Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
92/11.7TBPNC-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
CAUSA DE PEDIR
PLURALIDADE
Data do Acordão: 06/04/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PENAMACOR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 211º, Nº 1 DA CONSTITUIÇÃO; 66º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; 18º, Nº 1 DA LEI ORGÂNICA E DE FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS (LEI Nº 3/99, DE 13/01); E 4º DO ETAF (LEI Nº 13/2002, DE 19/02).
Sumário: I – Para que uma decisão careça de fundamentação - incorrendo na nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 668º do Código do Proc.Civil - não basta que a sua justificação seja deficiente, incompleta ou não convincente: é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.

II - A atribuição da competência em razão da matéria será daquele Tribunal que estiver melhor vocacionado para apreciar a questão colocada pelo autor, projectando um critério de eficiência que só poderá ser aferido em função do pedido deduzido e da causa de pedir, donde, portanto, a necessidade de verificar se existe norma que atribua a competência a um tribunal especial e, não havendo, caberá ela, subsidiária e residualmente, aos designados “tribunais comuns”.

III - Estribando-se a pretensão dos autores em duas normas, com a alegação de factos a elas subsumíveis, há pluralidade de causas de pedir, sendo que essa circunstância, todavia, não permite considerar que uma causa de pedir possa determinar a competência material de um tribunal, e a outra, a competência material de outro tribunal; só a causa de pedir considerada dominante poderá determinar essa competência.

IV - Sendo a estrutura da causa, tal como vem configurada pelos autores, a determinar a competência material do tribunal, é irrelevante averiguar quais deviam ser os termos da pretensão - no fundo o que sucede com a competência do tribunal, sucede também com outros pressupostos processuais (legitimidade, forma do processo) -, ou seja, é a instância, no seu primeiro segmento consubstanciado no articulado inicial do demandante, que determina a resolução desses pressupostos.

Decisão Texto Integral: 1.Relatório

Réu, Município de …, veio arguir, além do mais, a incompetência do Tribunal Judicial de Penamacor, em razão da matéria sendo, na sua convicção, a competência para conhecer esta acção do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco.

Alegou para o efeito, que a relação jurídica em causa é de natureza administrativa porquanto a causa de pedir e pedidos respeitam à delimitação do domínio público municipal, estando em causa a natureza pública ou privada de um determinado espaço.

Na sua perspectiva do Réu está em causa a reacção dos Autores à prática de actos administrativos respeitantes à delimitação e defesa do seu domínio público – a não autorização da construção do “murete” referido na petição inicial e a ordem de remoção da via pública das pedras que o compunham – com o que estes não se conformaram e pretendem reagir.

Mais arguiram que a jurisdição administrativa e fiscal é ainda a competente para apreciar o pedido de condenação emergente do âmbito da chamada responsabilidade civil (extracontratual) do Estado e demais entidades públicas.

Na réplica os Autores peticionaram que seja julgada improcedente a excepção.

Alegaram para o efeito, também em síntese, que o pedido e a causa de pedir dizem respeito ao reconhecimento de um direito de propriedade privada, que alegam ter adquirido quer por acto translativo do direito de propriedade, quer por usucapião, sendo que os direitos invocados não são regulados por normas de direito administrativo mas sim por preceitos de direito civil.

Mais alegaram que a jurisdição comum é ainda assim competente para conhecer do pedido de condenação em indemnização em face do conhecimento das demais questões.

A final, pela Sr.ª Juiz da 1.ª instância, foi proferida a seguinte decisão:

“Face ao exposto, e nos termos das disposições legais citadas, julga-se improcedente a excepção dilatória de incompetência material e, em consequência, julga-se este Tribunal competente em razão da matéria.”.

2.O Objecto da instância de recurso.

3. Direito

No entremeio das suas alegações, vai dizendo a recorrente que “…o despacho recorrido não indica as razões pelas quais não considera o litígio de natureza administrativa, apenas dando conta que antes assume natureza de direito privado, o que o faz incorrer no vício de falta ou deficiente fundamentação, o que se deixa alegado para todas as devidas e legais consequências …”

Avançamos, desde já, com a nota de que não se verifica esta nulidade.

Nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, a sentença é nula “Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

Como escreveram Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio Nora – com os quais concordamos bem como todas as decisões judiciais que conhecemos acerca desta temática-, no seu Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1985, pág. 687, “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.

Neste sentido, por exemplo, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.2005, retirado do site www.dgsi.pt, ao dizer que, “Para que uma decisão careça de fundamentação - incorrendo na nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 668º do Código do Proc.Civil - não basta que a sua justificação seja deficiente, incompleta ou não convincente: é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito” -.

É certo que não resulta da decisão, “às claras”, que esta se tenha debruçado sobre a norma do artigo 4.º do ETAF - Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais -.

Com efeito, para que a presente acção possa ficar sujeita ao contencioso administrativo é necessário, desde logo, averiguar se existe disposição legal expressa sujeitando a relação jurídica em apreço à competência de um Tribunal administrativo, ou seja, alguma das alíneas do n.º 1 do art.º 4.º.

No entanto, embora incompleta, a decisão contém aquele mínimo de factos, que são de natureza processual, e não padece de falta de fundamentação de direito.

Improcede, pois a nulidade.

Avançando.

Como é sabido de todos, nos termos dos arts. 211º, nº 1 da Constituição, 66º do Código de Processo Civil e 18º, nº 1 da Lei Orgânica e de Funcionamento dos Tribunais Judiciais, a competência dos tribunais judiciais é residual, de modo que tal competência só existirá na hipótese de a causa não caber a outra jurisdição.

O que se compreende, por razões de oportunidade, conexão da matéria com os conhecimentos e as atribuições do julgador e, consequentemente, até celeridade.

Efectivamente:

A atribuição da competência em razão da matéria será daquele Tribunal que estiver melhor vocacionado para apreciar a questão colocada pelo autor, projectando um critério de eficiência que só poderá ser aferido em função do pedido deduzido e da causa de pedir, donde, portanto, a necessidade de verificar se existe norma que atribua a competência a um tribunal especial e, não havendo, caberá ela, subsidiária e residualmente, aos designados “tribunais comuns” - Acórdão do STJ de 12.02.2009, citando ainda os Acs. do STJ de 27.05.03, e de 11.12.03, retirado do site www.dgsi.pt -.

No caso em análise a alternativa coloca-se entre os tribunais judiciais e os tribunais administrativos e fiscais pelo que convém averiguar o que, a este respeito, estipulam os vários textos legais, nomeadamente, a Constituição da República, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - Aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19/09, alterada pelas Leis nºs 4-A/2003, de 19/02; 107-D/2003, de 31/12; 1 2/2008, de 14/01; 26/2008, de 27/06; 52/2008, de 28/08; 55-A/2010, de 31/12 e 20/2012, de 14/05 e pelo DL nº 166/2009, de 31/07 - e o Código do Procedimento Administrativo - aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei nº 6/96, de 31/12 -.

Como se extrai do disposto nos arts. 212º. e 211º. da Constituição, os tribunais administrativos e fiscais têm competência para o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, enquanto que os tribunais judiciais têm uma competência residual.

Escreve Anselmo de Castro – no seu livro “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. II, pág. 20 - que “as regras determinativas da competência estão orientadas no sentido da obtenção da idoneidade do julgamento, isto é, a competência está funcionalmente ligada à determinação do tribunal mais adequado para apreciar a causa”- por causa discute-se, agora, se é de atribuir aos Tribunais Admnistrativos a competência total para conhecer das instâncias expropriativas -.

No artigo 4.° do ETAF, enunciam-se, exemplificativamente, as questões ou litígios, sujeitos ou excluídos do foro administrativo, umas vezes de acordo com a cláusula geral do referido artigo 1.°, outras em desconformidade com ela.

“Importa, porém, salientar que é “preciso, não confundir os factores de administratividade de uma relação jurídica com os factores que delimitam materialmente o âmbito da jurisdição administrativa, pois, como já se disse, há litígios que o legislador do ETAF submeteu ao julgamento dos tribunais administrativos independentemente de haver neles vestígios de administratividade ou sabendo, mesmo, que se trata de relações ou litígios dirimíveis por normas de direito privado.

