Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
7112/15.4T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
ARGUIÇÃO
PROCESSO LABORAL
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
PROLONGAMENTO EXCESSIVO
CADUCIDADE DO DIREITO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO COM JUSTA CAUSA PELO TRABALHADOR.
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – INST. CENTRAL – 1ª SEC. TRABALHO – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 77º, Nº 1 DO CPT; 354º, 394º, 395º, Nº 1, E 396º DO C. TRABALHO.
Sumário: I – No âmbito do ordenamento processual laboral a nulidade da sentença tem de ser arguida expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso, nos termos previstos pelo artº 77º, nº 1 do C.P.Trabalho, sob pena de ser considerada extemporânea.

II – A imputada manutenção de um procedimento disciplinar, com vista ao despedimento, com a duração de cerca de 11 meses, sem decisão ou esclarecimento do seu estado, em violação culposa das garantias legais da trabalhadora, constitui um ilícito continuado para efeitos da caducidade do direito à resolução do contrato de trabalho com justa causa, pelo trabalhador.

III – O prolongamento excessivo de um procedimento disciplinar com vista ao despedimento constitui uma forte e injustificada pressão psicológica sobre a trabalhadora, influindo desfavoravelmente nas suas condições de trabalho, susceptível de gerar um permanente estado de suspeição sobre a mesma por parte dos colegas e superiores hierárquicos, para além de revelar um absoluto desrespeito pela pessoa alvo do processo disciplinar.

IV – Tendo a trabalhadora prestado trabalho para além das 35 horas do seu horário semanal, no âmbito de reuniões do Conselho Pedagógico que eram presididas por um dos legais representantes da empregadora, é manifesto que tal trabalho foi prestado com o conhecimento e sem oposição da empregadora.

Decisão Texto Integral:



Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra


1. Relatório

A... , intentou ação declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra C..., Lda., ambos com os demais sinais identificadores nos autos, pedindo que a ré seja condenada a:

- Reconhecer que a autora efetuou as horas de trabalho suplementar constantes dos arts. 34.º e sgs. da p.i, em especial, descritas nos arts. 41.º e 42.º - trabalho suplementar prestado em sede de conselhos pedagógicos entre 07.10.2009 e 16.01.2013 pagando-lhe o valor de 2.583,24 € correspondente ao acréscimo (majoração) de 100% hora legal/contratualmente devido (trabalho suplementar em dia normal pago a 200% art. 34º - ou outro equivalente dos CCT aplicáveis em virtude das Portarias de Extensão, dado só lhe ter pago as referidas horas em singelo (apenas a 100%).

- Reconhecer que a Autora efetuou as horas de trabalho suplementar constantes dos artigos 34.º e seguintes da PI, em especial, descritas no artigo 43.º da PI – trabalho suplementar prestado em dia normal nos meses de janeiro 2003 a dezembro 2012, nos valores ali constantes, nomeadamente: Do mês 01.2003 a 12.2004 --- 6.084,00€; Do mês 01.2005 a 12.2006 --- 12.043,87€; Do mês 01.2007 a 12.2008 --- 12.306,13€; Do mês 01.2009 a 12.2010 --- 9.740,56€; Do mês 01.2011 a 12.2012 --- 685,64€; pagando-lhe assim o valor de 40.860,20€ correspondente ao acréscimo (majoração) de 100%/hora legal/contratualmente devido (trabalho suplementar em dia normal pago a 200% artigo 34.º - ou outro equivalente dos CCT aplicáveis em virtude das Portarias de Extensão), dado só lhe ter pago as referidas horas em singelo (apenas a 100%).

- Liquidar os juros de mora à taxa anual de 4% contados desde as respetivas datas em que aquelas remunerações (trabalho suplementar) eram devidas até completo e total pagamento.

- Reconhecer que a Trabalhadora aqui Autora resolveu licitamente o seu contrato de trabalho com justa causa achando-se verificadas as alíneas b) e f) do n.º 2 do artigo 394.º do código do trabalho, o que fez a 12/09/2014 - com efeitos a 15.09.2015.

- Nos termos do constante dos n.ºs 1 e 2 do artigo 396.º do CT, indemnizar a Trabalhadora aqui Autora em quantia não inferior a 41.342,14€ [41.243,04€ (45 dias x 16 anos) e 99,10€ (14 dias)], correspondentes a 16 anos de antiguidade e 14 dias proporcional.

- Nos termos do n.º 3 do artigo 396.º do CT a pagar à Autora uma majoração não inferior a 13.000€, dividida em danos não patrimoniais sofridos em quantia não inferior a 9.000€ e danos patrimoniais justos em quantia não inferior a 4.000€.

- Reconhecer a verificação de danos não patrimoniais sofridos pela Autora e decorrentes da inexistência de fundamento para proceder à sua suspensão preventiva antes de lhe ser instaurado processo disciplinar com intenção de despedimento, entre os dias 14.10.2013 e 11.11.2013, existindo, por conseguinte, a obrigação da Ré em indemnizar a trabalhadora aqui Autora por danos não patrimoniais, nos termos do artigo 483.º do Código Civil, em valor não inferior a 2.000,00€.

Em síntese alegou que ocorreu justa causa para a resolução do contrato de trabalho que mantinha com a ré. Mais referiu que toda a conduta assumida pela empregadora e descrita no seu articulado originou que sofresse danos de natureza não patrimonial que devem ser ressarcidos. Igualmente alegou ter prestado trabalho suplementar, sem que o mesmo tenha sido devidamente remunerado.

Realizada a audiência de partes, na mesma não foi possível a conciliação. 

A ré contestou, excecionando a caducidade do direito de resolução do contrato e impugnando o alegado. Invocou ainda que a autora nunca reclamou junto da empregadora qualquer trabalho suplementar, sendo a trabalhadora quem elaborava os seus próprios horários de acordo com os seus interesses, pelo que ao reclamar agora o respetivo pagamento age em abuso de direito.

Afirmando ser a resolução contratual com fundamento em justa causa ilícita, peticiona, em reconvenção, a condenação da autora a pagar à ré uma indemnização no valor de € 3.436,92, correspondente à falta de aviso prévio, acrescido dos juros moratórios, à taxa legal, desde a notificação da contestação/reconvenção até integral pagamento.

Respondeu a autora, por impugnação.

Admitiu-se o pedido reconvencional deduzido.

Atenta a considerada simplicidade da causa, foi dispensada a realização da audiência prévia e não foram enunciados os temas da prova.

Foi proferido despacho saneador tabelar.

Posteriormente a autora veio requerer a alteração da causa de pedir e do seu pedido de:

-Reconhecer que a autora efetuou as horas de trabalho suplementar constantes dos arts. 34.º e sgs. da p.i, em especial, descritas nos arts. 41.º e 42.º - trabalho suplementar prestado em sede de conselhos pedagógicos entre 07.10.2009 e 16.01.2013 pagando-lhe o valor de 2.583,24 € correspondente ao acréscimo (majoração) de 100% hora legal/contratualmente devido (trabalho suplementar em dia normal pago a 200% art. 34º - ou outro equivalente dos CCT aplicáveis em virtude das Portarias de Extensão, dado só lhe ter pago as referidas horas em singelo (apenas a 100%), aceitando as atas dos Conselhos Pedagógicos juntas pela ré, alterando a causa de pedir em conformidade com o que resulta de tais documentos, peticionando a condenação da ré a:

-Reconhecer que a A. efetuou as horas de trabalho suplementar constantes dos arts. 34.º e sgs. da p.i, em especial, descritas nos arts. 41.º e 42.º - trabalho suplementar prestado em sede de conselhos pedagógicos entre 07.10.2009 e 16.01.2013 pagando-lhe o valor de 2.719,20 € correspondente ao acréscimo (majoração) de 100% hora legal/contratualmente devido (trabalho suplementar em dia normal pago a 200% art. 34º - ou outro equivalente dos CCT aplicáveis em virtude das Portarias de Extensão, dado só lhe ter pago as referidas horas em singelo (apenas a 100%).

