Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1024/04.4TTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: PENSÃO PROVISÓRIA
INDEMNIZAÇÃO PROVISÓRIA
DEVOLUÇÃO
FAT
Data do Acordão: 03/27/2014
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DA TRABALHO DE LEIRIA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 121º E 122º, NºS 1 E 4 DO CPT.
Sumário: I – As pensões e indemnizações provisórias previstas nos artºs 121º e segs. do CPT mantêm, pela sua natureza jurídica, estreito parentesco com as providências cautelares que o CPC regula nos artºs 381º e segs., particularmente com o processo de alimentos provisórios.

II – Em caso de sentença absolutória (por o artº 122º, nº 4 do CPT apenas se referir a sentença condenatória) haverá que recorrer ao procedimento cautelar que mais se assemelha com o da fixação da pensão provisória, a prestação provisória de alimentos, e aplicar ao caso o disposto no artº 402º do CPC, com referência ao preceituado no artº 2007º, nº 2 do C. Civ., não havendo lugar à restituição/devolução ao FAT das quantias adiantadas a título provisório, referentes a pensão e indemnização por ITA.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

 

 

No Tribunal do Trabalho de Leiria correu seus termos a presente acção especial emergente de acidente de trabalho, em que era sinistrado A... e demandado como responsável B....

Foi requerido e deferido o pagamento, pelo FAT, e ao abrigo do disposto no artº 17º, nº 5, da Lei nº 100/97 e artº 47º, nº 1, do DL 143/99, da indemnização por ITA já apurada pelo MºPº, da pensão provisória anual de € 12.753,00, desde 17/07/2005, dos custos dos tratamentos médicos e medicamentosos efectuados com vista à cura das lesões e sequelas decorrentes do acidente, e dos custos dos transportes para tratamentos e deslocação a tribunal – fls. 354 a 356.

Tendo o sinistrado falecido em 27 de Maio de 2008, foram, pelo despacho de fls. 567- 569, julgados habilitados, como herdeiros do falecido, C..., D...., E.... e F.... , “para em substituição daquele, prosseguirem a presente acção”.

Foi proferida sentença, na qual, por se considerar não se verificavam todos os elementos que definem legalmente o acidente de trabalho, se julgou a acção improcedente, absolvendo-se o Réu do pedido.

O FAT veio interpor recurso, arguindo a nulidade da sentença, com o fundamento de não ter sido apreciada a questão da restituição das prestações provisórias adiantadas por aquele Fundo ao sinistrado.

Na sequência, foi proferido despacho suprindo tal nulidade e condenando os Autores, todos na qualidade de herdeiros habilitados do falecido A..., a devolver ao Fundo de Acidentes de Trabalho a quantia de € 71.425,83, relativa a valores pagos a título provisório por aquele Fundo ao sinistrado e discriminados a fls. 519.

O FAT veio desistir do referido recurso.

Por sua vez,   vieram os Autores interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
[…]

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foram colhidos os vistos legais.

A Exmª PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos, como única questão em discussão, a de saber se há lugar à restituição ao FAT das quantias adiantadas a título provisório, referente a pensão,  indemnização por ITA e despesas discriminadas a fls. 519.

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Como circunstancialismo relevante temos o descrito no relatório do presente acórdão.

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Tendo sido atribuídas ao sinistrado pensão e indemnização provisórias, para além do direito ao pagamento das despesas referidas a fls. 519, a sentença recorrida entendeu que havia lugar, dado que o Réu foi absolvido, com o fundamento da não caracterização do acidente como de trabalho, ao reembolso das respectivas importâncias pagas, a título provisório, pelo FAT.

Seguiu o mesmo sentença o entendimento do Ac. da Rel. de Lisboa de 23/1/2013, in www.dgsi.pt, segundo o qual a fixação de pensão ou indemnização provisória evidencia uma clara similitude com o procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, previsto no artº 565 do CC e regulado nos artºs 403º a 405º do CPC, integrando-se no grupo de procedimentos cautelares respeitantes a prestações pecuniárias que conduzem, ainda que a título provisório, ao pagamento periódico de uma determinada importância em dinheiro.

Assim, sendo a sentença absolutória, deverá aplicar-se o nº 2 do artº 405 do CPC, que impõe que, na decisão final, quando não seja arbitrada qualquer reparação, será sempre condenado o lesado a restituir o que lhe tiver sido pago, a título de reparação provisória do dano.

Não comungamos deste entendimento, já que nos parecem mais subsistentes os argumentos expendidos no Ac. da Rel. do Porto de 10/07/2006, também disponível em www.dgsi.pt, no sentido da não devolução.

A demora do processo de acidente de trabalho é um tributo que terá de pagar-se qualquer que seja a exigência do princípio da celeridade. Se entretanto, e no decurso do processo, não se atendesse à situação da vítima, bem podia acontecer que ela ficasse privada dos meios necessários à sua subsistência ou até produzir-se  uma situação de facto que tornasse ilusória a providência definitiva que com a acção se pretende atingir -cfr. Leite Ferreira, CPC Anotado, ed. 1989, pags. 477-478.

A lei prevê dois tipos de situações: a verificação de acordo quanto à existência ou caracterização do acidente como de trabalho, por um lado, e a falta desse acordo, por outro.

Para o primeiro caso rege o artº 121º do CPT.

Para o segundo – que é o que aqui nos ocupa - dispõe o nº 1 do art.122º do CPT que “quando houver desacordo sobre a existência ou a caracterização do acidente como acidente de trabalho, o juiz, a requerimento da parte interessada ou se assim resultar directamente da lei aplicável, fixa, com base nos elementos fornecidos pelo processo, pensão ou indemnização provisória (…) se considerar tais prestações necessárias ao sinistrado, ou aos beneficiários, se do acidente tiver resultado a morte ou a incapacidade grave ou se se verificar a situação prevista na primeira  parte do n.º 1 do artigo 102.º”.