E também fez o inverso: também atirou relações onde existiam factores indiscutíveis de administratividade para o seio de outras jurisdições” - Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in “Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, vol. I págs. 26 e 27 -.

O critério material de distinção assenta, agora, em conceitos como relação jurídica administrativa e função administrativa - conjunto de relações onde a Administração é, típica ou nuclearmente, dotada de poderes de autoridade para cumprimento das suas principais tarefas de realização do interesse público -.

Dita o artigo 4º supra citado que:

1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto:

a) Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal; b) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos emanados por pessoas colectivas de direito público ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal, bem como a verificação da invalidade de quaisquer contratos que directamente resulte da invalidade do acto administrativo no qual se fundou a respectiva celebração; c) Fiscalização da legalidade de actos materialmente administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas, ainda que não pertençam à Administração Pública; d) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos; e) Questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público; f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público; g) Questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa; h) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos; i) Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público; j) Relações jurídicas entre pessoas colectivas de direito público ou entre órgãos públicos, no âmbito dos interesses que lhes cumpre prosseguir; l) Promover a prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de saúde pública, ambiente, urbanismo, ordenamento do território, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas, e desde que não constituam ilícito penal ou contra-ordenacional; m) Contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas colectivas de direito público para que não seja competente outro tribunal; n) Execução das sentenças proferidas pela jurisdição administrativa e fiscal.”

Ao contrário do alegado pelo recorrente, nenhuma destas alíneas se aplica ao caso destes autos.

É certo que a alínea l) impõe que os litígios onde seja discutida a promoção ou a prevenção dos bens das autarquias locais sejam julgados na jurisdição administrativa, mas já não a conclusão apresentada pelo réu/apelante se mostra adequada ao conflito destes autos.

Neste particular, a norma aponta “claramente” como exemplo para definir o âmbito da jurisdição administrativa, todos os litígios que versem sobre actos ou omissões relativas à cessação ou reparação de violações de bens constitucionalmente protegidos, tais como os integrantes do domínio público municipal.

Mas, o que temos nos autos, os dados que o Tribunal pode usar nesta fase processual, apontam claramente que estamos perante um litígio em que estará em causa a violação do direito de propriedade dos autores, com a invocação de normas ligadas, desde logo, ao pedido de aquisição originária de tal direito, por via do instituto da usucapião.

Mais, embora no cabeçalho do seu articulado o apelante refira “…onde entre o mais, deduz contra os referidos autores um pedido reconvencional …“, não o formulou.

Também é certo – teoricamente falando – que relativamente a todos os demais pedidos apresentados pelos autores, todos eles aliás de índole indemnizatória, a al. g) do n.º 1 do art. 4º do ETAF, onde todos devem ser subsumidos, determinaria a jurisdição administrativa como a competente para os apreciar.

No entanto, como o recorrente sabe, também, está jurisprudencialmente assente, que estribando-se a pretensão dos autores em duas normas, com a alegação de factos a elas subsumíveis, há pluralidade de causas de pedir, sendo que essa circunstância, todavia, não permite considerar que uma causa de pedir possa determinar a competência material de um tribunal, e a outra, a competência material de outro tribunal; só a causa de pedir considerada dominante poderá determinar essa competência.

É o caso dos autos.

O pedido real domina o pedido indemnizatório.

Seguindo na apreciação.

O que pretendem os Autores com a presente acção?

Que o Réu – que sendo uma autarquia terá sempre de prosseguir fins colectivos, reconheça o seu direito de propriedade sobre uma parcela de terreno, que seja condenado a repor um murete que aí destruiu e a pagar uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos Autores.

Os Autores assentaram esses seus pedidos na aquisição derivada (compra e venda) e originária (usucapião) de tal parcela de terreno e na consequente ilicitude na conduta do Réu na destruição de um murete da propriedade daqueles que aí se encontrava, o que consequentemente lhes provocou danos.

