Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
408/09.6GAMMV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
EXAME SANGUÍNEO
CONSENTIMENTO
Data do Acordão: 12/20/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE MONTEMOR-O-VELHO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 153º Nº 8 E 156º Nº 2 CE
Sumário: 1. - Em momento algum a lei impõe ou exige que se formule um pedido expresso de consentimento de quem tem que sujeitar-se ao exame de recolha de sangue para aferição do grau de alcoolemia.
2. – O exame de sangue é a via excecional para a recolha de prova admitida na lei para tal efeito, apenas admissível em casos expressamente tipificados, nomeadamente quando o estado de saúde não permite o exame por ar expirado ou esse exame não for possível

3.- A exclusão liminar da admissibilidade de exames coercivos está assegurada pela simples oposição – recusa – do titular do interessado em sujeitar-se ao exame.

Decisão Texto Integral: 26

No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou procedente a acusação deduzida pelo Magistrado do Mº Pº contra o arguido:
A..., residente na …, Montemor-o-Velho
Sendo decidido:
1) Condenar o arguido como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292, n.º 1, do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa à razão diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz a quantia total de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros).
2) Condená-lo, ainda, na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 4 (quatro) meses, nos termos do artigo 69, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
***
Inconformado, da sentença interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes conclusões na motivação do mesmo:
1.o tribunal a quo não poderia ter julgado como provado que "no dia 10- 04-2009, cerca das 22:00 horas, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula … , na Rua … , Montemor-o-Velho", "e enquanto conduzia, era portador de uma taxa de álcool no sangue de 1,67 g/l".
2. Por um lado, porque o arguido (como ele próprio confessou) apenas ingeriu bebidas alcoólicas cerca de 30 minutos antes do acidente.
3. Por outro lado, porque a colheita de sangue do arguido donde resultou uma TAS de 1,67 g/l apenas foi efectuada pelas 00:35 minutos do dia 11/04/2009, isto é, cerca de 02:30 horas após o despiste.
4. Nunca se poderá considerar como provado que 2 horas e meia antes, o arguido conduzia o seu veículo automóvel em estado de embriaguez, com uma taxa de álcool no sangue de 1,67 g/l.
5.Como refere o AC. Rel. Porto de 09/12/2009 (proc. 1421/08. 6PTPRT .P1) "O crime previsto no art. 292 n° 1 do C Penal é de perigo abstracto, exigindo a verificação, no momento da sua prática, de todos os elementos objectivos do tipo"
6. In Casu a ilicitude (consubstanciada na taxa de álcool no sangue), não foi verificada na altura da prática do facto, mas apenas cerca de duas horas e meia depois, não sendo legalmente possível extrapolar o resultado obtido para aquela hora.
7.O Tribunal não julgou correctamente os factos alegados na contestação do arguido (ao não os ter considerado como provados e relevantes para a decisão da causa), nomeadamente os que referem que os agentes da GNR não mostraram ao arguido o resultado do teste qualitativo efectuado no CHC, nem o informaram de tal resultado; o arguido não foi informado do objectivo da colheita de sangue que lhe foi efectuada, nem foi pedida ao arguido autorização para lhe tirarem sangue para verificação da TAS e o arguido se apresentava perfeitamente consciente e orientado.
8. Deveriam ter sido julgados como provados pelo tribunal a quo, os factos acima referidos que se encontravam alegado na contestação do arguido.
9. O tribunal a quo considerou incorrectamente como provado que o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula … , na Rua … , Montemor-o-Velho", "e enquanto conduzia, era portador de uma taxa de álcool no sangue de 1,67 g/l".
10.A prova da ilicitude do facto foi recolhida, não na altura da prática do facto, mas cerca de 2 horas e meia depois, o que equivale a dizer que o resultado do teste de sangue efectuado ao arguido não pode ser valorado e utilizado como meio para provar que este conduzia, no dia, hora e local indicados na sentença, com taxa de álcool no sangue de 1,67 g/l.
11. É inválida a prova do álcool deveria o arguido ter sido absolvido do crime de que vinha acusado.
12. Os Agentes da GN R não cumpriram o disposto nos arts. 153 nºs 2, 3 e 8 e 156 nºs 1 e 2, todos do C Estrada.
13. Nem dos depoimentos prestados, nem de qualquer documento junto aos autos consta que o arguido deu o seu consentimento (expresso e esclarecido) para que lhe fosse recolhido sangue para verificar a TAS, pois desse consentimento esclarecido dependia a legalidade do meio de prova por ser acto violador da integridade física, como decorre do disposto no artigo 126, nº 1 do Código de Processo Penal e 32, n° 8 da CRP.
14. O conjunto normativo dos artigos 152, nº 2, 153, nº 8 e 156, n° 2 do Código da Estrada que permite a colheita de sangue para determinação da taxa de álcool sem possibilitar ao condutor a sua recusa esclarecida sem consequências penais está ferido de inconstitucionalidade orgânica.
15. A prova assim recolhida é nula, não podendo considerar-se como provado que o arguido conduzia o seu veículo automóvel sob o efeito do álcool.
16. O que deverá levar à sua absolvição.
17. Caso assim se não entenda, atendendo ao facto de o arguido ser primário, ser guarda prisional em Aveiro e necessitar da carta de condução para se deslocar para o trabalho, entende-se que os 4 meses d inibição de conduzir são excessivos, devendo ser-lhe aplicada inibição de conduzir pelo período de 2 meses.
18. Com a decisão preferida foi violado o disposto nos arts. 292, nº 1 do C Penal, arts. 152 nº 2, 153, nº 8 e 156 nº 2 do C Estrada e sofre dos vícios constantes do art. 410, n° 2, alíneas a) e c) do C. P. Penal.
