Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
109/15.6PFCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: RELATÓRIO SOCIAL
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
IRREGULARIDADE
Data do Acordão: 02/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (INSTÂNCIA LOCAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 1, AL. G), 123.º, 323.º, AL. F), 327, N.º 2, 370.º, N.º 1, DO CPP; ART. 32.º, N.º 5, DA CRP
Sumário: I - A nível infraconstitucional, o princípio do contraditório mostra-se presente em todas as fases do processo penal, na fase do inquérito (art. 271º, nº 1) na fase da instrução (art. 294º, 298º e 301º, nº 2), na fase do julgamento (art. 323º, nº 1, f), 327º, 360º, nºs 1 e 2 e 361º, nº 1), ainda que com muito distintas intensidades.

II - O relatório social está sujeito ao princípio da livre apreciação da prova e, nada impedia que o tribunal recorrido o tivesse valorado probatoriamente para decidir sobre a prova de factos relevantes para a escolha e determinação da medida das penas a aplicar se, em tempo oportuno, tivesse dado conhecimento ao arguido do seu conteúdo para, querendo, poder exercer o contraditório (cfr. arts. 323º, f) e 327º, nº 2, do C. Processo Penal).

III - A lei não comina esta desconformidade [omissão de conhecimento pelo arguido] como nulidade, sanável ou insanável, pelo que estaremos perante uma mera irregularidade, sujeita ao regime de arguição previsto no art. 123º, nº 1, do C. Processo Penal.

IV - Reconhecida a invalidade dos actos posteriores à entrada em juízo do Relatório Social para a Determinação da Sanção, deve ser ordenada a repetição da a sua prática, a fim de ser assegurado ao arguido o preterido direito de audiência.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

 

I. RELATÓRIO

No Tribunal Judicial da comarca de Coimbra – Coimbra – Instância Local – Secção Criminal – J3, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo especial sumário do arguido A... , com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), do C. Penal.

Por sentença de 11 de Junho de 2015, depositada a 16 do mesmo mês, foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, na pena de onze meses e quinze dias de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de dois anos e seis meses.


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            Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            A. Com o presente recurso a incidir sobre matéria de direito e garantias de defesa (contraditório, justeza, adequação formal e substancial, subsunção jurídica e dosimetria penal de ambas as penas, acrescendo a vertente da sua execução), não se pretende colocar em causa o exercício das mui nobres funções nas quais se mostram investidos os Ilustres julgadores, mas tão-somente exercer "manifestação de posição contrária" ou "discordância de opinião", traduzido no legalmente consagrado direito de recorrer;

B. Tem-se a douta decisão recorrida por nula na parte em que conhece do relatório social elaborado ao recorrente (o qual não é de todo benéfico para o arguido por conter diversas afirmações em si mesmo prejudiciais, como seja a existência passada de maus-tratos e negligência inerentes aos problemas de alcoolismo) em violação da proibição de valoração por se entender que será prova proibida, por inexistência de produção ou exame em audiência conjugada com ausência de prévia notificação do mesmo para efeitos de elementar exercício do contraditório (o que no próprio dia, e após se tomar conhecimento da sua existência, se alegou em requerimento datado de 11 de Junho de 2015, cujo teor se deixou transcrito), constitucionalmente tutelado e admitido quer na mais elementar legislação nacional quer mesmo internacional

C. Tal qual decorre do doc. 1 que ora se junta, aquando da consulta dos autos via Citius momentos antes da leitura de douta sentença recorrida, inexistia qualquer indicação de junção de outro relatório social para além do remetido pelo Tribunal de Execução de Pernas de Coimbra, o qual já era do expresso conhecimento do arguido por ter suportado a sua libertação definitiva, tendo-se confiado na sua favorabilidade e não se tendo chegado a representar a existência de qualquer outro bem como a necessidade de contraditório, confiando-se que seria esse a estar subjacente à douta decisão a proferir,

D. Mostra-se a douta sentença a padecer do vício de nulidade por omissão de pronúncia na medida em que cinde o relatório social a que se apega, promovendo destaque a negrito sublinhado às passagens que abonam em desfavor do arguido e não conferindo tratamento igualitário a tudo quanto lhe aproveita (como seja postura laboral efectiva ininterrupta, abstinência etílica posterior a possibilitar o regresso da filha, boas relações familiares com esposa, filha. pais e sogros etc.), acrescendo o não conhecimento e consequente demissão ajuizativa sobre o relatório remetido pelo Tribunal de Execução de Penas, na sequência de pedido expresso do Tribunal a quo, e que continha factos relevantes por atinentes à abstinência e grau de cumprimento das condições subjacentes à liberdade condicional com efectiva adesão e sucesso;

E. A douta decisão recorrida enferma de nulidade ao conhecer, sem conferir qualquer contraditório ou efectuar alteração, de factos desfavoráveis ao arguido e que se não mostravam por este alegados nem constituíam tema processual, em violação do princípio da estabilidade da instância e vinculação do princípio da vinculação temática, como seja, os alegados maus-tratos existentes no passado, com a retirada da filha, os quais se mostraram notoriamente, decisivos para a fixação da não suspensão da execução da pena de prisão e contribuíram decisivamente para formar a convicção do Tribunal no que à necessidade de pena efectiva concerne bem como à sua medida;

F. Mostra-se contida expressa remissão no nº 4 do art. 370º para o art 355º, ambos CPP, e tal qual decorre dos autos, nenhuma audiência mediou entre o recebimento de tal relatório social e a prolação de douta sentença, não tendo havido qualquer análise, leitura ou visualização do mesmo em fase anterior a tal decisão, sendo certo que não correspondendo a factualidade por si alegada ou admitida após notificação não se vê como se possa defender tal validade quando não é benéfico para o arguido uma vez que contém diversas afirmações em si mesmo deveras prejudiciais, não podendo nunca justificar-se, nesta área do Direito, uma entorse aos princípios garantísticos, atento o recorte constitucional e legal, em matéria processual penal