Diz, ainda, o apelante para justificar esta instância de recurso:

“…O thema decidenduum – aliás expresso pelos autores de forma clara – o da aferição da titularidade e natureza jurídica do direito de propriedade, no local pretendido, dos “18 m2 de superfície descoberta” (cfr. alínea a) do pedido constante in fine na p.i,), tendo de ser considerado que o litígio a apreciar teve a sua génese no momento da construção do muro pelos ora recorridos e a tal construção se deveu.

 Residindo o litígio inter partes na localização da dita parcela e não na existência do direito de propriedade sobre ela…”.

Para aferir da competência de um tribunal há que considerar a identidade das partes e os termos em que a acção é proposta, devendo atender-se à natureza da pretensão formulada ou do direito para o qual o demandante pretende a tutela jurisdicional e ainda aos factos jurídicos invocados dos quais emerge aquele direito, ou seja, ao pedido e à causa de pedir – neste preciso sentido, por todos, os Acórdãos do Tribunal de Conflitos de 20.09.2012 e de 16.02.2012, ambos retirados do site www.dgsi.pt -.

Esta Relação de Coimbra, por Acórdão de 7.9.2010, escreveu assim:

“Da interpretação concatenada das normas pertinentes da Constituição e do actual regime do ETAF, resulta que o critério decisivo fulcral para a atribuição da competência material aos tribunais administrativos, não é o cariz de gestão publica ou gestão privada do acto, mas antes depender a decisão do objecto da acção, tal como é delineado pelo autor, da aplicação de normas de natureza público-administrativa e, na acção, o ente publico actue ou invoque poderes de autoridade, de “jus imperii” que o coloquem numa posição de superioridade.

Se, ao invés, a apreciação do pedido depender, exclusiva ou essencialmente, da interpretação e aplicação de normas de índole jurídico-privada e, na acção, o ente publico actue, no processo, despojado de tais poderes, ou seja, em paridade e com igualdade de armas relativamente à outra parte, emerge a competência residual dos tribunais judiciais comuns.

Verifica-se esta última situação quando uma Junta de Freguesia propõe contra privados acção declarativa, de condenação, com vista ao reconhecimento do seu direito de propriedade relativamente a um bem imóvel, com invocação do instituto da usucapião”.

Mais – Acórdão de 26.1.2010 - “É da competência dos tribunais comuns a acção em que os Autores pretendem o reconhecimento do direito de propriedade sobre determinado prédio em consequência de um contrato de permuta entre eles e o Réu Município, através do qual este adquiriu àqueles um determinado prédio rústico, comprometendo-se o Município a dar-lhes de permuta um lote do futuro loteamento, por estar em causa um acto de gestão privada da Autarquia” – ambos os acórdãos foram retirados do site www.dgsi.pt -.

A 1.ª instância para fundamentar a sua decisão escreve assim:

“Ao contrário do que refere o Réu não está em causa a reacção contra um acto administrativo respeitantes à delimitação e defesa do seu domínio público – a não autorização da construção do “murete” referido na petição inicial e a ordem de remoção da via pública das pedras que o compunham – mas antes o reconhecimento da propriedade e por via disso a condenação por uma actividade ilícita.

“…Ora, compulsadas aquelas alíneas à luz da presente acção como de reivindicação, claramente se constata que a mesma não preenche qualquer daquelas alíneas pelo que residualmente a competência para o seu conhecimento compete aos tribunais comuns.

Contudo, o Réu invocou a inclusão desta acção na alínea g) daquela disposição que refere: “Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto (…) questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa”.

Será que no que tange ao pedido de condenação da Ré na reposição do murete e indemnização pelos danos causados poderemos enquadrá-la na alínea g) como emergente da responsabilidade extracontratual (por facto ilícito) do Réu?

Parece-nos que não.

Não podemos ver este pedido de condenação por responsabilidade civil extracontratual autonomamente, desligado do pedido principal, pois está directamente com ele relacionado.

É que a responsabilidade extra contratual que se pretende apurar não surge conectada com qualquer relação jurídica administrativa mas antes com uma relação de direito privado – existência de um direito de propriedade, pedido do seu reconhecimento, condenação à reposição do danificado e finalmente, condenação a indemnizar pelos danos causados.