Deverá o recurso merecer provimento e, em consequência, ser a sentença proferida revogada e substituída por outra que absolva o arguido do crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
Caso ainda assim se não entenda deve a pena acessória de inibição de conduzir ser reduzida de 4 para 2 meses.
Responde o Magistrado do Mº Pº, concluindo:
1- Da análise da douta sentença recorrida resulta que a Mm.ª Juiz a quo analisou a documentação junta, considerou a prova produzida, tudo sopesou no âmbito da livre apreciação da prova (artigo 127 do Código de Processo Penal) e acabou por decidir quanto à matéria de facto.
2- Da leitura da motivação da decisão sobre a matéria de facto decorre que o tribunal fundou a sua convicção, quanto aos pontos específicos da matéria de facto ora em apreço, essencialmente, nas declarações do próprio arguido e nos depoimentos das testemunhas … e … , e ainda nas regras de experiência comum e do normal acontecer.
3- A fundamentação da decisão ora em recurso relativa à matéria de facto respeitou os princípios da livre apreciação, da oralidade e da imediação na produção da prova.
4- E só estes princípios permitem o indispensável contacto vivo e imediato não só com o arguido e com as testemunhas, recolhendo a impressão deixada pela sua personalidade, mas também permitem avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas por cada um destes participantes processuais.
5- Assim, por respeito a tais princípios, deve o Venerando Tribunal da Relação, no presente caso, manter a douta decisão recorrida relativa à matéria d facto, já que esta se mostra fundamentada na sua livre convicção e é uma das possíveis soluções (diremos, para nós, a única) segundo as regras da experiência comum.
6- Acresce que, não se infere no presente caso que, no processo de valoração e decisão, no âmbito da livre apreciação, tenha a Mm.ª Juiz a quo actuado contra a lei ou de modo desconforme aos ditames da razão, da lógica e da experiência comum, pelo que deverá ser mantida a decisão quanto à matéria de facto.
7- Por outro lado temos que, não se encontra legalmente estabelecido um período de tempo máximo para recolha da prova da condução sobre a influência do álcool, decorrido o qual a prova da TAS teria de ser considerada como inválida.
8- A este respeito dispõe o artigo 5.° da Lei n.º 18/2007, diploma que estabelece o Regulamento da Fiscalização da Condução sobre a Influência do Álcool ou das Substâncias Psicotrópicas, nos seus n.ºs 1 e 2 que "[a] colheita de sangue é efectuada, no mais curto prazo possível, após o acto de fiscalização ou a ocorrência do acidente. Posteriormente, a amostra de sangue é enviada à delegação do Instituto Nacional de Medicina Legal da área respectiva, pelo estabelecimento que procedeu à colheita."
9- Ora, no presente caso, o recorrente, após ter sido interveniente em acidente de viação, foi de imediato transportado para o Centro Hospitalar de Coimbra. Aliás, quando compareceu no local do acidente o senhor Militar da G.N.R. que elaborou o auto de ocorrência, o recorrente já se encontrava dentro da ambulância, pronto a ser transportado para o Hospital. De imediato foi contactado o Posto da G.N.R. mais próximo do Hospital para onde foi transportado o recorrente, tendo então sido enviados dois militares daquela força policial para procederem ao exame para pesquisa de álcool. Aí chegados, estes procederam à fiscalização para pesquisa de álcool no sangue do recorrente assim que isso lhes foi possível, tendo em conta que este se encontrava a receber tratamento médico.
10- Não vislumbramos, assim, qualquer irregularidade no procedimento dos senhores Militares da G R que pudesse conduzir à invalidade da prova por si recolhida.
11- Alega ainda o recorrente que o procedimento dos agentes da G.N.R., ao solicitarem a colheita de sangue para prova efectiva da TAS após ter sido efectuado teste ao ar expirado que deu resultado positivo, "viola claramente o disposto nos artigos 153, n.ºs 2, 3 e 8, e 156, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada. Entende aquele que os agentes da G.N.R. deveriam, não só tê-lo notificado do resultado do teste qualitativo, como também informá-lo das sanções legais dela decorrentes e de que poderia requerer contraprova. No entanto, mais uma vez o recorrente carece inteiramente de razão.
12- Com efeito, o recorrente pressupõe como verdadeiros factos, e dos mesmos constrói a sua teoria, que não foram dados como provados na douta sentença ora em recurso.
13- Na verdade, foi dado como não provado que "os agentes da GNR não mostraram ao arguido o resultado do teste qualitativo efectuado no CHC, nem o informaram de tal resultado", que "o arguido não foi informado do objectivo da colheita de sangue que lhe foi efectuada, nem foi pedida ao arguido autorização para lhe tirarem sangue para verificação da TAS".
14- Ora, logo por aqui cai pela base a argumentação do recorrente uma vez que a mesma se encontra alicerçada em factos dados como não provados, julgamento esse que, como acima se deixou dito, não deve ser alterado.
15- Ainda assim, sempre se dirá que, ainda que tivesse sido dada como provada a versão dos factos apresentada pelo recorrente, o mesmo continuaria a não ter razão na sua alegação.
16- Na verdade, o recorrente foi submetido a dois testes para aferir o teor de álcool no sangue: um teste qualitativo, efectuado através da análise do ar expirado, pelo qual apenas se conclui pela presença ou não de álcool no sangue, sendo o valor que ali aparece referenciado um valor meramente indicativo; e um segundo teste, este quantitativo, efectuado através de uma análise sanguínea, por forma aferir o valor efectivo da TAS, tudo de acordo com o estabelecido no artigo 2 da referida Lei n.º 18/2007.