G. Verifica-se manifesta proibição de valoração de tal prova nos termos do art. 355º CPP. atenta a remissão no n.º 4 do art. 370º CPP para tal norma legal, uma vez que o n.º 3 do art. 370º CPP consagra uma proibição relativa de leitura em audiência do relatório social ou informação dos serviços de reinserção social, a afastar a previsão do n.º 2 do art. 355º CPP por a reprodução ou leitura de tal relatório social não encontra enquadramento nos arts. 356º e 357º CPP, sendo lícito e conforme à normatividade jurídica concluir que se mostra a douta sentença proferida a padecer do vício de nulidade por ter valorado prova proibida, por o relatório social não ter sido produzido nem examinado em audiência, nos termos do n.º 1 do art. 355º CPP e, em nome do princípio da legalidade da prova, inadmissível por ser proibida por lei, nos termos do art. 125º CPP:

H. É inconstitucional, por violação do n.º 5 do art 32º CRP o entendimento e dimensão normativa do art. 370º n.º 4 CPP interpretado no sentido de "O relatório social obtido a pedido do Tribunal constitui prova válida em processo penal e apto a suportar a condenação ou a formar a convicção do Tribunal sempre e quando não tenha sido produzido nem examinado em audiência, atenta a restrição plasmada no n.º 3 do art. 370º relativa à leitura de relatório social e inaplicabilidade da excepção vertida no n.º 2 do art. 355º, ambas as normas CPP";

I. Por identidade de razão se mostra disforme à lei fundamental o entendimento e dimensão normativa do art. 370º n.º 4 CPP quando interpretado no sentido de "O relatório social obtido a pedido do Tribunal poderá constituir prova válida em processo penal e apto a suportar a condenação do arguido ou a formar a convicção do Tribunal sempre e quando não tenha sido previamente notificado ao arguido, a possibilitar exercício de contraditório";

J. Mostram-se deveras majoradas e não proporcionais a duração das penas principal e acessória, respectivamente 11 meses e 15 dias (a apenas 15 dias do limite máximo!) e dois anos e seis meses (ou seja, dez vezes mais que o limite mínimo !) uma vez que I) não tendo o recorrente sido interveniente em qualquer acidente de viação, II) ser relativamente jovem, III) desempenhar actividade profissional que implica condução de veículos automóveis e IV) mostrando-se social, laboral e familiarmente inserido não poderá unicamente atentar-se ao seu certificado de registo criminal e assim condicionar toda a sua vida futura;

K. Mostrando-se o limite máximo da moldura aplicável ao crime de condução sob o estado de embriaguez fixado até 12 meses e mostrando-se o recorrente condenado em 11 meses e 15 dias, em observância dos princípios da (des)igualdade, proporcionalidade, adequação, que pena seria aplicável a um arguido com muitos mais antecedentes criminais e que acusasse taxa de álcool bastante mais significativa?! Mostra-se imperiosa assim a atenuação punitiva.

L. Não se mostra uma evidência necessária o cumprimento de pena de prisão em estabelecimento prisional para efeito das finalidades da prevenção, uma vez que o arguido culposamente, voltou a delinquir, assim confirmando a falácia do sistema prisional, sendo que tal facto não apaga a evidência de durante tal liberdade condicional as regras e injunções, a que a mesma se mostrou condicionada, se revelaram deveras adequadas e aptas a evitar a prática de qualquer crime;

M. O cumprimento efectivo de pena em sede de cultura prisional apenas garante a defesa da sociedade durante o tempo da reclusão (a única coisa que garantidamente se conseguirá é evitar que o mesmo conduza veículo automóveis na via pública) na medida em que é toda a formação e adequado acompanhamento a realizar a posteriori que terá a virtualidade de livrar os arguidos do cometimento futuro dos mesmos pecados, o que poderá ser obtido, desde logo, mediante suspensão devidamente suportada por injunções e regras de conduta que do foro clínico se mostrem adequadas e aptas a eliminar tal vicio e dependência alcoólica pois a mera colocação do arguido em ambiente prisional não terá a virtualidade de eliminar a dependência de álcool, uma vez que não será alvo de qualquer tratamento e até acaba por ser noticiado que o álcool poderá circular no interior de tais estabelecimentos;

N. Entende o recorrente que estando devidamente comprovada a eficácia do plano traçado para o acompanhamento da liberdade condicional, com efectiva adesão e grau de comprometimento do arguido, mostrar-se-ia devidamente conforme às exigências da prevenção e finalidades da punição a sua conversão, mutatis mutandis, em injunções e regras de condutas subjacentes à suspensão da execução da pena de prisão, tendo por aplicáveis a submissão a tratamento plasmada no n.º 3 do art. 52º CP, conjugada com o previsto nas alíneas b) do n.º 1 e b), d) e f) do n.º 2 de tal norma legal;

O. Não poderá nunca justificar-se, nesta área do Direito ou qualquer outra, uma entorse aos princípios garantísticos, atento o recorte constitucional e legal, em matéria processual penal, uma vez que se a lei expressamente prevê adopção de medidas alternativas à efectividade do cumprimento da pena de prisão, tendo esta a natureza de ultima ratio, sempre exigindo uma especial fundamentação a afastar todas as demais, entendendo-se que in casu poderão ser aplicados os arts. 43º a 46º CP, a possibilitar o desempenho laboral pelo arguido e consequente sustento do seu agregado familiar,

P. Temos por violados os princípios da igualdade, adequação, proporcionalidade bem como carácter de ultima ratio do Direito prisional que assim se verá convocado, para efeitos de execução de pena de prisão, quando a danos idade material se mostra diminuta e a "justiça restauradora" uma realidade ao alcance do decurso do tempo e cumprimento das injunções ou regras de conduta subjacente à suspensão da pena de prisão e assim se efectuando o pagamento em termos ressarcitórios à sociedade e levando a acabo tratamento clínico adequado, sendo que o reforçar da simples exigência acrescida em termos de censura de revogação e ameaça de efectiva execução da pena de prisão (com o estigma associado!), realizarão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, mostrando o arguido já interiorizado o desvalor da sua conduta e seriamente empenhado em tornar a sociedade contrafacticamente de novo acreditada nos valores da justiça e bens jurídicos violados;

