, em rigor, de uma verdadeira indemnização, dado não estar dependente de prova, por parte do agente, de danos sofridos, relevando os benefícios proporcionados pelo agente à outra parte, que na vigência do contrato eram de proveito comum e que cessado este, passam a aproveitar apenas ao principal, que, assim, passa a auferir dos “louros”, do trabalho desenvolvido pelo agente. Trata-se de conceder uma compensação ao agente pela angariação da clientela, de que deixa de fruir e não de uma vertente ressarcitória.

No dizer do autor ora por último citado, ob. cit., a pág. 144 “trata-se de uma medida mais próxima do instituto do enriquecimento sem causa do que da responsabilidade civil.”.

Como consta do item 36 dos factos provados, a autora angariou clientes na zona de Ferreira do Zêzere, que semana após semana eram por si visitados e fornecidos, de que deixou de usufruir em virtude da conduta da ré descrita nos itens 40.º e seg.s da mesma factualidade.

Assim, tal como referido na sentença recorrida devem considerar-se verificados os requisitos previstos no artigo 33.º, n.º 1, do DL 178/86.

Importa, pois, averiguar se tal direito se mostra excluído pela previsão do seu n.º 3, como entendido na decisão recorrida.

Como decorre dos itens 5 e 20, dos factos provados, a ré concedeu à autora, em regime de exclusividade, a comercialização dos produtos objecto do contrato que está na génese dos presentes autos, no concelho de Ferreira do Zêzere.

Produtos, estes, que a ré comercializava nas mesmas condições noutras regiões, cf. item 2.º.

Mais se demonstrou que a autora adquiriu à ré produtos, nas mesmas condições das acordadas para os que seriam revendidos no concelho de Ferreira do Zêzere, que vendeu em zonas onde a ré actuava no exercício da sua actividade comercial, fazendo-lhe concorrência, sendo esta conduta da autora que motivou a reacção da ré em aumentar os preços dos produtos que fornecia à autora e desencadeou o seu incumprimento contratual, como resulta do teor dos itens 46 a 49 da matéria provada.

Se a autora gozava do direito, em exclusividade, de comercializar os produtos fornecidos pela ré, em condições de preço vantajosas, no concelho de Ferreira do Zêzere e se a ré os comercializava noutras regiões limítrofes, a economia dos interesses e do equilíbrio contratual, em face do que se dispõe no artigo 4.º do DL 178/86, conduz a que se considere como contrária à boa fé a conduta da autora ao fazer concorrência à ré, vendendo fora da área acordada, produtos que adquiria previamente à própria ré, em condições contratualizadas (e vantajosas) para uma zona que a ré “concessionara” à autora, assim extravasando os limites geográficos do que haviam acordado por livre vontade.

Nos termos do disposto no artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé, comando que a autora não respeitou e que originou o incumprimento contratual por parte da ré.

Como acima referido a indemnização de clientela tem na sua base uma intenção compensatória, como contrapartida do enriquecimento do principal e não ressarcitória (esta encontra-se consagrada no artigo 32.º do referido DL e nada, como se disse, tem que ver com esta, nem com os respectivos fundamentos), pelo que o legislador a entendeu afastar, no caso de o contrato cessar por razões imputáveis ao agente, como resulta do n.º 3 do mencionado artigo 33.º

Tal como decidido em 1.ª instância, consideramos que a autora não devia fazer concorrência à ré, nos moldes em que o fez e já explicitados e que acarretou a cessação do contrato por parte da ré (a qual, como acima já referido, não foi feita nos moldes legalmente previstos mas, mesmo assim, acarretou a cessação do contrato, não obstante a obrigação de indemnização daí decorrente mas que, sublinha-se, como já, por diversas vezes foi dito, nada tem que ver com a indemnização de clientela de que agora nos ocupamos), por motivos juridicamente relevantes imputáveis à autora, pelo que esta perdeu o direito a obter a pretendida indemnização de clientela.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 07/03/2006, Processo 06A027, disponível no sítio da dgsi, a colocação de produtos fora da área geográfica contratada configura violação das obrigações contratuais, a ponto de afastar a indemnização de clientela.

Pelo que, também, quanto a esta questão improcede o recurso.

F. Se configura abuso do direito conferir à ré a faculdade desta denunciar o contrato, com fundamento em a autora vender produtos fora do concelho de Ferreira do Zêzere.

Atento a que improcedeu o recurso da autora nesta parte (questão C), o conhecimento desta questão fica prejudicado, por carecer de relevância para o desfecho da acção sub judice.

Nestes termos se decide:       

Julgar improcedentes, ambos os presentes recursos de apelação e, consequentemente, mantém-se a sentença recorrida.

Custas pelos apelantes, na proporção dos respectivos decaimentos.

            Coimbra, 18 de Fevereiro de 2014.

           

Arlindo Oliveira (Relator)

Emidio Francisco Santos

Catarina Gonçalves