17- Ora, a análise quantitativa do teor alcoólico no sangue pode ser efectuada através de um outro aparelho de análise do ar expirado (diferente do aparelho qualitativo) ou através de uma análise sanguínea.
18- De qualquer forma, é o resultado desta segunda análise (a análise quantitativa efectuada por análise do ar expirado ou do sangue) que nos dá o valor da efectiva TAS.
19- Ora, não se vislumbra como possam, com a sua conduta, ter os senhores Militares da G.N.R. violado o disposto nas normas do artigo 156, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada.
20- Acresce que, como tem vindo a ser defendido pela Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, em situações em tudo idênticas à presente, a lei não exige que seja formulado um pedido expresso de consentimento ao condutor que tem de submeter-se a colheita de amostra de sangue - cfr. neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10-11-2010, processo n.º 35/09.8PTFIG.C1.
21- Pelas razões expendidas no citado aresto, não assiste qualquer razão ao recorrente no que respeita à invocação que faz, de forma vaga e imprecisa, de uma eventual inconstitucionalidade orgânica das normas por si invocadas.
22- O procedimento de pesquisa de álcool no sangue dos condutores está previsto no regulamento constante da Lei 18/2007.
23- A detecção e quantificação do álcool no sangue efectua-se através de teste ao ar expirado (cfr. artigo 1 da referida Lei). Quando este procedimento não seja possível, a medição far-se-á por análise ao sangue, nos termos do artigo 4, n.º 1, da Lei.
24- Em nenhuma das disposições do diploma mencionado se prevê a realização de contraprova quando a detecção de álcool é feita por análise do sangue.
25- Ora "a razão da omissão é evidente. A contraprova só está pensada para os testes realizados por análise ao ar expirado, uma vez que o resultado destes pode não corresponder exactamente ao valor de álcool no sangue (estamos a pensar nos EMA legais). Diferentemente se passam as coisas quando o resultado se obtém através de análise ao sangue. Tratando-se de um exame de recurso, rigoroso, pensado apenas para comprovar ou infirmar resultado anterior, não tem sentido falar em contraprova quando a prova é feita, desde logo, pela via mais segura, fiável e rigorosa" - cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08/10/2008, Processo n.º 4617 /08 – 4ª Secção.
26- Tendo em conta que o artigo 69, n.º 1, do Código Penal, prevê a fixação do período de proibição de conduzir veículos motorizados entre três meses e três anos, e ainda que para a determinação concreta daquela pena acessória há que recorrer aos critérios do artigo 71 do Código Penal, parece-nos que nenhuma censura nos merece a decisão da Mm.ª Juiz a quo quanto a este específico ponto.
27- Com efeito, a pena acessória foi estabelecida muito perto do seu mínimo legal, os já referidos três meses, e tendo em atenção a medida da culpa do arguido em concreto (dolo directo) e as exigências de prevenção geral e especial, sendo que as primeiras são, em casos como o presente, muito elevados atento o elevado índice de sinistralidade associado à condução sobre o efeito de álcool.
28- A sentença recorrida encontra-se, pois, devidamente fundamentada e não é possuidora de qualquer vício que inquine a sua validade substancial ou formal, devendo ser mantida nos seus precisos termos, julgando-se assim o recurso improcedente.
Nestes termos, e pelos fundamentos supra referidos, não deverá ser alterada a decisão recorrida, devendo ser julgado totalmente improcedente o recurso ora interposto pelo arguido.
Nesta Relação, o Ex.mº PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o art. 417 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:
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São os seguintes os factos que o Tribunal recorrido deu como provados e sua motivação:
II - Fundamentação de facto
A)- Factos provados
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1.No dia 10-04-2009, cerca das 22:00 horas, o arguido conduzia o veiculo ligeiro de passageiros de matrícula … , na Rua …, Montemor-o-Velho.
2.O arguido havia ingerido, algum tempo antes de iniciar a condução, uma quantidade não concretamente apurada de bebidas alcoólicas, pelo que, naquela data, hora e local e enquanto conduzia, era portador de uma taxa de álcool no sangue de 1,67 g/l, como resultou das análises toxicológicas efectuadas ao sangue no IML de Coimbra, a que o arguido foi submetido.
3.O arguido agiu livre e voluntariamente, com o propósito concretizado de conduzir na via publica o veículo automóvel sob o efeito do álcool, não obstante saber que havia ingerido bebidas alcoólicas em excesso.
4.Bem sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
5.O arguido é … de Aveiro;
6.É casado;
7.Vive em casa própria;
8.Não existe conhecimento de que existam quaisquer processos pendentes em que o mesmo figure como arguido;
9.E não lhe são conhecidos quaisquer antecedentes criminais.
B) - Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a discussão da causa.
C) - Convicção do Tribunal
O Tribunal fundou a sua convicção, no que diz respeito à matéria de facto dada como provada, no depoimento das testemunhas ouvidas e nas declarações do arguido que, não obstante, colocar em causa o consentimento para realizar o teste de álcool no sangue e o estar a conduzir, na altura do acidente, sob o efeito de álcool no sangue, confirmou, ter bebido pelo menos 2 whiskies e ter estado meia hora no café antes de iniciar a condução após a ingestão das bebidas.
As testemunhas … , ocupante do veículo conduzido pelo arguido e … , vizinho do arguido e amigo que também se encontrava no café, confirmaram que o arguido lá esteve e ingeriu bebidas alcoólicas, não obstante, referirem que não notaram que o mesmo estivesse embriagado.
A testemunha … , esposa do arguido, com relevo para a causa, apenas referiu que o mesmo durante todo o dia não ingeriu bebidas alcoólicas.