Q. Com o carácter subsidiário e fragmentário do Direito Penal importa conjugar um outro princípio fundamental – o da proporcionalidade – a significar a exigência de razoabilidade na proporção da necessidade de tutelar um bem fundamental, sendo certo que a intervenção do Direito Penal, por força das sanções jurídicas que lhe são características, colide com o direito de liberdade que é um direito fundamental do cidadão, só devendo intervir quando a sua tutela é necessária e útil, tendo alguma eficácia, o que in casu se não vislumbra atenta a ausência de consequências e reduzida expressão dos alegados factos bem como todo o circunstancialismo social e pessoal do arguido, que com a sua postura laboral, é a única fonte de rendimento económico do agregado familiar;

R. Pese embora os factos, tal qual se mostram na sua essência, desacompanhados de efectiva prova de particulares exigências ao nível do alarme social ou indignação da sociedade, não justifiquem a colocação nos carris e em circulação das pesadas, custosas e morosas locomotivas do Direito prisional (dado que "não se devem disparar canhões contra pardais, mesmo que seja a única arma de que disponhamos" adaptado da frase de Georg Jellinek "[N]ão se abatem pardais, disparando canhões"), o certo é que, a manter-se a douta decisão, por conta de tal factualidade e todo um conjunto de infelizes ocorrências, inerentes à ausência de verdadeira submissão a efectivo tratamento clínico, mostrar-se-á o recorrente a caminho do estabelecimento prisional!

S. A suspensão da execução da pena de prisão é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que, atenta a condenação que se peticiona, se mostrará aplicável, e consubstancia um poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador, ou a decretá-la, ou pelo menos, explicitar devidamente as razões da sua não concessão, não se concordando com a análise feita pelo Tribunal a quo, em termos e com argumentos que se deixaram supra vertidos:

T. Sempre faltou igualmente o Tribunal a quo pronunciar-se sobre em que medida o cumprimento efectivo de pena de prisão se revela a única via possível para salvaguardar as finalidades das penas, assim havendo nulidade decisória por omissão de pronúncia e ao não se pronunciar sobre a aplicabilidade de qualquer das demais formas de cumprimento de pena de prisão aplicáveis in casu, por a pena ser inferior a 12 meses, como seja permanência na habitação, prisão por dias livres ou em regime de semidetenção (as quais permitiriam manter o desempenho laboral!), acaba a douta sentença recorrida por incorrer em nulidade por omissão de pronúncia, vício do qual se denota exigibilidade de expurgação na medida em que expressamente se têm por aplicáveis tais fármacos:

U. Requer-se a V/Exas.. quer do ponto de vista jurídico quer sobretudo humanista, o provimento do presente recurso, devendo a douta sentença recorrida ser substituída por outra que equacione a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão possibilitando o cumprimento das condições de suspensão e efectivo tratamento médico, certo de que não desiludirá a confiança depositada, ou, no limite, seu cumprimento de formas alternativas (permanência na habitação, por dias livres ou regime de semi-detenção a possibilitar continuidade no desempenho da actividade profissional que permita sustentar o agregado familiar, dependente da retribuição do arguido!), porquanto a opção pela "bomba-atómica" de efectividade da prisão subsidiária é manifestamente excessiva, afirmando-se, acompanhando Santa Catarina de Siena, que "a pérola da Justiça, brilha melhor na concha da misericórdia", devendo ser temperada por esta, conforme dizeres de Taylor Caldwell em conformidade com a imagem global do ilícito que abona, de certa forma, o arguido!

V. Mostram-se violadas as seguintes normas jurídicas: maxime arts. 40º, 42º n.º 1, 43º n.º 1,  44º nº 1, 45º, 46º, 50º a 52º, 71º n.º 1 e 2 CP; arts. 2º, 118º, 125º, 355º n.º 1, 370º n.º 4 e 379º n.º 1 b) e c) CPP; art. 9º CC; arts 13º nº 2, 15º n.º 1, 18º, 32º n.º 1 e 5, 110º n.º 1, 202º n.º 1, 2 e 3, 204º e 205º CRP: art. 412º n.º 1 e 2 CPC; bem como violados e erroneamente aplicados os seguintes princípios: maxime contraditório, in dubio pro reo, da interpretação jurídica, da culpa, da legalidade do processo e da prova, da vinculação temática ao objecto do processo e estabilidade da instância, da igualdade, da proporcionalidade e adequação bem como inerentes aos fins das penas e a sobrevivência condigna, atenta a natureza e carácter intransmissível da pena.

Sic, contando sempre com o mui douto suprimento de V/ Exas. atento o supra exposto, por razões formais e substanciais, entende o recorrente que em obediência aos mais elementares princípios constitucionais e comandos interpretativos, que presidem a um Direito penal que se queira justo e processualmente conforme, por essencial para correcta subsunção dos factos ao Direito, não poderá deixar de ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência revogada a douta sentença proferida em razão dos vícios de que a mesma padece, como seja nulidade, valoração de prova proibida, errada subsunção jurídica dos factos bem como errónea interpretação e aplicação da lei;

Deverá assim ser expurgada a douta sentença do teor parcial do relatório social pelo qual optou ou em alternativa conferir previamente direito a contraditório e análise integral de ambos os relatórios juntos aos autos, com igualdade de tratamento face ao circunstancialismo que abona e prejudica o arguido, sem qualquer cisão ou destaque;

