Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
102/12.0TBFAG-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
INSOLVÊNCIA CULPOSA
OCULTAÇÃO DO PATRIMÓNIO
Data do Acordão: 05/28/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FORNOS DE ALGODRES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.120, 121, 186, 235, 238 CIRE
Sumário: 1.- Obsta ao deferimento da exoneração do passivo restante de pessoa singular que a mesma tenha culposamente criado ou agravado a situação de insolvência, nos termos do art. 186º do CIRE.

2.- Para efeito de qualificação da insolvência como culposa, o nº 2 do artigo 186º do CIRE elenca diversas situações concretas em que a insolvência há-de sempre ser considerada como culposa, instituindo a lei consequentemente uma presunção iuris et de iure, quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência.

3.- Ao invés, o nº 3 do mencionado normativo legal estabelece apenas uma presunção de culpa grave, presunção juris tantum que pode ser elidida por prova em contrário, pelo que, mesmo que tal presunção se verifique, se exige ainda, para a actuação do insolvente como culposa, se demonstre que tenha sido a actuação/omissão do devedor a causar ou agravar a situação de insolvência, nos termos do nº 1 do citado art. 186º.

4.- A ocultação prevista no art. 186º, nº 2, a), do CIRE basta-se com uma actuação que, alterando a situação jurídica do bem - por ex: vendendo um imóvel a terceiro, com uma relação próxima directa ou indirecta com o alienante, ou ocultando o preço recebido - impeça ou dificulte a sua identificação, acesso ou accionamento pelo credor.

Decisão Texto Integral: I – Relatório

1. FJ (…) e FM (…), casados entre si, residentes em Fornos de Algodres, requereram no âmbito do respectivo pedido de insolvência de pessoa singular, a exoneração do passivo restante, ao abrigo do disposto no art. 235º e segs. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Por sentença datada de 22.11.2012 foi declarada a insolvência dos requerentes.
O Administrador de Insolvência apresentou o respectivo parecer, onde concluiu nada ter opor a que fosse proferido despacho inicial de exoneração do passivo restante, sendo que o Ministério Público pronunciou-se em sentido semelhante.
Em sede de assembleia de credores, os credores Millenium BCP e Caixa de Crédito Agrícola manifestaram oposição à concessão da exoneração do passivo restante.
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Posteriormente, foi proferido despacho liminar que indeferiu a requerida exoneração do passivo.
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2. Os requerentes/insolventes interpuseram recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:

 (…)
3. Inexistem contra-alegações.

II – Factos Provados

- Os requerentes apresentaram-se à insolvência em 12.11.2012, alegando terem perdido os respectivos empregos, o requerente enquanto de sócio-gerente de firma de construção civil, entretanto também declarada insolvente e da qual garantiram diversos financiamentos.
- Mais referiram terem procedido a diversas aquisições a crédito, uma delas de habitação própria, neste caso sendo mutuário do banco BCP, encontrando-se ainda em divida mais de €190.000,00.
- Indicaram os insolventes tendo como passivo o valor de €543.706,45.
- Têm dois filhos tendo emigrado para o Brasil.
- Elencaram como património a relação de bens de bens constante de fls. 27 e 28, aqui dada por integralmente reproduzida, no valor global de €18.810,00.
- Os insolventes, em escritura pública datada de 16.01.2012, declaram vender a (…), representado por (…), que declarou comprar pelo preço de €200.000,00, um prédio misto composto por terra de centeio, oliveiras, pinhal e mato e por cada de habitação de r/c e primeiro andar, sitos em (...) , (...) Fornos de Algodres, inscrito na matriz rústica sob o artigo 1025 e urbano sob o artigo 515, descrito na CRPredial de (...) sob o numero 680 e por €5.000,00, terra de centeio com oliveira e marmeleiros, sita em (...) , incsita na matriz sob o art. 1024.º descrito na CRPredial de (...) sob o numero 363, tendo os primeiros declarado ter recebido tais verbas – cfr. escritura pública de fls. 53 a 57 aqui dada por integralmente reproduzida.
- Foi reconhecido crédito a favor do Millenium BCP no valor de €192.266,53.
- Foi confessado em sede de petição inicial que o comprador do imóvel casa de habitação referido supra ficou com a responsabilidade de liquidar o empréstimo bancário do BCP.
- FJ (…) e (…), descendem de Pai e Mãe comum – cfr. certidões de fls. 48 e 226.