A testemunha … , apenas confirmou a existência de um buraco na estrada, perto do local do acidente.
E face aos argumentos de defesa invocados pelo arguido, fundamentais para a prova dos factos, foram os depoimentos das testemunhas … , enfermeira que assistiu o arguido no hospital após o acidente e …, agente da GNR de Taveiro que se deslocou ao hospital e realizou os testes de álcool ao arguido.
A primeira testemunha esclareceu que o procedimento normal e que é adoptado é realizar a colheita de sangue a pedido do médico ou agente da GNR, com prévia informação ao paciente do fim a que se destina. Disse ainda que normalmente é o agente da autoridade que informa a pessoa de que lhe vão realizar o teste e as enfermeiras pedem autorização para picar. Referiu que esta é a prática normal mas salvaguardou que no caso dos autos não pode garantir se em concreto tal procedimento foi feito, dado não se recordar do caso concreto face ao lapso de tempo decorrido e ao número de casos semelhantes.
A segunda testemunha foi peremptória em afirmar que se recorda do caso e que após ter sido efectuado um exame qualitativo que acusou taxa superior à legalmente permitida, informaram o arguido de que lhe iria ser feito um exame de álcool ao sangue, o que aconteceu, tendo o mesmo acusado a taxa constante da acusação.
Ora, o depoimento destas testemunhas pareceu-nos inteiramente credível e sincero, sendo que nenhuma razão se encontra para que as mesmas falseassem os factos, já que nenhum interesse se lhes conhece na causa.
Assim e não obstante o arguido afirmar que tal informação nunca lhe foi dada, considerou o tribunal ter sido feita prova em contrário, só podendo compreender tal afirmação do arguido no âmbito de um esquecimento e alheamento da realidade provocado pela taxa de álcool no sangue que acusava na altura.
As demais testemunhas ouvidas em nada contribuíram para a prova dos factos.
Tomaram-se, ainda, em consideração, em conjugação com a demais prova, os documentos de f1s. 3 a 6 e o Certificado de Registo Criminal junto aos autos.
Quanto à determinação das condições pessoais, familiares, sociais e económicas do arguido, mereceram ainda credibilidade as suas próprias declarações.
Quanto à questão levantada pela defesa, de o arguido na altura do acidente ainda não estar sob o efeito do álcool por si ingerido, segundo o mesmo, 10 minutos antes, cumpre referir:
O próprio arguido declarou ter estado no café cerca de meia hora, logo um período superior ao alegado e, segundo a tese defendida pelo mesmo, já suficiente para o álcool entrar na corrente sanguínea.
No entanto, quanto a esta questão cabe apenas referir que o estudo médico referido pela defesa atinente à absorção do álcool nenhuma prova logrou fazer, já que se trata de um estudo teórico que não incidiu no caso concreto e não tomou em consideração a individualidade do arguido.
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Conhecendo:
Questões suscitadas:
- Relevância do período temporal entre a ingestão das bebidas alcoólicas, o exercício da condução e a realização do teste de alcoolemia.
- Validade do exame de detecção de álcool efectuado ao arguido.
- Vícios.
- Medida da sanção acessória.
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Relevância do período temporal entre a ingestão das bebidas alcoólicas, o exercício da condução e a realização do teste de alcoolemia:
Estudos realizados revelam que a alcoolemia afecta as capacidades físicas e psíquicas do condutor quase logo a seguir à ingestão da bebida alcoólica, atingindo um valor máximo no intervalo de 1/2 a 2 horas conforme as circunstâncias do momento.
Quando se consome uma bebida alcoólica, o álcool passa em pouco tempo para o sangue: 15 a 30 minutos se ingerido fora da refeição, 30 a 60 minutos se a passagem é retardada pela presença de alimentos.
Assim sendo e mesmo na tese do recorrente explanada nas alegações do recurso de que teria ingerido as bebidas 30 minutos antes do acidente (altura em que exercia a condução), conclui-se que o arguido conduzia em período em que já se tinha verificado a absorção do álcool pelo sangue (não ingeriu as bebidas em toma de refeição).
Assim, também, que quanto mais se retardasse a realização do teste de alcoolemia apenas resultava em benefício do arguido porque já estava em curso o processo de metabolização.
Ou seja o álcool ingerido é absorvido no sangue quase de imediato (inexistindo período relevante entre a ingestão do álcool e a produção dos efeitos) seguindo-se um período de efeito máximo até começar a gradual e lenta metabolização.
Por isso é que a lei não prevê que haja período em que se possa conduzir após a ingestão do álcool (a absorção é e produção dos efeitos é rápida), assim como não prevê prazo máximo em que deve efectuar-se o teste de alcoolemia, porque após um período de efeitos máximos começa o período de desintoxicação e diminuição lenta de álcool no sangue, daí resultando benefício para o controlado.
Presumivelmente, sendo efectuado o teste 2,30 horas após o despiste (três horas após a ingestão das bebidas), haverá menos teor de álcool no sangue do que se efectuado o teste cerca de meia hora após a ingestão das bebidas.
Como refere o Mº Pº na conclusão 7 da resposta, “não se encontra legalmente estabelecido um período de tempo máximo para recolha da prova da condução sobre a influência do álcool, decorrido o qual a prova da TAS teria de ser considerada como inválida”.
Assim que de forma correcta se deu como provado que o arguido conduzia com a taxa de alcoolemia que resultou do teste efectuado (ou que conduziria com uma taxa de alcoolemia pelo menos de).
Sendo irrelevante levar aos factos provados, ou não provados, a hora em que foi realizado o teste. Era facto inócuo.
Assim, que nesta parte improcede o recurso.