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, cujo dispositivo se transcreve:

«Por todo o atrás exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, totalmente improcedente o pedido reconvencional e, em consequência:


*

 Condena-se a Ré – “ C... , lda” – a pagar à autora – A... -, a quantia de 27.561,27 € (vinte e sete mil, quinhentos e sessenta e um euros e, vinte e sete cêntimos), a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho com justa causa, acrescida dos juros de mora à taxa legal (4%), vencidos e vincendos, desde a data da citação da R. (30.06.2014 – vide, o A/R de fls. 29.º do PP), até integral e efetivo pagamento.

 Mais se condena a R. a pagar a A. a quantia de 2.010,56 € (dois mil e, dez euros e, cinquenta e seis cêntimos), a título de créditos salariais (trabalho suplementar), acrescida dos juros de mora à taxa legal (4%), vencidos e vincendos, desde a data de vencimento de cada uma das retribuições, até efetivo e integral pagamento.

 Absolve-se a A. da totalidade do pedido reconvencional formulado pela R..

 Custas da ação a cargo da R. e A. na proporção do respetivo decaimento.

 Custas do pedido reconvencional a cargo da R.»

Não se conformando com esta decisão, veio a ré interpor recurso da mesma, condensando as suas alegações nas conclusões que se transcrevem:

[…]

Contra-alegou a recorrida, pugnando pela manutenção do julgado.

Por despacho 07-07-2016 (referência n.º 71956523), o tribunal a quo considerou procedente a arguida nulidade, com a seguinte fundamentação:

«Nulidade suscitada pela R. a fls. 921.º e sgs. do PP: Assiste efetivamente razão à R. ao invocar a nulidade da decisão por excesso de pronúncia, no tocante ao segmento em que a R. foi condenada a pagar juros de mora, a incidir sobre a indemnização devida pela indemnização pela resolução do contrato de trabalho com justa causa.

Com efeito, nos diversos segmentos dos pedidos formulados pela A. em sede de p.i, constata-se agora que os juros de mora peticionados pela mesma, ficaram restritas às remunerações a título de trabalho suplementar reclamadas. Por nosso lapso, no respetivo decisório, verteu-se também a condenação no pagamento de juros de mora, reportado ao segmento do pedido referente à indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho com justa causa.

Nos termos do art. 615.º n.º 1, al. e) do CPC aplicável ex vi art. 1.º n.º 2, al. a) do CPT: “É nula a sentença quando: O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.

Não obstante, nos termos do disposto no art. 77.º n.º 3 do CPT (parte final), o juiz pode sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso.

Destarte, fazendo uso de tal faculdade, colmatando tal lapso, passo a retificar o 1.º segmento do decisório, nos seguintes moldes:

- “Condena-se a R.- “ C... , lda” -, a pagar à A. – A... -, a quantia de 27.561,27 € (vinte e sete mil, quinhentos e sessenta e um euros, e vinte e sete cêntimos), a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho com justa causa”»

Admitido o recurso, os autos subiram à Relação, tendo sido observado o preceituado no artigo 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, propugnando pela improcedência do recurso.

A recorrente respondeu a tal parecer, aludindo à circunstância do tribunal da Relação ainda ter de responder à arguida nulidade, no que tange ao trabalho suplementar com referência quer ao preço hora, quer aos juros, ou seja, uma vez que o tribunal de 1.ª Instância apenas supriu a nulidade da sentença quanto ao parcelar da indemnização pela resolução do contrato de trabalho.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


*

II. Objeto do Recurso

É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).

Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são as seguintes:
1. Nulidade da sentença;
2. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
3. Caducidade do direito à resolução do contrato de trabalho por justa causa;
4. Ilicitude da resolução do contrato de trabalho e procedência do pedido reconvencional;
5. Valor da Indemnização em que a ré foi condenada;
6. Inexistência de prestação de trabalho suplementar.


*

III- Matéria de facto

O Tribunal de 1.ª Instância considerou provados os seguintes factos:

[…]


*

IV. Nulidade da sentença

Nas alegações e conclusões do recurso, veio a apelante arguir a nulidade da sentença por excesso de condenação em relação ao pedido e subsidiariamente por erro do início do prazo para contagem de juros e erro da data de citação para efeitos de juros de mora.

No que concerne ao alegado excesso de condenação, baseia-se nos seguintes aspetos:

- A recorrida não peticionou, em relação à indemnização pela resolução contratual, a condenação da ré, ora recorrente, no pagamento de quaisquer juros moratórios;

- A decisão em crise condenou a apelante a pagar um preço/hora pelo trabalho suplementar que excede o preço/hora pedido;

- A recorrente foi condenada no pagamento de juros moratórios sobre a quantia considerada devida em relação à prestação de trabalho suplementar, quando tais juros não foram peticionados pela demandante.

No que tange aos apontados erros relacionados com a condenação no pagamento da indemnização pela resolução do contrato de trabalho, alega no essencial que os juros moratórios só são devidos a partir do momento em que o crédito se tornou líquido, o que só ocorreu com a prolação da sentença, acrescentando que mesmo que se entenda que tais juros são devidos desde a citação, a verificação deste ato processual ocorreu em 07/09/2015 e não em 30/06/2014, como foi considerado pelo tribunal a quo.

No processo laboral, porém, o regime de arguição de nulidades da sentença diverge do regime geral adotado nos recursos cíveis.

No ordenamento processual-laboral existe uma norma específica que exige que a arguição de nulidades seja feita expressa e separadamente no requerimento de recurso (cf. artigo 77.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).

Na base de tal dispositivo legal estão os princípios de economia e celeridade processuais subjacentes às leis reguladoras do processo de trabalho. Visa-se dar ao tribunal que proferiu a sentença a possibilidade de suprir as nulidades de que a mesma eventualmente enferme antes de mandar subir o recurso. Para que tal faculdade possa ser exercida, é necessário que a arguição da nulidade seja feita na parte do requerimento que é dirigido ao juiz do tribunal onde a decisão foi proferida.

Nos casos em que o recorrente não respeita o formalismo exigido pelo artigo 77.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, a jurisprudência dos tribunais superiores, tem entendido que a arguição da nulidade se mostra intempestiva ou extemporânea, pelo que o tribunal ad quem não deve conhecer de tal nulidade. Veja-se a título de exemplo: Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20/9/2006, P.06S574; de 5/7/2007, P. 06S4283; de 10/10/2007, P. 07S048, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Este tem sido, igualmente, o entendimento adotado por este tribunal.

Apreciando agora, em concreto, o requerimento de interposição do recurso, que foi dirigido ao Juiz de Direito do Tribunal de 1.ª Instância, verificamos que, no mesmo, não foi suscitada qualquer nulidade da decisão recorrida. A aludida arguição apenas consta das alegações e das conclusões de recurso.

É certo que a Meritíssima Juíza a quo conheceu parcialmente da arguida nulidade, conforme despacho transcrito no relatório do acórdão, julgando a mesma procedente, retificando em conformidade a decisão recorrida, suprimindo a condenação da demandada no pagamento de juros de mora relativos à indemnização pela resolução do contrato de trabalho com justa causa.

Todavia, no despacho transcrito o tribunal não se pronunciou sobre o acusado excesso de condenação em relação ao preço/hora do trabalho suplementar e aos juros moratórios pelo aludido trabalho.

Porém, não tendo a apelante observado o formalismo legal exigido para a arguição da nulidade, não pode este tribunal apreciar a mesma, por extemporânea.          


*

V. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

[…]

Nestes termos, improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.