III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 685º-A, e 684º, nº 3, do CPC).

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.
- Deferimento do pedido de exoneração do passivo restante por não verificação do elemento legal obstativo do art. 238º, nº 1, e), do CIRE.

2. Na decisão recorrida escreveu-se que:
“No entanto nunca se pode deixar de ter presente que o processo de insolvência tem, no seu todo, como objectivo precípuo o de obter a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores e que o presente benefício se reflecte apenas na esfera patrimonial do devedor.
Daí que, não se pode permitir que todo e qualquer devedor obtenha tal beneficio, impondo-se apurar se, no momento em que contraiu certa divida, ponderou designadamente se tinha meios de liquidar as dividas que contraiu, se não agiu com transparência e boa fé, como e para que fins se endividou, possa, agora, contraídas avultadas dívidas, pretender, sem mais, pagar apenas uma parte delas, ao abrigo do regime excepcional do pedido de exoneração do passivo restante.
Citando Carvalho Fernandes e João Labareda, in Colectânea De Estudos Sobre a Insolvência, Quid Juris, Lisboa, 2009, a pág.s 276 e 277:
“A concessão da exoneração do passivo restante …, depende, como facilmente se compreende, da verificação de certos requisitos que, em geral, são dominados pela preocupação de averiguar se o insolvente pessoa singular, pelo seu comportamento, anterior ao processo de insolvência ou mesmo no curso dele, é merecedor do benefício que da exoneração lhe advém.”.
Do que tem de retirar-se a conclusão, de que, também, no nosso ordenamento jurídico, a figura da exoneração do passivo restante tem de ser vista como uma excepção e não a regra, devendo tal benesse apenas deve ser concedida a um devedor que tenha tido um comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência, reveladores de que a pessoa em causa se afigura merecedora de uma nova oportunidade.
Os motivos para indeferimento liminar deste pedido estão plasmados no n.º 1 do artigo 238.º do mesmo diploma legal, segundo as suas diversas alíneas.
(…)
Descendo directamente aos factos e normas que interessa convocar a alínea e), do nº 1 do art. 238º do CIRE estabelece que é também indeferido o pedido de exoneração do passivo restante se constarem já do processo, “…elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do art. 186º.”
O artigo 186º n.º 1 do CIRE estatui que “A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência” enquanto que no nº 2, al. a), do mesmo artigo encontra-se preceituado que se considera sempre culposa a insolvência quando o devedor tiver ocultado ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o seu património.
Ora no caso dos autos tendo em conta os factos elencados supra, resulta evidente que os insolventes, menos de um ano antes de requererem a insolvência, e num quadro segundo os próprios, de extrema dificuldade em honrarem os seus compromissos, venderam a terceiros, por sinal representados pelo irmão do insolvente marido, o bem de maior valor de que dispunham, que foi valorizado em cerca de €200.000,00 por eles nessa sede.
E o património elencado pelos insolventes na sua petição inicial e de exoneração não passa de €18.810,00, o que leva a concluir que, caso não tivessem dissipado tal bem, o património a liquidar em favor dos credores aumentaria mais de 1000% (mil por cento).
Por outro lado, também se tem de em conta que elencado o passivo no valor de pouco mais de €500.000,00 evidentemente que alienando um imóvel de tal valor fica prejudica grande parte da satisfação desse mesmo passivo.
Note-se ainda que, em sede de escritura declararam os insolventes terem recebido a quantia de €205.000,00.
Assim impõe-se a conclusão de considerar que se a receberam, não a usaram para pagar o empréstimo do Banco BCP, que mutuou a quantia para compra da mesma casa que figura na sua própria lista como maior credor, o que leva inelutavelmente a concluir que pretenderam apenas ocultar dos seus credores a parte relevante do seu património.
Se não o receberam, apesar de terem sido advertido até das consequências criminais da sua conduta, a conclusão será precisamente a mesma, no sentido de terem os insolventes diligenciado no sentido de sonegar e de forma gratuita, a quase totalidade dos seus bens.
Pretenderam pois os insolventes inverter o conceito supra-elencado do fresh start, limitando-o ao passivo, mas mantendo a disponibilidade sobre o seu património o que, subvertendo totalmente os fins do processo de insolvência, também impede liminarmente que beneficiem da exoneração do passivo restante, limitado que se encontra a situações de boa-fé.
Também neste sentido cfr. Ac. do T. R de Coimbra, datado de 19.12.2012, disponível em www.trc.pt, concluindo-se existirem no processo elementos mais do que indiciadores da existência de culpa na criação e agravamento da situação de insolvência por via da verificação do disposto no artigo 186.º n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na ocultação e dissipação de parte considerável do seu património” – fim de transcrição.
Cremos não haver grande censura a fazer à decisão recorrida.
Efectivamente na e), do nº 1, do art. 238º do CIRE estabelece-se que é também indeferido o pedido de exoneração do passivo restante se constarem já do processo, “…elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º”.