Ou seja, a lei não foi insensível às preocupações de subsistência do sinistrado, que fica privado, no todo ou em parte, dos seus rendimentos do trabalho, muitas vezes a única ou principal fonte de sustento do seu agregado familiar. Estão em causa, no processo de acidente de trabalho, prestações de natureza alimentícia e de reparação de dano corporal. Daí a inclusão, nesse disposição, como requisito da atribuição da pensão ou indemnização provisória, da necessidade para acudir às necessidades de subsistência do trabalhador incapacitado.

Daí que igualmente nos pareça que as pensões e indemnizações provisórias previstas nesses artºs 121º e ss. do CPT mantêm, “pela sua natureza jurídica, estreito parentesco com as providências cautelares que o CPC regula nos arts. 381º e segs., particularmente com o processo de alimentos provisórios” - Leite Ferreira, ob. cit. , pag. 478.

Verificados os requisitos previstos no nº 1 do artº 122º do CPT a pensão provisória é adiantada pelo FAT, o qual, em caso de sentença condenatória, será reembolsado pela entidade responsável pelo pagamento da pensão – nº 4 do mesmo artigo.

Se a lei faz referência à “sentença condenatória” e não estabelece qualquer regime de reembolso quando há sentença absolutória, e tendo em conta o disposto no artº 9º, nº 3, do Cod. Civil, é porque quis excluir expressamente esse reembolso quando o sinistrado não consegue fazer valer a sua pretensão, designadamente quanto à existência e caracterização como acidente de trabalho. O legislador não ignorava que o processo poderá ter como desfecho uma sentença absolutória.

Mas mesmo que assim não se entenda,  merece  a nossa total concordância o afirmado no citado acórdão da Relação do Porto de que a defender-se que o legislador do CPT não regulou a situação em apreço, por não a ter previsto, então há que procurar nos artºs 381º e seguintes do CPC a solução para o caso (artº 1º, nº 2, al. a), do CPT).

Dizendo-se em tal aresto que ”na verdade, a reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho não constitui uma reparação integral do dano, como acontece no caso da responsabilidade civil – arts. 562º e segts. do CC.. Por isso, a reparação ao sinistrado tem predominantemente carácter alimentar, como compensação, ainda que não integral, pela diminuição da sua capacidade de ganho. E tal carácter alimentar ainda é mais evidente quando se trata da pensão atribuída ao ex-cônjuge ou cônjuge judicialmente separado à data do acidente e com direito a alimentos e aos ascendentes por morte do sinistrado (art. 20º nº1 als. b) e d) da Lei 100/97 de 13.9), sendo que quer o direito a alimentos e respectivo crédito, quer os créditos provenientes do direito às prestações estabelecidas na LAT são inalienáveis, irrenunciáveis e impenhoráveis (arts. 2008º do CC e 35º da LAT, respectivamente).

Assim, e tendo em conta o acabado de referir – do carácter alimentar da pensão provisória fixada ao sinistrado -, verifica-se que mesmo no caso de fixação provisória de alimentos o requerente só responde pelos danos causados com a improcedência ou caducidade da providência se tiver actuado de má fé e sem prejuízo do disposto no art.2007º nº2 do CC (art.402º do CPC).

E precisamente o art. 2007º nº2 do CC determina que «não há lugar, em caso algum, à restituição dos alimentos provisórios recebidos».

Ora, e na falta de disposição expressa no CPT, não choca aplicar ao caso a norma do art. 2007º nº2 do CC precisamente por as situações reguladas serem idênticas e semelhantes e em causa estar essencialmente prevenir e garantir as necessidades essenciais do sinistrado vítima de acidente de trabalho.

E se assim é, o disposto no art.473º do CC – o enriquecimento sem causa – terá de ceder perante o art.2007º nº2 do CC., conforme determina o art.474 do mesmo diploma legal, não tendo o F.A.T. direito a reclamar do sinistrado o reembolso das pensões provisórias que lhe pagou.

Em conclusão: admitindo que o CPT é omisso no que respeita à questão do reembolso das indemnizações/pensões provisórias pagas pelo F.A.T. ao sinistrado, em caso de sentença absolutória (por o art.122º nº4 do CPT apenas se referir a sentença condenatória), haverá que recorrer ao procedimento cautelar que mais se assemelha com o da fixação da pensão provisória, a saber, a prestação provisória de alimentos, e aplicar ao caso o disposto no art.402º do CPC, com referência ao preceituado no art.2007º nº2 do CC.”.

A isto acrescentaremos que a previsão de ter de vir a repor as quantias que lhe foram pagas a título provisório pode condicionar ou mesmo afastar a vítima do acidente da possibilidade de requerer a pensão e indemnização a que se refere o artº 122º do CPT, com o receio de que esse pagamento, como acontece no caso em apreço, atinja valores incomportáveis com a sua posterior situação financeira, mais agravada com a diminuição ou mesmo perda da sua capacidade de trabalho.

Procede assim o recurso.

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Decisão:

Nos termos expostos, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se, nesta parte, a sentença recorrida e não se determinando a devolução das quantias pagas, a título provisório, pelo FAT ao sinistrado.

  Sem custas, por delas estar isento o FAT.




(Ramalho Pinto - Relator)

 
(Azevedo Mendes - vencido, manteria a decisão recorrida)

 
 (Joaquim José Felizardo Paiva)