*

VI. Caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho.

Alega a apelante que à data em que a resolução do contrato de trabalho produziu efeitos (15/09/2014) já havia sido ultrapassado o prazo de 30 dias para o exercício do direito à resolução do contrato por justa causa, pois a recorrida arguiu expressamente, pela última vez, a caducidade da aplicação de uma sanção disciplinar no âmbito do processo disciplinar em 18/07/2014, pelo que o prazo de 30 dias deve ser contado a partir desta data.

A questão da caducidade do direito à resolução do contrato de trabalho, foi apreciada pelo tribunal a quo nos seguintes termos:

«No caso “sub judice” provou-se o seguinte: “Através de comunicação escrita datada de 12.09.2014, remetida à R. através de carta registada com aviso de receção, rececionada por esta em 15.09.2014, a A. resolveu o seu contrato de trabalho com efeitos imediatos invocando justa causa, alegando, para tanto, o seguinte: “No dia 14 de outubro de 2013, foi a então trabalhadora A... suspensa preventivamente, antes de lhe ser intentado processo disciplinar com intenção de despedimento; Como melhor se afirmou em sede de ulterior resposta à nota de culpa, a entidade patronal ao simplesmente transcrever o preceito legal sem justificar o porquê da presença do trabalhador se mostrar “absolutamente inconveniente para a averiguação cabal dos referidos factos (…)”.

Sancionou desde logo o trabalhador com esta suspensão ilegal, violando culposamente uma garantia legal do trabalhador consubstanciada no seu direito constitucionalmente garantido ao trabalho bem como no direito a não ser punido sem um processo disciplinar regular e legalmente previsto (…). Entretanto, intentou a entidade patronal o processo disciplinar com intenção de despedimento com nota de culpa recebida pelo trabalhador a 12.11.2013 (fazendo cessar a suspensão preventiva). O trabalhador defendeu-se apresentado regular resposta à nota de culpa no prazo legal (25.11.2013) e ali requereu a produção de prova. A inquirição das testemunhas arroladas só foi efetuada a 26.02.2014 enquanto que a junção de documentos pelo instrutor do processo ocorreu a 13.01.2014, tendo o trabalhador exercido o seu direito de contraditório a 23.01.2014 e a entidade patronal junto ao processo mais documentos a 19.02.2014. A 15.05.2014 volvidos quase três meses após a inquirição de testemunhas, última diligência probatória, o trabalhador através do seu advogado inquiriu o Sr. Instrutor do processo disciplinar questionando-o sobre qual a data e conteúdo da última diligência probatória efetuada no âmbito do processo disciplinar, bem como a que estivesse eventualmente naquela data em curso. Sem qualquer resposta até hoje. A 18.07.2014 o trabalhador invocou nos termos do art. 357.º do Código do Trabalho, em especial, do seu n.º 1, a caducidade do direito de aplicação de sanção disciplinar no âmbito do respetivo processo disciplinar. A entidade patronal nada disse ou respondeu. Este arrastar do presente processo disciplinar agora com 10 meses – ou praticamente 11 – se contarmos com a abusiva sanção disciplinar de suspensão preventiva – absolutamente injustificado e ilegal teve como principal motivação o desgaste físico e sobretudo psíquico do trabalhador, facto amplamente conseguido e consubstanciado em sucessivas baixa médicas psiquiátricas do trabalhador desde a instauração do processo disciplinar até 20 de outubro de 2014, o que lhe provocou uma substancial diminuição dos valores auferidos mensalmente (o valor da baixa é praticamente metade da retribuição mensal do trabalhador) bem como a não contabilização do tempo de serviço durante a baixa prolongada, facto importante para a carreira e futuros concursos. Com efeito, este injusto processo disciplinar com intenção de despedimento atirou o trabalhador para uma profunda crise psiquiátrica provocada inicialmente pelo choque de um processo disciplinar com intenção de despedimento que se agudizou substancialmente e à posteriori com o arrastar ilegal (nos termos sobreditos) do mesmo, assim ofendendo gravemente a sua integridade física e moral, a sua liberdade, honra e dignidade profissional já que até hoje não tendo sido concluído não lhe permitiu a impugnação judicial da sanção eventualmente aplicada (ou eventualmente a reposição da verdade através do encerramento do processo disciplinar sem qualquer sanção). A “espada flamejante” sobre a sua cabeça tem pairado iniquamente sobre si ao longo destes penosos meses, e obriga o trabalhador a agora, tomar esta decisão última, resolvendo o seu contrato de trabalho já que não tem condições para a manutenção da relação de trabalho por não confiar na entidade patronal.

Mas este arrastar ilegal do processo disciplinar, em violação aos artigos 356.º (alíneas 5) e 6)) e art. 357.º do Código do Trabalho e em violação ao seu direito a ver concluído o processo disciplinar em tempo e face à manifesta e deliberada falta de diligência na instrução (e conclusão) do mesmo, facto ilícito e continuado, consubstancia igualmente uma violação culposa de garantia legal do trabalhador, nos termos da alínea b) do n.º 2 do art. 394.º do Código do Trabalho (…)” – vide, o facto dado por provado em 17).

Ora, conforme dispõe o art. 395.º, a resolução tem de ser comunicada ao empregador nos 30 dias subsequentes ao conhecimento pelo trabalhador dos factos que a justificam (n.º 1) ou, tratando-se de resolução fundada no incumprimento culposo da obrigação retributiva, nos 60 dias subsequentes (n.º 2) – vide, o n.º 5 do art. 394.º

A R. em sede de contestação fazendo apelo ao art. 395.º do CT, invoca a caducidade do exercício do direito à resolução com justa causa, exceção essa de caducidade não reconhecida pela A. com os argumentos que aduz em sede de articulado de resposta à contestação.

Segundo a R. tal caducidade ocorreu, porquanto, tendo sido invocada no âmbito do processo disciplinar movido contra a trabalhadora a caducidade do direito de aplicação de sanção disciplinar através de carta registada de 18.07.2014, o prazo de 30 dias para a trabalhadora resolver o contrato de trabalho invocando justa causa, iniciou-se pelo menos no dia 19.07.2014 e, esgotou-se em 17.08.2014.

Não perfilhamos, no entanto, tal entendimento.

Sem embargo de se aceitar que a contagem do prazo de 30 dias inicia-se com o conhecimento pelo trabalhador dos factos que integram a justa causa de resolução invocada pelo trabalhador, o certo é que, conforme salienta Pedro Furtado Martins, in “Cessação do Contrato de Trabalho”, pág. 530.º, a interpretação-aplicação desta regra tem de se fazer em articulação com a própria noção de justa causa, como tem sido salientado pelos tribunais.

Significa isto que o prazo «se inicia, não no momento do conhecimento da pura materialidade dos factos, mas sim quando no contexto da relação laboral assumem tal gravidade que a subsistência do contrato de trabalho se torna imediatamente impossível, não sendo exigível ao trabalhador a manutenção daquela relação» - vide, entre outros, Ac’s do STJ de 02 de outubro de 1996 (51/96 – Sumários); de 21 de outubro de 1998 (31/98 – Sumários); de 09 de julho de 1998 (CJ-STJ, 1998, III, 299-300 e, de 09 de abril de 1997 (115/96 – sumários).

O ponto tem especial relevância nas situações em que os factos que integram a justa causa de resolução revestem caráter duradouro, suscetíveis de agravamento com o decurso do tempo.

Na situação em apreço, a A. como fundamento para a resolução do seu contrato de invoca a não conclusão do processo disciplinar movido pela R., o que, a nosso ver, configura uma situação duradoura, pois, “obstinando-se” a empregadora na não conclusão do processo disciplinar sem apresentar qualquer justificação válida para o efeito (permanecendo em silêncio mesmo quando interpelada para o efeito pela A./trabalhadora), tal violação contratual perdurou enquanto aquela “obstinação” se manteve.