Ora, decorre do texto legal (art. 186º, nº 1) que a qualificação da insolvência como culposa importa que tenha havido uma conduta do devedor, ou dos seus administradores, de facto ou de direito, que: a) tenha criado ou agravado a situação de insolvência; b) essa conduta seja dolosa ou com culpa grave; c) tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo. Bem como resulta do teor do nº 1 da referida norma, que a insolvência para ser qualificada como culposa se mostra necessário que tal actuação (ou omissão) tida como dolosa ou com culpa grave do devedor seja causal na criação ou no agravamento da situação de insolvência.

Além disso, o nº 2 do mesmo artigo elenca diversas situações concretas em que a insolvência há-de ser sempre - iuris et de iure - considerada culposa, considerando-se, também, sempre que existe o referido nexo de causalidade, enquanto no nº 3 do mencionado normativo legal se estabelece uma presunção de culpa, presunção esta juris tantum, podendo, pois, ser elidida por prova em contrário, não dispensando, todavia, o aludido nexo de causalidade.

Esta é a interpretação da lei que temos levado a cabo (foi a que expusemos e seguimos no acórdão proferido no Proc.407/09.8TBCNT, datado de 7.2.2012, em que o relator e 2º adjunto são os actuais relator e 1º adjunto) e que é largamente seguida pela maioria da jurisprudência.

Vejamos, agora, a aplicação concreta de tal normativo que a decisão recorrida levou a cabo, ou seja a subsunção dos factos apurados à disposição especificamente estabelecida no apontado nº 2, a), do falado art. 186º.

Como decorre do dispositivo legal, era necessário que se tivesse provado que ocorreram os factos nela descritos, que os insolventes, ora apelantes, tivessem ocultado no todo ou em parte considerável seu património. Ora, do acervo de factos provados, é possível extrair uma conclusão nesse sentido.

Na realidade, como se ponderou no acórdão desta Relação referida na decisão recorrida (de 19.12.2012, em que o actual relator e 1º adjunto foram, respectivamente 1º e 2º adjuntos) “Efetivamente ao vender os bens nos termos em que o fez, ou seja, a uma sociedade constituída alguns dias antes por parentes seus e pessoas das suas relações e na qual o recorrente tinha, de facto, poderes de decisão, tem de concluir-se que ele pretendeu escapulir/ocultar tal património.