Como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.03.2008, proc. 08A391, disponível in www.dgsi.pt., num caso muitíssimo semelhante ao presente, “O pedido de indemnização é meramente dependente ou consequente dos de reconhecimento de domínio e restituição da coisa, perdendo a autonomia em termos de competência, figurando-se uma situação de extensão de competência ou de competência por conexão do tribunal comum, nos termos do n.º 1 do artigo 96.º do Código de Processo Civil, onde o conceito de “incidentes” deve ser interpretado no sentido mais amplo”.

Para apreciar a competência deste Tribunal em razão da matéria há que ter em primeira linha de conta, conforme uniformemente tem sido o entendimento da jurisprudência, ao pedido e a causa de pedir, ou seja, há que atender há natureza da relação jurídica material em apreço segundo a versão apresentada em juízo pelo autor atendendo-se ao direito de que o mesmo se arroga e que pretende ver judicialmente protegido – cfr. neste sentido, explicativamente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.10.2004, proc. 04B3001, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 6.3.2012, proc. 950/10.6TBFAF-A.G1, ambos disponíveis, in www.dgsi.pt.” – fim de citação -.

Concordamos com a apreciação feita pela Sr.ª Juiz do Tribunal de Penamacor.

De facto, sendo a estrutura da causa, tal como vem configurada pelos autores, a determinar a competência material do tribunal, é irrelevante averiguar quais deviam ser os termos da pretensão - no fundo o que sucede com a competência do tribunal, sucede também com outros pressupostos processuais (legitimidade, forma do processo) -, ou seja, é a instância, no seu primeiro segmento consubstanciado no articulado inicial do demandante, que determina a resolução desses pressupostos.

Por isso, ao contrário daquilo que diz o apelante, nesta fase decisória, não competia ao Tribunal imiscuir-se na localização da dita parcela dos “18 m2 de superfície descoberta”, decisão esta que ficará para julgamento final, pelo que, arredado fica o argumento apresentado nas conclusões 13.ª a 18.ª.

Por outro lado, pelo menos por via de regra, aqui releva o facto de o cerne da acção, tal como delineado pelos autores, ter, ou não, a ver com o chamamento, interpretação e aplicação de regras de cariz administrativo - podendo, assim, no limite, o tribunal comum ser o competente, mesmo que o autor actue no âmbito da gestão pública, desde que para a tutela da sua pretensão convoque normas de índole jurídico-privada e se coloque numa posição processual de igualdade perante a outra parte -.

Assim, na improcedência do recurso, mantemos a decisão proferida pela 1.ª instância.

Passemos ao sumário:

1. Para que uma decisão careça de fundamentação - incorrendo na nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 668º do Código do Proc.Civil - não basta que a sua justificação seja deficiente, incompleta ou não convincente: é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.

2. A atribuição da competência em razão da matéria será daquele Tribunal que estiver melhor vocacionado para apreciar a questão colocada pelo autor, projectando um critério de eficiência que só poderá ser aferido em função do pedido deduzido e da causa de pedir, donde, portanto, a necessidade de verificar se existe norma que atribua a competência a um tribunal especial e, não havendo, caberá ela, subsidiária e residualmente, aos designados “tribunais comuns””

3. Estribando-se a pretensão dos autores em duas normas, com a alegação de factos a elas subsumíveis, há pluralidade de causas de pedir, sendo que essa circunstância, todavia, não permite considerar que uma causa de pedir possa determinar a competência material de um tribunal, e a outra, a competência material de outro tribunal; só a causa de pedir considerada dominante poderá determinar essa competência.

4. Sendo a estrutura da causa, tal como vem configurada pelos autores, a determinar a competência material do tribunal, é irrelevante averiguar quais deviam ser os termos da pretensão - no fundo o que sucede com a competência do tribunal, sucede também com outros pressupostos processuais (legitimidade, forma do processo) -, ou seja, é a instância, no seu primeiro segmento consubstanciado no articulado inicial do demandante, que determina a resolução desses pressupostos.

4. Decisão.

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão proferida pela 1.ª instância.

Custas pelo apelante.

(José Avelino - Relator -)

(Regina Rosa)

(Artur Dias)