Ou seja, perfilhamos o entendimento que, no caso de comportamento ilícito ou duradouro, o aludido prazo de 30 dias só se inicia quando for posto termo àquela situação.

E, assim sendo, no caso em apreço, aquando do envio da missiva resolutiva do contrato de trabalho, o mencionado prazo de 30 dias não se tinha iniciado, impondo-se assim julgar improcedente a exceção perentória de caducidade do direito de resolver o contrato de trabalho com invocação de justa causa.»

Desde já adiantamos que não podemos deixar de sufragar o entendimento, bem fundamentado, do tribunal de 1.ª Instância.

De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 395.º do Código do Trabalho, o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.

Na vertente situação, a trabalhadora recorrida fundamentou a justa causa para a resolução do contrato de trabalho, em breve síntese, na circunstância de a empregadora a ter abusivamente suspendido preventivamente desrespeitando os seus direitos e garantias, tendo-lhe instaurado um procedimento disciplinar com vista ao seu despedimento com uma duração de cerca de 11 meses, sem decisão e sem que seja dada qualquer resposta à trabalhadora sobre o seu estado, mesmo quando esta invocou a caducidade do direito de aplicar uma sanção, o que torna a situação insustentável para a trabalhadora que perdeu toda a confiança na empregadora que a mantém numa situação penosa, em deliberada violação das garantias legais da trabalhadora.

Os factos integradores da invocada justa causa constituem um ilícito continuado, uma vez que a imputada violação das garantias legais da trabalhadora é algo que permanece, continua ou renova-se desde a suspensão preventiva da trabalhadora até à data da resolução. Assim, persistindo a conduta ilícita imputada, na data da resolução do contrato de trabalho ainda nem se havia iniciado a contagem do prazo de caducidade previsto no n.º 1 do artigo 395.º do Código do Trabalho.

A arguição da caducidade do direito de aplicação de uma sanção disciplinar não pôs termo à conduta violadora, pois à data da resolução, a trabalhadora continuava sem saber em que estado se encontra o procedimento disciplinar instaurado com vista ao seu despedimento, em face do silêncio deliberadamente assumido pela empregadora.

Destarte, consideramos que o tribunal a quo apreciou corretamente a exceção perentória da caducidade invocada pela recorrente, pelo que claudica o fundamento de recurso agora analisado.


*

            VII. Justa causa de resolução do contrato de trabalho

            Em sede de recurso, a apelante impugna a verificação da justa causa invocada para a resolução do contrato de trabalho em apreço nos autos.

            Sucintamente refere que inexistem factos provados que permitam imputar, objetiva e subjetivamente, à recorrente, a materialidade enunciada na comunicação da resolução, entendendo, ainda, que o tribunal a quo não sopesou os factos descritos nos pontos 48 a 53 do acervo factual provado. Conclui que a resolução operada pela trabalhadora deve ser considerada ilícita e, como tal, deve a apelante ser absolvida do pagamento da indemnização em que foi condenada, devendo, por sua vez, ser a recorrida condenada no pedido reconvencional deduzido relativo à falta de observância do aviso prévio.

            Analisemos a questão suscitada.

            Dispõe o artigo 394.º do Código do Trabalho:

            «1- Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato;

              2- Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:

a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;

b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador;

c) Aplicação de sanção abusiva;

d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;

e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;

f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante.

              3- Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:

a) Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato;

b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes do empregador;

c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.

             4- A justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações (…)».

De harmonia com o normativo citado, o trabalhador pode fazer cessar o contrato de trabalho, devido à existência de justa causa.

A justa causa pode ser objetiva (não culposa) ou subjetiva (culposa).

A primeira, prevista no n.º 3 do normativo, resulta de circunstâncias objetivas, relacionadas com o trabalhador ou com a prática de atos lícitos pelo empregador.

A segunda, tem na base um comportamento ilícito da entidade empregadora e a ela se reporta o n.º 2 do artigo supra citado (embora, a título meramente exemplificativo).

A distinção entre as duas formas de justa causa mostra-se relevante, devido às consequências legalmente previstas.

Consagra o artigo 396.º, n.º 1 do Código do Trabalho que «em caso de resolução do contrato de trabalho com fundamento no facto previsto no n.º 2 do artigo 394.º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades».

A justa causa para a resolução do contrato deverá ser apreciada, nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações.

Ou seja, na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes, para se poder concluir pela impossibilidade da manutenção do vínculo laboral (cf. Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª edição, pág.534).

Não obstante, as situações previstas no n.º 2 do artigo 394.º, consubstanciem comportamentos que o legislador considerou que constituem justa causa de despedimento, a jurisprudência tem entendido que não basta a verificação material de qualquer dos comportamentos previstos, sendo ainda preciso que o comportamento da entidade empregadora «pela sua gravidade e consequências, torne prática e imediatamente impossível a manutenção da relação de trabalho»- ver, a título de exemplo, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18/4/2007, P. 06S4282; de 13/11/2000, P. 2204/00; de 5/2/1998, P. 3/97; de 11/2/1998, P. 141/97, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

            E, conforme foi sumariado no Acórdão da Relação de Évora, de 1/2/2011, P. 51/10.7TTEVR.E1, disponível em www. dgsi.pt:

            «A resolução do contrato de trabalho, tal como se encontra configurada nos artigos 394º a 399º do Código do Trabalho e para que o trabalhador tenha direito, por via judicial, à indemnização prevista no artigo 396º do referido diploma, pressupõe que o trabalhador faça prova dos factos constitutivos do direito alegado, ou seja, a existência de justa causa».

            Deste modo, para que se verifique uma situação de resolução do contrato de trabalho fundamentada em justa causa por violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador (como ocorre na situação dos autos), mostra-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos cumulativos:

            1º um de natureza objetiva - violação de garantias legais ou convencionais do trabalhador;

            2º outro de natureza subjetiva - que essa atuação violadora e lesiva seja imputável ao empregador a título de culpa;

            3ª que essa conduta do empregador torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral.

            Quanto à culpa do empregador, em regra, a mesma presume-se, nos termos gerais da responsabilidade contratual, por aplicação do artigo 799.º do Código Civil. Ou seja, cabe à entidade empregadora afastar a presunção, alegando e provando os elementos factuais suficientes para habilitar o tribunal a formular um juízo de não censurabilidade da sua conduta.

            Posto isto, analisemos a situação concreta, por forma a concluir se se verifica ou não a justa causa invocada.

            Os motivos invocados pela trabalhadora para a resolução do contrato de trabalho constam do ponto factual 17 que aqui damos por reproduzido.

            Com base em tal comunicação, podemos sintetizar e elencar os comportamentos imputados à empregadora e que a trabalhadora considerou violarem os seus direitos e garantias, pela seguinte forma:

            - Suspensão preventiva da trabalhadora em 14/10/2013, antes de ser intentado procedimento disciplinar com intenção de despedimento, fundamentada com a mera transcrição do preceito legal e sem que fosse justificado o porquê da presença da trabalhadora se mostrar «absolutamente inconveniente para a averiguação cabal dos referidos factos (…)»

            - Intentado o procedimento disciplinar com intenção de despedimento, a sucessão de atos processuais foi: comunicação da nota de culpa em 12/11/2013 (fazendo cessar a suspensão preventiva); resposta à nota de culpa no prazo legal (25/11/2013); inquirição das testemunhas arroladas pela trabalhadora em 26/02/2014; junção de documentos pela empregadora em 13/01/2014, 19/02/2014 e 15/05/2014.

            -Tendo o advogado da trabalhadora questionado o Instrutor do processo disciplinar sobre qual a data e conteúdo da última diligência probatória, bem como a que estivesse naquela data em curso, não obteve resposta até hoje.

            - Em 18/07/2014, a trabalhadora invocou a caducidade do direito de aplicação de sanção disciplinar. A entidade patronal nada disse ou respondeu.