E ao termo “ocultar” não pode ser dada a interpretação restrita defendida pelo insurgente, no sentido de que estando a venda sujeita a registo, não pode haver ocultação.

Se assim fosse, efetivamente não haveria ocultação de imóveis, pelo que vazia ficava a previsão legal no a eles atinente e sendo certo que tal termo também se lhes refere, que não apenas aos bens móveis, porque tal segmento normativo não opera tal restrição.

Nesta conformidade a ocultação outrossim deve abranger casos como o presente em que o bem é vendido a um terceiro, podendo, inclusive, este revendê-lo, e assim sucessivamente.

Tal alienação, retirando os bens da esfera jurídica do devedor, implica um descaminho que pode impedir, ou, pelo menos - o que é o bastante para satisfazer a ratio legis -, dificultar, o seu acesso e o seu acionamento por parte do credor.

A lei não exige a ocultação total no sentido de se tornar impossível o seu acesso ou conhecimento, mas apenas parcial no sentido de vontade, concretizada, de subtrair o bem ao direito/conhecimento do credor e respetiva ação legal, pelo que, e precisamente por isso, não exige ocultação no sentido físico, mas apenas no aspeto da situação jurídica do bem.

Aliás concomitantemente à ocultação a lei prevê o desaparecimento, o qual se revela um mais, no sentido da gravidade do descaminho, …”.

Nesse acórdão a Relação defrontou-se com uma situação em que o insolvente alienou um imóvel a terceiro, uma sociedade controlada por familiares seus e pessoas da sua confiança, e na qual o recorrente tinha, de facto, poderes de decisão, tendo concluído que ele pretendeu ocultar o seu património, já que o conceito de ocultação de bens do ponto de vista jurídico abarca necessariamente os imóveis – fisicamente os imóveis não podem ser ocultados, nem desaparecem, salvo se forem destruídos – visto que a lei nenhuma distinção faz entre imóveis e móveis. Aliás, não é difícil conceber hipóteses de ocultação de imóveis. Além da abordada directamente em tal acórdão (venda a sociedade controlada directa ou indirectamente pelo alienante/insolvente), concebem-se hipóteses de alienação de património a familiares chegados – a filhos, pais, irmãos ou sobrinhos (é o caso em apreço), em que o alienante/insolvente continua a deter o poder de facto sobre o património imobiliário -, àqueles outros exemplos clássicos, em que o alienante vende o imóvel e faz desaparecer o preço em dinheiro recebido ou transforma o preço em títulos ao portador (vide exemplificativamente A. Reis, CPC Anotado, Vol. II, pág. 24), assim se perdendo o rasto da quantia monetária que por contrapartida material entrou ou deveria ter entrado no património do alienante/insolvente). 

No nosso caso, estamos perante tal situação, pois os insolventes alienaram o dito imóvel ao seu sobrinho, hipotecado ao BCP, por dívida de mútuo, sem terem recebido a contrapartida declarada na escritura de 200.000 €, como se deduz claramente do facto de se ter provado que o comprador do imóvel ficou com a responsabilidade de liquidar o empréstimo bancário do BCP. Na verdade seria absolutamente inverosímil (como os recorrentes reconhecem no corpo das alegações, a pág. 9 das mesmas) que o comprador houvesse pago a quantia de 200.000 € sabendo da existência de uma hipoteca que garantia uma obrigação superior a 190.000 €.

Ora, a dívida hipotecária não se mostra liquidada, pois o crédito reclamado pelo BCP, credor hipotecário, e devidamente reconhecido pelo administrador de insolvência, é de cerca de 192.000 €, valor que os insolventes reconheceram ter como dívida quando se apresentaram à insolvência (vide requerimento inicial e docs., que o acompanham). Quer dizer, a referida dívida hipotecária existe para os insolventes, mas o bem imóvel hipotecário desapareceu, por ter sido alienado a terceiro, sendo os próprios insolventes/apelantes que não o indicam no seu rol de activo patrimonial (como se vê do aludido requerimento inicial e docs. que o acompanham – aí o seu activo patrimonial resume-se a móveis e 1 prédio rústico no valor total de 18.810 €, como ficou provado).  