Validade do exame de detecção de álcool efectuado ao arguido:
Validade do exame:
O procedimento para a fiscalização da condução sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas está actualmente estabelecido no Código da Estrada aprovado pelo Decreto Lei nº 44/2005 de 23 de Fevereiro e pelo Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, estabelecido na Lei nº 18/2007 de 17 de Maio.
Daqueles diplomas decorre que em caso de fiscalização é obrigatório sujeitarem-se, a) os condutores, b) os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito, c) as pessoas que se propuserem iniciar a condução.
O regime geral da fiscalização assenta na obrigatoriedade do sujeito passivo se sujeitar, por regra, a um exame de pesquisa de álcool no ar expirado, realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito, a que pode seguir-se um procedimento diferenciado relativo à contraprova.
Sublinhe-se que o método regra da determinação quantitativa da taxa de álcool é o teste no ar expirado, sendo que a análise de sangue só é efectuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo.
A detecção de álcool no sangue dos condutores através de análise sanguínea não constitui qualquer prova proibida pelos arts. 32º/8 da Constituição da República Portuguesa e pelo art.º 126º do Código de Processo Penal.
O art.º 156º do Código da Estrada ao regular a fiscalização da condução sob a influência de álcool prevê a realização de exames para a sua detecção, começando pelo uso dos alcoolímetros regularmente aprovados, passando à análise sanguínea e rematando com o exame médico.
Também no Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool aprovado pela Lei n.º 18/2007 de 17/5 se prevê que «A análise de sangue é efectuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo» (art. 1º/3).
Como é referido no Ac. desta Relação, proc. 230/08.7GCTND.C1, “Trata-se de prova pericial cuja utilização seriada a lei estabelece com minúcia, pelo que não é de utilização indiscriminada ou arbitrária”.
O arguido alega que a análise ao sangue constitui prova proibida, traduzindo-se numa agressão física à sua pessoa, por não se ter verificado o consentimento.
Mas carece de fundamento esta alegação já que nenhum direito é absoluto, mesmo os constitucionalmente consagrados, prevendo a Constituição que a lei pode restringir os direitos, liberdades e garantias … desde que tais restrições se limitem ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
E acrescenta o mesmo Ac., “Ora, a intervenção policial na sua função de fiscalização do trânsito é também uma acção de prevenção da prática de outras violações contra a liberdade, o património e vida e a integridade física quer do agente fiscalizado quer dos restantes utentes da estrada.
Daí a previsão legal e a possibilidade de fiscalização de qualquer condutor que opte pela condução na via pública”.
Embora a regra seja a liberdade e a restrição a excepção, esta também está constitucionalmente consagrada em obediência ao princípio da proporcionalidade na limitação recíproca dos direitos de cada um.
Relativamente a esta matéria e, porque a questão é a mesma, seguimos de perto o Ac. desta Relação, proc. 113/09.3GBCVL.C1.
“A obrigatoriedade geral pressupõe, assim, algumas especificidades no âmbito do procedimento da colheita de sangue, em função das circunstâncias em que o sujeito passivo se encontrar, nomeadamente existirem condições de saúde, clinicamente demonstradas, em que o exame não possa ser realizado ou quando após três tentativas sucessivas, o examinado não conseguir expelir ar em quantidade suficiente para a realização do teste em analisador quantitativo (cf. artigos 153º nº 8 do CE e 4º da Lei n.º 18/2007).
Daí que a lei estabelece que «se não for possível a realização de prova de álcool no ar expirado, o examinando deve ser submetido a colheita de sangue para análise ou se esta não for possível por razões médicas, em estabelecimento oficial de saúde» - (cf. artigos 153º nº 8 do CE).
Insere-se nestas situações o caso especifico dos exames efectuados a condutores ou peões que intervenham em acidentes de viação cujo estado de saúde não permita que sejam submetidos a exame de pesquisa de álcool no ar expirado (cf. 156º n.º 2 do CE).
Nestas situações, ou seja quando não for possível a realização de exame por ar expirado, através de um procedimento próprio, «o médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder à colheita da amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool» (cf. 156º nº 2 do CE e 4º e 5º da Lei nº 18/2007).
As necessidades de prevenção que estão na origem deste regime são tão fortes que impõem, inclusive uma cominação criminal ao médico ou paramédico que, sem justa causa, se recusar a proceder ás diligências previstas na lei para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool, ou de substâncias psicotrópicas, (é punido por crime de desobediência - cf. artigo 152º n.º 5 do CE.
Todo este regime está estabelecido no Código da Estrada e na Lei nº 18/2007 e é, por isso, conhecido pelos cidadãos, quer sejam condutores, quer sejam peões (que no caso, sejam intervenientes em acidentes de viação), quer sejam pessoas que se proponham iniciar a condução.
Importa sublinhar que o regime legal dá ao cidadão objecto de fiscalização a total liberdade de não querer efectuar o exame de pesquisa de álcool. Ainda aqui a liberdade individual, «de ir livre e conscientemente para o Inferno», na expressão de Figueiredo Dias, é absolutamente garantida.
Essa liberdade individual tem, no entanto, os seus custos. Ou seja, a recusa a submeter-se a exame implica a punição por crime de desobediência – artigo 152º nº 3 do CE.
É isso que exigem as razões de prevenção que estão na origem da fixação do regime da proibição de condução sob influência de álcool.
Recorde-se que sobre a relevância do exame de colheita de álcool o Tribunal Constitucional e a sua eventual colisão com outros direitos, já se pronunciou, no sentido de que «o exame para pesquisa de álcool (...), destinando-se, não apenas a recolher uma prova perecível, como também a impedir que um condutor, que está sob influência de álcool, conduza pondo em perigo, entre outros bens jurídicos, a vida e a integridade física próprias e as de outros, mostra-se necessário e adequado à salvaguarda destes bens jurídicos e ao fim da descoberta da verdade, visado pelo processo penal» (Ac. nº 319/95).