Na óptica do recorrente mostram-se deveras majoradas as penas principal e acessória em nome dos princípios da (des)igualdade proporcionalidade e adequação uma vez que se mostram bastante próximas do limite máximo, a não deixar espaço para punição acrescidamente diferenciada face a circunstancialismo mais gravosos, como seja, taxa de álcool bastante superior, ausência de inserção social, familiar e laboral bem como maiores e mais vastos antecedentes criminais;

Entende-se que se mostra ainda viável a suspensão da execução da pena de prisão mediante imposição de regras de conduta e injunções a impor efectiva frequência e conclusão com sucesso de tratamento médico, se necessário com internamento e outras regras ou deveres de afastamento face a pessoas ou locais conotados com a ingestão de tais substâncias, tendo em vista a cabal eliminação da problemática aditiva por a questão, mais que jurídica, ser substancialmente clínica e não lograr obter solução satisfatória em sede de cultura prisional, a qual se já revelou falaciosa;

No limite a manter-se a efectividade e cumprimento da pena de prisão, deverá ser a mesma possibilitada ou em permanência na habitação, ou por dias livres ou em regime de semi-detenção (aqui radicando nulidade decisória por omissão de pronúncia face a tais fármacos alternativos!), por forma a igualmente não privar o agregado familiar do recorrente (assim obstando a efeitos penais acessórios, como seja transmissibilidade da punição!) da única fonte de rendimento económico, adveniente do seu desempenho laboral.

V/Exas seres humanos sábios, pensarão e decidirão necessariamente de forma justa por ser impossível alcançar a justiça sem sabedoria na medida em que, citando Joseph Addison, ser absolutamente justo é uma qualidade de natureza divina: ser justo de acordo com o máximo das suas capacidades é a glória do homem", pelo que, como sempre, decidindo, farão a costumada, almejada e nos dizeres de Cícero

Justiça, rainha e senhora de todas as virtudes!


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            Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

            1. Dispõe o artº 123.º (Irregularidades) que "1 – Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado. 2 – Pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afetar o valor do ato praticado.".

2. Ora, o relatório social solicitado pelo Tribunal a quo, após a produção da prova, e junto aos autos no próprio dia que havia sido designado para a leitura da sentença (em 11-06-2015), foi notificado ao arguido na sequencia de requerimento junto aos autos, nesse mesmo dia, após a leitura da sentença;

3. Porém, a arguição da irregularidade – resultante da não notificação, ao arguido, do aludido relatório, antes da leitura da sentença – deveria ter ocorrido no decurso da sessão da audiência de julgamento durante a qual o Tribunal leu a sentença, o que não aconteceu, não tendo, por isso, a virtualidade de determinar a invalidade do ato a que se refere e do termos subsequentes que pudesse afetar.

4. De acordo com o disposto no artº 70º, do CP, "Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.".

5. Sucede que, in casu, atento o teor dos factos dados como provados na douta sentença recorrida – maxime o passado criminal do arguido, designadamente o facto de ter já sofrido condenações pela prática de crimes de condução de veículo em estado de embriaguez – o Tribunal a quo não podia aplicar a regra da substituição da pena curta de a prisão, por qualquer outra pena não privativa da liberdade, pois estas não acautelariam suficientemente as finalidades da punição, previstas no artº 40º, do CP (de proteção dos bens jurídicos e de reintegração do agente na sociedade), mostrando-se concretamente exigida a execução da pena de prisão, de modo a prevenir o cometimento de futuros crimes.

6. Acresce que o Tribunal a quo graduou de forma justa e adequada, quer a pena principal, quer a pena acessória, aplicadas ao arguido.

7. Pelo exposto, consideramos que a douta sentença recorrida não merece qualquer reparo, não tendo violado quaisquer disposições legais _ designadamente os artºs 40º, 42º, nº 1, 43º, nº 1, 44º, nº 1, 45º, 46º, 50º a 52º, 71º, nºs 1 e 2, do CP, os artºs 118º, 125º, 355º, nº 1, 370º, nº 4 e 379º, nº 1, al.s b) e c), do CPP, artº 9º, do CC, artºs 13º, nº 2, 15º, nº 1, 18º, 32º, nºs 1 e 5, 110, nº 1, 202º, nºs 1, 2 e 3, 204º e 205º, da CRP e artº 412º, nºs 1 e 2, do CPC – devendo ser mantida.

Termos em que, deverão Vªs Exas. negar provimento ao recurso, mantendo a douta sentença recorrida, assim fazendo, JUSTIÇA.


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, subscrevendo a contramotivação do Ministério Público, afirmando não padecer a sentença recorrida de nulidade por valoração de prova proibida, a adequação das medidas das penas e a impossibilidade legal da substituição da pena principal, e concluiu pelo não provimento do recurso.

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal, tendo respondido o arguido, reafirmando a argumentação constante da motivação e concluindo pela procedência do recurso.

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  Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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            II. FUNDAMENTAÇÃO

Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas – desnecessariamente longas e repetitivas – conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A violação do princípio do contraditório [omissão da notificação do Relatório Social para Determinação da Sanção] e a nulidade da sentença;

- A valoração de prova proibida [falta de produção e exame em audiência de julgamento daquele relatório];

- A nulidade da sentença por omissão de pronúncia;

- A nulidade da sentença por violação do princípio da vinculação temática;

- A inconstitucionalidade do nº 4 do art. 370º do C. Penal;

- A excessiva medida das penas, principal e acessória;

- A substituição da pena de prisão.


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            Para a resolução destas questões importa ter presente:

1. O que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

            A) Nela foram considerados provados os seguintes factos [por nós numerados]:

            “ (…).

[1] No dia 22.05.2015, pelas 02h30, na Praça da Republica, na cidade de Coimbra, o arguido conduzia o veículo ligeiro com a matrícula PG (...) , Renault 5GT Turbo, quando foi abordado por agentes da P.S.P. que efetuavam uma operação de fiscalização rodoviária.

[2] Submetido que foi a exame de pesquisa de álcool no sangue através de aparelho “Drager Alcotest/7110MKIII”, aprovado pelo I.P.Q. e verificado pelo I.P.Q. em 19/06/2012, o arguido acusou uma T.A.S. de 1,748 g/l correspondente a uma TAS de 1,90 g/l, deduzido o erro máximo admissível.