            - Desde a instauração do processo disciplinar e por causa da situação laboral que lhe provou desgaste físico e sobretudo psíquico, esteve de baixas médicas sucessivas até 20/10/2014, o que lhe provocou uma substancial diminuição dos valores auferidos mensalmente, bem como a não contabilização do tempo de serviço durante a baixa prolongada, facto importante para a carreira e futuros concursos.

            Logrou a trabalhadora demonstrar a verificação dos imputados comportamentos. Vejam-se os factos provados nos pontos 6), 8) a 16), 18), 19) e 25).

            No que concerne à suspensão preventiva, tomando em consideração a materialidade descrita no ponto 6) dos factos assentes e o preceituado no artigo 354.º do Código do Trabalho, afigura-se-nos que a empregadora terá respeitado quer o prazo previsto no n.º 2 do normativo quer os demais pressupostos de fundamentação aí exigidos.

            Tendo o afastamento da trabalhadora sido justificado e apoiado na lei e tendo a suspensão terminado com a notificação da nota de culpa [recorde-se que a suspensão foi motivada pela circunstância da presença da trabalhadora mostrar-se «absolutamente inconveniente para a averiguação cabal dos referidos factos e suas consequências, por forma a suportar uma eventual nota de culpa, cuja elaboração ainda não foi possível efetivar»] não se pode considerar que ocorreu qualquer violação do direito à prestação efetiva do trabalho [artigo 129.º, n.º 1, al. b) do Código do Trabalho].

            Já quanto à não finalização do procedimento disciplinar instaurado, afigura-se-nos que o comportamento assumido pela empregadora viola manifestamente a garantia prevista na alínea c) do n.º 1 do mencionado artigo 129.ª, uma vez que a pendência “ad Eternum” do processo disciplinar e a ausência de resposta à interpelação da trabalhadora, constitui uma forte e injustificada pressão psicológica sobre a trabalhadora, influindo desfavoravelmente nas suas condições de trabalho, suscetível de gerar um permanente estado de suspeição sobre a mesma por parte dos colegas e superiores hierárquicos, para além de revelar um absoluto desrespeito pela pessoa alvo do processo disciplinar.

            Esta questão foi muito bem apreciada pelo tribunal a quo, como se pode verificar no trecho da sentença que passamos a transcrever:

            «O processo disciplinar, como se sabe, constitui requisito essencial da licitude e da validade do ato extintivo do contrato de trabalho (despedimento sem indemnização ou compensação imputável ao trabalhador): se faltar o competente procedimento ou em caso de invalidade do mesmo, o despedimento é ilícito e pode ser anulado – arts. 381.º, al. c) e, 382.º n.º 2.

            O empregador detém o poder disciplinar – art. 98.º -, detendo por esse facto a faculdade de aplicar sanções ao trabalhador pela violação dos deveres laborais.

            Todavia, como vimos, tal despedimento tem de obedecer ao formalismo legalmente exigido para o despedimento por facto imputável ao trabalhador.

            Ora, do cotejo dos factos acima dado por provados, verifica-se que, sem qualquer razão plausível finda a fase da defesa e instrução, a empregadora não impulsionou mais o processo disciplinar, desde logo, omitiu a fase de apreciação e decisão - art. 357.º n.º 1: “O empregador dispõe de 30 dias para proferir a decisão de despedimento, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção”.

            Tem-se entendido que, as diligências probatórias para a contagem do prazo de 30 dias, são quaisquer diligências probatórias pertinentes ainda que realizadas por iniciativa do empregador e não apenas as que o trabalhador tenha requerido na resposta à nota de culpa – vide, o Ac. do STJ de 14.05.2008, in www.dgis.pt.

            Todavia, pese embora as testemunhas arroladas pela A. em sede de procedimento disciplinar terem sido inquiridas pelo instrutor nomeado do processo, com data de 26 de fevereiro de 2014 e, em 15.05.2014, ter o ilustre mandatário da A. solicitado ao Sr. instrutor nomeado em sede de Processo disciplinar que, informe qual a data e conteúdo da última diligência probatória efetuada, bem como a que está (eventualmente) em curso atualmente e, por último, ter sido invocada através de carta registada com aviso de receção datada de 18.07.2014, nos termos do art. 357.º do Código do Trabalho, a caducidade do direito de aplicação da sanção disciplinar no âmbito do processo disciplinar, o certo é que a R. empregadora absteve-se de praticar qualquer outro ato em sede de processo disciplinar e, deliberadamente, remeteu-se ao silêncio, sem qualquer resposta ao solicitado.

            Ora, nos termos do art. 126.º n.º 1 (deveres gerais das partes) o empregador e o trabalhador devem proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações (princípio geral do direito e, das relações contratuais).

            E, assim sendo, a R. empregadora não podia olvidar (até porque foi interpelada para o efeito) da consequência da inobservância do prazo para a tomada da decisão final: caducidade do direito de aplicar a sanção, o que implica, como se sabe, a invalidade do procedimento, isto apesar da disposição que estabelece os vícios determinantes da invalidade do procedimento/despedimento (art. 382.º), não prevê que o incumprimento do prazo de 30 dias para emitir a decisão de despedimento gere a invalidade do ato extintivo.

            Concordando-se com a A., quando esta salienta que a inércia da empregadora em impulsionar o processo disciplinar a privou da possibilidade de impugnar judicialmente a sanção eventualmente aplicada e, que, o prolongamento excessivo do processo disciplinar sem conclusão, agravou nela o desgaste psíquico retratado nas sucessivas baixas médicas e, relatório médico do seu médico psiquiatra (cfr. factos provados em 18), 19), 20) e 21)).

            Com efeito, provou-se ainda que a R. sabia que a A., ao regressar no início do ano letivo de 2013/2014, ainda se encontrava fragilizada, fruto das baixas médicas sucessivas a que tinha estado sujeita, no ano letivo anterior e, que, a instauração de processo disciplinar com intenção de despedimento e, a pendência do mesmo, agravou nela a sua crise emocional, de desespero e de revolta, com agravamento do seu quadro depressivo – vide, os factos provados de 24) a 26). E, que a Ré, através da sua diretora Dra. B... , pelo menos, desde o ano letivo de 2011/2012 vinha já exercendo, por diversas vias e ocasiões sobre a A., crescente pressão psicológica, nomeadamente, consubstanciada em que: - As decisões do departamento de que a A. era coordenadora eram dificilmente aceites pela Direção da Escola; - Não dava a oportunidade à A. em conselho pedagógico de exprimir ou explanar as propostas do Departamento Curricular de Matemática e Ciências Físicas e Naturais de que era porta voz e representante – vide, o facto provado em 27).

            Neste conspecto, cremos que o prolongamento excessivo do processo disciplinar sem decisão final, detendo a empregadora o respetivo poder de decisão (podendo optar ou pela prolação da decisão de despedimento ou, pelo arquivamento do processo disciplinar face à caducidade da sanção disciplinar invocada), afetou ainda mais a dignidade e autoestima (num processo progressivo e gradativo de fragilização) da aqui A., agudizando nela a perceção que o ambiente de trabalho se tornara hostil, intimidativo, humilhante e desestabilizador, o que agravou o seu quadro clínico depressivo, com reflexos na sua própria saúde, necessitando, por esse facto, de acompanhamento psiquiátrico continuado.

            Destarte, concluímos, assim, por existir no caso sob apreciação uma violação culposa das garantias legais da trabalhadora – n.º 2, al. b) do art. 394.º»

            Subscrevemos sem hesitações esta fundamentação.

            Em suma, a conduta imputada na comunicação da resolução contratual ficou demonstrada, viola garantias legais da trabalhadora e não há dúvida que a atuação da empregadora foi culposa, não tendo a apelante logrado afastar a presunção de culpa prevista no artigo 799.º do Código Civil.