O que importa reter do que se vem dizendo é que o cidadão, desde que esteja em condições de o fazer, pode recusar-se sempre a submeter-se ao exame de detecção, assuma este a forma de colheita por ar expirado ou por exame ao sangue. Não há testes coercivos, nesta como noutras matérias.
Recusa que o cidadão terá que fazer perante a autoridade policial ou perante o médico, consoante as circunstâncias.
É evidente que o limite à recusa está na impossibilidade de ser prestada por virtude de razões de saúde (por exemplo, estado de inconsciência decorrente de um acidente de viação ou mesmo, decorrente de estado de inconsciência decorrente da própria quantidade de álcool que ingeriu).
Ora nesses casos, como se viu, a lei expressamente impõe que seja realizado através da colheita de sangue em estabelecimento oficial de saúde.
Não tendo sido manifestada qualquer recusa (podendo ou não ter sido, consoante os casos) então o que há a fazer é apenas e só efectuar a pesquisa.
É evidente que poderá a entidade fiscalizadora ou o médico que está perante o cidadão a quem tem que efectuar a colheita, deparar-se com circunstâncias que lhe permitam percepcionar que a vontade do cidadão era recusar-se a tal exame (veja-se o caso da existência de uma declaração escrita ou mesmo a existência de prova testemunhal absolutamente credível e actualizada que indique a vontade do cidadão a recusar-se a fazer, naquele momento, o exame).
Nessas situações – e só nessas – então deve suscitar-se a questão do consentimento do cidadão, nomeadamente o que fazer perante essa dúvida, sabido que não pode a ordem jurídica suportar a realização de «exames forçados» ou contra a vontade do titular do direito em causa”.
Após um acidente de viação em que interveio (despiste), o arguido, foi transportado ao Hospital para aí ser assistido (assim como o acompanhante no veículo).
Quando as autoridades chegaram ao local do acidente, já o arguido estava na ambulância para ser conduzido ao Hospital.
Examinada a amostra, verificou-se uma concentração de álcool etílico de 1,67 g/l.
O arguido suscita a questão de não ter sido pedido o seu consentimento ou autorização para se sujeitar ao exame.
O arguido em momento algum expressou qualquer vontade de recusa à realização do exame, nem existia previamente qualquer circunstância que permitisse concluir ser essa a sua vontade – recusar-se a submeter-se ao exame, com as consequências legais que isso implica.
O arguido não podia desconhecer o regime legal da proibição de condução sob o efeito de álcool nem o regime normativo (acima descrito) que leva à recolha de sangue, quando não é possível proceder à recolha pelo método de aspiração.
Em momento algum a lei impõe ou exige que se formule um pedido expresso de consentimento de quem tem que sujeitar-se ao exame de recolha de sangue para os efeitos referidos. Até porque, como se viu, o exame de sangue é a via excepcional para a recolha de prova admitida na lei para tal efeito, apenas admissível em casos expressamente tipificados, nomeadamente quando o estado de saúde não permite o exame por ar expirado ou esse exame não for possível (veja-se o artigo 153º nº 8 e 156 nº 2).
A exclusão liminar da admissibilidade de exames coercivos está, assim, assegurada pela simples oposição – recusa – do titular do interessado em sujeitar-se ao exame.
Não se foi, nesta matéria, para a exigência de um consentimento expresso para a recolha de exames.
Apenas uma palavra quanto à questão do consentimento e da sua relevância no regime penal, estabelecido nos artigos 38º e 39º do CP.
No caso do consentimento presumido, estabelece o artigo 39º n.º 2 do CP que «há consentimento presumido quando a situação em que o agente actua permite razoavelmente supor que o titular do interesse juridicamente protegido teria eficazmente consentido no facto, se conhecesse as circunstâncias em que este é praticado».
É doutrina pacífica que «o consentimento presumido assume sempre carácter subsidiário, no sentido de que só é legítima a sua invocação quando não for possível obter a manifestação expressa da vontade ou houver perigo sério na demora (cfr. a este propósito Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª edição, p. 490).
Se não existem motivos para pôr em dúvida séria a vontade real da pessoa que está em causa no sentido de não ser admissível a prática do acto médico então o acto é válido, por presumivelmente consentido.
Ora no caso dos autos, como se referiu, em momento algum se suscitou essa questão da vontade real do arguido em recusar ou não permitir o acto médico que possibilitou a concretização do exame.
Por outro lado, e estando o arguido capaz, física e mentalmente, como se alega no recurso, deveria o mesmo opor-se à recolha do sangue para a análise à detenção do álcool, se essa fosse a sua intenção.
Daí que não seja sequer de suscitar-se a questão do consentimento.
Em síntese, a recolha de sangue efectuada ao arguido não sofre de qualquer patologia processual sendo válida e nessa medida a prova produzida decorrente desse exame que demonstra que o arguido apresentava uma TAS de 1.67 g/l de álcool no sangue é uma prova válida.
Quer quanto ao exame através do ar expirado quer através da recolha de sangue, não é necessário consentimento expresso do arguido, para que o mesmo seja efectuado. No entanto pode haver recusa quer a um ou a outro desses exames, mas em tal circunstância, o arguido incorrerá em crime de desobediência.
A ser como o arguido pretende, necessidade de consentimento, como conciliar com a norma do art. 156 nº 4 do Código da Estrada, que estatui: “1 - Os condutores e os peões que intervenham em acidente de trânsito devem, sempre que o seu estado de saúde o permitir, ser submetidos a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, nos termos do artigo 153.