[3] O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que havia ingerido bebidas alcoólicas na quantidade em que o fizera e que se encontrava sob o efeito do álcool e com os reflexos diminuídos.

[4] O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

[Mais se provou que:]

[5] O arguido tem os antecedentes criminais constantes do C.R.C. de fls. 12 a 24 que aqui se dá por reproduzido.

[6] Conta com condenações desde o ano de 2006 até ao ano de 2013, sendo que foi condenado por diversas vezes (5) por crimes de condução sob a influência do álcool tendo sofrido duas penas de multa, uma pena de 5 meses de prisão suspensa na sua execução; uma pena de 6 meses de prisão substituída por trabalho e pena de 11 meses de prisão efetiva (por sentença transitada a 20.09.2013) tendo-lhe sido aplicada a pena acessória de 15 meses de inibição de conduzir).

[6] O arguido confessou integralmente os factos.

[7] Pretendia dirigir-se a Penacova e percorrer cerca de 20 Km.

[8] Não deu causa a acidente de viação.

[9] De acordo com o relatório social solicitado pelo tribunal “(…) O período da infância e adolescência do arguido processou-se junto dos seus progenitores, (…) frequentou as actividades lectivas na idade própria, vindo a completar o 5º ano de escolaridade, com reprovações.

Com catorze anos de idade passou a executar funções como aprendiz de mecânico, tendo transitado por diversas entidades patronais e, em diferentes localidades, na procura de melhores condições salariais.

Com vinte anos de idade veio a contrair matrimónio com o atual cônjuge, existindo uma filha desta ligação com 15 anos.

Referenciado início precoce de consumos etílicos com repercussões na sua atividade laboral e familiar.

Após contrair matrimónio passou a coabitar com os progenitores, mulher e filha.

O arguido encontra-se a desenvolver actividade profissional de assistente operacional nos serviços da Junta de Freguesia de Carvalho, tendo iniciado funções em Janeiro do corrente ano (…).

Devido à problemática de alcoolismo, a que se associava um quadro de maus tratos e negligência, por ambos os progenitores, a filha menor do casal veio a ser retirada da família, tendo permanecido por um período de nove meses institucionalizada em Coimbra. Gradualmente o processo de reaproximação aos pais foi ocorrendo, atendendo ao quadro de abstinência que ambos evidenciavam, vindo a menor a ser reintegrada no agregado a título definitivo.

Ainda sob orientação da Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais, ambos os progenitores foram envolvidos em processo terapêutico nos serviços da Unidade de Alcoologia de Coimbra, efetuando tratamento com farmacoterapia em regime ambulatório.

Presentemente o arguido continua inserido em consultas, tendo realizado a ultima em 11 de Março e, a próxima está agendada 29 de Setembro, devendo realizar novos exames de diagnóstico.

Apesar da manutenção de consultas de suporte terapêutico, o arguido evidencia um comportamento permeável e influenciável quando em convívio com o seu grupo de pares, também eles consumidores de bebidas etílicas, recaindo nesse contexto em consumos.

O arguido minimiza e desculpabiliza-se relativamente ao atual processo (…) demonstra débeis capacidades reflexivas e, de juízo critico, no que respeita ao seu histórico criminal.

Do seu empenho e capacitação relativamente à sua problemática aditiva, dependerá o sucesso da sua reabilitação (…)”.

            (…)”.

            B) Inexistem factos não provados e dela consta a seguinte motivação de facto:

            “ (…).

            O Tribunal formou a sua convicção com base na confissão integral do arguido e na ponderação de todos os meios de prova produzidos em audiência de julgamento tendo em consideração o teor dos documentos juntos aos autos (fls. 2 e 7, CRC e o teor da informação social).

Os mesmos não foram infirmados por qualquer meio de prova.

(…)”.

C) E a seguinte fundamentação de direito quanto à escolha e determinação da medida concreta das penas e substituição da pena de prisão:

“ (…).

O crime de condução em estado de embriaguez, praticado pelo arguido é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

Da conjugação do disposto nos arts. 40º e 70º do Código Penal resulta, com clareza, que o legislador optou preferencialmente pelas penas não privativas da liberdade sempre que estas cumpram, de modo adequado, as necessidades de prevenção geral positiva para a tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada, assegurando, igualmente, a reintegração do agente na sociedade.

Por seu turno, a determinação concreta da pena é atingida através de um procedimento que decorre em três fases distintas: na primeira investiga-se e determina-se a moldura penal (medida abstrata da pena) aplicável ao caso; na segunda indaga-se e determina-se a medida concreta (dita também individual ou judicial); na terceira escolhe-se (de entre as penas colocadas à disposição pelo legislador e através dos mecanismos das penas alternativas ou penas de substituição) a espécie de pena que efetivamente deve ser cumprida.

Todavia, no caso em análise, à luz dos princípios que deixamos expostos e atendendo aos antecedentes criminais do arguido, entende o tribunal que não seriam acautelados os fins das penas com a aplicação de uma pena de multa, a qual perdeu a sua eficácia dissuasora e ficaria aquém das exigências e finalidades da punição.

Dito isto, sabemos que na determinação do quantum da pena o Tribunal terá que atender à culpa do agente (artigo 71º nº 1 do Código Penal) e aos critérios da ilicitude do facto, à intensidade do dolo ou negligência, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime, aos fins ou aos motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente e a sua situação económica, à conduta posterior e anterior ao facto, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, à falta de preparação, revelada através dos factos, para manter uma conduta conforme às prescrições ético-jurídicas.

Não temos dúvidas em (re)afirmar, que a conduta do arguido é reveladora de uma grande indiferença perante os bens jurídicos tutelados pelas normas violadas.

Na verdade, o seu passado criminal e a reiterada adição alcoólica constituem fatores que militam contra si com particular acuidade apontando para elevadas exigências de prevenção especial.