            Acompanhamos também a decisão recorrida ao decidir que  «[s]opesando tudo o que trás se referiu, é de entender que face à gravidade da conduta da R., atentatória da dignidade, não ser exigível por parte da A./trabalhadora a manutenção do vínculo laboral, estando definitivamente ferido o grau de confiança expectável à manutenção do contrato de trabalho.

            Tal enquadramento, conduziu fatalmente a uma situação de impossibilidade de prossecução da relação de trabalho.»

            Posto isto, resta concluir que julgamos verificada a justa causa de resolução do contrato de trabalho invocada, o que confere à trabalhadora o direito à indemnização prevista no artigo 396.º do Código do Trabalho, não havendo fundamento para a visada procedência do pedido reconvencional.

            Improcede, pois, o recurso, quanto à questão analisada.


*

            VIII. Valor da indemnização

            Insurge-se a apelante contra o quantum da indemnização arbitrada, alegando que a mesma deve ser fixada no mínimo legal.

            Sobre este tema, escreveu-se na sentença recorrida:

            «Preceitua o art. 396.º n.º 1 (indemnização devida ao trabalhador), o seguinte: “Em caso de resolução do contrato com fundamento em facto previsto no n.º 2 do art. 394.º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades”. N.º 2: “No caso de fração de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente”. N.º 3: “O valor da indemnização pode ser superior ao que resultaria da aplicação do n.º 1 sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado”.

            Em consonância com o que se dispõe em matéria de ilicitude do despedimento, sublinha-se a substituição do sistema de liquidação a forfait da compensação – com base na fórmula “um mês de retribuição de base por cada ano de antiguidade ou fração” (arts. 36.º e, 13.º n.º 3 da LCCT) – por um modelo de tendencial adequação da indemnização aos danos efetivamente sofridos pelo trabalhador.

            Sendo certo, porém que, o presente preceito inova significativamente face ao art. 443.º do CT2003, em três pontos:

            a) Deixa-se de afirmar expressamente que a indemnização visa compensar “todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos” pelo trabalhador;

            b) Manda atender na determinação dessa mesma indemnização (entre 15 e 45 dias), “ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador”;

            c) Admite que o valor de tal indemnização possa “ser superior” ao que resultaria da aplicação deste critério, “sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado”. O CT esclarece, assim, que também os danos não patrimoniais sofridos pelo trabalhador são atendíveis (pense-se, p. ex., na angústia ou no vexame resultante de graves ofensas patronais à honra ou à reputação do trabalhador) – vide, João Leal Amado, in Contrato de Trabalho, pág. 449.º.

            Posto isto, reportando-nos ao caso em análise, provou-se que a A. entrou ao serviço da R. no dia 01.09.1998, tendo o contrato de trabalho cessado no dia 15.09.2014 e, que esta auferia ultimamente a retribuição base mensal de 1.718,46 €.

            Ora, dentro da moldura de 15 a 45 dias prevista na Lei, atendendo a que o grau de ilicitude da R. a ter em conta, se qualifica de bastante grave (quer na sua conduta, quer nas respetivas consequências com repercussões na saúde da A.) e, que quanto ao valor da retribuição auferida pela A./trabalhadora nada de relevante há a assinalar, desde logo, de desvio quanto às regras gerais atenta a categoria profissional de professora, optamos por fixar a indemnização devida pelo limite de 30 (trinta) dias de retribuição base (1.718,46 €) (mediania).

            Assim, temos (16 anos x 1.718,46 €) + (1.718,46 € x 14 (d) : 365 (d) ) = 27.561,27 € (vinte e sete mil, quinhentos e sessenta e um euros e, vinte e sete cêntimos).»

            A fixação de um montante variável para a indemnização na resolução do contrato pelo trabalhador é uma transposição da regra fixada para a indemnização substitutiva da reintegração, nas situações de despedimento ilícito (cf. artigo 391.º do Código do Trabalho). Esta solução remonta ao artigo 443.º do Código do Trabalho de 2003, embora a redação nesse diploma fosse diversa, e, também, pouco clara, porque aí se estipulava que o trabalhador tinha direito a ser indemnizado «por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos», mas depois estipulavam-se limites para a fixação da indemnização.

            Devido a esta contradição, o artigo 443.º do Código do Trabalho de 2003, foi criticado. Veja-se, por exemplo, Albino Mendes Baptista, A cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador…, págs. 17 e 37 a 42.

            Daí que a Comissão do Livro Branco das Relações Laborais, criada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 160/2006, DR, 1.ª série, de 30 de Novembro de 2006, tenha entendido que esta contradição deveria ser solucionada, de modo a que, se estabelecesse uma solução semelhante à que o artigo 437.º do Código do Trabalho de 2003 consagrava, para os efeitos do despedimento ilícito, mas propunha-se que o valor da indemnização dentro do parâmetro máximo fosse afastado sempre que o trabalhador demonstrasse que os danos sofridos foram de montante superior.

Tal sugestão foi acolhida e consagrada no n.º 3 do artigo 396.º do Código do Trabalho de 2009.

Assim, podemos afirmar que, segundo os critérios legais consagrados, a indemnização que é devida ao trabalhador pela resolução do contrato com fundamento em facto previsto no n.º 2 do artigo 394.º do Código do Trabalho, deve ser determinada de acordo com a gravidade da ilicitude e da culpa do lesante, bem como dos danos efetivamente causados, podendo o referencial de 45 dias a que alude o n.º 1 do normativo, ser superior, sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado (cf. n.º 3 do artigo 396.º).

No caso, a indemnização foi fixada em 30 dias por cada ano de antiguidade.

Temos uma trabalhadora com 16 anos de serviço, considerada uma trabalhadora exemplar, que ao longo dos anos desempenhou cargos de responsabilidade, que auferia a retribuição mensal de € 1718,46 que, no ano letivo de 2013/2014, quando regressa ao trabalho após um período de sucessivas baixas médicas, ainda fragilizada, é-lhe instaurado um processo disciplinar com vista ao seu despedimento que se arrasta por vários meses, sem que qualquer explicação seja dada à trabalhadora. Em função dessa situação, agrava-se a depressão psíquica da trabalhadora, ficando a mesma doente e incapaz de trabalhar. Ou seja, a conduta assumida pela empregadora para além de ilegal, arruinou a saúde da trabalhadora.

Dessarte, afigura-se-nos que o grau de ilicitude do incumprimento contratual é intenso e grave, pelo que inexistem quaisquer razões para a alteração do valor fixado para a indemnização.

Por conseguinte, improcede a apelação nesta parte.


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IX. Trabalho suplementar

Sustenta a apelante que não resulta da matéria de facto considerada provada, designadamente dos pontos 29 e 30, o conhecimento e a não oposição da empregadora quanto à prestação do trabalho aí mencionado, concluindo que deve ser revogada a sentença e a recorrente absolvida do pedido relativo ao trabalho suplementar.

Na decisão posta em crise, escreveu-se sobre a temática que agora se aprecia:

«Com arrimo na factualidade acima dada por provada, verifica-se que a A. semanalmente estava adstrita à prestação de 35 horas (período normal de trabalho), distribuídas por uma componente letiva (22 a 25 horas semanais) e outra não letiva (diferença para as 35 horas/semanais) – cfr. facto provado em 28) e, Cl’s 11.º e 11-A n.º 1, al. c) do CCT aplicável celebrado entre a Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo – AEEP e a FNE – Federação Nacional dos Sindicatos da Educação, desde logo, o publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 11, de 22 de março de 2007 e, sucessivas alterações, com Portaria de extensão n.º 1483/2007, n.º 462/2010, entre outras.