2 - Quando não tiver sido possível a realização do exame referido no número anterior, o médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder à colheita da amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool.
3 - Se o exame de pesquisa de álcool no sangue não puder ser feito, deve proceder-se a exame médico para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool.
4 - Os condutores e peões mortos devem também ser submetidos ao exame previsto no n.º 2”.
As autoridades, a quem competia verificar se o arguido estava em condições de ser submetido a pesquisa de álcool no ar expirado, concluíram por essa impossibilidade, por o arguido já estar na ambulância quando chegaram ao local do acidente, bem como na urgência do Hospital.
Assim que a pesquisa só poderia efectuar-se através do exame ao sangue, excepto se se tivesse verificado recusa por parte do arguido, o que não aconteceu.
Neste sentido, vem decidindo a jurisprudência.
Processo nº 90/08.8PTVIS.C1 do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, por nós relatado.
O Ac. desta Relação de 21-11-2007, proferido no processo 6/05.3PTVIS.C1 refere:
“1- A recolha de sangue para determinação do grau de alcoolemia não ofende nem viola o direito à integridade e à autodeterminação corporal. A extensão do conteúdo da análise, comprovação da existência de álcool no sangue, o fim a que destina, a fixação do resultado em quaisquer bases de dados, o fim preventivo que se pretende alcançar são alguns dos argumentos que poderiam ser aduzidos a favor desta tese.
2- A prova de colheita de sangue realizada nos termos e sob a alçada da lei estradal, ainda que sem consentimento do arguido, não viola nenhum preceito constitucional”.
O Ac. da Relação do Porto, de 20-10-2010, proferido no processo 1271/08.0PTPRT.P1 refere:
“A colheita de amostra de sangue ao arguido para realização do exame a que se refere o nº 2 do art. 156º do Código da Estrada, sem ele a haver expressamente autorizado, não gera nulidade da prova por esse meio obtida”.
Assim que se julga, também, improcedente o recurso neste segmento.
Vícios:
Os vícios elencados no art. 410 nº 2, do CPP, a contradição entre factos e fundamentação e na própria fundamentação, o erro notório na apreciação da prova e, ainda, a insuficiência da matéria de facto para a decisão, podem ser de conhecimento oficioso, desde que se verifiquem da análise do texto da decisão.
O recorrente alega a existência da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, mas in casu e no entendimento do recorrente, não se trata de erro vício mas sim de não preenchimento dos elementos do tipo de crime e errada apreciação da prova produzida.
Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando há lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito;
- Lacuna ao não se apurar o que é evidente que se podia apurar;
- O tribunal não investiga a totalidade da matéria de facto, podendo fazê­-lo;
- Por haver lacunas no apuramento da matéria de facto necessária e possível para a decisão. Se não há essas lacunas, há uma errada subsunção dos factos ao direito - erro de julgamento - (Germano Marques da Silva).
Assim que não se compreende a invocação do vício por parte do arguido/recorrente. Ao arguido só interessará acrescentar matéria relevante e com evidência de que se podia ter apurado, quando respeitar a qualquer causa de exclusão e não quando seja para preenchimento dos elementos do tipo do crime.
No entender do recorrente haverá errada subsunção dos factos ao direito, ou seja, erro de julgamento.
Acerca do vício da insuficiência refere o Ac. do STJ in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 6º, Fasc. 4, pág. 557, "se se verificar que o Tribunal investigou o que devia investigar e fixou -dentro dessas possibilidades de investigação- matéria de facto suficiente para a decisão de direito, tal vício não existirá". "Apenas existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que tal matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz" (sublinhado nosso).
O erro notório na apreciação da prova, existe quando se verifica:
Erro na crítica dos factos provados. Não erro na sua apreciação em ordem a aplicar o direito (Proc. 48658 eml-2-96;
Contra o que resulta de elementos que constam dos autos e cuja força probatória não foi infirmada, ou de dados de conhecimento público generalizado, se emite juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto e se torne incontestável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova produzida (Proc. 327/96, em 8-5-96);
Se afirma algo que se não pode ter verificado (Proc. 136/96, em 1-5-96.
Como assim que, ao erro notório, vem sendo, de igual modo, entendimento das Doutrina e Jurisprudência que apenas se terá como verificado em apertadas circunstâncias. Tal vício nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correcta face à prova produzida, ele só pode ter-se como verificado quando o conteúdo da respectiva decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, patenteie, de modo que não escaparia à análise do homem comum, que no caso se impunha uma decisão de facto contrária à que foi proferida - entre muitos, Acórdão do S.T.J., de 20.03.99, Proc. 1 76/99- 3ª Sec.
Como já se referiu, o recorrente alega o erro no julgamento, errada apreciação da matéria de facto e não o erro vício.
Medida da sanção acessória:
Na aplicação da medida da pena de multa e sanção acessória de inibição, deve ter-se em conta o disposto no artº 71º e 40º nº1 do C. Penal, sendo que e, relação á sanção de inibição deve ter-se, ainda, em conta a perigosidade do agente.
Sendo que, em caso algum, a pena (sanção) pode ultrapassar a medida da culpa, artº 40º nº 2 do C. Penal.
Tendo em conta estes considerandos, importa ponderar que as exigências de prevenção neste tipo de situações demandam uma severa punição, atento o número de sinistros rodoviários em Portugal, onde anualmente são ceifadas número elevado de vidas, muitas vezes causados pelo excesso de álcool (não foi o caso dos autos, felizmente).