A taxa de álcool que apresentava é claramente acima do limite a partir do qual a lei pune a conduta como crime.

O arguido pretendia circular uma distância razoável (cerca de 20 km) após ter – mais uma vez – ingerido bebidas alcoólicas. E isto pouco meses depois de ter saído em liberdade condicional pelo cometimento de idêntico crime!

Efetivamente em Setembro de 2014 saíra do estabelecimento prisional – cfr. CRC.

A seu favor conta pois apenas com a inserção familiar /laboral e a circunstância de não ter causado uma situação de perigo em concreto…

Ponderados todos estes elementos, tendo presente a elasticidade da moldura penal e o elevado grau de culpa e de ilicitude dos factos o tribunal julga adequado aplicar ao arguido a pena de 11 meses e 15 dias de prisão.

Da suspensão da execução da pena de prisão ou da aplicação de penas de substituição:

Sempre que o tribunal opte pela aplicação de penas curtas de prisão terá que aferir da possibilidade da sua substituição por outra, menos gravosa, e/ou pela suspensão da execução da pena (cfr. artigos 43º e ss e 50º do Código Penal).

A ideia de politica criminal que fundamenta tal propósito é a de que, no domínio da pequena criminalidade, a que correspondem penas curtas de prisão, a sua substituição ou a simples ameaça de prisão poderá, em muitos casos, nomeadamente sempre que se tratem de delinquentes primários, bastar pelo cumprimento das finalidades de punição (Figueiredo Dias, ob. cit. pág. 341).

São condições de suspensão de uma pena, atento ao disposto no artigo 50º, nº 1, do Código Penal, a existência de um juízo de prognose favorável, atendendo às circunstâncias da prática do crime, a personalidade do arguido, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao crime, de que a simples censura será suficiente para levar a cabo as finalidades de punição.

Na realização desse juízo de prognose, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto (Figueiredo Dias, ob. cit. pág. 342).

Dito isto cremos que os antecedentes criminais dos arguido – in casu – afastam a possibilidade de suspensão da pena.

Com efeito, o arguido várias condenações anteriores pela prática de crimes de igual natureza.

No entanto, mesmo após ter cumprido um pena de prisão efetiva – e poucos meses após – não se absteve da prática de idêntico ilícito penal.

Como assim, cremos que não é possível agora efetuar o juízo de prognose favorável à suspensão da pena ou à aplicação de uma pena de substituição (penas essas que no passado não surtiram qualquer efeito), já que, pelo contrário, para dissuadir o arguido do cometimento de crimes desta natureza e o afastar do seu comportamento aditivo (associado ao crime) se nos afigura necessário o cumprimento da pena privativa da liberdade.

Nos termos do art. 69.º, 1, al. a) do CP “É condenado na proibição de conduzir veículos motorizados por um período fixado entre 3 meses e 3 anos quem for punido:

a) Por crime previsto nos artigos 291.º ou 292.º.”

Esta pena acessória encontra o seu fundamento na perigosidade do agente e destina-se a actuar psicologicamente sobre o imprudente condutor visando, pela privação do uso do veículo ou da sua condução, influir preventivamente na conduta futura do infractor. E, atendendo aos efeitos que, em matéria de sinistralidade rodoviária, estão estatisticamente associados à condução em estado de embriaguez, é evidente que a condução com uma taxa de álcool no sangue, de 1,748 g/l, constitui uma conduta grave e violadora das regras que pretendem assegurar que a actividade de conduzir se processe dentro das margens do chamado “risco permitido”.

Como assim, tudo ponderado, entendo ser de aplicar ao arguido a referida pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.

E, atento o circunstancialismo acima enunciado na determinação da medida concreta da pena de multa – designadamente a sua conduta anterior aos factos e o grau de alcoolémia apresentado pelo arguido e a necessidade de o fazer interiorizar a censurabilidade da sua conduta e de prevenir a incursão futura do mesmo na prática de tal crime - julgo adequado fixar em 2 anos e 6 meses, tal proibição de conduzir.

(…)”.

2. E os seguintes elementos que se colhem dos autos:

i) No termo da audiência de julgamento de 22 de Maio de 2015, findas as alegações, a Mma. Juíza a quo proferiu o seguinte despacho:

 Por se reputar indispensável à correta determinação da sanção, solicite à DGRS, com nota de urgência, a elaboração de Relatório social ao arguido A..., a efectuar nos termos do disposto no artigo 370º do Código de Processo Penal, informado a data que agora se designa para a leitura da sentença. Assim sendo, com a dilação necessária à elaboração do referido relatório, designando para leitura da sentença o próximo dia 11 de Junho de 2015, pelas 15h. Notifique.

ii) Por ofício datado de 27 de Maio de 2015, a DGRS, invocando a exiguidade do prazo e a acumulação de serviço, solicitou a sua prorrogação para finais de Junho, início de Julho.

iii) Em consequência, por despacho de 28 de Maio de 2015, a Mma. Juíza a quo determinou que fosse solicitado ao TEP o envio de cópia do último relatório social referente ao arguido.

iv) Em 3 de Junho de 2015, enviado pelo TEP, deu entrada o Relatório Final de Acompanhamento da Liberdade Condicional, datado de 26 de Fevereiro de 2015 [fls. 44 a 45];

v) Em 11 de Junho de 2015, a hora não apurada mas, necessariamente, antes das 15h10 [a audiência de julgamento para leitura da sentença iniciou-se a esta hora e foi encerrada às 15h50, conforme consta da acta de fls. 51 e ss.], deu entrada em juízo o solicitado Relatório Social para Determinação da Sanção [fls. 48 v. a 50].

vi) Entre o termo deste relatório e a acta da audiência de julgamento para leitura da sentença não consta qualquer termo de notificação daquele ao recorrente ou ao seu Ilustre Defensor,

vii) Da acta da audiência de julgamento para leitura da sentença não consta a entrada do relatório nem a sua notificação ao recorrente.

viii) Pelas 17h12 do dia 11 de Junho de 2015, o Ilustre Defensor do arguido, via fax, anotando a importância que o relatório social teve na definição das exigências de prevenção e consequente impossibilidade de cumprimento da pena mediante permanência na habitação com vigilância electrónica, e a ausência da notificação de tal relatório, com violação do contraditório, requereu que fosse efectuada a notificação em falta, sem prejuízo de outra decisão do Tribunal da eventual nulidade ou irregularidade cometida.

ix) Em 12 de Junho de 2015 a Mma. Juíza a quo proferiu despacho ordenando a notificação do relatório social, que foi efectuada ao Ilustre Defensor, por via postal registada, datada de 17 de Junho de 2015 [fls. 66].