Como se sabe, face ao que vem sendo o conceito de trabalho suplementar e as condições para a sua remuneração enquanto tal fixadas quer pela lei e interpretadas pela jurisprudência, a causa de pedir de um crédito relativo a trabalho suplementar deve ser constituída pelos seguintes elementos de facto:

a) – alegação do horário de trabalho do trabalhador (com a indicação das horas de início e do termo do período normal de trabalho diário, bem como dos respetivos intervalos);

b) – indicação das horas de trabalho prestado fora dos horários de trabalho estabelecidos;

c) – que esse trabalho tenha sido prévia e expressamente ordenado pelo empregador ou, pelo menos, prestado de modo a não ser previsível a oposição do empregador, ou por ele consentido.

(…)

Reportando-nos às horas de trabalho suplementar realizadas em conselhos pedagógicos nos últimos 5 anos (de setembro de 2009 a janeiro de 2013), diremos o seguinte:

Sobre esta temática provou-se que: “Por ano letivo, todos os meses (uma em cada mês), normalmente em quartas-feiras à tarde, eram realizados os Conselhos Pedagógicos que ultrapassavam, sempre, as seis horas de duração, começando, normalmente pelas 14:30h e estendendo-se até cerca das 20:30h; Em relação aos últimos 5 anos, isto é, de setembro de 2009 a janeiro de 2013, a A. participou nos seguintes Conselhos Pedagógicos, sempre em dia útil: - 07/10/2009- das 14:30h às 20:30h; 21/10/2009- das 14:30h às 20:30h; 11/11/2009- das 14:30h às 20:30h; 02/12/2009- das 14:30h às 20:30h; 13/01/2010- das 14:30h às 20:30h; 10/02/2010- das 14:30h às 20:30h; 10/03/2010- das 14:30h às 20:30h; 14/04/2010- das 15:00h às 21:00h; 11/05/2010- das 17:30h às 23:30h; 02/06/2010- das 14:30h às 20:30h; 29/06/2010- das 14:30h às 20:30h; 13/10/2010- das 14:30h às 20:30h; 10/11/2010- das 14:30h às 20:30h; 03/12/2010- das 17:30h às 23:30h; 12/01/2011- das 14:30h às 20:30h; 16/02/2011- das 14:30h às 20:30h; 16/03/2011- das 14:30h às 20:30h; 06/04/2011- das 14:30h às 20:30h; 11/05/2011- das 14:30h às 20:30h; 15/06/2011- das 14:30h às 20:30h; 18/07/2011- das 14:30h às 20:30h; 12/10/2011- das 14:30h às 20:30h; 09/11/2011- das 14:30h às 20:30h; 07/12/2011- das 14:30h às 20:30h; 11/01/2012- das 14:30h às 20:30h; 15/02/2012- das 14:30h às 20:30h; 21/03/2012 - das 14:30h às 20:30h; 18/04/2012- das 14:30h às 20:30h; 09/05/2012- das 14:30h às 20:30h; 23/05/2012- das 16:30h às 22:30h; 30/05/2012- das 15:30h às 21:30h; 31/05/2012- das 18:00h às 24:00h; 13/06/2012- das 14:30h às 20:30h; 28/06/2012- das 14:30h às 20:30h; 11/07/2012- das 14:30h às 20:30h; 19/09/2012- das 14:30h às 20:30h; 17/10/2012- das 14:30h às 20:30h; 21/11/2012- das 14:30h às 20:30h; 12/12/2012- das 14:30h às 20:30h; 16/01/2013- das 14:30h às 20:30h” – cfr. factos provados de 29) e 30).

Mais se provou (factos provados de 55) a 59)) que: “A A. pertenceu à equipa de elaboração de horários dos docentes no C... , pelo menos até 2012/2013 (inclusive); No ano letivo de 2009/2010 a A. interveio no Conselho Pedagógico na qualidade de coordenadora de departamento curricular; E, no ano letivo de 2010/2011 a A. interveio no Conselho Pedagógico como coordenadora de departamento curricular e delegada à segurança; No ano letivo 2011/2012, a A. interveio no Conselho Pedagógico nestas mesmas qualidades, isto é, como coordenadora de departamento curricular e delegada à segurança; E, no ano letivo 2012/2013, a A. interveio primeiro como coordenadora dos diretores de turma e delegada à segurança, depois como coordenadora de departamento curricular e delegada à segurança e por fim apenas como delegada de segurança”.

Assim, tendo em conta que nos horários de trabalho da aqui A. encontravam-se atribuídas duas horas semanais para as funções de coordenadora do departamento curricular, em regra, contempladas no período da tarde das quartas-feiras (veja-se, a título exemplificativo que, no ano letivo de 2009/2010 é-lhe atribuído todas as quartas-feiras 2 horas como coordenadora de departamento curricular (cfr. documento de fls. 206.º a 209.º); no ano letivo 2010/2011, duas horas como coordenadora de departamento curricular às quartas feiras (vide, documentos de fls. 210.º a 212.º); no ano letivo 2011/2012, duas horas como coordenadora de departamento curricular às quartas feiras (cfr. documento de fls. 214.º)), iremos sonegar às 6 horas das reuniões do conselho pedagógico, duas horas, por as mesmas se encontrarem previamente contempladas no horário de trabalho da A. a título de coordenadora do departamento curricular, permanecendo assim um diferencial de 4 (quatro) horas que importa indagar se se traduzem ou não em trabalho suplementar.

Nos termos do art. 226.º, considera-se trabalho suplementar o prestado fora do horário de trabalho.

Só sendo permitida a sua realização nas condições previstas no art. 227.º e, Cl.ª 16.ª do CCT aplicável ao sector de atividade.

Com arrimo nos factos acima dados por provados, temos por seguro que a A. na participação de algumas das reuniões do conselho pedagógico, teve de desenvolver trabalho suplementar.

Vejamos:

Ano letivo de 2009/2010: Aquando da prática do horário de trabalho no período compreendido entre 01.10.2009 a 29.12.2009 (23 horas de componente letiva mais 9 horas de componente não letiva – 32 horas (doc. de fls. 207.º), a A. participou nas reuniões do conselho pedagógico que se realizaram nos dias 07/10/2009; 21/10/2009; 11/11/2009 e, 02/12/2009, com início às 14H30 e términus às 20H30. Assim, subtraindo às 6 horas de duração do conselho pedagógico as duas horas de coordenadora de departamento curricular, achamos um diferencial de 4 horas, somando tais quatro horas às 32 horas do horário de trabalho da A., chegamos a um resultado de 36 horas, portanto, temos a prática de uma hora de trabalho suplementar em cada um desses dias.

Tal já não sucede, porém, aquando do horário praticado entre 30.12.2009 a 17.01.2010 (26 horas -18H de componente letiva e, 8H de componente não letiva) e, de 18.01.2010 a 31.08.2010 (28 horas – 20H de componente letiva e, 8H de componente não letiva). Com efeito, as reuniões do conselho pedagógico que a A. participou em 13.01.2010; 10.02.2010; 10.03.2010; 14.04.2010; 11.05.2010; 02.06.2010 e, 29.06.2010, tiveram a duração média de 6 horas, subtraindo-se as duas horas de coordenadora de departamento curricular, fica o diferencial de 4 horas, logo, a soma de 4H + 26 H e, de 4H + 28H, não atinge o patamar das 35 horas de trabalho semanal.

Ano letivo 2010/2011: nesse ano letivo aquando do horário praticado no período compreendido entre 01.09.2010 a 07.12.2010 de 27H (21H de componente letiva e, 6H de componente não letiva), temos que a A. participou nas reuniões de conselho pedagógico dos dias 13.10.2010; 10.11.2010 e, 03.12.2010, com a duração média de 6 horas, subtraindo-se as duas horas de coordenadora de departamento curricular, fica-se com o diferencial de 4 horas, verifica-se assim que essa soma com as 27H também não perfaz o limiar das 35 horas de trabalho semanal.