Acto de alienação/ocultação aquele que ocorreu menos de 3 anos antes da apresentação à insolvência. Presume-se, pois, inilidívelmente, o nexo de causalidade entre tal acto e a situação de insolvência.

Não fora esta situação jurídica, outra se verificaria, inevitavelmente comprovativa de insolvência culposa.     

De facto, reza a lei, no mencionado art. 186º, nº 2, d), que se considera sempre culposa a insolvência do devedor quando o insolvente tenha disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros.

Ponderando casuisticamente tal alínea, e face aos factos provados, temos que os insolventes alienaram o bem mais valioso do seu património ao seu sobrinho, transferindo a titularidade do direito de propriedade sobre o referido imóvel para ele, sem entrada de dinheiro correspondente ao preço. E sem desoneração do seu património, pois a hipoteca não se mostra expurgada pelo novo adquirente, o sobrinho dos ora apelantes, nos termos do art. 721º, a), do CC, nem a mencionada hipoteca se mostra extinta, por liquidação da dívida a que serve de garantia, nos termos do art. 730º, a), do CC, já que o crédito reclamado pelo BCP, credor hipotecário, e devidamente reconhecido pelo administrador de insolvência, é de cerca de 192.000 €, valor que os insolventes reconheceram ter como dívida quando se apresentaram à insolvência, como atrás referido. Mas, o bem imóvel hipotecário evaporou-se, pois já não existe no activo patrimonial dos insolventes.    

Tal conduta consubstanciaria, por conseguinte, em última instância, disposição de bens em proveito de terceiros, nos termos da d) do nº 2 do art. 186º do CIRE. Qualificação jurídica a mesma que face aos ditos factos provados não estaria vedada ao julgador, nos termos do art. 664º do CPC, pois a factualidade material a considerar é igualmente a mesma.

E mesmo que o administrador venha a resolver tal venda a favor da massa insolvente, nos termos dos arts. 120º e 121º, do CIRE, tal como o mesmo se predispõe a fazer, como dá a conhecer no seu relatório, tal acto a posteriori já não retira o carácter culposo da conduta dos ora recorrentes/insolventes, inibidor legal, segundo o apontado art. 238º, nº 1, e), da concessão da exoneração do passivo por eles peticionado.

3. Sumariando (art. 713º, nº 7, do CPC):

i) É previsão legal obstativa da exoneração do passivo de pessoa singular que a mesma tenha culposamente criado ou agravado a situação de insolvência nos termos do art. 186º do CIRE;

ii) Para efeito de qualificação da insolvência como culposa o nº 2 do artigo 186º do CIRE elenca diversas situações concretas em que a insolvência há-de sempre ser considerada como culposa, instituindo a lei consequentemente uma presunção iuris et de iure, quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência;

iii) Ao invés, o nº 3 do mencionado normativo legal estabelece apenas uma presunção de culpa grave, presunção juris tantum que pode ser elidida por prova em contrário, pelo que, mesmo que tal presunção se verifique, se exige ainda, para a actuação do insolvente como culposa, se demonstre que tenha sido a actuação/omissão do devedor a causar ou agravar a situação de insolvência, nos termos do nº 1 do citado art. 186º;

iv) A ocultação prevista no art. 186º, nº 2, a), do CIRE basta-se com uma actuação que, alterando a situação jurídica do bem - por ex: vendendo um imóvel a terceiro, com uma relação próxima directa ou indirecta com o alienante, ou ocultando o preço recebido - impeça ou dificulte a sua identificação, acesso ou accionamento pelo credor.


IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida. 
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Custas pelos recorrentes.
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Moreira do Carmo ( Relator )
Alberto Ruço
Fernando Monteiro