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Da violação do princípio do contraditório [omissão da notificação do Relatório Social para Determinação da Sanção] e a nulidade da sentença

1. Alega o recorrente – conclusões B e C – que a sentença recorrida é nula na parte em que conhece do relatório social, que não lhe é benéfico, e não lhe foi previamente notificado para poder exercer o contraditório, sendo certo que, momentos antes da leitura da sentença inexistia no Citius qualquer indicação de junção de relatório social que não fosse o enviado pelo TEP, já seu conhecido e com conteúdo favorável. No corpo da motivação densifica a alegação, dizendo que a extemporânea notificação do relatório social, porque posterior à prolação da sentença não pode suprir o vício, e se o mesmo pode não constituir nulidade insanável, porque respeita à sentença que, ao conheceu de questões de que não poderia ter conhecido sem assegurar o contraditório, padece da nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do art. 379º do C. Processo Penal.

Vejamos.

Como é sabido, o art. 32º da Constituição da República Portuguesa reúne os mais importantes princípios substantivos do processo criminal, a comummente designada constituição processual criminal. Dispõe no seu nº 5 que, o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.  

Relativamente aos destinatários, o princípio do contraditório aqui referido significa:

- O dever e o direito de o juiz ouvir a acusação e a defesa relativamente a matérias objecto da decisão;

- O direito de audiência dos sujeitos processuais que possam ser afectados pela decisão, dessa forma lhes garantindo uma influência no desenvolvimento do processo designadamente, e quanto ao arguido, o direito de este se pronunciar e contraditar todos os meios de prova e argumentos trazidos ao processo;

- A proibição de condenação por crime diferente do acusado, sem o arguido poder contraditar os respectivos fundamentos (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª Edição Revista, 2007, Coimbra Editora, pág. 522 e ss.).

Nota Figueiredo Dias, que o que verdadeiramente está em causa no princípio do contraditório e que o torna indispensável para o pleno e eficaz direito de defesa, é a relação entre a Pessoa e o Direito, mais particularmente, a relação entre a pessoa e o «seu» direito. O direito de audiência é a expressão necessária do direito do cidadão à concessão da justiça, das exigências comunitárias inscritas no Estado-de-direito, da essência do Direito como tarefa do homem e, finalmente, do espírito do Processo como «comparticipação» de todos os interessados na criação da decisão. O princípio do contraditório e/ou da audiência traduz, portanto, a existência de uma norma objectiva de condução do processo que deve que deve assegurar ao titular do direito a possibilidade de alegar as suas razões e desse influir no ‘dizer’ do direito (Direito Processual Penal, 1ª Edição, 1974, Reimpressão, pág, 157 e ss.).

A nível infraconstitucional, o princípio do contraditório mostra-se presente em todas as fases do processo penal, ainda que com muito distintas intensidades.

Assim, na fase do inquérito, pela natureza e objecto deste, o princípio apenas se manifesta na tomada de declarações para memória futura, na medida em que podem ser valoradas em julgamento e, por isso, decorrem perante o juiz de instrução (art. 271º, nº 1 do C. Processo Penal). Na fase da instrução, para além da tomada de declarações para memória futura (art. 294º do C. Processo Penal, alarga-se ao debate instrutório (arts. 298º e 301º, nº 2, do C. Processo Penal). Na fase do julgamento o princípio alcança a sua máxima amplitude, estando toda a audiência a ele subordinada, como decorre do disposto no art. 323º, nº 1, f) [no que respeita à direcção da diligência pelo juiz], 327º [em especial, para a questão sub judice, o seu nº 2, no que respeita aos meios de prova apresentados na audiência], 360º, nºs 1 e 2 [no que respeita a alegações orais] e 361º, nº 1 [últimas declarações do arguido], todos do C. de Processo Penal.

2. O art. 1º, g) do C. Processo Penal define «Relatório social» como a informação sobre a inserção familiar e socioprofissional do arguido e, eventualmente, da vítima, elaborado por serviços de reinserção social, com o objectivo de auxiliar o tribunal ou o juiz no conhecimento da personalidade do arguido, para os efeitos e nos casos previstos na lei.  

Trata-se portanto, de um meio de prova habilitante do conhecimento da personalidade do arguido que, não tendo o valor de prova pericial, está sujeito ao princípio da livre apreciação da prova

In casu, o relatório social de que cuidamos foi requerido pela Mma. Juíza a quo, já depois de produzidas as alegações orais na audiência de julgamento, por o ter considerado indispensável para a correcta determinação da sanção a fixar na sentença. Trata-se, inquestionavelmente, do relatório social a que alude o nº 1 do art. 370º do C. Processo Penal. Dele constam, normalmente, informações sobre o processo de socialização do arguido, sobre as suas condições económicas e sociais e sobre as características da sua personalidade, como também frequentemente constam factos não confirmados e conclusões. E assim sucede nos autos, pois que o Relatório Social para a Determinação da Sanção, de fls.48 v. a 50 – elaborado com base, além do mais, em entrevista do arguido, entrevista do cônjuge, articulação com a médica assistente dos serviços da Unidade de Alcoologia de Coimbra – contém a descrição de «Dados relevantes do processo de socialização», a descrição das «Condições sociais e pessoais» a descrição do «Impacto da situação jurídico-penal» e as «Conclusões».