Há que ter em conta as finalidades da prevenção, quer geral, quer especial, incentivar nos cidadãos a convicção que comportamentos deste jaez são punidos e que também visam diminuir o índice de sinistralidade rodoviária, que é elevadíssimo e preocupante, assim como há que dissuadir o arguido para que não volte a prevaricar.
Realça-se, a inserção social do arguido e no mundo do trabalho.
Não tem antecedentes criminais.
Tem de se ter em conta o grau de alcoolemia (bastante elevada em relação ao mínimo legal a partir do qual é crime).
Como salienta o Ac. desta Relação de 29-11-00, in Col. Jurisp. tomo V, pág. 49, “a determinação da pena acessória de inibição de conduzir não pode deixar de ter em conta a taxa de alcoolemia de que o arguido é portador” e, se o arguido não acusou o mínimo de TAS, a aplicação da sanção mínima não tem qualquer justificação (naquele caso acusou a taxa de 1,65/gl e foi aplicada a sanção de 3 meses quando o mínimo era 1 mês). Sendo a taxa de alcoolemia bastante elevada não se pode pretender sanção acessória perto do mínimo.
Ou seja, para ter justificação a aplicação da sanção mínima, in casu, teria de haver factos provados justificativos de uma diminuição acentuada da culpa.
Não tem a relevância pretendida pelo arguido, o facto de exercer actividade em que necessita da carta. A ser relevante esse aspecto não se aplicaria a lei aos motoristas profissionais? De tal circunstância deveria o arguido consciencializar-se antes da ingestão de bebidas alcoólicas em excesso.
A necessidade de prevenção geral de integração são elevadas atenta a ainda crescente insegurança das nossas estradas onde ocorrem muitos e graves acidentes de viação situação muitas vezes causada ou, pelo menos, potenciada pela condução sob o efeito do álcool, sendo, pois, absolutamente necessário desmotivar condutas como a do arguido.
Se as necessidades de prevenção são elevadas, não deve a sanção fixar-se no mínimo.
A pena acessória só faz sentido enquanto sentida como tal pelo seu destinatário, e visa essencialmente prevenir a perigosidade do agente – cfr. Ac. desta Relação de 7-11-1996, in Col. jurisp. tomo V, 47.
Como salienta o prof. Figueiredo Dias in Direito Penal Português- As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 165, a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados tem como pressuposto material “a circunstancia de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável”, donde que “então essa circunstância vai elevar o limite da culpa do (ou pelo) facto”, acrescentando, “por isso, à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa".
O crime cometido pelo arguido é punível com pena de inibição (corresponde uma sanção abstracta de proibição de conduzir veículos com motor), por um período entre 3 meses e 3 anos (daí não se entender o pedido de redução da sanção para 2 meses).
Atenta a natureza de uma pena ou sanção, o condenado tem de senti-la sob pena de se poder traduzir em “absolvição encapotada”, e não surtir o efeito pretendido pela lei. As penas e sanções têm essa designação, de outro modo não o seriam, nem constituiriam dissuasor necessário para prevenir as infracções, se não forem sentidas como tal, quer pelo agente, quer pela comunidade em geral.
Também a inserção social, familiar e profissional, bem como a confissão (parcial) são tidos em conta na medida da sanção a aplicar.
Tem de se ter em conta a necessidade de, ponderando as especificidades de cada caso, aplicar sanção equivalente para taxas de alcoolemia equivalente, e não haver grande disparidade na jurisprudência.
Já com a lei actual, no recurso nº 6035/2003 da Rel. Lx., com taxa de 1,54 g/l, se aplicou a sanção de 5 meses de inibição.
Em vários recursos que já tivemos sobre esta matéria, limitamo-nos a confirmar a inibição existente, por apenas haver recurso do arguido e face ao que dispõe o art. 409 do CPP.
Mas, tendo em conta as várias situações com que já nos deparamos, ponderando a culpa do agente bem como as necessidades de prevenção, temos como bem aplicada e plenamente justificada a sanção da inibição de conduzir veículos motorizados aplicada na sentença, e face aos factos apurados.
E, verifica-se que esta medida da sanção não é exagerada tendo em conta o já decidido por esta Relação.
Recurso 1611/04, taxa de 1,67g/l, sanção de inibição por 6 meses (confirmação) (sublinhado nosso);
Recurso 2420/04, taxa de 1,54g/l, sanção de inibição por 4,5 meses (confirmação);
Recurso 3108/05, taxa de 1,84g/l, sanção de inibição por 6 meses;
Mais recentes, e por nós relatados:
Processo nº 171/10.8GACDN.C1, taxa de 1,60 g/l, sanção de inibição por 5 meses (recurso improcedente, apenas recorreu o arguido).
Recurso 1992/05, taxa de 1,44g/l, sanção de inibição por 6 meses (na 1ª instância havia sido condenado em 7 meses);
Processo nº 90/08.8GAVGS.C1, taxa de alcoolemia de 2,18 g/l, sanção de inibição por 6 meses (improcedente, apenas recorreu o arguido);
Proc. nº 481/06.9GTAVR.C1, taxa de 1,97 g/l, sanção de inibição por 6 meses (recurso procedente do Mº Pº, já que na 1ª instância havia sido aplicada a sanção mínima).
Assim, entendemos como sanção acessória adequada aos factos apurados na audiência de julgamento a medida de inibição de condução de veículos motorizados pelo período de 4 (quatro meses), como aplicado na sentença.
***
Assim se julgando improcedente o recurso do arguido, por improcedentes todas as conclusões.
*
Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em, julgar improcedente o recurso do arguido A... e, em consequência, mantém-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente arguido, com 5 Ucs de taxa de justiça.

Jorge Dias (Relator)
Brízida Martins