Nesse mesmo ano, foi alterado o horário de trabalho da A. em janeiro de 2011 passando a perfazer as 35 horas semanais (22H de componente letiva e, 13H de componente não letiva) até 31 de agosto desse mesmo ano. Durante tal período, verifica-se que a A. participou nas seguintes reuniões do conselho pedagógico: 12/01/2011; 16.02/2011; 16.03.2011; 06.04.2011; 11.05.2011; 15.06.2011 e, 18.07.2011, com a duração média de 6 horas, subtraindo-se as duas horas de coordenadora de departamento curricular, fica-se com o diferencial de 4 horas, pelo que, impõe-se considerar que estas 4 horas por ultrapassarem o limite de horário de trabalho das 35H, devem ser consideradas trabalho suplementar.

No ano letivo 2011/2012: A A. tinha um horário de trabalho semanal de 35H (22H de componente letiva e, 13H de componente não letiva), durante tal período a A. participou nas seguintes reuniões do conselho pedagógico: 12.10.2011; 09.11.2011; 07.12.2011; 11.01.2012; 15.02.2012; 21.03.2012; 18.04.2012; 09.05.2012; 23.05.2012; 30.05.2012; 31.05.2012; 13.06.2012; 28.06.2012 e, 11.07.2012.

Logo, também aqui verifica-se estar ultrapassado o limite das 35 horas de trabalho semanal, existindo um diferencial de 4 horas referente a cada um desses dias de participação nas reuniões de conselho pedagógico.

Ano letivo 2012/2013 (nesse ano letivo não se provou outro horário concreto atribuído à A., para além, do mencionado no facto dado por provado em 28), pelo que, nos iremos focar no parâmetro das 35H de trabalho semanal): durante tal período a A. participou nas seguintes reuniões do conselho pedagógico: 19.09.2012; 17.10.2012; 21.11.2012; 12.12.2012 e, 16.01.2013. Pelo que, de igual modo, mostra-se ultrapassado o limite máximo das 35 horas de trabalho semanal, existindo um diferencial de 4 horas referente a cada um desses dias de participação nas reuniões de conselho pedagógico.

Como se sabe, o direito à duração máxima da jornada de trabalho encontra-se constitucionalmente consagrado, com efeito, a Constituição estabelece que os trabalhadores têm direito “à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar”, o que implica uma organização da prestação do trabalho por forma a facilitar a realização dos interesses pessoais e familiares do trabalhador por conta de outrem.

Por outro lado, a Constituição estabelece – e aqui como direito análogo aos direitos, liberdades e garantias (…) – o direito ao repouso e a um limite máximo da jornada de trabalho – vide, art. 59.º nº. 1, alª’s a) e d) da CRP.

Caímos, assim, no âmbito do trabalho suplementar (definido como o trabalho prestado fora do horário de trabalho (art. 203.º n.º 1).

Todavia e, na esteira do anteriormente referido, o pagamento de trabalho suplementar pressupõe a prova de dois factos constitutivos do direito, competindo, por isso, a prova à A.: a prestação efetiva do trabalho suplementar e a determinação prévia e expressa da execução de tal trabalho pela entidade patronal, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador – cfr. art. 268.º n.º 2.

Anteriormente à entrada em vigor do Código de Trabalho de 2003, a Jurisprudência, já se tinha decidido que o pagamento do trabalho suplementar é exigível caso tal trabalho seja efetuado com a vontade do empregador, com a sua autorização ou concordância, só não o sendo quanto o trabalho suplementar for prestado contra as ordens do empregador, ou sem o consentimento deste (cfr. Ac. do S.T.J de 27 de maio de 1992, BMJ 417-554).

Existindo, outra corrente jurisprudencial que entendia que o pagamento do trabalho suplementar só era exigível, quando a sua prestação proceder de ordem expressa e antecipada do empregador – sendo certo que era ao trabalhador que incumbia o ónus dessa ordem -, não bastando que a execução do trabalho suplementar fosse consentida por ele (neste sentido – Ac. do STJ de 12/01/1994 (AD 389-613), de 23/02/1994 (AD 391-889), de 23 de novembro de 1994 (BMJ 441-133), de 14/12/1994 (BMJ 442-105), e de 11 de novembro de 1997 (CJ, S, ano V, T. III, pág. 277).

Pondo fim a tais querelas, o acórdão do Tribunal Constitucional de 23 de novembro de 1999 (in, DR, II Série, n.º 68, de 21 de março de 2000, pág. 5349), veio a julgar inconstitucional a norma do art. 6 n.º 1 do D.L 421/83, de 02/12 (na redação originária do diploma, correspondendo ao art. 7 n.º 4, na atual redação, dada pelo DL nº. 398/91, de 16/10), quando interpretada no sentido de considerar não exigível o pagamento de trabalho suplementar prestado com conhecimento do empregador (implícito ou tácito) e sem a sua oposição, por violação dos arts. 59 n.º 1, al. a) e d), 2.º e 18, n.º 2 da C.R.P.

E, na sequência desse acórdão, o STJ decidiu que para que o trabalhador tenha direito à retribuição por trabalho suplementar é necessário que demonstre que esse trabalho existiu e que foi efetuado com o conhecimento e sem oposição da entidade patronal (cfr., por todos, Ac. do STJ de 08 de março de 2000 e de 16 de maio de 2000 (CJ, S, ano VIII, T. I, pág. 277 e ano VIII, T. II, pág. 264, respetivamente).

Assim, o n.º 5 do art. 258.º do CT de 2003, acolheu a doutrina fixada no citado Ac. n.º 635/99 do Trib. Constitucional, de 23/11/1999 (AD. 459.º-431), reiterada no atual n.º 2 do art. 268.º.

Deflui do acima exposto, ter o trabalhador direito ao pagamento do trabalho suplementar, se este foi prestado com o conhecimento e sem a oposição da empregadora.

Atento o conjunto da factualidade dada como provada, concluímos que a R. tinha conhecimento do horário de trabalho prestado pela A. nas datas da realização das reuniões do conselho pedagógico e, que a ele não se opôs, pelo que, deve o mesmo ser remunerado a título de trabalho suplementar, dentro dos limites e parâmetros acima delineados.»

Não podemos deixar de concordar e aderir aos fundamentos transcritos.

No que concerne ao tempo despendido pela trabalhadora nos Conselhos Pedagógicos, o tribunal a quo realizou uma completa apreciação das situações em que o horário semanal das 35 horas foi ultrapassado com base no acervo factual assente. Nada a censurar!

Do nosso ponto de vista, as circunstâncias factuais provadas também levam à conclusão de que o trabalho realizado para além das 35 horas semanais, prestado nas reuniões do Conselho Pedagógico era do conhecimento da empregadora, sem qualquer oposição, desde logo pelo facto de essas reuniões serem presididas pela Diretora Pedagógica, B... , uma das representantes do C... (cf. procuração forense de fls. 134), não podendo a ré invocar que desconhecia a duração das reuniões. Além do mais, os horários da autora eram seguramente aprovados pela ré e determinados pela ré.

E, tendo resultado demonstrado, que a autora prestou trabalho fora do seu horário de trabalho, com conhecimento e sem oposição da empregadora, bem andou o tribunal de 1. º Instância em considerar que a recorrida prestou trabalho suplementar com direito a ser remunerado como tal, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 28.º e 268.º, ambos do Código do Trabalho.

Falece pois de razão a proclamada inexistência de trabalho suplementar.


*

Concluindo, o recurso mostra-se improcedente.

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X. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Notifique.

Coimbra, 15 de dezembro de 2016

(Em conformidade com o disposto no artigo 663.º, n.º7 do Código do Processo Civil, elaborou-se sumário em folha anexa)


(Paula do Paço)

 (Ramalho Pinto)

 (Azevedo Mendes)