Uma vez que, como dissemos, o relatório social está sujeito ao princípio da livre apreciação da prova, nada impedia que o tribunal recorrido o tivesse valorado probatoriamente para decidir sobre a prova de factos relevantes para a escolha e determinação da medida das penas a aplicar se, em tempo oportuno, tivesse dado conhecimento ao arguido do seu conteúdo para, querendo, poder exercer o contraditório (cfr. arts. 323º, f) e 327º, nº 2 do C. Processo Penal).

Ora, o referido Relatório Social para a Determinação da Sanção foi relevado na formação da convicção da Mma. Juíza a quo – como consta dos factos provados elencados na sentença [ainda que com opção por uma técnica que, ressalvado sempre o devido respeito, se nos afigura incorrecta, na medida em que foram levados aos factos provados segmentos do relatório e não os concretos factos que tais segmentos evidenciariam] e da própria motivação de facto desta – e não pôde deixar de pesar na escolha das medidas da pena de prisão e da pena acessória, e na decisão de não substituição da primeira.

Porém, tal relatório social não foi dado a conhecer ao arguido antes da prolação da sentença. Com efeito, tendo sido junto aos autos pela DGRS no dia 11 de Junho de 2015 portanto, no próprio dia em que foi lida publicamente a sentença recorrida, na acta da respectiva leitura [fls. 51 e ss.] não lhe é feita qualquer referência. Tão-pouco entre a junção do relatório social e aquela acta existe qualquer notificação ao arguido, tendo o relatório por objecto. É pois inquestionável que foi violado o princípio do contraditório (cfr. Acs. do STJ de 25 de Fevereiro de 2009, proc. nº 09P0094 e da R. de Lisboa de 12 de Julho de 2012, proc. nº 56/09.0PFAMD.L1-5, ambos in www.dgsi.pt).

A lei não comina esta desconformidade como nulidade, sanável ou insanável, pelo que estaremos perante uma mera irregularidade, sujeita ao regime de arguição previsto no art. 123º, nº 1 do C. Processo Penal: arguida pelo interessado no próprio acto ou, se a este não tiver assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiver sido notificado para qualquer termo do processo, ou intervindo em algum acto nele praticado.

Contrariamente ao pretendido pela Digna Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, o arguido não teria que arguir a irregularidade no próprio acto, entendido por este a audiência em que foi lida a sentença, precisamente porque da respectiva acta não consta que nela, audiência, tenha sido junto o relatório social, como também aí não consta que tenha sido notificado aos sujeitos processuais.

Deste modo, tendo estado presente o arguido na referida audiência, é a partir dela que se inicia o prazo de três dias, previsto na norma supra citada, para arguir a apontada irregularidade [aliás, este é também o entendimento expresso no citado Acórdão do nosso mais Alto Tribunal]. Ora, tendo o arguido, cerca de uma hora e vinte minutos depois de proferida a sentença, ter feito chegar ao tribunal, via fax, um requerimento onde invocou a violação do contraditório, por não lhe ter sido notificado, antes da decisão, o relatório social que se revelou importante para a prova de factos prejudiciais, o que poderia significar o cometimento de nulidade ou irregularidade processual, parece-nos evidente que foi tempestivamente arguida a irregularidade verificada.

Por outro lado, ainda que o dito relatório social tenha sido notificado ao Ilustre Defensor do arguido por via postal registada datada de 17 de Junho de 2015, tal notificação não sana a irregularidade pois que o contraditório é assegurado, lógica e necessariamente, antes de o tribunal decidir. Proferida a decisão, já nada há a contraditar, sobrando apenas a constatação de que o direito de audiência foi, de forma absoluta e irremediável, ignorado.

Quais as consequências da irregularidade?

Não carece de demonstração que o arguido, face ao teor do Relatório Social para a Determinação da Sanção, pretenderia, com o contraditório, pelo menos abalar, junto do tribunal recorrido, a credibilidade dos elementos que dele constam e que conferem características menos favoráveis à sua personalidade de modo a que não transitassem para a sentença como aspectos negativos, fundamentadores de um determinado sentido da decisão.

Assim, tendo o relatório social dado entrada em juízo no próprio dia em que foi proferida a sentença mas, necessariamente, antes da leitura desta em audiência, todos os termos subsequentes àquela entrada em juízo e, em especial, a sentença, foram afectados pela irregularidade verificada pelo que, nos termos do art. 123º, nº 1 do C. Processo Penal, são inválidos.   

Deste modo, reconhecida a invalidade dos actos posteriores à entrada em juízo do Relatório Social para a Determinação da Sanção, deve ser ordenada a repetição da a sua prática, a fim de ser assegurado ao arguido o preterido direito de audiência.   

2. Diremos ainda, brevitatis causa, que a sentença não enferma da nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do art. 379º do C. Processo Penal, na medida em que todos os factos descritos na acusação dela constam como provados e nos exactos termos em que, ali, foram imputados ao arguido.


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            O reconhecimento da irregularidade verificada e as consequências apontadas, prejudicam o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.

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            III. DECISÃO.

            Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento. Consequentemente, decidem:

A) Reconhecer a irregularidade praticada, decorrente da não notificação do Relatório Social para a Determinação da Sanção antes de ter sido proferida a sentença, declarando a invalidade dos termos subsequentes à entrada em juízo do mesmo relatório social, incluindo, a sentença proferida.

B) Determinar a reabertura da audiência a fim de nela poder ser exercido o preterido direito ao contraditório, seguindo-se depois os demais termos designadamente, a leitura da nova sentença. 

Recurso sem tributação, atenta a sua procedência (art. 513º, nº 1 do C. Processo Penal).


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Coimbra, 17 de Fevereiro de 2016


(Heitor Vasques Osório – relator)


(Fernando Chaves – adjunto)